Questão de Tempo
Capítulo 9 – Questão de Tempo
Já era tarde da noite quando Lupin saiu da Black & Potter. Todos já haviam ido embora, e o céu anunciava um novo temporal prestes a cair. Mas ele não se importava com aquilo. Até gostava do tempo quase sempre frio e úmido. Afinal, morava em Londres, uma capital famosa por suas chuvas constantes; teria de se acostumar de um jeito ou de outro.
E com uma cautela desnecessária, dirigiu-se silenciosamente até a garagem da empresa e saiu em seu carro. Mas não foi pra sua casa, como de costume, e sim para um belo casarão de arquitetura antiga, mas refinada. Era a residência de seu melhor amigo. E ainda com cautela, bateu no portão da casa olhando desconfiadamente para os lados, e foi recepcionado por um homem franzino, de feições cansadas e tristes:
- Boa noite, Sr. Lupin.
- Boa noite, Kreacher. – Ele retribuiu, após colocar sua capa de chuva e seu chapéu num cabide ali perto. – Como vai o nosso amigo teimoso?
- Na mesma. Reclamando de tudo e tentando me convencer de que já está bem, dizendo que tem de ir trabalhar e que a empresa está cheia de problemas pra ele resolver. Mas sempre que tenta se levantar, ele sente uma pontada na cabeça e desiste da idéia.
- E você já chamou o médico?
- Já, sim. Saiu agora a pouco, pra falar a verdade.
- E o que ele disse dessa vez? O mesmo de sempre? – Lupin perguntou sem muito interesse ao subir as escadas pra ir ao quarto de Sirius. Há anos Sirius recebia visitas médicas e eles receitavam o mesmo: uma internação urgente no hospital para fazer uma quimioterapia. E como essa opção estava fora de cogitação para seu amigo, eles indicavam remédios caríssimos para um tratamento caseiro e muito repouso, sendo que a última recomendação ainda não era seguida. Contudo, ele surpreendeu-se ao ouvir a resposta de Kreacher:
- Não. Dessa vez o prognóstico foi diferente.
- O que ele disse?
E com um gesto, ele indicou o fim do corredor, e ambos foram até lá. Ao que parecia, era algo sério demais e que pedia discrição. Foi quando Kreacher, num fio de voz, respondeu:
- O caso do Sr. Black se tornou irremediável. Tudo que poderíamos fazer por ele já foi feito. – E olhando de um modo desconsolador para Lupin, continuou a falar tristemente. – Morrer vai ser... Vai ser questão de tempo.
Lupin ficou estático ao saber a notícia. Não queria acreditar naquilo que havia acabado de ouvir. Sirius, seu melhor amigo, que sempre foi tão alegre, tão bacana, tão bem-humorado, tão apaixonado pela vida, e agora estava marcado por uma sina desoladora, mas certeira pra toda pessoa que vive neste mundo: Morte. Uma sina que chegara cedo demais para ele, um magnânimo que merecia viver dezenas e dezenas de anos, mas que já era esperada há algum tempo devido à atual situação em que sua saúde se encontrava. A qualquer hora e dia essa notícia estarrecedora seria recebida, ainda que de mal grado.
- De quanto tempo estamos falando? – Lupin questionou vagarosamente, com sua mente tentando processar a notícia que acabara de receber, e olhando fixamente para a porta do quarto do amigo.
- Um mês, no máximo.
Ele suspirou profundamente ao ouvir a quantidade de tempo. Era muito pouco. Contudo, cedo ou tarde isso teria de ocorrer, e agora só tinha que aceitar esse fato e aproveitar cada instante que ainda lhe era permitido ao lado dele. Aliás, não só Lupin como todas as outras pessoas que o apreciavam.
- Ele sabe de sua atual condição, Kreacher?
- Preferi não contar. Achei que essa decisão caberia ao senhor, que é o melhor amigo dele e um dos poucos a ter ciência da situação em que ele se encontra.
- Fez bem, Kreacher... Fez bem. – E com um pesar enorme escondido num sorriso falso, anunciou: - Vou falar com ele.
E ao abrir a porta do quarto, ouviu a voz de Sirius dirigir-se a ele com um humor mórbido:
- Quem é vivo sempre aparece, não é? E ainda vem fazer uma visitinha pros que estão prestes a morrer, pra mostrar toda a sua “vivacidade”! Lembrou-se que tem um amigo, ainda que desvalido?!
- Deixe de exageros! Vim aqui ainda ontem. – E aproximou-se do amigo que se encontrava deitado na cama, entre cobertas, aparentando insatisfação, inquietação e tédio. – Sem contar que Tonks já está ficando desconfiada comigo por eu chegar tarde em casa.
- Mas as horas nesse quarto parecem dias. E Kreacher não me deixa fazer nada, nem ao menos comer com minhas próprias mãos!
- Nossa, quanto mais você envelhece, mais reclamão você fica. Daqui a pouco até eu vou parar de visitá-lo! – E ainda com o sorriso fingido, abraçou-o, e sentiu o quão magro e debilitado seu amigo estava. E sentia a força com que seu amigo retribuiu... Era a força de um passarinho.
- E quem disse que eu quero suas visitas, Remo? Eu quero é sair dessa cama, ir pro meu trabalho, cuidar dos nossos negócios, e ajudar Harry no que ele precisar.
- Deveria era tirar esses pensamentos da cabeça, seu teimoso. A empresa tem ido muito bem, e Harry logo, logo vai dar conta de tudo. Ele aprende muito rápido.
- E aliás, como ele foi no primeiro dia de trabalho? Você foi buscá-lo ou ele foi sozinho? Mostrou a sala dele? Mostrou toda a empresa para ele e como tudo funciona? Ele gostou? – Sirius fez várias perguntas ao mesmo tempo, não conseguindo esconder a curiosidade que tinha sobre a vida de seu afilhado. Lupin, achando engraçado, respondeu:
- Eu sou só um, sabia? Olha, ele foi bem pro primeiro dia. E sim, ele foi sozinho e eu mostrei tudo o que ele precisava conhecer. Mas não sei se ele gostou muito, não.
- Por quê?
- Ele saiu de lá meio irritado no final da tarde. Parecia não ter gostado de alguma coisa que um funcionário disse pra ele, eu não lembro muito bem. E saiu às pressas, como se estivesse atrasado para algum compromisso.
Sirius, então, esboçou um sorriso. Não fazia idéia do que havia irritado seu afilhado, mas sabia do motivo para ele ter saído repentinamente: Gina Weasley. Era uma menina de ouro, e acharia ótimo se os dois se tornassem muito mais que amigos. Sabia que ela era a responsável por grande parte da mudança de Harry, e que ele estava encantado pela garota. Seria perfeito se eles ficassem juntos. Contudo, passou a falar de um modo desconfiado, como se não soubesse do motivo da saída de Harry:
- Deveria averiguar para onde ele foi... O que ele foi fazer. Vai que ele voltou a...
- Sabe, acho que esse tem sido o seu problema: se preocupa demais. E complica as coisas que são simples. – Lupin disse, interrompendo seu amigo.
- Não é que eu complico as coisas. É só que eu sou um homem precavido com aquilo que diz a meu respeito.
- Só é precavido com o que quer. Se fosse por isso, não teria ficado doente. E ainda se tivesse, teria feito o tratamento adequado, que foi indicado pelos médicos.
- Tratamento? TRATAMENTO? Estou à beira da morte, e você vem me falar em tratamento? Como se isso fosse resolver alguma coisa...
- À beira da morte? Como pode ter tanta certeza disso? Quem lhe disse que você está prestes a morrer? – Lupin indagara, tentando transparecer despreocupação no tom de voz. Mas o modo seguro e irritadiço com que Sirius dissera aquilo o assombrara.
- Ninguém precisa me dizer algo que vejo com maior clareza com o passar do tempo. Aliás, não só vejo como sinto, também. Sinto como estou perdendo minhas forças, como a cada dia me sinto mais fraco, e como os sintomas aumentam e pioram ainda mais... É perceptível que estou definhando cada vez mais, caminhando a passos largos para a morte.
Sirius, então, mostrou um sorriso enviesado para o amigo. E tentando fazer um piada ainda que mórbida, disse:
- Já estava parecendo uma caveira, mesmo... Não vai fazer diferença quando eu me tornar uma de verdade. E olha que falta muito pouco!
- Não brinque com uma coisa dessas. Por favor. – Lupin pedira, dizendo cada palavra lentamente. Era dolorido ver e ouvir seu amigo, seu melhor amigo, saber de sua morte precoce, e ainda tirar sarro daquilo. E os dois, finalmente se demonstrando transtornados com toda a situação, abraçaram-se. E Lupin logo sentiu lágrimas caírem por sobre o seu ombro.
- Quanto?
- Um mês, no máximo. – Lupin falou, ao entender a pergunta que Sirius fizera com voz embargada. E tomando uma decisão imprudente, mas necessária, continuou: - Se quiser, pode voltar amanhã para a empresa. Precisamos de você agora mais do que nunca.
Sirius, ao ouvir isso, olhou para Lupin com um daqueles olhares que querem dizer mil coisas, mas, no final, acabam dizendo uma só: Obrigado. Um olhar que agradece por tudo, desde o fato de terem se conhecido até pelo de Remo Lupin estar ali e continuar aturando-o. E ao compreender o que seu amigo quis lhe dizer, o abraçou novamente.
* * * * * * * *
Harry chegara em sua casa exalando felicidade. Os empregados, estranhando tamanha alegria, concordaram que não o viam assim desde que seus pais morreram; deveria ter acontecido algo tremendamente maravilhoso para ele estar assim. E aconteceu mesmo.
Ele não tirava da cabeça a imagem de Gina sorrindo para ele. Ela era linda, muito mais do que imaginara ou supusera. E tinha uma pele tão macia, lábios provocantes e um corpo tão sedutor... Contudo, ela exalava pureza, inocência. E era irmã de seis rapazes protetores, sendo que um deles era seu melhor amigo. Enfim, era o próprio perigo, um fruto proibido. E ele era um simples pecador, frente à maior tentação de sua vida. O que poderia fazer para contornar essa situação?
- Boa noite, Harry! Como foi seu primeiro dia de trabalho? – Hagrid lhe perguntou no mesmo momento em que ele botara os pés na sala de estar, interrompendo seus pensamentos. E com um belo sorriso nos lábios, respondeu entusiasmado:
- Não tinha como ser melhor. Sabe, eu...
- Aliás, me desculpe a interrupção, eu já ia me esquecendo, Harry. Você tem visita.
- Visita? – O rapaz estranhara. As únicas pessoas que costumavam lhe visitar nesses últimos tempos eram Rony, Hermione e Sirius. Os dois primeiros não poderiam ser, já que fora abordado por Rony naquele mesmo dia. E Sirius estava tirando uns dias de folga, segundo Lupin lhe informara. Quem seria?
- Um daqueles seus amigos que te convidavam pra sair. O nome dele é Simas Finnigan, se não me engano. – Hagrid falara, denotando irritação com o que acabara de pronunciar. Parecia não gostar do rapaz.
- Ah, o Simas. Onde ele está?
- No escritório. Insistiu em esperar você chegar, mesmo eu dizendo que você demoraria um pouco no trabalho.
- Tudo bem, Hagrid. Vou ver o que ele quer.
Harry, alegre porque um de seus antigos amigos viera vê-lo, chegou rapidamente ao enorme escritório de sua casa, e se deparou com um rapaz de cabelos pretos e curtos, rosto risonho e jeito pomposo, que se aproximou dele com enorme alegria assim que o viu:
- Harry, seu malandro!
- Simas! Quanto tempo, cara! – E se abraçaram rapidamente. – O que conta de bom?
- Cara, altas festas tão rolando! Inauguraram umas boates IN-CRÍ-VEIS em Fullham! Tenho que te mostrar qualquer dia desses. E estou com uma morena, cara... Que é coisa de outro mundo! Ela tem uma amiga loira... Muito gata, também. Marcamos uma viagem pra Riviera, pensei em te convidar pra fazer companhia pra amiga dela... Você sabe: clima de praia, hotel cinco estrelas, uma coisa acaba levando à outra... E aí, o que me diz, garotão?
Harry observara o modo entusiasmado e alegre com que Simas falava daquilo tudo, e lembrou-se de quando sua vida resumia-se àquilo. Pra ele, não havia coisa melhor no mundo. Se fosse o mesmo cara de antes, aceitaria sem pensar, mas, apesar de achar a proposta realmente tentadora, percebeu que não lhe atraía tanto quanto atraía o seu amigo. Aquele mundo ao qual ele vivia parecia ter perdido o sentido e a graça de antes. Não se sentia mais pertencente dele. Sentia-se pertencente à outra coisa, mais especificamente a uma pessoa que, agora, deveria estar dormindo em sua ampla cama de dossel.
- Achei muito legal da sua parte ter se lembrado de mim e agradeço o convite... É realmente tentador, mas vou ter de negar. Comecei hoje a trabalhar na Black & Potter e tenho muito trabalho a fazer por lá. Além do mais eu...
- Espera, espera, espera... Acho que eu não ouvi direito... Como é? Você, recusando a minha oferta por causa de trabalho? Não, pior do que isso: Você? Trabalhando? – Simas interrompeu Harry, abismado com o que acabara de ouvir da boca dele.
- Você ouviu muito bem, Simas, estou negando o seu convite por causa do meu trabalho. Aliás, o que há de espantoso no fato de eu trabalhar?
- Digamos que não é do seu feitio. Pelo menos não do Harry que eu conheço. E olha que nos conhecemos desde os 11 anos, no colégio!
- Reconheço que realmente não era do meu feitio. Mas eu mudei. Mudei pra valer. Quero ser levado a sério, agora.
- Ah, vamos lá, Harry, deixe de besteiras. Você quis dar um tempo no Instituto Potter, tudo bem, não o incomodei... Acho até legal você querer “brincar” um pouco de executivo na empresa da família. Mas querer vir dar uma de “cara mudado”? Você sabe que não precisa esconder nada de mim... Você não precisa se esconder de si mesmo. Nunca iria conseguir.
- O que você quer dizer com isso? – Harry estranhou o tom de voz de Simas. Era como se ele não acreditasse no fato dele se tornar responsável algum dia.
- Você sabe muito bem do que eu estou falando. É impossível alguém como você... Alguém como nós tomar jeito, sabe? Fomos feitos para sermos bons vivants! Nascemos pra isso, pra curtir a vida. Pensei que tivesse se dado conta disso, afinal. Soube da sua recaída.
E Simas pegou de cima da mesa do escritório uma revista de fofocas e estendeu para Harry, e era a mesma que aquele funcionário da empresa lhe mostrara horas atrás. E a mesma raiva de horas atrás tomou conta dele:
- Anda acreditando nessas besteiras que escreveram?
- Tem fotos pra comprovar. E te conheço o suficiente pra saber que, mais dia, menos dia, faria isso. Abstinência deixa qualquer um louco, e com você não poderia ser diferente. Foi por isso que apareci, há mais de um mês você não dava as caras. E vem num retorno triunfal!
- Mas eu só bebi e dei uns beijos nela! Nada demais!
- Como é? Sinceramente, tou passando a escutar coisas que nunca imaginei escutar... O que você disse? – Simas indagou, olhando para Harry com descrença.
- É isso mesmo que você ouviu. Não transei com ela, só dei uns amassos. Foi um momento de fraqueza, logo me dei conta do que estava fazendo e parei.
- Ah... – E Simas, parecendo surpreso com o que ouviu, ficou estático durante alguns segundos. Até que pareceu compreender algo, e deduziu num tom malicioso e desimportante: - Ah, já sei... Tem outra mulher na parada, não é? Uma especial, que tá fazendo a sua cabeça, não é?
Harry, intrigado com os modos do amigo, respondeu:
- É... É outra mulher, sim. Mais especial do que você imagina. Como você descobriu?
- Era o único motivo possível pra sua atitude. Outros amigos meus já passaram por situações semelhantes. E olha, você sabe que não sou do tipo que dá conselhos, mas vou te dar um: se ela for realmente especial, fuja. Acabe o mais rápido possível com isso antes que as coisas piorem e alguém saia machucado.
- Como assim?
- Harry, existem garotas que são realmente perfeitas. Que fazem o nosso mundo virar de cabeça pra baixo. Diferentes de tudo que já vimos. Pena que é justamente esse tipo de garota com a qual não podemos ficar.
“Os mundos aos quais vocês pertencem são diferentes e incompatíveis. Por mais que tentemos, nunca daria certo mantermos uma relação com elas. Ia ser inevitável não fazê-las sofrer, porque não podemos negar nossa natureza. Nascemos pra sermos livres, independentes, despreocupados, felizes, sem nada que nos prenda ou algo parecido. E elas merecem outro tipo de pessoa, alguém mais condizente com o mundo em que elas vivem. Alguém que possa dar e ser tudo o que ela precisa. E a manchete dessa revista é só uma pequena prova do que eu estou te falando. Por mais que queira, você não pode negar sua natureza.”
Harry ficou paralisado ao escutar o que Simas lhe dizia. Como ele poderia saber disso? Como poderia ter certeza de que isso aconteceria? E como se estivesse lendo sua mente, o rapaz, com um sorriso arrogante no rosto, continuou:
- Pode acreditar, estou falando a verdade. Presenciei casos parecidos, e sei o que estou falando. Alguém sairá machucado, e em praticamente todos os casos, era a garota. E o cara também fica arrasado. Não é uma situação boa pra ninguém. – E como se o assunto já não fosse tão importante, e já tivesse convencido Harry disso, Simas perguntou num tom descontraído: - E então, vai aceitar agora?
- Continuo mantendo a minha resposta. – Harry respondeu secamente.
- Tudo bem. É compreensível. Eu já vou. – E ao pegar um casaco que estava em cima de uma cadeira que ficava em frente da mesa do escritório, se dirigiu à porta e avisou no mesmo tom que o de Harry: - Ah, e só pra dizer que não te preveni, a Cho está na cidade, louca pra te ver. E quando você finalmente perceber o que eu te falei, me liga pra gente sair, ok?
Harry continuou parado, pensativo, olhando para o nada, analisando o que havia acabado de acontecer ali. Nem percebeu quando Hagrid entrou no escritório, mas escutou a pergunta que ele lhe fez:
- Desculpe perguntar, mas ele saiu daqui mal-humorado. O que ele queria?
- Me atormentar, Hagrid. Somente me atormentar.
* * * * * * * *
Uma semana havia se passado desde esses acontecimentos. Harry ia todos os dias à empresa, cumprindo com seu horário e suas obrigações. Já estava sendo orientado por Sirius, que voltara a trabalhar há alguns dias. Ele observara que seu padrinho estava mais magro e tinha um aspecto muito diferente do que costumava apresentar; estava mais solto, mais alegre, mais descontraído, apesar de aparentar fragilidade. Perguntou o que estava acontecendo com ele, e recebeu como resposta: “Aproveitando a vida”. Achou engraçado, e preferiu não comentar mais nada.
Sempre que terminava seu expediente, ia até o Instituto Lílian Potter verificar como as coisas iam por lá e para visitar Gina. Contudo, nesses encontros, ela passava a maior parte do tempo ensaiando para o teste que faria em pouco menos de um mês, e ele lhe fazia companhia conversando, escutando e a admirando. Aproveitou para fazer as mais variadas perguntas sobre ela, o que lhe agradava ou não, quais suas preferências, além de pedir detalhes sobre a vida dela; queria descobrir tudo o que podia.
Ele não sabia se era verdade ou só impressão sua, mas ela ficava muito mais linda enquanto tocava piano. E tinha mãos tão delicadas e ágeis que pareciam deslizar por sobre as teclas quando ela tocava Chopin ou Wagner. Para Harry, ela era linda de todas as formas.
Mas ele não podia negar que, agora que sabia que ela não enxergava, a situação mudava de figura. Não era algo difícil de lidar, porque Gina era extremamente inteligente e parecia não ter muitas dificuldades com relação à suas limitações, mas gostaria que ela pudesse lhe olhar diretamente nos olhos quando ele falasse, e não somente para o seu rosto. Para falar a verdade, ele gostaria mesmo é que ela pudesse enxergar todas as coisas bonitas que ele via e ela não, que ela pudesse ver o quanto ela era bonita, que ela pudesse enxergá-lo e dizer o que achava dele, de sua aparência... Se era agradável ou não. Então, uma pergunta passou a martelar em sua cabeça, uma dúvida que, se fosse respondida positivamente, ele faria de tudo para que desse certo. E numa noite em que ela ensaiava avidamente uma peça musical para o teste, ele perguntou de supetão:
- Gina, seu caso tem jeito?
Ela parou bruscamente de tocar, tamanha foi a surpresa da pergunta. E perguntou:
- Que caso?
- Você sabe... Sua... Sua visão. – Ele gaguejou, desconcertado. Sabia que era um assunto delicado, e percebera que foi muito direto. – Ainda tem solução?
Ela pareceu refletir por alguns segundos, como se estivesse ponderando sobre a pergunta, analisando se ela deveria ser respondida ou não. E, com uma voz suave, quase que formal, respondeu:
- Muitas pessoas não sabem disso, mas não enxergamos pelos olhos. Enxergamos pelo cérebro. Os olhos são só um meio, um recurso que o cérebro utiliza para ver as coisas, o que está ao seu redor. Eles captam a imagem e enviam para o cérebro, que formula e organiza a imagem para que possamos visualizá-la. Se o problema fosse nos meus olhos, talvez tivesse solução, dependendo do caso. Mas quando o problema é no cérebro, que é o meu caso, a situação é bem diferente. A parte do meu cérebro responsável pela visão é totalmente inativa. Não funciona. Somente através de estímulos é que poderia funcionar, mas ainda não seria totalmente; eu necessitaria usar aparelhos muito complicados, que me fariam enxergar em preto e branco e, depois de certo tempo de uso, provocaria dores insuportáveis.
- Nossa! Você deve ter ido muitas vezes ao médico, não?
Ela sorriu ao ouvir isso, fazendo Harry sorrir junto. E ele já reparara que, quando ela sorria, os olhos não acompanhavam a alegria que ela transmitia. E isso o torturava. Queria ser capaz de fazer algo para mudar aquilo. Não importava o que fosse, mas tinha que fazer.
- Todas as vezes que eu ia para o médico, ele dizia o mesmo: Irreversível. Daqui que inventem uma máquina menos complicada e que não provoque dores, vai demorar e muito. É preciso uma tecnologia que ainda não foi descoberta.
- Questão de tempo. Logo vão descobrir e você vai poder ver o cara bonitão que está aqui do seu lado. – Ele falou, com uma voz sedutora e brincalhona, ao se aproximar dela e beijá-la. Ela ainda tinha um sorriso bobo nos lábios, mas não demorou muito para que correspondesse ao beijo com intensidade e o aprofundasse. O gosto da boca dela mudava frequentemente, Harry percebera; hoje lembrava uma torta de merengue de limão. E ele queria explorar cada pedaço da boca dela, sentir o sabor que ela tinha naquele dia com toda a calma do mundo.
Apesar da vontade de Harry ser fazer amor com Gina ali, naquele momento, e sempre que a encontrasse, ele sabia que com ela era diferente. Tinha que ir devagar, com cuidado, sem pressa, apesar do corpo pedir o contrário todas vezes. Ele percebia nas atitudes da pianista que ela era totalmente inexperiente em relações amorosas e carnais, e isso só o instigava e encantava ainda mais. Ela parecia uma flor silvestre, rara, intocada, pura, que somente ele havia descoberto e teria o prazer de cuidar, desfrutar e apreciar. Mas sabia que teria de conquistá-la, e adquirir sua confiança e seu respeito se quisesse algo a mais com ela. Até lá, ele aproveitaria ao máximo o tempo que tinha para admirá-la, conhecê-la e beijá-la.
Mas... O que as pessoas diriam ao verem ele, Harry Potter, o playboy irresponsável e insensível, ao lado dela, Gina Weasley, a pianista incrível e adorável? Pior do que isso, e se a família dela os vissem juntos, daquela maneira? E mil vez mais catastrófico do que isso, e se os irmãos dela não só os vissem juntos, daquela maneira, mas pudessem ler os pensamentos e intenções que Harry estava tendo para com a irmãzinha caçula e querida? O que pensariam? O que fariam? Contudo, trilhões de vezes mais aterrorizador do que todas essas coisas era: o que as pessoas, a sociedade, a família e os irmãos diriam, pensariam ou fariam ao vê-los juntos, daquela maneira, na cerimônia e na festa do casamento? Iriam aceitar do mesmo modo como ambos se aceitaram, tão naturalmente?
- Gina? – Ele disse, com a voz rouca, entre um beijo e outro.
- Hmm? – Ela resmungou, ocupada demais para falar.
- Como vamos fazer no casamento do seu irmão? – Ele conseguiu dizer, ao lembrar-se que a cerimônia ocorreria dali a 7 dias, e ambos seriam os padrinhos. Mas ela não parecia tão preocupada quanto ele:
- Vamos estar lá, agindo normalmente, cumprindo o papel ao qual eles nos incubiram. Simples assim. – E voltou a beijá-lo de um jeito sedutor, fazendo com ele esquecesse por alguns minutos o que tinha a dizer. Mas logo ele recobrou o sentido e, afastando-se um pouco dela, disse, ofegante, passando a mão nos cabelos desalinhados e arrumando a gravata que ela havia puxado tantas e tantas vezes.
- O que eu quero dizer é que sua família e todas as outras pessoas que vão estar lá não sabem que já nos conhecemos. E se eles nos vissem assim, desse jeito, ou numa situação parecida como essa na festa? O que você acha que eles fariam?
Por mais incrível que parecesse, Harry teve a impressão que Gina conseguira focalizar seus olhos pela primeira vez nos olhos dele. Mas eles continuavam sem vida. Somente a expressão facial de Gina demonstrava que ela estava estranhando algo:
- Por quê? Você está preocupado com o que elas vão pensar? Com o que vão achar de nós dois juntos?
- Hum, er... É, é mais ou menos isso. – Harry falou, mas achou melhor não ter falado. Gina pareceu não ter gostado muito do que ele disse, e saiu de perto dele. Foi quando ele finalmente percebeu o que ele poderia ter deixado a entender, e tentou consertar o erro que fizera: - Não quer dizer que eu não goste de você, nem que eu não queira mostrar isso em público... É só que todos vão estranhar e se espantar... Em especial a sua família. Eles acham que ainda vamos nos conhecer lá, no casamento.
- É, realmente, todos se espantariam. – Ela falou, sem graça. Harry reparou que as feições no rosto dela ficaram tristes, e que com certeza ao invés de ter deixado tudo claro, piorou ainda mais. Mas antes que conseguisse se desculpar outra vez, ele ouviu a voz doce de Gina: - Não se preocupe. Irei fingir que estarei te conhecendo na igreja, no dia do casamento. Agora, se não se importa, estou com um pouco de sono.
- Gina, eu não...
Mas aquele apito que soava avisando que havia se passado uma hora acabara de tocar, interrompendo-o. Harry olhou para o relógio que soava o apito, e viu que eram 21:00h. Assim que aquele som acabou, ele ouviu a voz doce de Gina dizer calmamente, enquanto ela se apoiava displicentemente na cauda do piano e brincava com a bengala de aço que ela usava:
- Boa noite, Harry.
Ele olhou para ela uma última vez naquela noite, e percebeu que a havia magoado, pois ela não foi se despedir dele como costumava, muito menos foi acompanhá-lo em direção à porta de madeira que dava entrada ao porão. Resignado, mas sentindo-se um idiota, retribuiu o que ela lhe desejou, e foi embora, pensando numa maneira de desculpar-se. Mas parecia muito difícil dobrar aquela pianista genial e geniosa.
* * * * * * * *
- E então, Simas, ele vem ou não vem? – Perguntou uma mulher muito bonita, mas impaciente, que estava numa movimentada e requintada boate, sentada numa banqueta próxima ao balcão do bar em frente a um rapaz de cabelos pretos e curtos que estava acompanhado de uma morena bastante atraente.
- Insisti muito, mas ele não quis. Disse que tinha de ir trabalhar, vê se pode! E também que estava mudado, que queria ser levado a sério... Olha, eu não acreditei muito, não.
- Harry Potter, mudado? E trabalhando? Não pode ser. É a piada do século! – A mulher falou, cética, com um sorriso sarcástico no rosto.
- Também acho. Aconselhei-o e tudo, falei que era coisa de momento... Logo ele esquece essas besteiras. Mas é melhor você ficar preocupada. Tem mulher na jogada, e deve ser ela quem está fazendo a cabeça dele. E caso você não se cuide, talvez ele mude mesmo e você perde a vez.
- E você acha que sou mulher de perder?! Harry Potter não pode estar mudado, e não pode estar com outra. É questão de tempo ele perceber isso e voltar pra mim... Afinal, o lugar dele é do meu lado. Palavra de Cho Chang. – Ela falou, decidida, fazendo com que Simas sorrisse e erguesse um copo de bebido em sua homenagem, parecendo ter se agradado da resposta que a mulher tão bonita e de traços orientais chamada Cho Chang havia dado.
* * * * * * * *
N/A: Olá, meus queridos leitores! Como vão? Acho que chateados comigo, porque sumi e não dei mais notícias. Queria pedir todas as desculpas possíveis a vocês, mas é que aconteceram tantas coisas comigo e ao mesmo tempo, que fiquei atordoada e tive uma espécie de bloqueio. Voltei a escrever faz poucos dias, e tou postando agora o nono capítulo. Mas antes de tudo, tenho que dar explicações a vocês, dizer os motivos pelos quais eu fiquei sem dar notícias:
x Vou fazer vestibular mais cedo do que previa. Ou seja, além de ter que dar conta dos assuntos do segundo ano, tenho que estudar assuntos do terceiro ano e me preparar pro que vem aí.
x Tenho uma banda de rock, e ficamos ensaiando pra caraca nas férias (isso quando eu tinha tempo vago)
x Em agosto (que dizem ser o mês do desgosto), aconteceram desastres na minha cidade natal que me abalaram. Primeiro, o assassinato de um primo ao qual eu era muito ligada. Até morei junto com ele, meus outros primos e minha tia ano passado. Segundo, um acidente com um amigo meu. Terceiro, a avó de uma prima minha morreu, o que piorou tudo, porque essa mesma prima era irmã do meu primo que tinha morrido. Foi muito pesado pra mim e pra toda minha família.
x Me mudei e agora estou morando sozinha com meu irmão. E você sabe como mudança é difícil, principalmente quando é pra sua primeira casa e tem de fazer inúmeras compras (nunca imaginei na minha vida comprar regulador de butijão de gás =P). Sem contar que tive de me adaptar a nova vida (pra falar a verdade, ainda estou me adaptando)
x Com a mudança, fiquei sem internet. Estou há quase dois meses sem internet, e quando vim passar o feriado em minha cidade natal, na casa de minha mãe, deparei-me com uma horrível de 206 kbps. Ô internet ruim do diabo, pior do que a penga! Tá muito tenso a coisa por aqui.
Enfim, espero que eu tenha deixado tudo às claras para vocês, e que vocês me desculpem pela demora. Aliás, amei todos os comentários! Gente que me acompanhava tempos atrás retornou, que bom! Queria poder responder a todos os comentários que vocês fizeram relacionados ao capítulo passado, mas não vou poder dessa vez (fico devendo!). É que eu queria postar logo o capítulo. Bem, caso tenham gostado ou odiado este novo capítulo, comentem. Ou não. ;DD
Carpe Diem
Hannah B. Cintra
Comentários (1)
NÃO ACREDITO???!!!! POR FAVOR, NÃO ABANDONE A FANFIC!!! ELA É LINDA DEMAIS!!! CONTINUE!!! TERMINE ESSA LINDA HISTORIA!!!
2015-12-27