O sorriso da deusa
Depois de terminarem a refeição, e de terem ficado sabendo de todos os detalhes sobre aquela jornada em busca de um talismã falsa, Mary e Doumajyd foram conduzidos pelo bruxo que roubara a tiara para outra parte do castelo.
Conforme contara o velho, ele era a pessoa que administrava os seus negócios, exatamente como Richardson fazia. Era em quem mais confiava no mundo, e por isso lhe incumbiu da missão de roubar a Sorriso da Deusa e fazer com que os noivos se movimentassem conforme o planejado.
Na sala para onde foram, havia uma grande lareira com um fogo esverdeado, onde duas figuras entre as chamas já esperava por eles.
- Mãe! Pai! – Mary exclamou correndo até lá, os reconhecendo imediatamente.
Sentia que não se importava em se queimar com as chamas se fosse possível abraçá-los de verdade e não somente ver as suas imagens. Só agora, com seus pais assim tão perto, ela percebia quanta saudade tinha deles.
- Você está bem? – perguntou sua mãe preocupada, apertando as mãos.
- Se machucou? – perguntou seu pai apreensivo.
Mary sabia que, na verdade, naquela preocupação toda com o seu estado, também estava misturado o medo deles de a filha se zangar com o que haviam feito. E isso ficou confirmado pela sua mãe quando ela falou, como se fosse um pedido de desculpas:
- Nós queríamos que você mesma se certificasse se seria feliz!
- Nos desculpe, Mary! – pediu seu pai, preparado para receber qualquer tipo de inculpação da filha – Você teve que passar por tantas coisas desagradáveis!
Seria mentir dizer que não sentia vontade de gritar com eles, os informando sobre toda a apreensão pela qual ela passara naquela viagem. Porém, todo esse sentimento era encoberto pelo contentamento de pensar no que eles foram capazes de fazer somente para que ela pudesse crescer por si mesma.
- Nos desculpe, Christopher. – pediu o senhor Weed humildemente, para o dragão.
Doumajyd, que até o momento permanecera imóvel apenas observando, se aproximou da lareira com uma expressão indecifrável. Ele olhou de um para o outro nas chamas e disse com firmeza:
- Eu devo agradecer!
Tanto o senhor, a senhora Weed e a filha o encararam sem compreender por que o dragão agradecia, quando normalmente estaria entre um misto de zanga e aborrecimento.
- Nada no meu mundo poderia ter me tornado tão forte como estou agora. – ele continuou – Uma vez prometi para Mary que me tornaria um homem melhor, para que ninguém pudesse ficar o nosso caminho. Hoje posso afirmar que sou melhor, e tudo graças a vocês... Muito obrigado por confiarem em mim, a ponto de deixarem a felicidade da sua filha sobre minha responsabilidade! Agora, Mary e eu não temos receio de juntar nossas forças, e construir uma vida juntos!
Nas chamas, a mãe de Mary começou a chorar e oscilou, precisando ser amparada pelo senhor Weed. Este, também emocionado com as palavras do dragão, disse:
- Confiamos em você e na nossa Mary, Christopher.
Mesmo com o tempo limitado que possuíam na lareira, por serem trouxas e terem recebido uma concessão especial, Mary tentou lhes contar tudo o que tinha acontecido, para que ficassem tranqüilos. Depois que eles se despediram e o fogo mágico da lareira se apagou, como tivesse sido atingido por uma rajada de vento, foi a vez do ladrão da tiara se desculpar:
- Perdão por ter causado tantos problemas e preocupações, senhor, senhorita. – ele se curvou educadamente, assim como fazia para atender as ordens do seu mestre.
- Acha que é tão fácil?! Apenas pedir desculpa e está tudo bem?! – rosnou Doumajyd e, antes que Mary pudesse fazer qualquer coisa para impedir, ele avançou contra o bruxo, pronto pra socá-lo.
O bruxo não reagiu, apenas fechou os olhos e esperou pelo impacto da fúria do dragão... Mas ele não o atingiu. Doumajyd parou há milímetros de acertar o nariz do bruxo. E então, rindo, lhe deu um cascudo na testa, comentando:
- Isso deve ser o suficiente.
Confuso, o bruxo abriu os olhos e o encarou.
- Até que eu me diverti bastante. – contou o dragão no lugar de uma explicação, saindo sem dizer mais nada.
Soltando o ar, que tinha prendido diante da cena que achou que iria presenciar, Mary respirou aliviada e agradeceu decentemente o bruxo, seguindo o noivo logo depois.
***
- Comparando com antigamente, suas estratégias melhoram excepcionalmente, não? – comentou a senhora Doumajyd, tomando a sua xícara de chá em companhia do velho bruxo.
- Não me compare com a época em que eu tinha vinte anos. – ele pediu, servindo a sua xícara – E as minhas estratégias eram limitadas aos jogos de quadribol.
- Me desculpe por ter feito esse pedido complicado. Muito obrigada mesmo.
- Ora, assim eu fico embaraçado. – ele declarou sorrindo – Eu não poderia negar esse pedido à Ketherin Doumajyd.
- Eu não deveria pedir a você para fazer algo que trás tantas lembranças.
- São apenas lembranças antigas... – ele se reclinou na poltrona, olhando para o teto – Eles serão felizes, não se preocupe.
- Espero. – ela deu um suspiro.
- Realmente, ele se tornou um bruxo extraordinário... Como falam?
- Um dragão.
- Sim, um dragão extraordinário. – e acrescentou rindo – Alguém capaz de lhe superar, Ketherin. Não espere nada menos que isso.
***
Como foram orientados, Mary e Doumajyd estavam esperando no gramado do grande jardim do castelo, aproveitando a brisa vinda do mar e os poucos raios de sol que insistiam em passar pelas frestas das nuvens naquele tempo indeciso.
- Apesar de estar me sentindo ótimo, – comentou Doumajyd, com o olhar perdido no horizonte – estou um pouco frustrado com essa história.
- Mas, sabe... Amor eterno não pode ser alcançado com um encantamento ou um talismã. Ele não existe se não pudermos acreditar e confiar um no outro, não é?... Isso que é importante... – Mary esticou as pernas e se inclinou para trás, olhando para o céu nublado – Acho que aquela tiara representava isso. Depois de ter superado todos esses problemas, podemos ter confiança na escolha que fizemos.
- Por isso que é o Sorriso da Deusa, não? – perguntou o dragão concentrado – Na mitologia não havia uma deusa bonita que abençoava o amor?
Ela riu com a relação que Doumajyd fizera, concluído e expondo parcialmente pensamentos que ele formulara, e não sabia explicar direito. Porém, logo notou que alguém vinha em direção deles, saindo do castelo.
- Não sei se a deusa mitológica está nos abençoado, – ela murmurou para ele, sorrindo – mas com certeza uma deusa está sorrindo para nós hoje.
Sem entender, Doumajyd olhou para trás, vendo que a sua mãe se aproximava, indiscutivelmente sorrindo para eles. Sem perderem tempo, os dois se levantaram para recebê-la.
- Bem vindo de volta, Christopher. – disse a bruxa polidamente, ao chegar até eles.
Doumajyd a encarou por um tempo, e então sorriu também, de uma maneira que Mary nunca havia o visto sorrir para a bruxa:
- Estou de volta, mãe. – e acrescentou – Senti saudades.
Indo contra todos os conceitos que Mary havia estabelecido à personalidade dela até aquele dia, a senhora jogou os braços em volta do pescoço do filho, como faria uma mãe carinhosa, o segurando apertado.
- Que bom que você está bem. – ela murmurou, com uma voz embargada.
Então o soltou, mas continuou segurando as suas mãos, o analisando para verificar por ela mesma se estava tudo bem com o seu herdeiro. Depois, olhou para, Mary, que presenciava toda a cena sem saber como reagir.
- Você está bem, senhorita Weed?
- Estou, senhora Doumajyd. – ela se apressou em responder de uma forma educada e cuidadosa, como havia aprendido a fazer durante todos esses anos.
E então, deixando Mary completamente sem chão, ela também a abraçou, como abraçara o filho.
- Acho que já está na hora de começar a me chamar pelo nome, Mary. Afinal, vou ser como sua mãe também.
Mesmo lutando contra, Mary não conseguiu evitar que seus olhos se enchessem de lágrimas diante da atitude dela. Finalmente, um muro de concreto que sempre esteve cercando o relacionamento dela e de Doumajyd vinha ao chão, com apenas um único gesto.
- Obrigada. – foi tudo o que ela conseguiu dizer, baixinho.
***
A senhora Doumajyd falou que ainda teria que resolver alguns detalhes no castelo, e que os dois poderiam voltar para Londres sem ela, com a carruagem.
Mary sentia um misto de cansaço e contentamento. Finalmente estava voltando pra casa, e podia respirar como se tudo tivesse acabado. Só nesse momento ela teve a plena consciência como estava esgotada. Doumajyd também estava no mesmo estado. Apesar de ele não demonstrar abertamente, ela podia perceber que o dragão estava ao ponto de se desligar assim que houvesse oportunidade.
Porém, ao saírem dos muros do castelo em direção a carruagem, foram barrados por duas pessoas que aparataram na frente deles:
- BEM VINDOS! – MacGilleain e Nissenson quase o fizeram cair para trás com o susto.
- Vocês também sabiam de tudo?! – perguntou Doumajyd em tom de acusação, no lugar de uma resposta ao cumprimento.
- Ryan nos contou. – disse Nissenson.
- O Ryan? – perguntou Mary confusa.
- No leilão. – o dragão explicou – O Ryan conversou com o bruxo que roubou a tiara e ficou sabendo de tudo.
- Então era isso? – Doumajyd e Mary trocaram olhares de compreensão.
- Aquele dinheiro todo foi devolvido logo em seguida. – contou MacGilleain, e então pediu – Desculpa por enganar vocês.
- Pode nos bater se quiser. – se dispôs Nissenson.
- Vocês mereciam... – Doumajyd ponderou a oferta – Mas eu faria o mesmo no lugar de vocês!
Os quatro riram, deixando tudo resolvido entre eles apenas com poucas palavras. Porém, ainda havia um problema, e Mary foi a primeira a perceber:
- Onde está o Ryan?
- O Ryan? – MacGilleain repetiu a pergunta, com se a estivesse confirmando – Vocês sabem... ele é um tanto tímido!
- Tímido? – Mary repetiu rindo, mas não entendo a resposta.
- Então vamos! – anunciou Nissenson, cortando o assunto, passando um braço em volta do pescoço de Doumajyd e praticamente o arrastando para a carruagem, enquanto MacGilleain fazia o mesmo com Mary – Para encerrar, temos um presente pra vocês!
- O quê? – perguntaram os dois surpresos, sem saber o que esperar.
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