CAPÍTULO V



CAPÍTULO V

Hermione ficou parada ao lado da janela, observando o marido. Usando um pequeno saco de areia, ele exercitava os soldados no pátio. Depois de um começo indefinido, março havia se tornado surpreendentemente quente. Rony aproveitou-se disso para dar treinamento ao que restava do exército do pai dela. Fazia aquele trabalho com competência e dedicação, da mesma forma como havia posto em ordem a escrituração contábil da propriedade. Hermione ficou olhando, fascinada, enquanto ele comandava os homens com tranqüila segurança, como fazia com tudo o mais.
- Estou vendo que o tempo se firmou.
Hermione levou um susto ao ouvir a voz baixa e rude de Serle, que parou ao lado dela. Estava tão concentrada no que Rony fazia que nem percebeu a aproximação do servo. Então recriminou-se por estar tão desatenta. Era mais um exemplo de como o marido conseguia afetá-la e ela não estava gostando nada daquilo.
- Parece que Santo Geoffrey vai ter a primavera mais cedo, como queria. - voltou a falar Serle.
Absurdamente irritada pelo uso do apelido do marido dela, Hermione fitou o mordomo com os olhos apertados. Percebendo desprezo na voz do homem, tentou entender os motivos que ele podia ter. Acreditava ela própria ter bons motivos para desprezar Rony, mas não entendia o que as outras pessoas do castelo podiam ter contra ele. Pensando bem, aquela animosidade parecia não só injustificada, mas também injusta.
Injusta? A vida dela, sim, sempre tinha sido injusta. Se não fosse assim, por que a morte havia levado a mãe dela, deixando-a naquela casa sem nenhum aliado, sem ninguém? Ela havia ficado diante da sepultura, ouvindo o palavrório de Edred sobre a vida eterna ou a danação sem fim, ao mesmo tempo que se perguntava onde, naquele mundo ou no outro, haveria justiça.
Portanto, por que ela se preocuparia com o fato de que Rony era desprezado pela gente que tão arduamente tentava conquistar? Procurando se convencer de que não dava a menor importância ao que as pessoas pudessem pensar do marido dela, olhou novamente pela janela.
- Talvez o bom Santo Rony tenha influência sobre as estações do ano. - disse, em tom meio zombeteiro.
Pensando bem, e embora ainda não houvesse conseguido conquistar a afeição dos novos servos, Rony Potter parecia possuir assustadoras habilidades.
- Mas que blasfêmia, minha lady! - censurou-a Serle rindo. - Edred não gostaria nada de ouvir isso.
Hermione também riu. O padre estava sempre ralhando por algum motivo, mas ela havia aprendido a não dar atenção ao que ele dizia. Embora não tivesse ilusões sobre si própria, tinha certeza de que a bondosa e inocente mãe não tinha sido uma criatura maldosa, mesmo Edred afirmando que todas as mulheres eram pecadoras de nascença. O antigo capelão do castelo não destilava tanto veneno. O bondoso homem de Deus ousou criticar as maldades do pai dela e morreu por causa disso. Como tudo o que era bom na vida dela.
Procurando não pensar na amarga verdade, Hermione olhou novamente para o pátio, onde Rony e alguns cavaleiros agora se exercitavam com bastões. Ela já vira aquele exercício antes, mas nunca com a participação do marido. Ele parecia diferente, muito forte, mortal…
- Talvez Montgomery o mate. - disse Serle, como se estivesse alegre com a perspectiva. - Nesse caso a senhora seria uma viúva.
Hermione espantou-se ao se sentir alarmada. Mas o que o mordomo estava querendo dizer? Haveria algum plano de assassinato em andamento no castelo? Embora ela não tivesse nenhuma afeição pelo marido, se ficasse viúva logo seria entregue como mercadoria a algum outro. Sentindo um início de pânico, Hermione deu um passo na direção de Serle, com a mão no punhal.
- Só eu posso matar por aqui. E tome cuidado com essa língua, ou começarei por você.
Serle recuou, depois de fazer uma reverência insolente, e ela olhou novamente pela janela. Estava com a palma das mãos úmidas e os dedos tensos, apertando o cabo da arma. Comparado com alguma nova e desconhecida ameaça, Rony até que parecia um homem muito, muito bom.
Em mais de um aspecto.
Ele não estava vestido com a malha de guerreiro, usando no exercício apenas uma leve túnica, e Hermione se viu com os olhos fixos naquele corpo musculoso. Embora já o houvesse visto vestido daquele jeito em muitas outras ocasiões, naquele dia ele estava diferente, porque o suor deixava a túnica colada ao corpo.
Enquanto observava, Hermione se deu conta de que nunca havia reparado de verdade no belo torso do marido.
Sem ser corpulento como Montgomery, que o superava em peso, ele era forte e veloz. Usava os braços mais esbeltos para manejar o bastão com agilidade e destreza, tendo pleno controle sobre a arma. Hermione raramente prestava atenção nos cavaleiros, mas havia algo de fascinante na forma como Rony atacava e se defendia, com movimentos seguros e graciosos. À medida que a luta de mentira tornava-se mais intensa, a túnica colou-se ainda mais à pele e ela ficou observando enquanto os músculos do marido se contraíam, distendendo-se em seguida.
Não entendia como podia estar fascinada daquele jeito, logo ela, que sentia repugnância pelos homens em geral, pelas guerras, pelos cavaleiros e por seus espetáculos de força. Mesmo assim permaneceu parada, como se houvesse criado raízes, olhando o suor que escorria pelo rosto e pelos braços dele.
Rony vinha gradualmente se tornando menos intimidador, ao ponto de ela se sentir segura para caçoar dele, chamando-o de santo, mas agora, naquele combate simulado, ele se mostrava o homem forte que era, parecendo invencível. Destacava-se da multidão não só por ter ascendência nobre, mas principalmente por ter mais habilidade que os demais, ser mais ágil e mais inteligente.
Rony jogou a cabeça para cima, fazendo os cabelos caírem na nuca, e Hermione dilatou as narinas, como se pudesse sentir o cheiro másculo que ele devia estar exalando. Depois umedeceu os lábios, intrigada com as sensações que a assaltavam. Sentia o corpo pesado, como se estivesse acometida por alguma estranha doença, e tinha os seios intumescidos e sensíveis. A respiração havia se acelerado, bem como as batidas do coração.
Então, a cena que ela vinha afastando da mente há duas semanas retornou com cristalina clareza. Outra vez Hermione se viu deitada na estrebaria, por baixo de Rony, sentindo todo o peso dele. Em vez de esmagá-la ele a acolchoava, protegendo-a com os músculos poderosos, deixando-a tonta ao encostar os lábios nos dela.
O gosto de sua boca era diferente de tudo o que ela já havia experimentado. Tinha um sabor estonteante, quente, maravilhoso…
Rogando uma praga, Hermione virou as costas para a janela e encostou nas faces os punhos cerrados. O que estava acontecendo com ela? Sentia-se muito diferente de si mesma, como se houvesse se transformado numa outra pessoa, e aquilo a assustava mais do que qualquer ameaça. Resolveu sair imediatamente dali para não ver o corpo do marido em movimento, mas um grito a reteve.
Voltando-se rapidamente, Hermione viu o motivo do alarde. O combate simulado entre os dois homens estava se tornando brutal. Era assistido por uma multidão de soldados, servos e homens livres, todos com olhos ávidos, como se os contendores lutassem pelo domínio do próprio castelo. Hermione apertou os olhos quando Rony quase foi derrubado por um golpe do oponente.
Enraivecida ela amaldiçoou Montgomery pela traição. O homem era um dos mais proeminentes cavaleiros do pai dela que haviam restado depois da guerra contra Wessex. Muitos soldados tinham sido deixados nas mãos do inimigo, mas os cavaleiros eram valiosos demais para serem desprezados. Antes de encontrar o próprio destino, Zacarias Smith havia ordenado a Serle que pagasse o resgate exigido por eles. E agora Elene olhava com cautela para aqueles cavaleiros, ciente do que eles eram capazes e da facilidade com que poderiam se voltar contra ela.
E agora Montgomery parecia ansioso para superar o novo lorde, porque o que havia começado como um exercício obviamente estava se transformando num combate real. O cavaleiro loiro caiu, mas levantou-se com rapidez e imediatamente projetou-se para a frente, com a ponta do bastão visando a garganta de Rony.
Hermione soltou um grito abafado e levou a mão à garganta, como se a ameaça fosse contra ela. Com uma rápida esquiva, Rony livrou-se do golpe. Logo depois encostou a ponta do bastão no peito de Montgomery e ergueu a voz, ordenando o encerramento do exercício. Temerosa de que o cavaleiro não obedecesse, Hermione fechou os dedos no cabo do punhal. Não permitiria que Montgomery matasse o marido dela. Por alguns instantes ficou observando, trêmula e com a respiração contida, até que finalmente o cavaleiro assentiu, dirigindo a Rony um olhar sombrio.
Mesmo assim Hermione continuou esperando, os olhos fixos em Montgomery. Só quando viu o tratante se afastando, relaxou o aperto dos dedos, mas permaneceu vigilante enquanto Rony dispensava os soldados e começava a caminhar de volta ao castelo. O coração dela batia freneticamente enquanto ele atravessava o pátio cheio de gente. Por mais forte que fosse, parecia vulnerável. Qualquer um poderia cravar um punhal entre as costelas dele, pensou Hermione, deslocando-se rapidamente para a porta.
Subitamente tornou-se imperativo que ela impedisse aquilo de acontecer. Enquanto observava a aproximação dele, Hermione procurou se convencer de que protegê-lo era do interesse dela. Fossem quais fossem os obscuros objetivos de Rony, seria mais fácil lidar com ele do que qualquer outro homem.
Rony entrou no salão e ela abriu a boca para falar, censurá-lo pela imprudência. Quando ele pegou uma toalha de linho da mão de um servo para enxugar o suor do rosto, porém, Hermione sentiu a garganta seca e a língua presa ao céu da boca. Ficou apenas olhando enquanto ele ordenava que lhe preparassem um banho.
Rony caminhou para a escada, aparentemente sem notar a presença dela, e Hermione se viu obrigada a segui-lo, porque continuava sem voz. Subiu a escada a alguns passos dele e foi entrando no quarto, apenas para parar à porta quando o viu erguendo os braços para se despir da ensopada túnica.
Conteve a respiração e ficou olhando para os músculos das costas dele, que brilhavam por causa do suor. Os ombros eram largos e dourados, a pele sem nenhuma marca, tão bonita que ela não conseguia desviar os olhos. Achou que talvez estivesse dominada por alguma estranha febre.
Logo depois Rony se voltou. Hermione quase perdeu a firmeza das pernas quando viu o peito musculoso do marido, coberto apenas por uma camada de pêlos escuros. Agora a vontade que ela sentia era de tocá-lo, erguer a mão para correr os dedos entre aqueles pêlos. Sem dúvida ele tinha feito alguma coisa com ela, posto alguma droga na comida, espalhado alguma essência pela casa! Respirando fundo, Hermione finalmente conseguiu erguer os olhos para o rosto dele.
- Hermione?
Rony a estudou com olhos atentos e ela se sentiu uma idiota por ter ficado olhando para ele daquele jeito. E o pior era ter sido apanhada fazendo isso. Quando ele, com displicência, passou os dedos no peito largo, como se a incentivasse a fazer o mesmo, os olhos dela outra vez desceram para aquela região. Hermione sentiu a pele latejando de desejo, algo que procurou sufocar de pronto, juntamente com a letargia que ameaçava dominá-la.
- Montgomery vai matá-lo. - disse, com a voz um tanto rouca.
Rony abaixou a mão de dedos longos. Uma mão grande. Quente.
- Acha que ele tem condições para fazer isso?
A pergunta despreocupada, feita com a arrogância muito típica dos homens, prontamente desfez o entorpecimento de Hermione.
- Podem chamá-lo do que quiserem, mas você não é nenhum santo. É apenas um homem, tão vulnerável à lâmina de um punhal quanto qualquer outro.
Rony pareceu meditar sobre aquilo.
- Mas você tem motivos para desconfiar de Montgomery?
Motivos? Ela não precisava de nenhum motivo para desconfiar de um homem. Hermione soltou um riso zombeteiro.
- Ele quer sua morte. - disse. - Vejo isso nos olhos do homem.
Hermione ouviu um barulho fora do quarto e pôs a mão no cabo do punhal. Quando se voltou, viu os servos que subiam a escada carregando a velha banheira de madeira. Eles entraram e ela se afastou para que a banheira fosse posta no chão, diante da lareira.
- A água para o seu banho está pronta, meu lorde. - disse um dos rapazes.
Depois os servos caminharam para a porta, todos procurando passar ao largo de Hermione.
O banho dele. Hermione olhou para a banheira e depois para Rony, que sustentou o olhar dela como se estivesse tendo o mesmo pensamento. Como esposa dele e senhora do castelo, era obrigação dela banhá-lo. Mas ela não estava disposta a assumir tal obrigação. Rony não apenas continuava dormindo no chão, como também eles passavam todas as noites inteiramente vestidos. Na verdade, aquela era a primeira vez que ela o via vestindo apenas o calção. Enrubescendo, perguntou-se como ele seria sem nada. Até onde iria aquela penugem do peito? As pernas longas eram também musculosas? As nádegas tinham a mesma cor dos ombros ou…
Chocada com aqueles pensamentos, Hermione soprou o ar dos pulmões. Não tinha nenhum interesse naquele homem, estivesse ele nu ou vestido, além do de mantê-lo vivo. Então lançou a ele um olhar de desprezo. Rony continuava parado, como se esperasse pacientemente pela decisão dela. Ao vê-lo naquela postura, forte, seguro e belo, Hermione, que sabia não ser nada disso, sentiu vontade de gritar.
Santo Rony. Sempre tão perfeito. Bem, ela não gostava nem um pouco daquele corpo perfeito nem dos modos bem-educados do marido! Marchando para a porta, abriu a boca para dizer algumas verdades, mas, para horror dela, não emitiu nenhum som. A voz, obviamente emudecida pela presença dele, a atraiçoava mais uma vez. Finalmente, obrigada a engolir o que ia dizer, apenas saiu, enraivecida.

Rony observou a saída dela, mordido de curiosidade. Estava imaginando coisas ou a esposa havia olhado para ele com um certo… interesse? Se fosse isso, o que havia causado a novidade? Desde o malfadado beijo na estrebaria, a mulher só usava palavrões quando se dirigia a ele. Bem, Hermione Granger Potter era há muito conhecida pelo gênio explosivo. O que fazia com ele não era novidade.
Naquele último encontro, porém, havia acontecido algo muito estranho, principalmente por causa da forma como ela olhava para o peito dele, chegando a deixá-lo com as orelhas quentes. Era quase como se… Não, pensou Rony, esfregando os olhos. Só podia estar imaginando coisas. O único interesse da esposa na anatomia dele era determinar o melhor lugar para cravar o punhal.
Mas o que dizer da advertência dela em relação a Montgomery? Era estranho… Hermione raramente se interessava por assuntos do castelo, menos ainda pela possível deslealdade das pessoas que moravam ali. Por que recomendava que ele tomasse cuidado com o punhal de outras pessoas, quando ela própria não se cansava de ameaçá-lo de morte?
Por mais intrigante que fosse o comportamento dela, Rony não deixaria de dar atenção à advertência. Não havia confiado em Montgomery desde o princípio, embora não entendesse por que o cavaleiro era sempre tão rude. Teria Montgomery esperado tomar o lugar de Smith? Rony cerrou os punhos quando pensou em Hermione casada com outro. Raramente havia pensado no primeiro casamento dela como algo mais que um exemplo para que tomasse cautela, mas agora, quando já a havia beijado e se deitado por cima dela, sentia uma fúria possessiva e violenta. Ainda bem que Smith já estava morto, liquidado pela própria Hermione.
Espantado por ter pensamentos tão poucos civilizados, Rony balançou a cabeça, querendo renegá-los. Por Deus, não se tornaria um sanguinário como a esposa. Então esforçou-se para pensar em Montgomery de forma objetiva. O cavaleiro obviamente estava amargurado com a perda de Wessex por Voldemort, mas o que esperava ganhar atacando o novo lorde?
A animosidade de Montgomery não fazia sentido, a menos que ele pretendesse derrubar Rony… talvez com a ajuda da senhora do castelo. A possibilidade logo foi descartada, porque Rony não conseguia imaginar Hermione conspirando contra quem quer que fosse. Ela poderia elaborar os planos mais demoníacos, mas faria tudo sozinha.
Por outro lado, Hermione podia ter seus próprios motivos para querer se livrar de Montgomery. Aquele pensamento logo também foi descartado. Por que ela iria querer a dispensa de um cavaleiro, principalmente quando o castelo dispunha de tão poucos? Rony suspirou, relutando em dispensar um guerreiro tão valioso. Meia dúzia de cavaleiros bem treinados e uma infantaria destroçada. Era só isso o que restava do exército de Voldemort. Mas… Montgomery realmente representava uma ameaça? Era fácil ver ameaças por todos os lados quando se estava sozinho na casa de um antigo inimigo.
Mesmo assim ele se lembrava muito bem do ódio que vira nos olhos de Montgomery enquanto eles se exercitavam. Embora um homem muitas vezes pudesse perder o controle em exercícios como aquele, tanto que não era raro um dos contendores sair ferido, alguns dos golpes do cavaleiro haviam parecido ter mesmo a intenção de atingi-lo mortalmente. Rony suspirou. Era melhor não correr riscos. Além disso, Hermione tinha razão. Ele também não havia gostado nada do que vira nos olhos de Montgomery.
Mas… o que dizer do que tinha visto nos olhos dela?

Rony levantou-se antes do alvorecer. Havia dormido com a túnica e só precisava pôr o cinto com a espada para se desincumbir de uma tarefa que precisava ser feita o mais cedo possível. Movendo-se com cuidado para não despertar a esposa, caminhou para a porta, mas um som vindo da cama chamou a atenção dele. Cautelosamente, retornou e olhou para Hermione.
Ela estava profundamente adormecida, a raiva que freqüentemente a dominava aplacada pela paz do sono. Rony respirou fundo. A esposa dele parecia doce e incrivelmente vulnerável com aqueles cílios recurvados. Os lábios estavam entreabertos e ele se lembrou dos prazeres que havia encontrado ali.
Hermione mexeu-se na cama e por baixo da coberta apareceu um dos ombros dela, coberto pela túnica. Rony franziu a testa. Às vezes se perguntava até quando eles dormiriam inteiramente vestidos, protegidos e intocáveis. Eram ambos teimosos e cautelosos, sem dúvida, mas às vezes ele sentia uma vontade muito grande de ter…
O quê? Um casamento de verdade? Uma esposa como a que existia apenas no mundo dos sonhos dele? Rony balançou a cabeça e suspirou. Se Hermione o visse ali, observando-a, seria um inferno. Não havia tempo a perder. Felizmente ela continuava a dormir e ele caminhou para a porta. Logo que saiu, chamou o escudeiro.
Osbert era bem jovem. O antigo escudeiro de Rony em Campion tinha sido armado cavaleiro no outono anterior. Embora os irmãos houvessem recomendado arranjar um substituto antes da ida para o castelo de Voldemort, ele havia achado que seria uma medida politicamente certa escolher alguém do povo que iria liderar. Agora, como tudo o mais, perguntava-se se tinha sido uma decisão prudente, já que até mesmo Osbert parecia olhá-lo com desconfiança.
Bem, talvez ele apenas visse inimigos por todos os lados.
Forçando um sorriso, Rony fez um gesto para que o rapaz se aproximasse.
- Apronte os cavalos de Montgomery e tire da estrebaria tudo o que é dele.
O garoto pareceu espantado, mas engoliu em seco e assentiu antes de sair rapidamente para cumprir a tarefa. Olhando para as costas do escudeiro, Rony achou que devia se preparar para a confrontação que iria acontecer. Era melhor ir ao encontro do inimigo quando ele estava mais vulnerável e, por isso, ele havia escolhido um momento em que Montgomery dormia para agir. Passando por cima dos servos que dormiam no salão, Rony desceu até o porão, onde ficavam os cavaleiros. O lugar estava na semi-obscuridade, mas ele identificou Montgomery sem dificuldade, dormindo numa das camas, e deu um leve chute nele, acordando-o.
O cavaleiro levantou-se no mesmo instante, evidentemente enraivecido. Usava apenas o calção, mas Rony não deu tempo para que ele se vestisse mais decentemente.
- Mandei preparar seus cavalos. Acorde seu escudeiro, peça que ele lhe arranje alguns suprimentos e parta logo que o dia clarear.
Por alguns instantes Montgomery ficou apenas olhando para ele, muito espantado.
- Está brincando. - disse finalmente.
Rony reparou que, à volta deles, alguns homens despertavam e olhavam furtivamente para o cavaleiro seminu. Despido da malha e sem nenhuma arma, Montgomery não parecia tão ameaçador.
- Não, estou falando sério. Não tenho necessidade de vassalos como você. Saia do castelo e fique longe das minhas terras e das do meu irmão, o barão de Wessex. - Montgomery fez uma careta de raiva ao ouvir aquelas palavras.
- Você não pode me mandar embora. Precisa de, mim, seu idiota! Quem mais vai guardar os seus portões ou liderar os seus soldados?
- Não seja insolente. - rebateu Rony, levando a mão à espada. - Como lorde deste castelo, eu comandarei a guarda e liderarei aqueles que me jurarem fidelidade.
Se pudesse empunhar alguma arma, Montgomery certamente teria reagido naquele momento, porque estava muito enraivecido, mas não fez nada. O escudeiro não apareceu para ajudá-lo e nenhum dos cavaleiros presentes esboçou reação. Soltando um palavrão, o homem girou nos calcanhares.
- Espere. - deteve-o Rony. - Seu ajudante lhe trará o que for necessário. .
Chamando Osbert, que retornava naquele momento, Rony mandou que ele fosse procurar o escudeiro de Montgomery e o mandasse reunir as coisas do cavaleiro. Embora tentado a perguntar se alguém ali desaprovava a decisão dele, sabia que não teria muitas chances contra tantos homens caso acontecesse uma revolta. Por isso permaneceu calado, atento ao mais perigoso dos possíveis traidores.
Quando os escudeiros retornaram, jogando em cima da cama o que era do cavaleiro, Montgomery imediatamente tentou pegar a espada.
- Não vai precisar disso. - disse Rony, com calma. O rosto do homem mostrou frustração e ódio.
- Acha que não posso arranjar um lugar melhor do que este castelo decadente? - perguntou Montgomery, com sarcasmo, apressando-se em vestir a túnica e calçar as botas. - Encontrarei um lorde mais rico para servir, talvez um dos seus inimigos, Potter, e depois… Depois voltaremos a nos encontrar. - ameaçou.
Gritando para que o escudeiro o seguisse, o cavaleiro marchou para fora sob os olhares de espanto de todos. Querendo se certificar de que o homem deixaria o castelo Rony seguiu atrás. Ia atravessando o salão quando ouviu um grito. Voltou-se rapidamente e viu Hermione parada ali perto, com o rosto muito pálido por trás do véu de cabelos.
- Ficou louco? - ela esbravejou. - Que diabo está fazendo?
- Estou me livrando de Montgomery, como você sugeriu. - respondeu Rony calmamente.
- Como eu…
Muito surpresa, ela pareceu perder a fala e ele sorriu ao ver uma expressão tão pouco comum na esposa. Diante daquele sorriso, a fúria de Hermione retornou e ela olhou para ele como se estivesse vendo um louco.
- Você podia ter sido morto, seu idiota! - disse, fazendo um gesto largo com o braço. - Não trouxe nenhum cavaleiro, nenhum soldado para protegê-lo, nem mesmo o seu escudeiro para vigiar sua retaguarda!
Sem dizer nada, Rony apenas a observou, espantando-se ao ver que os dedos dela tremiam antes de se fechar no cabo do punhal, no gesto ameaçador de sempre.
- Está querendo morrer? - gritou Hermione.
- Você se importaria se isso acontecesse? - ele perguntou, com brandura.
Hermione ficou evidentemente atarantada quando ouviu a pergunta. Correu os olhos pelos servos em volta, que não conseguiam esconder o interesse na discussão, e finalmente olhou para ele.
- Não, eu ficaria muito contente.
- Então por que essa preocupação com a minha segurança?
Embora fizesse a pergunta com naturalidade, Rony deixou claro que a provocava, querendo acreditar que a mulher com quem havia se casado dava importância a alguma coisa que não fosse apenas o bem-estar dela.
Aquele otimismo logo desapareceu, porque Hermione apertou os olhos e aprumou a cabeça.
- Não quero que ninguém tire de mim o prazer de matá-lo, Potter! - gritou. - E é só o que tenho a dizer!
Girando nos calcanhares ela se afastou, a longa cabeleira balançando.
Embora enormemente desapontado com aquela resposta, Rony riu da ameaça. Até aquele momento ela não tinha feito nada além de arremessar um prato de comida contra ele. Não seria tão difícil assim lidar com a famigerada esposa.
O que aconteceu em seguida demonstrou que não seria bem assim. Depois de se afastar alguns metros, Hermione se voltou e atirou contra ele o punhal. A arma passou a uma boa distância, deixando claro que ela não tinha tido a intenção de atingi-lo, mas que poderia conseguir isso, se quisesse. O silêncio tomou conta do ambiente, todos certamente querendo ver qual seria a reação dele.
Obviamente esperavam que o lorde castigasse a esposa de forma exemplar. Era uma boa oportunidade para dar um espetáculo, porque o que acontecesse ali logo se espalharia. Rony caminhou até onde estava o punhal, fincado numa coluna de madeira, e arrancou-o. Depois marchou para a esposa, como se estivesse disposto a matá-la com a própria arma. A um passo dela, parou e estendeu a mão.
- Acho que você deixou cair isto. - disse, com secura.
Só ele viu o tremor na mão dela. Hermione pegou o punhal e rapidamente se voltou, retirando-se. Então ele olhou para a platéia e percebeu o suspiro de alívio que todos exalavam. Não haveria um sangrento confronto entre o senhor e a senhora daquele castelo. Pelo menos não daquela vez.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.