De chefe à secretária.
A segunda-feira amanheceu fresca e cinza. Entretanto, na redação do Mode os ameaçadores céus não eram um fator a levar em conta. Gina decidiu que, evidentemente, Harry tinha permitido que a natureza se revolucionasse um pouco quando as sessões fotográficas fossem se realizar em um estúdio.
Sob suas indicações, Gina ficou nas mãos de uma cabeleireira que a ajudaria a transformar-se em uma elegante e competente mulher de negócios. O cabelo foi preso em um penteado com muito estilo que acentuava a estrutura óssea do rosto do Gina. O traje cinza de três peças, apesar de sua severidade, conseguiu que a jovem, em vez de parecer masculina, resplandecesse sua inata feminilidade.
Quando ela entrou no escritório de Harry, Neville estava imerso na preparação da equipe fotográfica, das luzes e dos ângulos. Depois de examinar a sala, Gina teve que admitir que esta era tão elegante quanto adequada para a sessão daquela manhã. Observou Neville com carinho e diversão, estava completamente alheio a sua presença, ajustava objetiva e verificava focos sem deixar de murmurar para si mesmo.
—O gênio em seu trabalho —sussurrou uma voz ao ouvido de Gina.
Ela se voltou e se encontrou frente aos olhos que tinham começado a obcecá-la.
—Isso é precisamente o que é —replicou, furiosa pelo modo como seu coração pulsava ao sentir a aproximação de Harry.
—Estamos um pouco nervosos esta manhã, não? —observou ele com o cenho franzido—. Ainda está com ressaca do fim de semana?
—É obvio que não. Nunca bebo o suficiente para ter ressaca.
—Ah, sim... Acredito...
—Gina, por fim está aqui —disse Neville, impedindo assim Gina pudesse encontrar uma resposta adequada—. Porque demorou tanto?
—Sinto muito, Neville. A cabeleireira se entreteve o bastante.
O brilho jocoso que havia nos olhos de Harry pediu e recebeu a resposta de Gina. Quando o olhar de ambos se cruzou por cima da cabeça de Neville com a peculiar intimidade de uma brincadeira compartilhada, uma doce debilidade se apoderou dela, como uma suave onda que varria a areia da praia. Aterrada, baixou os olhos e tratou de esquecer-se das reações que Harry provocava nela sem esforço algum.
— Assusta-se sempre tão facilmente? —perguntou ele, com voz tranqüila. Gina o olhou com desprezo, irada com a habilidade que ele parecia ter para lhe ler os pensamentos como se os tivesse escritos sobre sua testa
- Quando está irada. Seus olhos ficam escuros e suas bochechas vermelhas. O espírito é uma qualidade essencial para as mulheres e... Para os cavalos —acrescentou, franzindo levemente a boca.
Gina ficou atônita ao escutar a comparação. Tratou de dominar seu gênio sabia que se começasse a responder, entraria em uma batalha verbal sem fim.
—Suponho que é certo —respondeu, depois de tragar palavras que lhe tinham ido à cabeça—. Em minha opinião, os homens parecem carecer da capacidade física do cavalo e da habilidade mental das mulheres.
—Bom, esse penteado lhe dá um aspecto muito competente —comentou Neville enquanto estudava a Gina com olhos críticos sem dar-se conta do que tinha ocorrido no escritório nos últimos segundos. Com um suspiro de derrota, Gina olhou ao teto como pedindo ajuda.
-Sim -afirmou Harry, com rosto sério-. A mulher executiva, muito competente e muito elegante.
-Enérgica, agressiva e cruel —replicou Gina lhe dedicando um gélido olhar—. Tratarei de imitá-lo, senhor Potter.
—Isso vai ser fascinante —disse ele. Tinha levantado ligeiramente as sobrancelhas—. Deixarei-lhes com seu trabalho enquanto eu me ocupo do meu.
Partiu do escritório e fechou a porta atrás dele. De repente, a sala pareceu maior e muito vazia. Gina tratou de esquecer-se do ocorrido e começou a trabalhar. Faria todo o possível por erradicar os pensamentos do Harry Potter de sua cabeça.
Durante uma hora, Neville esteve fazendo fotografias, ajustando a luz e lhe dando indicações enquanto Gina assumia a atitude de uma executiva.
—Tomemos um descanso —disse Neville. Então, fez um sinal para que relaxasse, o que ela fez , se deixando cair sobre uma poltrona em uma postura informal e muito pouco digna.
— É um demônio! —exclamou ela, quando o fotógrafo tomou uma foto instantânea, capturando-a naquela posição tão desajeitada, com as pernas estendidas diante dela.
-Parece-me que será uma boa fotografia —afirmou Neville com um sorriso—. «Mulher muito cansada afligida por seu enorme trabalho».
—Tem um estranho senso de humor, Neville —replicou Gina, sem mover-se—. Acredito que vem do fato de ter uma câmera grudada à sua cara o tempo todo.
-Vamos, vamos, Gina. Não fique assim. Levante-se dessa poltrona. Agora vamos à sala de reuniões e você, meu amor, será a presidenta do conselho.
O resto da sessão daquele dia foi longo e tedioso. Como Neville não estava muito satisfeito com a luz, passou mais de meia hora ajustando-a até que contou com sua aprovação. Depois de passar uma hora mais sob a potente luz dos focos, Gina se sentia tão cansada que se alegrou muito quando Neville decidiu terminar a jornada de trabalho.
Enquanto saía do edifício, encontrou-se procurando Harry por toda parte e se sentiu bastante desiludida quando não o viu e furiosa consigo mesma por sua reação. Andou durante uns minutos, respirando o fresco ar de outono e decidida a esquecer as sensações que lhe produzia. Disse-se que só era uma atração física, como as que ocorrem a todo mundo constantemente. A atração física é muito freqüente e costumava passar com tanta rapidez como um vírus de vinte e quatro horas...
Decidiu que precisava fazer algo para se esquecer dele, por isso voltou a pensar no caminho que tinha esboçado para sua vida. O êxito no campo que tinha escolhido, independência, segurança... Essas eram suas prioridades. Não havia lugar para as relações românticas. Quando chegasse o momento de assentar a cabeça, certamente não o faria com um homem como Harry Potter, e sim com alguém de confiança, alguém que não lhe deixasse nervosa e nem a confundisse a cada passo. Além disso, recordou-se, não sem repentino abatimento, que ele não estava interessado em ter um romance com ela. Parecia preferir às japas bem proporcionadas.
As sessões fotográficas prosseguiram à manhã seguinte, de novo na redação do Mode. Aquela manhã, Gina estava vestida com uma camisa azul marinho e uma saia pelo joelho de um tom mais claro. Tinha que representar o papel da mulher trabalhadora. A sessão ia ter lugar no escritório da secretária do Harry, para regozijo desta.
—Não posso lhe dizer quão emocionada estou, senhorita Weasley. Sinto-me como uma menina que vai ao circo pela primeira vez.
Gina sorriu a jovem secretária, cujos olhos estavam iluminados pela antecipação.
—Admito que, às vezes, sinto-me como um elefante adestrado. Chame-me Gina.
—Eu sou Luna. Suponho que tudo isto será uma rotina para você, mas me parece muito glamuroso e emocionante —disse. Então, olhou para o lugar em que Neville estava preparando a sessão com sua habitual dedicação—. O senhor Longbottom é um verdadeiro perito, verdade? Está a um bom tempo preparando as luzes e as câmaras. É muito bonito. É casado?
Gina se pôs a rir e olhou para Neville.
—Só com seu Nikon.
—Oh —sussurrou Luna. Primeiro sorriu e logo franziu o cenho—. Estão os dois... quero dizer... estão juntos?
—Só trabalhamos juntos —respondeu Gina. Acabava de ver Neville como um homem bonito pela primeira vez em sua vida. Então, sorriu a Luna.
—Não conhece aquele velho ditado que diz que se conquista um homem através do estômago? Segue meu conselho. O modo de conquistar esse homem é através de suas câmeras. Pergunte-lhe sobre as fotos.
Naquele momento, Harry saiu de seu escritório. Ao ver Gina, esboçou um suave sorriso.
— Ah! A eficaz secretária, a melhor amiga do homem.
Gina tentou de não prestar atenção alguma a seu coração e adotou um tom ligeiro de voz.
—Hoje não penso tomar decisões de empresa. Degradaram-me.
—Bom, assim é o mundo empresarial —comentou ele—. Um dia se está no escritório dos executivos e, no seguinte, com o resto das secretárias. Isto é uma selva.
—Já está tudo preparado —anunciou Neville, do outro lado do escritório—. Onde está Gina? —acrescentou. Rapidamente girou e viu que os três o estavam observando. Então sorriu—. Olá Harry, olá Gina. Pronta?
—Seus desejos são ordens para mim, senhor dos trinta e cinco milímetros —brincou com Neville. Então, aproximou-se dele.
— Sabe escrever a máquina, Gina? -perguntou Harry alegremente—. Posso lhe dar algumas cartas e assim podemos matar dois pássaros com um tiro.
—Sinto muito, senhor Potter — replicou ela com um sorriso—. Os computadores e eu temos um acordo. Eu não os esmurro e eles não me esmurram .
— Importa-se que olhe durante um momento, senhor Longbottom? —pediu Luna—. Não os incomodarei. A fotografia me fascina.
Neville assentiu de modo ausente. Depois de olhar para sua secretária completamente assombrado, Harry girou e se dispôs a voltar a entrar em seu escritório. —Necessito de você dentro de meia hora, Luna, para o contrato Brookline —disse.
A sessão avançou rapidamente com o Neville e Gina progredindo com sua facilidade profissional. A modelo seguia as instruções do fotógrafo e freqüentemente antecipava suas intenções antes que ele falasse. Depois de um momento, Luna desapareceu através das pesadas portas que levavam ao escritório de Harry. Nem Gina nem Neville se deram conta de sua silenciosa saída.
Algum tempo depois, Neville baixou a câmara e olhou fixamente no espaço. Gina manteve seu silêncio, sabendo por experiência que aquilo não significava necessariamente o fim, e sim uma pausa enquanto lhe formava uma nova idéia na cabeça.
—Quero terminar com algo aqui —murmurou, olhando através de Gina como se ela fora intangível. De repente, o rosto lhe iluminou pela inspiração—. Já sei! Troca a fita da impressora.
—Você esta brincando...
—Não. Acredito que será uma boa fotografia. Vamos.
—Neville!!! —protestou ela—. Não tenho nem idéia de como trocar a fita de uma impressora!
-Então, finja que o faz - sugeriu Neville.
Com um suspiro, Gina voltou a se sentar e olhou a impressora.
— Colheu trigo alguma vez, Neville? —aventurou com a intenção de ir contra sua ordem—. É um processo fascinante.
-Gina...
Com outro suspiro, a jovem modelo terminou por render-se ao temperamento artístico de seu fotógrafo.
—Não sei como abri-la —murmurou enquanto apertava botões ao azar.
-Deve haver um botão ou uma alavanca que abra a tampa —replicou Neville, com paciência—. Não têm impressoras no Kansas?
—Claro que sim. Meu irmão... OH! —exclamou, encantada de sua descoberta , quando conseguiu que a impressora se abrisse.
—Muito bem, Gina —lhe ordenou Neville—. Simplesmente finja que sabe o que está fazendo.
Gina então colocou mãos á obra e atacou o cartucho de tinta com entusiasmo. Franziu o cenho pela concentração e se esqueceu completamente do homem e de sua câmera para entregar-se ao trabalho que tinha nas mãos. Sem que pudesse evitá-lo, manchou os dedos tratando de tirar o cartucho e espalhou a tinta por toda parte. Então, com gesto ausente, roçou a face com a mão e a manchou de tinta negra. Justo naquele momento, Neville tomou sua última fotografia.
—Estupendo —disse, depois de baixar a câmera—. Um estudo clássico da inépcia.(*)
—Obrigado, Neville, mas lhe asseguro que, se utilizar alguma destas últimas fotografias, eu te mato —brincou-. Além disso, deixarei que seja você quem explique a Luna o que se passou ao cartucho de sua impressora. Eu já terminei.
—É obvio.
A voz de Harry ressonou a suas costas. Gina deu a volta e viu que tanto Luna como ele a estavam observando.
—Se alguma vez deixar o mundo da moda, mantenha-se afastada do trabalho de escritório. É um desastre —comentou.
Gina tentou sentir-se aborrecida por sua atitude, mas, ao olhar de novo o caos que tinha causado com o cartucho da impressora, pôs-se a rir.
—Bom, Neville, nos tire desta —disse a seu companheiro-. Surpreenderam-nos com as mãos na massa na cena do crime.
Harry se aproximou dela e, com muito cuidado, levantou uma das mãos de Gina.
—Eu diria com as mãos na tinta -replicou. Então, pôs-se a rir do modo que estava acostumado a fazer que o coração de Gina realizasse uma série de cambalhotas—. E também tem provas na cara.
— Deus Santo! —exclamou ela—. Isso sai? —perguntou a Luna. A secretária assentiu com um sorriso—. Bom, pois então vou me lavar e deixar que você e Neville se ocuparem dos danos.
Antes de que pudesse abrir a porta para sair do escritório, Harry o fez por ela e a acompanhou durante uns poucos passos no corredor.
— Acaso está exercendo a função de Cupido com minha secretária, Gina?
-Poderia ser. Para Neville seria muito bom ter algo mais em sua vida que câmeras e quartos escuros.
— E o que lhe viria bem à sua, Gina? —perguntou Harry. Então, colocou-lhe uma mão sobre o braço e a obrigou a olhá-lo.
—Eu... eu tenho tudo o que preciso —gaguejou. Sob seu atento olhar, sentia-se como uma mariposa presa por um alfinete.
— Tudo? É uma pena que tenha uma reunião, porque se não poderíamos falar disto com mais detalhes —sussurrou. Então, puxou ela e deixou que seus lábios roçassem os da jovem para sorrir depois de um modo muito atraente—. Vá lavar o rosto... Parece um palhaço.
Com isso, deu a volta e deixou Gina com uma mescla de frustração e desejo.
Como tinha a tarde livre, ela partiu às compras, uma tática destinada a lhe apaziguar os nervos tensos. Entretanto, não fazia mais que pensar no breve roçar de seus lábios, no sorriso que tinha visto nos olhos do Harry... Pareceu-lhe que sentia uma calidez nos lábios que parecia despertar seus sentidos. De repente, uma rajada de ar frio a fez voltar para a realidade. Amaldiçoou sua traiçoeira imaginação e chamou um táxi. Teria que andar depressa para chegar ao jantar que tinha com Mione.
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