A verdade
Capítulo 8 – A verdade
- Bom dia, Sr. Potter. Seja bem vindo! – Dizia com simpatia e cordialidade um executivo da empresa, enquanto Harry utilizava o elevador para ir até a sua sala. Era 26ª vez que ouvia isso, e era a 26ª vez que ele respondia com um sorriso torto e um “Obrigado”. Era estranho que todas aquelas pessoas soubessem quem ele era e o tratassem tão bem, enquanto não fazia a menor idéia de quem elas fossem ou o que faziam.
Quando chegou à cobertura, ouviu por duas vezes a mesma frase de uma secretária muito bonita e simpática, e de um office-boy apressado. Se sentindo perdido naquele prédio imenso da Black & Potter, pediu uma informação à secretária:
- Desculpe, é que é meu primeiro dia por aqui. Qual é a sala de Sirius Black?
- Pensei que a primeira sala que visitaria fosse a sua. – Estranhou uma voz bastante conhecida por Harry, respondendo no lugar da secretária. O rapaz, contente, olhou por sobre o ombro e reconheceu Lupin, abraçando-o e finalmente ouvindo uma nova frase. – Boas vindas, meu rapaz!
- Obrigado, Lupin. E Sirius? Já chegou?
Harry percebera que a alegria nos olhos de Lupin sumira de repente, dando lugar a uma melancolia estranha e desconhecida. Com uma voz séria, respondeu:
- Tirando uns dias de folga.
- Folga? Como assim? Sirius adora esse trabalho. Nem sair de férias ele sai, quanto mais tirar uma folga!
- Justamente por isso. Harry, ele já tem 50 anos, uma hora o cansaço iria bater. – Lupin estava disfarçando a voz, e isso não passara despercebido por Harry. Algo naquilo tudo soava falso, esquisito. Se a vida de Sirius era o trabalho e preocupar-se com o afilhado, como ele poderia tirar alguma folga sem avisá-lo? Resolveu, então, dar-se por vencido para depois descobrir o quê Sirius realmente estava fazendo.
- Quer dizer que é você quem irá me monitorar por aqui, é?
- Não... Essa tarefa eu sempre deixo pro Sirius: ele adora fazer! Mas vou te ajudar no que você precisar. Venha, vou lhe mostrar sua sala e seus afazeres pro dia de hoje, Sr. Vice-presidente. – Convidara Lupin, com um sorriso no rosto, deixando a melancolia de lado. Harry, mesmo desconfiado, também sorrira. Mais dia, menos dia, ele iria descobrir o que estava acontecendo.
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- Pode entrar. – Harry falara, sentindo-se bem sentado naquela enorme e confortável cadeira de vice-presidente, ao ouvir alguém bater na porta de sua sala. Estava analisando a situação financeira da empresa, que era muito boa por sinal, quando sentiu a luz de um flash cegar-lhe os olhos. Após massageá-los e sua visão normalizar-se, ouviu um riso de um rapaz ruivo e alto. – Eu já esperava uma visita sua, só não pensava que fosse como paparazzi!
- Ora, acha mesmo que eu ia perder o 1º dia de trabalho do meu melhor amigo? Isso é um evento histórico, meu camarada! O dia em que a terra parou, porque Harry Potter finalmente está tendo juízo e se tornando homem, afinal.
- Ok, Rony, obrigado pelo estímulo. – E levantando-se, foi dar um abraço no amigo, que acabara de retirar a foto de sua antiga máquina instantânea.
- Ué, estou aqui para isso. Mas olha só que beleza, você sentado numa bela cadeira, todo compenetrado lendo esses papéis! Acho que vou fazer uma cópia e vender pra uma revista de fofocas. Com certeza deve dar uma grana preta. Já estou até vendo a manchete: “Harry Potter: o fim trágico de um playboy”.
- Engraçadinho. Mais fácil sua mãe tomar essa foto de você e colocar num belo quadro de parede.
- É, também é uma boa. Sua derrocada exposta pra toda a família Weasley. Os gêmeos vão até fazer alguma piada ou brinquedo com isso, pode ter certeza. – Dizia o ruivo no costumeiro tom brincalhão, após sentar-se na cadeira de Harry. – Se bem que, se for pra trabalhar sentado aqui, eu não reclamaria. Esse lugar é o máximo!
- Vai dizer que não tem uma igual no seu escritório?
- Não, mas vou comprar. Basta eu voltar da lua-de-mel com Hermione.
- Falando nela, onde ela está?
- Bem, saímos hoje bem cedo para comprarmos as coisas que faltavam para o casamento, e ela tinha de ir à boutique para dar uns últimos ajustes no vestido. Aproveitei e vim pra cá. – Rony explicava enquanto fitava Londres através da enorme janela de vidro que ladeava a sala de Harry. Uma sala grande, clara, aberta, cheia de livros, fotos emolduradas de equipes esportivas e atletas, e uma mesa plana e coberta de papéis, com um micro-computador ao lado. Sem contar no belo divã que a mesma possuía, e das cadeiras dos visitantes que pareciam tão confortáveis quanto à do vice-presidente. – Sabe, apesar de em toda a sua vida você nunca ter levado nada a sério, sempre imaginei que um dia você tomaria jeito, e acabaria aqui. Nas rédeas da empresa de seu pai.
- Pois eu nunca me imaginei assim: acordando cedo, usando terno e gravata, indo trabalhar... Sempre adorei ser um bom vivant.
- Bem, tenho de reconhecer que era algo difícil de acreditar que, um dia, você deixaria de viver suas aventuras e maluquices para se tornar um homem de negócios. Mas cá está você, para provar que isso não era impossível. – E ao levantar-se da cadeira de Harry, Rony foi até ele e ajeitou a gravata do amigo, que estava um pouco desalinhada. E com um olhar admirado, falou. – Tenho orgulho de ser seu amigo, cara.
- E eu, mais ainda. – E após dar uns tapinhas no ombro do ruivo, fora apreciar a vista da janela de sua sala, que dava de frente para o London Eye, um local onde ele, Rony e Hermione conheciam melhor que ninguém. Lembrou-se que foi lá que Rony, bem no alto da roda-gigante, declarou-se para Hermione, e que desde então nunca mais se separaram (apesar das constantes brigas, que sempre vinham seguidas de reconciliações).
Ele queria poder entender que poder incrível era aquele que tornava as pessoas totalmente entregues umas às outras. E queria poder entender como aquele mesmo poder recaíra sobre seus melhores amigos. E também queria poder entender como só agora ele se dava conta da existência de tal poder. Com os olhos vidrados na paisagem, comentou:
- Só faltam duas semanas para o casamento...
- Não sabe o quanto estou ansioso pra que esse dia finalmente chegue! – Rony falou, com um enorme sorriso no rosto, pouco antes de deitar-se no divã. Depois de cruzar as mãos em cima do tórax, continuou. – Quero muito poder finalmente dizer que Hermione é minha esposa... Minha mulher. Ver aquele anel da mão direita ir para a esquerda.
- Você a ama muito, não é?
- Mais do que a minha própria vida. E por um milagre de Deus, ela também me ama da mesma forma. – E deixando de olhar para o teto, virou o rosto para Harry. – Tem como um homem ser mais sortudo que eu?
- Creio que não, Rony. – Afinal, ele ainda não conseguira beijar Gina. Quando o fizesse, aí sim, Rony perderia o posto. – Mas do mesmo modo que faltam duas semanas para a cerimônia ocorrer, faltam duas semanas para eu conhecer sua irmã.
- Ah, lá vem você com essa história...
- Ué, passei 15 anos da minha vida indo pra sua casa, sendo seu amigo e amigo da sua família e nunca soube da existência dela. Nem ao menos o rumor!
- Sabe como é, Harry... Pra não corrermos o risco de você se engraçar com a nossa irmãzinha, e ela acabar se encantando por você. Apesar das suas notáveis mudanças, ainda tenho medo que seu “Don Juan” interior se aflore perto dela. – E ao dizer isso, Rony levantou-se e olhou o relógio. – Ih, tá na hora de voltar e pegar a Hermione na boutique. Ainda temos umas coisinhas para resolvermos. Até outro dia, Harry!
E com um aceno e um sorriso, Rony saíra da sala de Harry com pressa, deixando-o desconfiado. Por que sempre que tocava no nome da irmã dele, Rony desconversava? Outro segredo que ele tinha de descobrir...
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-... E este, Harry, é o setor de fabricação das camisas. Afinal, somos uma empresa grande, e também vestimos grandes times. – Dizia Lupin ao rapaz, que estava fazendo um “tour” pela Black & Potter. Se iria trabalhar ali, tinha de conhecer tudo. E enquanto Lupin lhe mostrava tudo e explicava como as coisas funcionavam, Harry aproveitava para falar com os funcionários, e saber um pouco mais sobre o que eles faziam. Até que um jovem estagiário, tão magro quanto Harry um dia foi na adolescência, o chamou com uma voz impressionada:
- Sr. Potter? É... É você mesmo, o famoso Harry Potter?
- Nem tão famoso assim, mas... Sim, sou Harry Potter.
- Prazer, Frank Bowie, um grande admirador seu! – O jovem se apresentava com um aperto de mãos extremamente entusiasmado, que só parou quando ele se lembrou que carregava algo na outra mão. – Poderia autografar minha revista?
Harry imaginava que fosse uma de meses atrás, quando era encontrado com alguma garota famosa ou muito bonita. Mas se assustou quando viu a foto na capa da revista: era dele aos beijos no seu carro com a garota loira de dois dias atrás. E na manchete, dizia: “Harry Potter volta à ativa”. Abrindo na página indicada na revista, ele leu as primeiras linhas atordoado:
“Parece que os dias de jejum de Harry Potter (26) estão contados! Após um mês inteiro longe de festas e de nossas lentes, um dos mais belos partidos de Londres e herdeiro de uma grande fortuna advinda da empresa de seus pais, a Black &Potter, o ‘bom vivant’ parece não ter agüentado tanto tempo sem as aventuras ao qual estamos acostumados em vê-lo.
Nesse último domingo, o rapaz foi visto numa festa num dos muitos pubs da cidade, e saiu acompanhado de nada mais, nada menos, do que Jeanine Adams (24), a modelo mais comentada do momento. Bastou entrarem no Corvette de Potter que os dois iniciaram uma sessão de beijos e amassos para quem quisesse ver, além, é claro... ”
E Harry, sem estômago para ler o resto, devolveu a revista ao rapaz sem autógrafo algum.
- Deveria acreditar menos no que essas revistas dizem, e passar a ler algo com conteúdo. – E ao dizer isso num tom de dar medo, andou apressado em direção à saída. Até que ouviu Lupin perguntar ao longe:
- Harry, aonde vai?
- Tenho um compromisso, se não se importa. Sem contar que já tive o bastante por hoje! – E com raiva, saiu do enorme prédio sem responder a nenhum dos cumprimentos das pessoas dali. Como podiam publicar aquilo sem terem conhecimento real dos fatos? E se Gina visse e lesse aquilo? O quê iria pensar dele? Ao olhar as horas, viu que já deveria estar no Instituto há bastante tempo, e saiu. Os encontros com Gina eram os únicos momentos em que ele relaxava, os únicos momentos em que se sentia bem; e agora era o que ele mais precisava.
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Ao abrir a porta do porão, Harry se assustara com a claridade que assolava o local. Ele todo estava iluminado por velas, muitas velas, e uns quatro abajures bruxuleantes nos cantos do porão. Que era bastante amplo, aliás.
Tudo ali era feito de madeira, exceto o teto de concreto e também uma pequena parte dele, que era constituído de vidro. E percebeu que o local cheirava a lenha fresca; era um cheiro agradável, tinha de admitir.
Ao olhar para o lado, deparou-se com o piano em que tantas vezes Gina tocara músicas para ele. Era um Yamaha todo preto, de cauda; tão bem polido que qualquer um podia fazer dele um espelho. E diante das teclas, estava a banqueta alcochoada em que eles sentavam e, por vezes, aninhavam-se, dando a inexplicável sensação de plenitude para o rapaz. Só de lembrar esses momentos, um sorriso bobo surgia no rosto de Harry. Até a mesmo a lembrança deles o deixava alegre.
Dando mais uma olhada pelo lugar, viam-se estantes. Inúmeras estantes. Umas continham livros e cadernos, outras discos e CDs, e mais outras possuíam troféus e medalhas. Curioso, foi até onde a estante e agarrou um dos troféus. Nele, dizia: “Garota Revelação”. Pegou outros, e eles diziam: “1º lugar no II Concurso Musical”, “2º lugar no XXV Festival de Música”, “Melhor música”, “Melhor performance”, “1º lugar no Recital”... Todos, sem exceção, estavam relacionados à música. E ela devia ser muito bem requisitada, já que a estante, mesmo sendo grande, não tinha mais espaço para nenhuma medalha ou troféu sequer.
Andando um pouco mais, viu uma escrivaninha também de madeira, com um laptop de última geração desligado e algumas partituras de música sobre ela. Foi quando olhou para a parede bem em frente e viu a foto de uma garotinha sardenta de cara marota com as mãos pequeninas sobre o piano. Ela tinha olhos castanhos que se assemelhavam ao mel, e cabelos ruivos tão flamejantes quanto o sol. Ao olhar para o outro lado, viu outra foto na parede da mesma garotinha, só que segurando uma bengalinha, um pouco mais crescida ao lado de vários outros garotos com a aparência semelhante. Deviam ser seus irmãos.
E ao andar mais um pouco, viu uma enorme cama de casal, e do seu lado, uma poltrona muito convidativa. A cama, também de madeira, tinha arquitetura antiga, composta por um dossel, e finíssimas cortinas que ladeavam a cama extremamente confortável, limpa e arrumada, como se dessem uma privacidade ao usuário dela. Mas ao atravessar a cortina, percebera a existência de um fichário enorme, de cor preta, com um nome escrito numa etiqueta: “Arquivos – Gina”. E o engraçado era que estava escrito em braile, também. Curioso, abriu-o e sentou-se na cama para lê-lo.
No fichário, existiam recortes de jornais e matérias jornalísticas. Uma das primeiras dizia: “Gina Weasley: A futura ‘Mozart’?”, e o do lado da manchete havia uma foto da mesma garotinha sardenta, só que sentada ao piano ao lado de sua mãe, Lílian. Lendo com profundidade, ali dizia que Gina, uma garota que ficara cega cedo demais, tinha apenas 3 anos, e já aprendera a tocar um dos grandes clássicos de Beethoven, Fur Elise. Lílian Potter, sua mãe, fora citada como a professora e iniciadora de Gina no mundo da música; e disse que Gina era uma dádiva de Deus, e que era muito provável que, assim como Mozart, ela surpreendesse o mundo com sua juventude, inteligência e talento musical. Virando a página, encontrava outra matéria sobre a garota: “Menina-prodígio ganha concurso com complexa música de sua autoria”. Nela, falava que Ginevra Molly Weasley, a Gina, com somente 7 anos, ganhara um concurso musical com uma música que ela própria fizera; a matéria ainda ressaltava o fato dela ser cega, e também os elogios que os jurados ofertavam à garota.
E vira muitas outras matérias nesta mesma linhagem. Todas ressaltavam a juventude, inteligência e talento musical da garota que, no início, haviam sido prenunciadas por sua mãe. Eram tantas as reportagens jornalísticas que o fichário não cabia mais nenhum papel, sendo tremendamente pesado. Abrindo-o numa das últimas páginas, a reportagem mostrava uma adolescente ruiva, no fim da puberdade, com algumas sardas no rosto, e óculos escuros escondendo os olhos, que estava sentada de modo descontraído sobre um piano branco de cauda. Sua manchete: “Garota-prodígio é aceita em faculdade com somente 15 anos”. Ao ler, Harry descobrira que Gina foi aceita com muitos anos de antecedência numa das melhores faculdades de música do mundo, a Berklee School of Music, em Boston, nos Estados Unidos. Havia ganhado uma bolsa integral e, animada, ela dizia que era uma oportunidade única para realizar um grande sonho seu: graduar-se em música. Também disse que estava ansiosa por ir, já que iria conhecer e entrar em contato com novas influências e referências, além de morar num local totalmente novo e fazer amizades com pessoas que compartilhavam o mesmo desejo, o mesmo sonho dela.
Fechando aquilo, Harry procurou absorver todas as informações que adquirira. Em especial a mais importante: Gina era a Professora Weasley e Ginevra Molly Weasley, a irmã de seu melhor amigo. O tempo todo procurou saber quem ela era, e a resposta sempre esteve em sua frente, na sua cara! Ela era a única e maior doadora do Instituto, madrinha do casamento de seus melhores amigos, a 7ª filha da família Weasley, a professora de piano dos alunos do Instituto, e também A PIANISTA! A encantadora pianista pela qual estava fascinado!
Perto da cama, sobre o criado-mudo, ainda havia duas fotografias de Gina em porta-retratos; numa, ela parecia ter seus 17 anos, e estava muito bonita usando um casaco espesso, um cachecol e um gorro na cabeça. Flocos de neve eram visíveis em sua roupa e nas tranças de seus cabelos flamejantes, e o rubor na face chamava a atenção. Tinha um olhar alegre e um sorriso bobo, que fez Harry sorrir também. Na outra foto, ela estava abraçada com Hermione, ambas de óculos escuros e usando moletom e jeans justos, num lugar muito bonito e arborizado que ele reconheceu como o Central Park, em Nova York.
Ainda sem entender os motivos dela ter feito tantos mistérios em torno deste assunto, olhou para a parede ao lado, e viu uma outra porta. Tentou abri-la, mas estava trancada. E deparou-se com olhos penetrantes lhe observando. Ao virar-se para ver quem era, descobriu que era uma pintura; um enorme retrato de Gina dependurado na parede próxima à cama da garota.
Enfeitiçado por tamanha beleza expressa numa pintura, ficou por um tempo incontável admirando aqueles olhos tão intensos, da cor de topázios. Os cabelos, longos e ondulados nas pontas, tinham sido pintados num tom muito forte de laranja, indicando a vivacidade dos mesmos. Os lábios bem desenhados e provocantes chamavam a atenção, além do nariz arrebitado, que dava um ar de altivez à mulher. Mas o rosto, aquilo sim parecia somente pintura, criação de artista; era perfeito demais para ser real: delicado e raro como uma boneca de porcelana, com traços leves e inocentes de uma menina, mas as feições determinadas e sedutoras de uma mulher. Céus, Picasso que o perdoasse, mas aquela pintura era muito mais bonita que todo o acervo dele junto! Aquela mulher era mais bonita que todas as que ele conhecera!
Ainda hipnotizado pelo retrato, começou a andar para trás, e tropeçou na poltrona. Ao sentar-se, viu que na parede em frente ao móvel havia uma enorme foto emoldurada da garota mais linda que ele já viu; indo vê-la de perto, viu que Gina estava ao centro, lindíssima num vestido longo de cor salmão, tocando piano. O fundo era totalmente escuro, e somente um holofote a iluminava, dando singularidade à pianista. Querendo poder tocá-la naquele momento, acariciou o rosto de Gina na foto; um rosto erguido, altivo... E orgulhoso... E perfeito... E lindo.
E passeando por todo o quarto, vendo os objetos da pianista, olhou para um vaso de flores, onde rosas vermelhas encontravam-se ali, e um cartão com o seu nome escrito repousava ao lado do vaso. Abrindo-o, leu o recado escrito numa antiga máquina de escrever: “Abra o alçapão e suba a escadaria de emergência. Até o teto.” Ali tinha um alçapão? Como não tinha percebido? E procurando-o, acabou percebendo que era o teto de vidro. Por isso que embaixo dali havia uma escadinha de madeira...
Ao subir e abrir o alçapão, percebeu que aquele porão era maior que o prédio que ficava acima dele em questão de comprimento e largura; por isso ali tinha um teto de vidro que dava acesso ao lado de fora. E subindo a comprida escadaria de emergência, perguntava-se quais surpresas ainda o aguardavam lá em cima; quais segredos Gina ainda revelaria.
Ofegando, chegou ao teto muito rapidamente, e quase caiu dali de cima quando viu a inacreditável cena: O teto daquele prédio era cheio de flores dos mais variados tipos, e no centro havia um espaço coberto, onde abaixo dele havia um banco de madeira sobre um piso flutuante; pequeninos arbustos ladeavam a “trilha”, que era feita de pedras d’água, e o local era iluminado por lampiões a gás. Mas o que realmente era inacreditável e lhe preocupava não era a bela paisagem, mas sim a visão de alguém que já se encontrava ali, na ponta do prédio, prestes a cair; um alguém de costas para ele, trajando uma capa parecida com a dos monges medievais, e que não parecia se importar com a altura do lugar, nem com o fato de alguém poder lhe empurrar para frente e fazê-lo cair, despedaçando-se lá embaixo.
Contudo, quando ia avisar a pessoa o perigo que ela corria, a voz que ele adorava fez-se ouvir naquele momento, vinda da garota que sempre adivinhava seus pensamentos e ações:
- Eu sei muito bem que se eu der um passo para frente, irei cair de cima desse prédio de 6 andares, Harry. Não precisa me avisar, muito menos se preocupar.
- Então por que faz isso? Acha engraçado correr risco de vida? Me deixar preocupado?
- E quem disse que acho isso engraçado? Para falar a verdade, eu gosto da sensação que esse lugar me dá. Me sinto em equilíbrio aqui... E quando o vento forte bate, a insegurança mistura-se à certeza, e a vida parece se encontrar com a morte... É estranho, mas agradável ao mesmo tempo. Aqui em cima, eu passo a ter a noção do que é ter a vida por um fio. Do que é estar à beira da morte. Do que é ter e ser uma vida.
Gina dizia aquilo com uma voz tão saudosista, tão doce, tão musical... Que Harry não tinha como replicar. Encantado e ansioso por faltar pouco tempo para vê-la pessoalmente, passou a andar em direção à garota. Mas ela, ainda de costas, se pronunciou mais uma vez, fazendo o rapaz parar para ouvi-la:
- Sabe o que os povos antigos pensavam do beijo, Harry? – Mas ela nem deu tempo para ele responder, continuando a falar. – Pensavam que, muito além de uma demonstração de amor e ternura, era através do beijo que ocorria a troca de almas das pessoas. Uma troca de almas onde a porta de passagem é a boca. Por isso, eles diziam que as pessoas deveriam escolher bem a quem beijar, pois você fornecia uma parte de você a outro alguém naquele ato. Diziam que deveríamos escolher alguém por quem estamos apaixonados para partilhá-la... Alguém que amamos e cujo sentimento seja recíproco.
E finalmente saindo da ponta do prédio (para alívio de Harry), Gina andou poucos passos com a bengala em mãos, passando para lá e para cá; ainda era impossível vê-la, pois a capa era espessa, e a escuridão advinda da noite dificultava ainda mais. Parando em frente ao canteiro de umas flores roxas, ela ajoelhou-se e aspirou o perfume das mesmas:
- É o perfume dessas flores que estão em meus cabelos. O perfume de lavanda, a mais bela das flores do campo.
E indo um pouco mais adiante, ajoelhou-se novamente em frente ao canteiro das flores que, segundo ela tinha dito, eram lírios, e aspirou outra vez o perfume delas, dizendo:
– É a fragrância dos lírios que, juntamente com essência de baunilha, perfumam o meu corpo. Um perfume que te deixa louco, aliás. – E um sorriso jocoso surgira no seu rosto, um sorriso que Harry não podia ver, mas podia sentir nas palavras sarcásticas de Gina, deixando-o sem jeito:
- Ahm, er... Mudando de assunto, como você...
- Como consegui fazer um jardim no teto desse prédio? Fácil, contratei um arquiteto especialista em paisagismo para planejá-lo e fazê-lo. Aqui era somente um teto de concreto, igual aos outros, mas sempre gostei daqui; sempre gostei de grandes alturas. É pra cá que eu venho quando quero pensar... Ficar só... Ou quando eu precisava fugir de suas investidas.
Bem, agora Harry sabia onde ela ficava quando sumia de perto dele, deixando-o sempre frustrado, à espera de mais.
- Até hoje me pergunto como você consegue adivinhar meus pensamentos... E com que permissão você se intromete neles a todo momento.
- Mas eu não consigo. Você é que é previsível. – E ao responder à primeira pergunta, andou na direção de Harry, que se encontrava embaixo da cobertura, até ficar frente a frente com o rapaz. E com uma voz suave e lenta, continuou. – Com relação à outra dúvida, eu não tenho resposta. E também faço a mesma pergunta pra você.
Harry podia sentir a respiração descompassada da garota, e podia ouvir o coração acelerar-se aos poucos, mas não podia ver o rosto, tampouco o corpo da garota que tanto lhe intrigava, instigava, encantava, fascinava... Nossa, ela parecia levar a sério a idéia de que o mistério é quem dava o encanto, como lhe dissera tempos atrás! Porém, quando levantou a mão para retirar a capa que cobria a mulher mais linda que ele já vira, mãos delicadas e quentes lhe seguraram o pulso.
- Ainda não, Harry. Disse que você iria saber toda a verdade hoje, e irei cumprir minha palavra. Não apresse as coisas.
Olhou rapidamente aquela mão, e percebeu que Gina tinha na pele a cor do marfim; além disso, tinha dedos longos e delicados, mas ágeis e precisos. Como agora. Até que ela finalmente tirou-a de seu pulso, livrando-o daquele contato maravilhoso, e foi novamente ficar à beira do prédio, para seu desespero.
- De todas as vezes em que minha mãe engravidou, a única em situação delicada foi a minha; o médico receitou várias medidas de precaução para ela, e ela seguiu todas à risca. Mas, na hora do parto, houve uma complicação e... E minhas córneas acabaram comprometidas. Segundo o obstetra, já havia sido um milagre eu ter nascido, então a cegueira era o de menos. Mas não era.
“Toda minha família diz que eu sou um milagre de Deus na vida deles, mas nenhum deles sabe como é não ver a luz do sol, não ver as cores, não ver as pessoas... Nenhum deles sabe como é viver imaginando como são as coisas, sendo que você não possui noção nenhuma de nada... Nenhum deles sabe como é viver na mais completa escuridão, o tempo todo, e ter de se conformar com isso... Nenhum deles sabe como é você não ter uma cor preferida, ou não poder escolher alguma coisa pela cor, ou... Não poder ver seu rosto para saber se você é tão bonito quanto dizem... Não poder dizer que cores você mesmo tem. Nenhum deles sabe de nada disso. Não fazem a menor idéia!”
“Mas uma coisa que agradeço demais à minha família é que eles nunca me trataram diferente, como se eu necessitasse de uma atenção ou tratamento especial. E acho que foi isso que me fez seguir em frente sem problema algum, porque mal completei três anos e logo eles vieram nesse Instituto, que tinha acabado de ser construído, para saber se eu poderia me inscrever numa atividade lúdica. Foi quando eles conheceram a professora Potter, e ela, muito gentilmente, disse para me trazerem aqui, para me conhecer. E logo que me viu, ela me colocou na banqueta de um piano, e eu comecei a bater nas teclas. E gostei, pois não parei mais! Segundo sua mãe me disse quando eu tinha uns 6 anos, ela tinha visto algo especial em meus olhos... Algo que nem mesmo a falta de visão ofuscava. E me ensinou desde então.”
- E aprendeu Fur Elise com três anos... Um grande feito, na minha opinião! – Harry comentara, emocionado, lembrando-se do que leu horas atrás.
- Pelo visto, você leu o meu fichário. Mas com certeza, não o leu todo. É muita coisa. Pra falar a verdade, fiz muita coisa em muito pouco tempo. Sabe como sou conhecida no cenário musical? ‘A nova Mozart’ e ‘A garota-prodígio’! E tudo graças a sua mãe, que me iniciou cedo no mundo da música. – E abrindo os braços, falou com uma voz orgulhosa. – Harry, ser comparado com um dos maiores gênios da música clássica é uma das melhores coisas que existem! É um dos maiores elogios que se pode fazer a qualquer musicista!
“E pra fazer jus ao título, passei a morar no Instituto. Afinal, a casa dos meus pais é fora da cidade, e eles não tinham condições de me comprar um piano. Já aqui, eu tinha todo o conforto e acesso aos instrumentos, podia ensaiar e treinar quando quisesse. Sem contar que sua mãe incluiu um curso de braile aqui, e aprendi a ler e escrever; depois, passei a estudar num colégio aqui perto, com gente especializada em braile. Era uma das melhores alunas! Mas, com o tempo, fui indo a concursos, recitais, festivais, eventos, festas beneficentes... Ganhei prêmios e mais prêmios, capas de revistas, matérias jornalísticas, e dinheiro. Muito dinheiro. Foi quando comprei meu primeiro piano, de armário, que está lá em casa. até que, quando completei 15 anos, faltando ainda dois anos para terminar meus estudos, fui convidada para estudar na Berklee School of Music, nos Estados Unidos.”
“Ah, Harry, estudar lá é o sonho de qualquer pessoa que quer seguir carreira musical! E eu o consegui sem nem ao menos pedir, sem nem ao menos ter idade para isso! Eu tinha dinheiro suficiente para pagar os 4 anos que eu ficaria lá, mas eles insistiram numa bolsa integral e eu... Eu aceitei na mesma hora. E foi a melhor escolha da minha vida! Me aprimorei, me aperfeiçoei, tive contato com outras referências, outros estilos, outras pessoas, outros tipos de vida! Absorvi tudo o que eu podia. E, ao terminar meus estudos, fui convidada para trabalhar em Nova York, num musical. Me mudei e morei pra lá por 2 anos, e assim que o musical fez sucesso, fui convidada para tocar num recital em Carnegie Hall. Carnegie Hall! Beatles, Sinatra, Ray Charles, Ella Fitzgerald, Lionel Hampton... Somente grandes músicos tocam lá! Ter me apresentado lá fez valer a pena tudo o que passei. Foi a partir daquele momento que eu acreditei ser realmente uma ótima no que fazia, e passei a ter um grande orgulho de ser quem eu era. A pianista.”
A garota, que despejara praticamente toda a sua vida para Harry, suspirara, sentindo-se um pouco aliviada por ter contado aquele segredo que fora adiado por tanto tempo, que era a sua existência. Mas Harry ainda não estava satisfeito:
- E como eu passei 15 anos da minha vida sendo o melhor amigo de Rony, freqüentar a sua casa, e nunca ter ouvido uma palavra sequer sobre você?
- Fui eu quem quis assim. Harry, eu cresci ouvindo histórias sobre você. Sua mãe sempre me contava as peripécias de seu filho, que tinha os rebeldes cabelos negros do pai, mas os olhos verdes dela. Dizia-me que, um dia, ela iria apresentá-lo a mim... Mas isso não chegou a acontecer, não é mesmo? – E ela soltou um riso sem-graça, evitando tocar no assunto que ainda era dolorido para Harry. – Aí, quando o Ron chegou da escola contando sobre o novo amigo que fez, pedi a ele que não contasse sobre minha existência. Dei a desculpa de que não queria ninguém indo à minha casa e me olhando com pena, como geralmente as pessoas faziam quando visitavam nossa família e eu estava lá. Pensei que essa desculpa não fosse dar certo, mas Rony aceitou. Já o fato de nunca termos nos visto até então, foi fácil. Eu nunca morei na casa de meus pais, e com a minha ida aos Estados Unidos, facilitou ainda mais as coisas; aproveitei pra pedir a minha mãe todas as minhas fotos, pra não correr o risco de você me ver antes do tempo. E outra coisa que ajudou foi você ter sido um grande mulherengo a partir da sua adolescência... Meus irmãos ficaram com medo de você querer tentar algo comigo.
E dessa vez, a pianista realmente gargalhara. Era um sorriso solto, alegre, gozador, e que também fizera Harry sorrir. Mas o riso logo se desfez, pois Gina saíra da beirada, e ia de encontro ao rapaz num andar lento, firme, e cada passo fazia o coração de Harry se acelerar mais e mais, e sua curiosidade se atiçar feito fogo em uma floresta. E quando sentiu a mão dela acariciar-lhe a face, foi aí que sentiu que estava prestes a pegar fogo.
- Sempre quis que você me conhecesse, mas primeiramente não por fora. Por dentro. Queria que você me conhecesse e gostasse de mim por quem eu realmente sou. Sabe, eu ficaria bastante magoada se você se aproximasse de mim somente por minha beleza que as pessoas insistem em dizer que possuo, ou pelo meu talento, ou pelo fato de ser a irmãzinha de Ron. Contudo, o que realmente me dava medo era que você sentisse pena de mim, assim que visse, como as outras pessoas. Isso iria me despedaçar por completo.
“As pessoas sempre me alertavam sobre essa vontade que eu tinha de te conhecer. Diziam atrocidades e mais atrocidades sobre você, e que se eu me apaixonasse, iria sofrer tanto quanto a ninfa Eco sofrera quando Narciso lhe desprezara*, pois você ia fazer o mesmo.”
A pianista, então, rodeou o corpo de Harry, e abraçou-o por trás, dando calor ao corpo frio do rapaz, que se sentia em chamas a cada toque que ela lhe fazia.
- Mas nunca me importei com o que falavam de você. Sabia que tudo era coisa de momento, uma máscara que um dia teria de cair. E foi quando você apareceu no meu quarto, perdido, irritado, confuso; você apareceu na hora certa. Primeiro, pensei que seriam somente conversas, que seríamos somente amigos, e nada mais. Mas as coisas foram fugindo do controle, com o passar do tempo... Logo eu, que sempre tive controle total sobre meus sentimentos, sobre minhas emoções... Sobre mim! E percebi que não estava acontecendo só comigo, mas com você também. E as coisas chegaram a tal ponto que não consigo mais ficar muito tempo longe de você... Da sua companhia.
E a garota, virando-se para sua frente, disse numa voz decidida e melodiosa:
- As coisas chegaram a tal ponto que não posso mais me esconder de você. Essa... Sou eu.
E ao dizer isso com a cabeça erguida, a mão direita de Gina puxou a ponta de um laço da capa, que caiu de uma só vez ao chão, revelando a mulher mais bela que Harry já vira. Nem mesmo as fotos mostravam com perfeição a beleza real e impactante de Gina Weasley. O quadro, que na opinião de Harry era o mais lindo de todos os já pintados, não fazia jus à garota. Nem mesmo a palavra “perfeição” seria adequada para ela. Contanto, era a única que chegava perto de descrevê-la.
Gina tinha estatura mediana, e a pele mais macia e cremosa que Harry já vira e tocara; a luz da lua cheia, que resplandecia linda e grandemente no céu estrelado, iluminava o corpo dela, dando um tom perolizado à sua pele marfim. O corpo longilíneo e esguio era incrivelmente proporcional, e arredondado nos lugares certos; voluptuoso e atraente na medida certa, mas escondido num belo vestido azul-claro, que era justo no busto e soltinho até um pouco acima das coxas. Os cabelos, sedosos e com o cheiro campestre da lavanda, eram ruivos, muito brilhantes e vivos, e ondulados nas pontas; a franja dava um ar de menina levada à pianista, que tinha o sorriso mais lindo e contagiante que ele já vira. A face tinha um ar de triunfo aliado aos traços mais marcantes e belos que uma mulher poderia ter: delicadeza, sensualidade, leveza, determinação, altivez e doçura. A boca, rosada e ainda sorrindo, parecia ter sido milimetricamente desenhada, devido ao enorme poder de atração e sedução que ela exercia, fazendo surgir em Harry os instintos mais libidinosos e impulsivos do seu interior.
Contudo, os olhos eram o que chamavam a atenção, devido ao seu formato levemente amendoado e à sua cor tão sugestiva e intrigante. No momento, estava se assemelhando a duas pedras de topázio, tamanho era o seu brilho naquela noite ofuscante; e apesar do brilho e da beleza, os olhos de Gina eram desprovidos de uma única coisa: vida. Eram olhos sem direção, que não estavam mirados diretamente em Harry, e sim próximo dele. E sem nem ao menos pensar, acariciando a face da garota fizera consigo, ele disse admirado:
- Céus... Gina, você é... Você é linda! Absurdamente, incrivelmente... Tremendamente linda!
- Linda? Linda?! Harry, não notou que eu sou cega?
- Nem que você fosse cega, surda ou muda, eu não mudaria de opinião. Você não deixaria e nem deixa de ser linda só por ter a falta de um dos sentidos. – E tentou abraçá-la, mas ela o afastou de um modo desajeitado, e virou-se, cruzando os braços nervosamente:
- Se lembra quando eu disse que eu era pior que um monstro?
- Não me esqueço de uma só palavra que você já tenha me dito.
- É porque até mesmo os monstros enxergam. O ciclope**, por exemplo. Só tem um olho, mas ainda assim, é um olho sadio, que vê.
Harry, entristecido por saber que Gina se torturava por não possuir a visão, colocou as mãos nos ombros dela, fazendo com que novamente aquela chama aparecesse naquele toque, disse:
- Mas o que torna alguém um monstro não é a falta de um dos sentidos, muito menos a falta de beleza, mas sim suas ações. E com toda a certeza, você não é um monstro, pois é o ser mais belo que já vi... Nos dois sentidos... – E virou-a para si, segurando a face da pianista com delicadeza em suas mãos e percebendo que os olhos dela estavam cheios d’água, falando com uma voz rouca. – Sou eu quem devia ser o monstro nessa história.
- Você? Por quê?
- Fiz muitas garotas se apaixonarem por mim e sempre partia o coração delas... Nunca me importei com os sentimentos das outras pessoas, e acho que nem com os meus. Sempre fiz tudo o que queria, gastando o dinheiro dos meus pais com um monte de bobagens; sempre fiz tudo de errado, agindo feito um idiota. Um completo idiota. – E fechou os olhos, prestes a chorar, colando sua testa com a da garota. – E aqui estou eu, completamente entregue a você... Permitindo que faça o que bem quiser de mim, sabendo que não te mereço... Sabendo que você é tudo que qualquer homem quer, que é tudo o que eu sempre quis, mas que seria totalmente egoísta de minha parte ficar do seu lado. Você é muito mais do que eu mereço. E eu tenho que te dizer que...
- Harry, se for sobre o seu passado, esqueça. Eu não me importo. – Ela interrompeu, pondo o indicador nos lábios frios e perfeitos de Harry. Os olhos dela estavam sem foco, mas ele não conseguia parar de fitá-los, admirado com a beleza deles e triste por não merecer sequer olhá-los. – Tudo o que preciso saber sobre você, eu já sei. Sei até mais do que você pensa!
- Ginny, é sério, eu não posso continuar sem te contar que...
- Não precisa me contar nada, Harry, esqueça tudo. Eu não quero saber. Só se cura o passado vivendo o presente. Por que não me deixa ajudá-lo nessa cura?
E ao dizer isso, a garota segurou as duas mãos de Harry, erguendo-as e depois as colocando em volta de sua cintura. O rapaz, querendo um maior contato e aproximação daquela mulher tão linda, puxou-a para perto, segurando-a com firmeza e insistindo em olhar naqueles olhos brilhantes e sem direção.
Desperate for changing
Desesperado para mudar
Starving for truth
Ansioso pela verdade
Closer to where I started
Perto do lugar onde eu comecei
Chasing after you
Estou te perseguindo
Ele podia sentir a garota trêmula e lânguida em seus braços, mas ainda assim ela parecia ser tão dona de si mesma, tão convicta, que aquilo o excitava ainda mais. Não era justo ter alguém tão perfeito do seu lado, mas a vontade de ficar com ela daquele jeito era maior do que tudo... Fazia sua mísera sanidade ir por água abaixo, e aflorar seus sentimentos mais egoístas e impulsivos.
I'm falling even more in love with you
Estou me apaixonando cada vez mais por você
Letting go of all I've held onto
Deixando para trás tudo ao que eu havia me apegado
I'm standing here until you make me move
Estou aqui parado até que você faça eu me mover
I'm Hanging by a moment here with you
Estou aqui por um momento com você
- Tem certeza de quer fazer essa troca, Harry? – Gina perguntou num fio de voz, com a boca roçando levemente os lábios do rapaz, provocando-o, mas ainda assim o deixando na dúvida. Ele, procurando se lembrar de como falar, respondeu lentamente numa voz rouca:
- Como eu poderia te dar em troca algo que eu não possuo?
Forgetting all I'm lacking
Esquecendo tudo o que necessito
Completely incomplete
Completamente incompleto
I'll take your invitation
Eu aceitarei seu convite
You take all of me now
Você pega tudo de mim
E beijando com todo o carinho a fronte da garota, depois o olho direito, o olho esquerdo, o nariz e as faces, complementou sussurrando, sentindo a respiração rápida de ambos aumentar ainda mais. – Minha alma já é sua há muito tempo!
I'm falling even more in love with you
Estou me apaixonando cada vez mais por você
Letting go of all I've held onto
Deixando para trás tudo ao que eu havia me apegado
I'm standing here until you make me move
Estou aqui parado até que você faça eu me mover
I'm Hanging by a moment here with you
Estou aqui por um momento com você
E ao sentir o coração da mulher que ele adorava bater depressa, colou seus lábios nos dela, devagar, beijando-a como quem para e aprecia a paisagem. Seus lábios eram tão quentes e macios, e tinham uma ternura totalmente sedutora que o deixaram louco; logo quis aprofundar o beijo, o que não lhe foi negado, e da doce lentidão em que se encontravam passaram a uma ávida e deliciosa troca de sensações.
I'm living for the only thing I know
Estou vivendo para única coisa que eu conheço
I'm running and not quite sure where to go
Estou correndo e não tenho muita certeza para onde ir
And I don't know what I'm diving into
E não sei no que estou me metendo
Just hanging by a moment here with you
Apenas aqui por um momento com você
Gina tinha na boca um gosto de chocolate meio amargo, enquanto Harry possuía o sabor da pimenta, o que tornava o beijo uma mistura excitante e interessante: doce, mas não ao ponto de enjoar, e com um toque de ardor que implicava em sensualidade, em mais e mais daquilo que seus lábios e suas línguas faziam e exigiam. Os braços dele estavam envoltos em sua fina cintura, enquanto as dela apertavam-lhe a nuca e massageavam seus cabelos, tentando intensificar ainda mais aquele momento em que os dois estavam propiciando, permitindo um ao outro.
There's nothing else to lose
Não há mais nada para perder
There's nothing else to find
Não há mais nada para achar
There's nothing in the world
Não há nada no mundo
That could change my mind
Que possa mudar minha mente
Era o momento em que os dois concretizavam um desejo que há muito havia sido despertado, mas sempre fora interrompido. Agora, estavam se descobrindo, se deliciando, sentindo-se cada vez mais envolvidos um com o outro. Contudo, o fôlego fez-se necessário para ambos, e desgrudaram os lábios, sorrindo, juntando as testas e sentindo as irregularidades da respiração de cada um.
There is nothing else
Não há mais nada
There is nothing else
Não há mais nada
There is nothing else
Não há mais nada
- Agora sei... Porque... Você... Adiava tanto... Esse momento.
- Por quê? – Indagou, curiosa, beijando-o rapidamente após perguntar.
- Porque não iríamos querer fazer outra coisa a não ser isso! - E após arrancar um sorriso da ruiva pelo comentário, continuou a beijá-la, desfrutando aquele momento que ambos se permitiram proporcionar depois de tanto tempo. Finalmente se sentindo o homem mais sortudo do mundo, ergueu Gina no ar e passou a rodopiá-la, fazendo-a sorrir abertamente, feito criança; admirando o efeito que o vento provocava nos cabelos dela e a alegria que ela transmitia, não tirava os olhos dela, ainda que ela não pudesse retribuir o olhar.
Tendo somente a lua cheia como testemunha, eles estavam selando a promessa de que não se importariam com o passado um do outro, e sim em aproveitar o que a vida lhes ofertava e vivenciar o agora, que não tinha como ser melhor do que aquilo.
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