Parte V



Sherazade ficara por duas horas escrevendo a história de um bravo marinheiro que conseguiu fortuna depois de sete fabulosas viagens. Tom, que no começo, para demonstrar que era de se confiar, prestava atenção à história, começava a se maravilhar com o relato... Como se estivesse lendo um livro de verdade. Mas, ao fazer uma pausa, Sherazade adormeceu sobre a pedra, deixando o livro aberto cair sobre a grama e a pena flutuar até pousar ao seu lado.

Quando a lua começava a descer novamente para além do horizonte, alguém mais entrou no jardim, com um passo sorrateiro, apenas mirando à jovem Sherazade, quem ainda estava mergulhada em um profundo sono. Quando estava bem perto da jovem, notou o pequeno livro escondido entre uma pequena moita de flores que começavam a morrer devido ao excessivo calor. Agachou-se com aparente dificuldade e agarrou o livro, examinando-o. Sentou-se ao lado de Sherazade quem, ao notar sua presença, despertou-se e, assustada, se apressou em sentar-se, ligeiramente corada.

- Eu... Eu sinto muito, sei que não devia... Não devia estar aqui... Perdoe-me, senhor... - Examinou o rosto do homem, agora bem iluminado pela lua. Não era jovial, nem velha tampouco, parecia ter, por volta dos quarenta anos e demonstrava uma bondade muito semelhante à de seu pai em seus olhos castanhos. Uma barba grisalha e bem volumosa lhe cobria a face assim como era comum entre os homens da região. Vestia uma túnica bege com detalhes em branco que pareciam refletir a luz prateada da lua.

- Shhh... Não precisa se desculpar, este jardim foi construído com um objetivo, o de acolher àqueles que precisam de paz. - Explicou o homem, dando uma confirmação a Sherazade de que se tratava de uma boa pessoa - Sabe, há tempos que sou o único que procura por este jardim. Há algo em que eu possa te ajudar?

Sherazade olhava para o sorriso bondoso do homem com um olhar maravilhado. Mas ao correr seus olhos pelo resto de seu corpo viu que ele segurava o livro negro. Aflita, olhou de novo para os olhos do homem e pediu:

- Sim, o senhor poderia me devolver o livro? Ele é... - Se segurou para não dizer algo que lhe chamasse a atenção - ... Importante.

- Oh, então ele é mesmo seu? Foi você então que escreveu esta história? - Perguntou ele, abrindo o livro na primeira página e apontando para os escritos que era um pedaço da história de Simbad.

"Como... Por que não desapareceu como das outras vezes?" pensou ela, assuntada. "Acho que não foi uma boa idéia usar a água do lago" e tentando disfarçar seu nervosismo, assentiu com a cabeça.

- Eu o estava lendo até você acordar. É realmente um relato fascinante. Mas acho que narrado seria muito mais prazeroso. - Ao dizer isso, seu olhar se encontrou diretamente com o de Sherazade, que não pôde evitar a evidente indireta. Ela sorriu e, sem aviso prévio, começou a contar novamente a mesma história que escrevia no livro. Aquela história ela estava mais do que acostumada a contar a si mesma em seu quarto quando, por algum motivo, estava triste.

Os dois ficaram sentados ali, uma contando e o outro ouvindo a história até o imponente e tormentoso sol substituir a tranqüilidade da lua. Sherazade apenas notou que havia amanhecido duas horas depois, lembrando-se de seu pai e quantas explicações lhe devia. Levantou-se de um salto e correu para dentro.

- Espere! Você ainda não terminou de contar! - Protestou o homem, que se empolgava cada vez mais com a história.

- Histórias são feitas para serem contadas sob os domínios e a magia da lua. - Disse ela, parando no meio do caminho e usando uma voz que soava mística. - Nos encontramos aqui esta noite. - E desatou a correr novamente, deixando o jardim e o homem, estupefato, ansioso pela próxima parte do relato.


Tom Riddle precisou de todo seu famoso autocontrole para não vibrar quando a sineta que anunciava o final das aulas finalmente tocara. Na noite anterior, enquanto lia a história de Simbad, adormecera, mesmo fazendo de tudo para agüentar até o fim da história. Ao amanhecer foi desperto por seus companheiros, os quais pensavam que ele estudava para os N.O.M.s antecipadamente, demonstrando o bom aluno que sempre fora.

Antes de sair para as aulas, escreveu mais uma mensagem para Sherazade, que não parecia ter estranhado sua ausência. Agora estava ansioso demais por saber se ela havia respondido. Saiu da classe normalmente, mas depois de virar um corredor começou a correr e só parou para dizer a senha para entrar na sala comunal sonserina.

- Droga, algo deve ter acontecido - pensou ele em voz alta ao verificar o livro negro, que escondera em seu malão - será que não era ela a que me contava aquela história sem eu me dar conta? A letra é a mesma, mas pode ser a letra do próprio livro, já que é ele quem traduz. - Ele revisava uma e outra vez a ainda presente e inacabada história de Simbad, na esperança de encontrar alguma mensagem oculta no meio, para a possibilidade de algo ter acontecido a ela, mas não encontrava nada.

Largou o livro e se jogou em sua cama. "Em que estaria pensando? Uma maldita trouxa não conseguiria nem ao menos definir a palavra bruxo", pensava ele, tentando convencer a si mesmo de que aquele livro era apenas uma inútil bugiganga de algum bruxo muito antigo que, provavelmente, não tinha nada mais para fazer. "Entretanto... Como será que Simbad consegue matar àquela criatura...?" Mesmo sem sucesso. Ficou ali deitado, imaginando e criando situações onde ele mesmo era Simbad e que superava perigos e desventuras ainda maiores. Era a primeira vez, em muito tempo, que Tom Riddle sorria de verdade.

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