Parte VI
Sherazade caminhava calmamente pelo corredor principal do palácio, que dava diretamente em uma das salas particulares do sultao, acompanhada pela mais nova esposa de Xeriar, quem insistia em um passo mais ligeiro, deixando-a para tráz. Sherazade estranhava duas coisas: O fato de ser chamada, pela primeira vez, para ter uma converça com o rei e o fato de a mulher à sua frente ainda nao estar morta. O sol já estava bastante alto, o que significava que já passava da hora que ele costumava sair à caça de uma nova virgem entre as mulheres do povo.
Quando finalmente chegaram no local, a esposa de Xeriar, ainda sem olhar à ela, empurrou uma metade da porta dupla e entrou, fazendo sinal para que ela esperasse onde estava. "Nao gosto do desdém com o que ela está me tratando" pensou Sherazade, sem poder ver dentro da sala, já que a porta havia sido fechada mais uma vez. "Nunca vi ao rei antes, mas deve, realmente, ser uma pessoa horrenda." Se aproximou alguns passos da porta de pedra muito bem trabalhada "Mas e se ele resolver fazer de mim sua nova esposa? E se esse maníaco quizer duas de uma vez?" Esses aterradores, porém lógicos pensamentos lhe martelavam o crâneo, provocando vários escalafrios. "Preciso fugir. Nao posso dexar que esse maldito me mate, nao..." quando se virara para começar a correr, a porta se abriu novamente e a mulher do rei lhe ordenou que entrasse.
Obedecendo, ela arrastou seus pés até a sala. Mesmo paranóica com o assunto, ela nao pôde deixar de notar a riquesa material e artezanal presentes naquela sala. O chao era forrado com peles de tigre apegadas umas às outras. Adagas, espadas, entre outras armas brancas encrustadas de jades e jasmines lotavam as paredes particularmente amplas. À sua direita podia-se ver uma anorme sacada com vista para toda a cidade. Almofadas estavam espalhadas pelo chao, como se ali tivesse sido o campo de batalha de uma guerra de almofadas, sendo que, em uma delas, estava sentado um homem, cuja barba Sherazade identificou na mesma hora.
- Você... digo, o SENHOR é o rei Xeriar?! - a surpresa de Sherazade transpareceu em sua voz, coisa que ela tentou corrigir na mesma hora. Mesmo com remorsos pelo ocorrido na noite anterior, ela tentou agir com naturalidade. - O que o senhor deseja de mim, ó, Xeriar, rei da Persia? - Caminhou até o rei, tocou o chao com a testa e beijou quatro vezes cada um de seuis calosos pés, segundo mandava a tradiçao.
- Peri, por favor, retire-se. - Ordenou ele, olhando severamente para a esposa, quem, protestando, se retirou em seguida. Voltou seu olhar, entao, de volta a Sherazade - Bem, te chamei para devolver isto. - Disse, entregando-a o livro negro. - Você saiu com tanta pressa agora a pouco que... nao tive tempo. - Os olhos de Sherazade, mais perspicazes de dia, estudavam Xeriar. "Sem dúvidas é o mesmo homem, com a mesma personalidade. Como pode, entao..." pensava ela.
- Sei que nao é esse o verdadeiro motivo pelo qual estou aqui. - Ponderou Sherazade, segurando o livro com firmeza e se arrependendo por tê-lo deixado nas maos de um estranho.
- Nao, realmente nao é. - afirmou ele, sem perder a compostura. - Nao pude agüentar a chagada da noite para ver-te outra vez. - Ao dizer isso, agarrou firmemente às maos da jovem - Por favor, retome o relato de ontem, passei o dia inteiro pensando nele. - Seus olhos eram quase suplicantes, mas Sherazade sabia muito bem quando alguem mentia.
- Como já lhe disse antes, as histórias devem ser contadas sob a magia do luar. - Respondeu ela, com tom imperceptívelmente sarcástico, retirando suas maos do aperto do rei. - O senhor terá de esperar mais um tempo, sinto muito. - Levantou-se entao, rumando em direçao à porta.
- Essa tatuagem... Onde você a conseguiu? - ele perguntou, com uma voz realmente curiosa. Sherazade parou ao ouvir essas palavras e virou-se novamente para o rei. Depois de alguns segundos de silêncio, ele voltou a perguntar, mantendo sua expressão calma e bondosa. - Responda-me, onde você conseguiu essa tatuagem? Ela é, realmente, maravilhosa.
Nas costas de Sherazade havia tatuado um pequeno pássaro dourado envolto em chamas e que mantinha uma expressão dura e um olhar fixo em sua nuca. Era, de fato, um belo retrato de um filhote de fênix. Sherazade fechou os olhos e, acariciando onde sabia que estaria a cabeça da criatura, explicou, com a voz abalada, porém sorrindo:
- Minha mae a fez quando eu era pequena. Ela era uma artista, nao? Como eu gostava muito da lenda de Samandar e ela, simplesmente, a ilustrou em mim. - a explicaçao nao chegava a ser melâncólica, mas a falta de ânimo em Sherazade incomodou a Xeriar - Bem, pelo menos isso disse o meu pai...
- Sherazade, esse é o seu nome, entao? Seu pai é realmente um grande homem. Me arrependo de nunca ter ido te ver alguma vez. - Xeriar se apressou em mudar de assunto - afinal, sua beleza é exuberante. - Sherazade voltou a realidade ao ouvir esas palavras. Queria dizer o mesmo, mas o bom-senso lhe impedia. Afinal, aquele era o cruel rei que, durante oito anos, matara sem piedade a centenas de mulheres de seu próprio reino a fim de alimentar seu rancor.
"Mas talvez eu possa mudá-lo" pensou ela, esperançosa. "Ele se demonstrou muito interessado em minha história, isso pode resultar um ótimo trunfo. Alem do que, sua atual esposa ainda está viva! Ele pode ter mudado, afinal." Sentou-se em uma almofada e sorriu o mais convicentemente que pôde, começando uma converça que duraria toda a tarde sem o mínimo de esforço dos dois lados. Alguma risadas, alguns momentos desconcertantes, mas ambos pareciam conheçer um ao outro desde que tinham nascido
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