Parte IV
Tom Riddle leu em voz baixa aquelas palavras, recém-traduzidas daquele idioma provavelmente antigo e certamente desconhecidas por ele. "E eu sou Sherazade, filha do Gran Vizir da Pérsia". Seria possível?
"Será possível?" Raciocinava ele, lendo e relendo aquela frase. "Este livro poderia ser um meio de comunicação no tempo? Não... É muita imaginação por minha parte. Deve ser apenas algum produto de logro e truques de alguma loja idiota. Do que será que isto é capaz?" Ao tirar essa conclusão, molhou novamente a pena e voltou a escrever. "Se estás realmente na Pérsia, então me diga como suas palavras estão saindo deste livro aqui, na Inglaterra?" Mesmo com a teoria de ser um produto de piadas de mau gosto, Riddle ainda se interessava muito por ele. Logo suas palavras foram mais uma vez absorvidas pelo papel e, em seguida, novas palavras surgiram no papel, naquele idioma estranho, mas logo sendo traduzido pelo próprio livro. "Faço a mesma pergunta". Tom franziu o cenho. Seria essa a resposta automática para uma pergunta cuja resposta o livro não poderia responder? Cada vez mais intrigado, continuou a escrever. "Em que ano estamos?" Não pôde deixar de sorrir para o livro. Uma pergunta descabelada daquelas responderia a algumas de suas dúvidas. Surpreendeu-se mesmo assim quando viu a resposta.
-"Estamos no vigésimo dia do Ordibehesht do ano 15". - leu - Será possível? - cochichou para si mesmo Tom - Este é o calendário Trouxa pérsico e aponta para quinze anos depois da conquista Islâmica sobre o país... Mas a sociedade bruxa atual não aceitou esse calendário pelo fato de que há um erro no 3,800,000º dia, quebrando assim várias superstições daquele povo estúpido. - Sua voz engrossou e fraquejou ao pronunciar as últimas palavras com um enorme desdém. - Então ela é apenas uma trouxa que teve a sorte de encontrar um livro que funciona conjuntamente à este... Há mais de 1320 anos! - Olhou seriamente para as páginas muito amareladas do livro.
"Claro que ainda tenho dúvidas, mas... O que será que posso aprender dessa cultura? Quem sabe os segredos que os magos Persas não guardaram para eles mesmos!" Sonhava Tom, começando a sentir um maravilhoso gosto na boca. "Mesmo ela sendo trouxa... Deve haver bruxos naquela época que se revelavam à sociedade. Preciso falar com ele, mas antes é melhor conquistar sua confiança". Encostou novamente a pena no papel e o arranhou impiedosamente.
Sherazade começava a notar dificuldades na respiração. Por algum motivo ainda não estava de todo confortável escrevendo naquele livro. Idéias sobre sua origem atormentavam a mente da garota, deixando-a apavorada. "E se... Mas e se este livro for obra demoníaca? E se eu estiver sendo abduzida pelo próprio demônio?" Após toda uma vida sendo submetida a uma poderosa cultura religiosa, idéias do tipo sempre a assombravam quando lia ou fazia algo proibido pela religião. "NÃO!" Pensava ela, agora tentando demonstrar-se segura de si mesma. "Anahita... Ela queria este livro! Ela o queria por algum motivo! Ela não era maligna!”
Ao pensar em Anahita, seu peito pareceu contrair-se, não podia acreditar que, ao invés de estar chorando por sua perda estava ali, “conversando” com um livro. Quando uma lágrima estava a ponto de escapar por seu olho esquerdo, ela voltou ao livro, onde novas palavras surgiam.
-"Só quero dizer que pode confiar em mim." - leu ela, franzindo a testa. Esperou por algo mais, que veio logo em seguida. - "Onde você está agora?"
A garota soltou, finalmente, a lateral do livro. "Então ele não pode me ver", pensou ela, descartando o fato de ser O Demônio ou algo parecido. "Então deve apenas ser outra pessoa... É, isso, apenas outra pessoa que encontrou alguma forma de se comunicar comigo". Ao chegar a essa conclusão, conseguiu, finalmente, relaxar. Era tudo óbvio e complicado ao mesmo tempo! Levou a ponta da pena novamente até o livro e escreveu, sem se preocupar com a qualidade da caligrafia.
-"Estou em meu quarto, na área sul do palácio da capital Persa" - Escrevia ela, enquanto recitava para si mesmo. Quase que instantaneamente a resposta veio. - "Você conhece algum..." - Mas parou de ler assim que a porta de madeira entalhada de seu pequeno quarto começou a ranger, anunciando a entrada de alguém. Fechou o livro por instinto e o tapou com vários outros que estavam no chão, isso tudo em uma fração de segundo.
- Sherazade? - Chamou a voz de seu pai, desde a fresta aberta - Filha, estou entrando.
Seu pai era diferente de muitos outros homens que ela conhecia, uma pessoa muito bondosa e sábia. Mesmo com a má fama de dar conselhos ao rei, era bastante respeitado pela população e, principalmente, por Sherazade. Ele entrou calmamente no quarto, mas seu rosto demonstrava o quão tenso ele estava. Foi quando o impacto da realidade chocou-se com ela. Ele sentou-se na cama, paralela à mesa. Ela não tinha coragem o suficiente para olhar para o pai, por isso olhava ao solo.
- Filha, por favor, me diga o que aconteceu no mercado. - a firmeza em sua voz assustou a Sherazade. Notando a persistente falta de argumento por parte da filha, ele insistiu - Vamos, filha, preciso de respostas! Há toda uma cidade querendo saber por que, demônios, de repente morreram seis pessoas no meio do mercado! - Fez uma pausa, bufando e tentando manter a calma. - Alguns loucos dizem que um demônio os atacou, com raios e outras loucuras. Quero saber tudo de sua boca, filha.
Por algum motivo, Sherazade não conseguia contar. Apenas olhava para o chão, imaginando coisas sem sentido e fora de ordem. Ela queria contar, queria afirmar que um demônio que ela conhecera fazia dois dias e que Anahita tinha sido transformada em um homem que ela nunca vira na vida. Queria gritar isso, berrar para que todo o palácio escutasse. Mas seu corpo não obedecia, apenas olhava para o chão de pedra, entrelaçando seus dedos e deixando que um par de lágrimas, nada mais, escorresse por sua bochecha. O Vizir começava a ficar preocupado e impaciente.
- Filha, eu sei que Anahita era muito querida e que foi uma enorme perda, mas agora preciso saber o que... Ei! Espera, onde você pensa que vai? - Ele alçou a voz, acrescentando seu famoso tom autoritário, mas não foi o suficiente para Sherazade, que arrancou o livro negro debaixo da pilha, uma pena e saiu correndo dali, evitando as tentativas de seu pai de pará-la. - Sherazade!
Sherazade parecia incapaz de controlar seus movimentos. Apenas corria e corria como podia entre aqueles adornados corredores vazios e frios. Perdeu a conta de quantas vezes tinha virado à esquerda e quantas à direita. Apenas queria algum lugar onde estar, um lugar onde poderia estar em paz, onde poderia chorar sem ao menos ser incomodada. Cansada, ela finalmente parou, respirando profundamente, o suor misturando-se às lágrimas. Mas, como se por milagre, levantou a cabeça e se viu em frente à entrada dos jardins do palácio.
Ela sempre o havia visitado durante o dia, não deixando de notar o quão magnífica podia ser aquela paisagem durante a noite. As flores mais discretas se limitavam a simples silhuetas, mas o que Sherazade mais gostava, era o pequeno lago que havia no centro do jardim, iluminado com surpreendente intensidade pela luz da lua cheia, muito presente naquela noite. Querendo sentir o mesmo que aparentemente sentia o lago ao refletir a lua, Sherazade entrou na jardim com os olhos fechados e os braços abertos, caminhando vagarosamente sobre a grama periodicamente aparada.
Ao mesmo ritmo em que a brisa noturna acariciava seu rosto, as preocupações e problemas pareciam desvanecer-se. O silêncio era o mais apreciável do ambiente, permitindo uma instantânea organização nos pensamentos de Sherazade. Após uma longa inspiração, ela finalmente abriu os olhos e rumou em direção a uma grande e lisa pedra na beira do lago, onde se sentou e dedicou-se apenas a admirar o reflexo da lua cheia no lago, apenas danificado pelas minúsculas ondas provocadas pelo vento.
Ela estava prestes a pegar no sono, ali, sentada, quando lembrou do livro negro que segurava firmemente sem ter-se dado conta antes quando ele começou a aquecer-se como das outras vezes. Voltando a adotar o ritmo agitado e afobado de antes, Sherazade abriu o livro na primeira página, mas a mensagem que havia começado a ler já havia desaparecido. No lugar havia outra, aparentemente recém-enviada.
-"Por favor, ignore minha última mensagem"- leu ela - Acho que tive sorte em não ter terminado de ler... - Por incrível que pudesse parecer, ela não ficou nem um pouco curiosa para o que a mensagem dizia. Não lhe importava, apenas queria continuar daquele jeito: tranqüila. Segurou sua pena firmemente, riscou a superfície do lago e começou a escrever, mesmo tendo apenas água como tinta. Para sua surpresa, havia funcionado.
"Sabe... Você conhece a história de Simbad?"
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