Capitulo IV
O melhor de possuir uma loja, ao menos no que dizia respeito a Gina, era que se podia comprar e vender o que se quisesse, fixar o horário desejado e criar o ambiente mais agradável.
Ainda, o fato de que fosse a única proprietária e a única empregada do “Temas do Passado” não significava que Gina Weasley tolerasse nenhuma negligência. Como sua própria chefe era muito dura, em ocasiões intolerante, e esperava o melhor de si mesmo. Trabalhava muito duro e poucas vezes se queixava.
Tinha exatamente o que sempre tinha desejado: uma casa e um negócio em uma localidade pequena, longe dos dores de cabeça e as pressões da cidade em que tinha passado os primeiros vinte e cinco anos de sua vida.
Mudou-se para Antietam e tinha montado seu próprio negócio seguindo o cuidadoso plano que tinha esboçado depois de terminar os estudos. Tinha dois diplomas, em história e em gestão comercial, e quando conseguiu terminar, já tinha cinco anos de experiência no negócio das antiguidades.
Trabalhando para outra pessoa.
Agora, ela era a chefe. Cada centímetro da loja e do acolhedor andar que havia em cima lhe pertencia. A ela e ao banco. O trabalho do Potter serviria para reduzir a hipoteca.
Assim que Harry se foi na tarde anterior, Gina fechou e correu à biblioteca, onde retirou um montão de livros de história para estudá-los.
A meia noite, quando seus olhos ameaçavam fechar, deixou de tomar notas sobre todos os detalhes da vida de Maryland na época da guerra de Secessão.
Conhecia todos os detalhes da batalha do Antietam, da marcha de Lee até sua retirada ao outro lado do rio. Conhecia o número de mortos e feridos, o sangrento progresso da batalha pela colina e os campos de milho.
Tratava-se de uma informação muito fria e distante, que já tinha estudado antes. De fato, a fascinação que exercia sobre ela a tranqüila zona em que tinha estalado aquela batalha, tinha influenciado em sua decisão de estabelecer-se ali.
Mas, naquela ocasião, procurava dados mais concretos, sobre a família Barlow, qualquer informação, já fora contrastada ou deduzida. A família tinha vivido na mansão da colina durante quase cem anos antes daquele fatídico dia de setembro de 1862. Eram prósperos latifundiários e comerciantes que viviam como Senhores. Seus bailes e seus jantares atraíam aos convidados de lugares muito afastados do país.
Sabia como vestiam. Casacas, calças e saias armadas. Chapéus de seda e sapatilhas de cetim. Sabia como viviam, com criados que serviam o vinho em taças de cristal. A casa estava decorada com flores de estufa, e seus móveis se abrilhantavam com cera de abelha.
Agora, avançando pelas ruas sob a neve e o vento e a luz do sol, podia ver com exatidão as cores e as tecidos, os móveis e os adornos que os rodeavam.
Cômodas altas com espelho, de pau-rosa. Porcelana do Wedgwood e poltronas cheias de crina de cavalo. Arcas, escrivaninhas de madeira de cerejeira, portas de brocado, e as paredes do salão pintadas de azul, ao estilo colonial.
Harry Potter ia conseguir um bom trabalho em troca de seu dinheiro. Mas esperava que seus bolsos fossem bem grandes.
O estreito caminho que conduzia à casa estava com uma grossa camada de neve. Nenhum rastro de pessoas ou de veículo interrompia sua brancura imaculada, tão bonita como incômoda.
Zangada pelo fato de que Harry não ter se ocupado daquele detalhe, saiu do carro e começou a subir a pé, armada com a maleta.
Pelo menos, tinha permanecido com as botas, lembrou ao afundar-se na neve até os tornozelos. Tinha estado a ponto de se arrumar com um traje de jaqueta e saltos, mas depois lembrou que tinha uma entrevista com o Harry Potter, e não tinha nenhuma intenção de impressioná-lo. As calças cinzas, a jaqueta e o cachecol negro constituíam um vestuário de negócios adequado para uma tarefa como aquela. Além disso, duvidava que o lugar tivesse aquecimento, por isso o casaco de lã vermelha iria tão bem dentro quanto fora.
Enquanto subia pela colina, decidiu que a casa era linda e enigmática. As partes de quartzo da pedra brilhavam como cristais à luz do sol, rebatendo as janelas quebradas. As varandas estavam caídas, mas o edifício se elevava alto e orgulhoso contra o amargo céu azul.
Gostava da forma em que a lateral oriental se sobressaiu em forma de ângulo agudo, a forma em que as três chaminés saíam do telhado como se estivessem dispostas a jogar fumaça. Até gostava da forma em que as venezianas velhas se dependuravam pelas dobradiças.
Pensou que precisava de cuidados, com um afeto que a surpreendeu. Alguém que amasse aquela casa e aceitasse seu caráter tal e como era. Alguém que apreciasse suas forças e compreendesse suas debilidades.
Sacudiu a cabeça e riu de si mesmo. Parecia que estava pensando em um homem e não em uma casa. Em um homem, talvez, como Harry Potter.
Aproximou-se um pouco mais, pelo estreito caminho. As pedras e os arbustos formavam vultos irregulares na neve, como meninos que se ocultassem sob uma manta esperando para fazer uma travessura. Os ramos eram suficientemente afiados para agarrar suas calças como dedos agudos. Mas, em outro tempo, aquilo tinha sido um jardim verde, cheio de flores.
Se Harry tinha qualquer visão, voltaria a ser igual.
Recordou-se que a jardinagem não era assunto dela e seguiu avançando para a desmantelada varanda dianteira. Era muito tarde.
Gina olhou a seu redor, chutou o chão para esquentar os pés e olhou o relógio. Aquele homem não pretendia que o esperasse do lado de fora, morta de frio. Não esperaria mais que dez minutos. Depois deixaria uma nota, repreendendo-o severamente por sua falta de compromisso, e partiria.
Mas já que estava ali podia olhar pela janela.
Subiu os degraus com cautela, evitando os degraus quebrados. Pensou que ali deviam plantar algumas flores e algumas trepadeiras, e, por um momento, pareceu sentir o aroma da primavera.
Surpreendeu-se aproximando da porta e agarrando o trinco antes de dar-se conta de que aquela era sua intenção desde o começo. Pensou que sem dúvida estaria fechada. As localidades pequenas anão eram imunes ao vandalismo. De qualquer jeito, girou o trinco, e a porta se abriu.
O mais razoável era entrar para refugiar do vento e começar a ver a casa que tinha que decorar, mas afastou a mão como se queimasse. Respirava com dificuldade. Dentro de suas luvas de couro, suas mãos estavam geladas e tremendo.
Disse a si mesma que estava sem fôlego por causa da escalada, e que tremia de frio. Aquilo era tudo. Mas o medo se espalhava por todos seus músculos.
Olhou a seu redor, incômoda. Ninguém tinha presenciado sua ridícula reação; só a neve e as árvores.
Respirou profundamente, riu de si mesmo, e abriu a porta.
É obvio, as dobradiças chiaram. Era algo previsível. Mas, assim que viu o precioso vestíbulo principal, esqueceu-se de todo o resto. Fechou a porta, apoiou-se contra ela e suspirou. Tudo estava cheio de pó. As paredes tinham manchas de umidade, e as pranchas de madeira que as recobriam estavam roídas pelos ratos. Tudo estava cheio de teias de aranha. Imaginou a parede grafite de verde escuro, com um ornamento de cor marfim. Os chãos, de madeira de pinheiro encerada, sem envernizar.
Encontrou o lugar ideal para pôr uma mesa, com um vaso cheio de rosas, rodeado por candelabros de prata. Uma pequena cadeira de nogueira com o respaldo lavrado, um posto de guarda- chuva de metal e um espelho dourado.
A forma em que tinha sido aquele lugar e a forma em que poderia reconstruí-lo girava em sua mente, e não sentiu o frio que ofuscava seu fôlego enquanto perambulava.
No salão ficou maravilhada ao ver a lareira. O mármore estava sujo, mas se encontrava em boas condições. Na loja tinha dois vasos gêmeos que seriam perfeitos para o suporte, e um poltrona bordada que parecia feita para ficar frente a aquela lareira.
Encantada, tirou a caderneta e começou a trabalhar.
As teias de aranha enrolavam em seu cabelo e o pó cobria suas botas, mas seguiu tomando medidas e fazendo notas. Sentia-se como se estivesse no paraíso. Estava tão contente que, quando ouviu passos, voltou-se com um sorriso em vez de queixar-se pelo atraso.
—É maravilhoso, estou impaciente...
Deteve-se em seco. Estava falando sozinha.
Franziu o cenho e saiu do salão. Uma vez no vestíbulo começou a chamar Harry, mas, de repente, percebeu de que as únicas pegadas que havia no pó eram as suas.
Estremeceu, mas se apressou a dizer que estava imaginando coisas. As casas grandes e vazias estavam cheias de ruídos. A madeira do corredor, o vento que golpeava as janelas... E os roedores, acrescentou com uma careta. Não tinha medo de ratos, nem de aranhas e nem das madeiras úmidas.
Mas, quando o piso superior rugiu sobre sua cabeça, não pôde conter um grito. Seu coração começou a pulsar a toda velocidade, batendo as asas como um pássaro enjaulado. Antes que tivesse tempo de recompor-se, ouviu o inconfundível som de uma porta que se fechava.
Correu para a porta de entrada e começou a lutar com o trinco antes de perceber.
Harry Potter.
Era muito inteligente, pensou furiosa. Tinha entrado na casa antes que ela, provavelmente pela porta dos fundos, para não deixar rastros. Naquele momento, estava no andar de cima, provavelmente curvado de tanto rir ante a idéia de que ela saísse correndo como a heroína de um filme de terror.
Respirou profundamente, com determinação, e endireitou os ombros. Não estava disposta a deixar-se intimidar. Ergueu o rosto e caminhou decidida para as escadas.
—Não tem graça nenhuma, Potter. — gritou — Agora, se tiver terminado com seus ridículos joguinhos, eu gostaria que começássemos a trabalhar.
Quando sentiu o ar gelado, ficou tão horrorizada que não pôde se mover. A mão com que agarrava o corrimão ficou parada. Com um esforço sobre-humano, libertou-se e alcançou o primeiro degrau com quatro vigorosas passadas.
Uma corrente de ar, disse a si mesma, praguejando com a respiração entrecortada. Só era uma corrente de ar.
—Harry! — gritou, cada vez mais furiosa. Mordeu o lábio e contemplou o longo corredor, cheio de misteriosas portas.
—Harry! — voltou a gritar, esforçando-se para parecer mais irritada que nervosa — Se você não tiver nada mais que fazer, eu sim, de modo que será melhor parar de tolices.
Continua...
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