Capitulo 13



Capítulo 13


Mione permanecia tão consciente da presença de Harry a seu lado que cada ter­minação nervosa parecia estar dirigida para ele. Imaginou o calor do corpo dele penetrando seu calor, o murmúrio das veias impulsionando o sangue. O ruído de cada respiração. Não queria olhar na direção dele, preocupada que Harry percebesse o que lhe ia na mente.
Presumiu que em deferência a Carolyn, ele usava sua melhor bermuda e uma camisa pólo amarela. Até mesmo o cabelo fora cortado.
— Ela tem uma bela casa — comentou ela, na falta de algo melhor para dizer.
Particularmente o branco não fazia seu estilo, ou as pinturas abstratas nas paredes, que obviamente haviam sido compradas como forma de investimento e não pelo prazer visual. Parou em frente a uma delas e estudou os negros e amarelos brilhantes es­palhados pela tela.
— Interessante.
— Eu particularmente, cada vez que vejo essa pintura, me convenço mais de que alguém vomitou aí — opinou Harry.
— Que nojo — disse ela, rindo.
— Exatamente.
Ela voltou-se para ele, percebendo que o mal-estar e a tensão entre os dois acabara, como que por encanto.
— O resto está tudo bem? — indagou ele, sério repentinamente.
— Se não contar o sentimento de estar vivendo uma novela de rádio, está tudo bem.
Harry indicou a porta do pátio.
— As pessoas aqui não são más, se você não liga para advogados incapazes de declarar qualquer coisa comprometedora. E dê só uma olhada para aquela loira de cabelo prateado na piscina. Da última vez que olhei, o diamante dela tinha um tamanho su­ficiente para justificar uma maldição.
— E as crianças?
Ele fez uma careta.
— A maioria das crianças aqui é tão bem-comportada que estou convencido de que não são reais, ou são anões disfarçados. Meus filhos estão olhando para eles como se fossem um bando de alienígenas. Eu apontei um rapaz que achei bonito para Lisa, e ela me informou que não gostava de mauricinhos. Parei de tentar, mesmo porque acho que Davis está planejando alguma coisa, e Brandon estava sentado a um canto como um cachorrinho perdido. Obrigado por ter sido tão atenciosa com ele.
— Qual o problema? Ele é um menino doce e maravilhoso — disse Mione.
— Algumas pessoas acham que ele é mimado — respondeu Harry, dando de ombros.
Mione ficou com a impressão de que era Carolyn quem pensava assim, mas absteve-se de perguntar. Ficou surpresa com o tamanho do quintal e da piscina.
Os convidados reuniam-se em pequenos grupos espalhados pelo ambiente. Ela reparou que embora o traje fosse esporte para a ocasião, as pessoas usa­vam os modelos mais caros que se pode comprar. Sentiu um certo alívio quando reconheceu alguns clientes, que cumprimentou enquanto passavam.
— Ouvi dizer que você resolveu se esconder numa loja em lugar de se casar — brincou um deles.
Mione sorriu, sem se deixar irritar. William Harvey era seu cliente desde que ela abrira o escritório, e era um brincalhão incorrigível, nem sempre pri­mando pelo bom gosto. Uma vez ela chegara a dizer que para um advogado até que ele tinha um senso de humor passável.
Sorriu quando Harry trouxe um copo de chá gelado, depois voltou a conversar com os clientes.
Porém seu sorriso fora notado por outro par de olhos atentos, que conseguiram perceber mais do que os outros que assistiam à cena. Lisa en­contrava-se numa cadeira na orla do quintal, ob­servando tudo sem desejo de misturar-se. Não precisou fazer muita força para isso, desde que não havia nenhuma pessoa entre os convidados que valesse a pena. Ela achava que Carolyn em si já era suficientemente ruim, porém não co­nhecera ainda os patetas com os quais ela tra­balhava; conseguiam ser piores. Como se não bastassem os adultos, as crianças conversavam sobre as escolas que freqüentavam, aulas de bale, de equitação, futebol e qualquer coisa que pudesse torná-los melhores do que ela.
Agora Mione chegara. A menina encolheu as per­nas contra o peito, apoiando o queixo nos joelhos. Apesar de admitir que Mione era mais bonita e mais boazinha do que Carolyn, Lisa ainda não confiava nela. Principalmente quando interceptava os olha­res que seu pai lhe dirigia. E se ele desistisse de casar com Carolyn e começasse a namorar Mione? Nesse caso Mione não iria querer as crianças por perto mais do que Carolyn. Sabia que a advogada estava bancando a boazinha para o pai, mas a ela não enganava. Frank não os queria por perto. Sa­bia disso porque escutara o próprio padrasto dizer, numa discussão com a mãe, de madrugada. Nunca dissera aos irmãos o que escutara, pois Davis só iria criar mais problemas e Brandon sofreria com a notícia.
— Essa festa está muito chata — declarou Davis, sentando-se ao lado da irmã.
— Então vá nadar um pouco — sugeriu ela, de­sinteressada. — Carolyn disse que a gente pode usar a piscina se tiver vontade.
— Não se a gente for comer logo. Você viu aquele sujeito que vai casar com Mione? Pensei que Carolyn fosse ruim, mas o cara é demais. Ele só fica com aquele sorriso congelado para todo mundo, fazendo piadas sem a menor graça. Eu gosto de Mione, e acho que ela merecia um cara menos idiota.
— Talvez você achasse melhor se fosse ela a casar com papai — arriscou Lisa.
Ele deu de ombros, num gesto idêntico ao do pai.
— Pode ser bom negócio. Pelo menos quando ela sorri, é de verdade.
— De qualquer jeito a gente sai perdendo, ficamos sem papai — disse ela irritada, sentando direito na cadeira e voltando-se para o irmão. — Não entende? Nós vamos perder o que pertence a nós. O pouco tempo que ele tem!
Ele piscou, sem saber direito de onde vinha a irritação dela. Ao final, pareceu grato por não ser dirigida a ele mesmo.
— Você está enjoada, ou algo parecido? — in­dagou ele.
— Por que vocês não podem me deixar sozinha. Nunca tenho um pingo de privacidade — explodiu ela, levantando-se.
Davis ficou olhando a movimentação da irmã, en­tendendo cada vez menos.
— Puxa, se isso é que é puberdade, acho que não quero.
Nas duas horas seguintes Mione permaneceu consciente da presença de Kevin a seu lado, numa atitude possessiva. O braço no ombro, ao redor da cintura, ou entrelaçado ao dela. Sabia também que Harry não estava longe. Era preciso sorrir social­mente e controlar a vontade absurda de atirar-se aos braços dele ali mesmo, na frente de todos. Re­parou também na atitude de Lisa, recusando-se a misturar-se com as pessoas, como na loja. Even­tualmente lançava olhares hostis a Carolyn. Ao mesmo tempo, sentiu-se confortada pela presença quase constante de Brandon. Permanecia a seu lado, dirigindo olhares ciumentos para aquele grandalhão agarrado nela.
— Ele não vai almoçar com a gente também, vai? — resmungou Kevin quando o garoto partiu em bus­ca de um refrigerante.
— Se não me engano Carolyn disse alguma coisa sobre as crianças comerem juntas, em outra mesa. Seja bonzinho com ele, Kevin. Afinal, ele passou por maus bocados.
Kevin fez uma careta igual à de Brandon.
— Isso não significa que tenho de gostar dele.
Mais tarde, ela não saberia descrever os pratos servidos pelo sofisticado bufe contratado por Caro­lyn, tão absorta estava pelos acontecimentos. Teve chance de conversar com ela, que continuou um pou­co formal demais, entretanto demonstrou ser uma pessoa agradável. Escutara com interesse as aspi­rações políticas de Kevin, chegando a oferecer su­gestões sobre planejamento de campanha, e até mes­mo apresentando-o a vários advogados presentes. Tais contatos seriam valiosos para Kevin quando começasse sua primeira campanha.
— Vou desligar todas as luzes, dentro e fora, para que a gente possa apreciar os fogos — anun­ciou Carolyn a todos, dez minutos antes do início do espetáculo. — Podem providenciar cadeiras para sentar onde quiserem. Acomodem-se, volta­dos para o lago.
Mione olhou para o noivo, que conversava animadamente com um advogado que acabara de conhecer. Provavelmente nem a notaria, até que chegasse ao lado dele. Apanhou um novo copo de chá gelado e caminhou até o outro lado da casa. Preferia ficar sozinha do que sorrindo mecanicamente ao lado de Kevin, fazendo pose para o possível colaborador. Na­quele instante compreendia como seria a parte social de sua vida se o noivo resolvesse fazer campanha um dia. Ficaria com os lábios doendo de tanto sorrir para eleitores.
Quando deu por si, estava na escada circular que dava acesso ao deque no andar superior. As cortinas da casa estavam fechadas, o que significava um certo isolamento, como seu estado de espírito pedia no momento. Aproximou-se da amurada de madeira, apreciando a ampla visão do lago, apoiou os cotovelos e foi como um sinal para o início dos fogos de ar­tifício. A distância, apareceram cores brilhantes e logo depois o estampido seco dos rojões.
Escutou as exclamações de admiração vindas do andar de baixo, e ficou contente por estar isolada para apreciar o espetáculo. Ergueu o rosto para cima e mergulhou nas luzes que riscavam o céu, como uma criança.
— Eu estava me perguntando onde iria encon­trar você.
Ela não se voltou ao escutar a voz de Harry.
— Espero que Carolyn não se importe, mas não pude resistir à tentação de subir aqui.
Ele caminhou até ficar ao lado dela, os ombros tocando-se.
— A gente tem uma vista linda daqui de cima.
Mione sentiu o calor do corpo dele a seu lado, em­bora só o tocasse no ombro. Aquela proximidade era inebriante e alterava seu comportamento.
— Você vai morar aqui depois do casamento? — murmurou ela, tentando evitar o assunto que a faria perder o controle.
— É isso mesmo que você quer saber?
O tom frio da voz de Harry fez com que ela se voltasse para encará-lo:
— Não. Não é isso, mas achei que seria uma per­gunta relativamente segura.
Chuvas de prata enchiam o horizonte, emoldu­rando os cabelos de Mione. Ele não se conteve mais:
— Pensa que é fácil para mim? Ter de ficar olhan­do enquanto ele abraça você, acaricia você e tem o direito de ficar a noite inteira... sabendo que ele pode estar em sua cama?
Cheio de frustração e de vergonha pelo desabafo, Harry calou-se e voltou os olhos para o céu. Os dedos segurando a balaustrada ficaram brancos com a for­ça aplicada.
Mione examinou-lhe o perfil. Era capaz de sentir a energia irradiando-se das feições iluminadas ao capricho das luzes no céu, e abrangendo o seu pró­prio corpo, como se os dois estivessem envolvidos pela mesma aura. Disse a si mesma que aquilo seria o efeito dos fogos e da eletricidade do ar.
— Ele não vai acabar o dia na minha cama — declarou ela baixinho.
Harry voltou-se para ela, o lado do rosto colorido de vermelho.
— Quer dizer que essa noite ele não vai?
— Não. Quero dizer que Kevin nunca esteve em minha cama — declarou Mione, séria. — Nem eu estive na cama dele, nem no quarto de hóspedes, nem no sofá e nem no banco de trás de nenhum carro.
Harry sentiu um frio na boca do estômago.
— Deixe eu entender direito, Mione. Está dizendo que nunca fez amor com ele?
Ela confirmou com um movimento de cabeça, sem deixar de encará-lo. Naquele instante houve um in­tervalo nos fogos, um hiato de escuridão que envol­veu os dois. Apesar disso, o brilho envolvente parecia continuar. Mione voltou-se de costas.
— Por que não?
— Porque eu não quis — afirmou ela com simplicidade.
Harry parecia não querer acreditar em seus ouvidos.
— Você está envolvida com o sujeito numa relação a longo prazo, planejando casar com ele e ainda não fez sexo com ele?
Ela assentiu.
— E mesmo assim... Novamente ela concordou.
Harry aproximou-se os poucos centímetros que fal­tavam, de forma que seu peito tocasse as costas dela. Sentiu-a estremecendo. Passou os braços ao redor dela e permitiu que os dedos brincassem com o laço do tope de lingerie. Notou que os seios subiam e desciam cada vez mais rápido, indicando a respi­ração acelerada.
— A gente não devia — balbuciou ela. — Fizemos uma promessa.
— E daí? Você nunca quebrou uma promessa antes? — murmurou ele, desamarrando lentamen­te o cordão.
Em poucos segundos o laço se desfez, deixando apenas três botões a sustentar a peça. Sentindo os dedos queimando com o contato da pele quente, Harry desabotoou o primeiro deles. Com a respira­ção entrecortada, trabalhou no segundo, à luz de uma série de chuvas amareladas no alto, até que o tecido caiu. Antes que ele pudesse dizer alguma coisa, um clarão brilhante iluminou os seios e os mamilos eretos.
— Harry... — começou ela, interrompendo-se.
Ficou quieta, sem coragem de mover-se para in­terromper os toques suaves da mão dele. Fez menção de girar o corpo, contudo ele apertou um pouco os braços para impedir o movimento.
— Fique quietinha, prestando atenção no que estão fazendo — pediu Harry, os lábios tocando o lóbulo da orelha de Mione.
Os dentes mordiscaram de leve a carne macia, enquanto uma das mãos envolvia o seio. A palma quente tocou de leve o mamilo rijo, provocando uma verdadeira corrente elétrica entre os dois. Em poucos momentos nenhum deles seria capaz de controlar-se.
Ela gemeu e encostou a cabeça no peito dele.
— Meu Deus, Mione, você é tão macia...
As mãos moviam-se pelos flancos, acariciavam a parte inferior dos seios e voltavam, sem tocar os pontos mais sensíveis. Depois repousaram nos qua­dris, puxando-a contra sua rigidez.
— Não pare — sussurrou ela.
As palavras foram um incentivo mais do que su­ficiente. Harry girou-a e colou os lábios aos dela, num beijo selvagem e apaixonado.
Os dois esqueceram completamente dos fogos no céu.
Não houve preliminares ou preparação. A língua de Harry a possuía, assim como ele a possuíra na­quela noite inesquecível. As mãos deslizavam por todo o corpo dela, descobrindo os pontos sensíveis na base da espinha enquanto Mione se remexia de encontro a ele. Ela soluçava, cheia de frustração por não poder acariciá-lo da mesma forma. Sen­tia-se pegando fogo, como os clarões brilhantes e ignorados acima deles.
Gemeu ao sentir a boca de Harry em seu pescoço, os lábios mordiscando a pele sensível, depois ao co­locar a palma da mão sob a camisa, tocando intei­ramente a pele dele.
Não havia mais controle possível. Enquanto o espetáculo no céu atingia seu clímax, os dois corpos apertaram-se na ânsia de consumar o desejo que ardia na pele. Mione sentiu a pulsação no ventre, desejando o mesmo que sua mente.
Harry afastou a boca, apoiando o queixo contra a testa dela. A respiração era irregular.
— Diabo, a gente nunca encontra uma cabine de loja quando precisa.
Mione estava ocupada demais com a intensidade dos próprios sentimentos para pensar em responder. No momento seu dilema era puxá-lo de encontro a si ou afastá-lo com um empurrão. Como sempre quando a mente começa a pensar demais, acabou por fazer o que a sociedade esperava que fizesse, em vez de seguir o próprio coração. Seu corpo an­siava por mais, contudo afastou-o.
— O que a gente está fazendo? Harry, eu... — começou ela, interrompendo-se por não saber o que dizer.
Em lugar de falar, correu para as escadas. Desceu sem hesitar.
Harry permaneceu onde estava, tão abalado quanto ela. Escutou os passos apressados pelos degraus, depois quando ela parou, para compor a roupa e finalmente sumindo na distância.
Já recomposta, Mione ingressou novamente no am­biente da festa, abaixo dele.
— Maldição! Porcaria! Se ela pensa que vai casar com esse sorriso ambulante está muito enganada — resmungou ele entre dentes, apertando tanto a ma­deira da amurada que foi um milagre não quebrá-la.
Mione ficou agradecida por não ter encontrado com Harry até a hora de partir. Kevin insistiu que par­tissem assim que o espetáculo terminou.
— Fiz ótimos contatos esta noite, bem — declarou ele animado, esfregando as mãos ao acomodar-se no volante. Então pareceu se dar conta do que dissera. — Desculpe, bem, sei que não gosta de ser chamada assim.
Mione encontrava-se à beira de uma crise de choro.
— Estou com uma dor de cabeça terrível, Kevin — alegou ela, num fio de voz.
— Deve ter sido todo aquele barulho. A gente mal podia conversar. Não deviam misturar crianças e adultos na mesma área, isso sim. Cárter teve boas idéias para quando eu for lançar minha candidatura para vereador — prosseguiu ele, sem perceber que a noiva olhava para a escuridão exterior.
Mione ficou contente quando enxergou sua casa. Kevin não parara de falar sobre vários assuntos girando em torno do tema principal: ele mesmo. Ficou imaginando como seria errado casar com aquele homem. Apesar de não gostar de inflar o ego dele, também não estava disposta a ficar ali escutando os progressos que fizera em contatos políticos.
— Por que não entra um pouco? — convidou ela, com voz sensual.
Kevin parecia esperançoso ao acompanhá-la até o interior.
Mione acendeu as luzes e indicou o sofá.
— Precisamos conversar sério, Kevin.
— Você está bem? — indagou ele, finalmente re­parando no rosto abatido da noiva.
— Não muito, para dizer a verdade — começou ela, sentando-se e forçando-se a olhar para ele. — Kevin, acho que a gente devia cancelar o casamento.
Ele sorriu.
— Ótimo, então você resolveu casar em Las Vegas, afinal? Muito bem. Deixe ver... — disse ele, pegando um talão de cheques com calendário e estudando-o. — Que tal depois de amanhã? Assim você tem tempo de empacotar sua lingerie mais sexy.
Ela quase entrou em pânico ao escutar os planos que ele traçava sem ao menos preocupar-se em olhar na sua direção para saber se era sobre isso que ela falava.
— Não.
Kevin levantou a cabeça ao perceber a decisão contida no tom dela.
— Não, Kevin. Não estou sugerindo que a gente case em Las Vegas — afirmou Mione, sentindo sua coragem vacilar. Porém sabia bem que aquela chance seria única. Tinha de ser naquele momento. — O que estou dizendo é que acho que deveríamos cancelar nosso casamento. Nós dois não devemos nos casar.
Depois de falar ela retirou o anel de diamante e o estendeu na direção dele.
Kevin parecia confuso. Quando ela colocou o anel sobre a mesa de centro foi que ele com­preendeu tudo.
— Espere um pouco. Você está me chutando? — indagou ele, elevando a voz.
— Eu não diria dessa forma.
— Mas é o que está fazendo, não é? — O rosto dele ficou vermelho, depois adquiriu um tom violeta. — Está dizendo que não quer casar comigo. E está devolvendo o anel.
— Isso — admitiu ela, relutante.
Ele passou os dedos pelos cabelos, num gesto pou­co habitual. Voltou o rosto para cima.
— Se não fosse aquela maldita falta de energia a gente estaria casado agora. Ou você teria me pe­dido o divórcio se resolvesse que foi tudo um erro?
Kevin estava quase gritando. Mione percebeu que a situação estava fugindo ao controle. Precisava ale­gar alguma coisa.
— Kevin, desculpe explicar as coisas tão em cima da hora, mas acho que elas precisam ser conversa­das. Não podemos casar sem sentir os dois que é isso o que desejamos — começou ela. — Acho que você só me enxerga como uma esposa para cumprir as funções sociais. Sinto que é isso o que deseja. Eu queria um marido para iniciar uma família. Se você for sincero com você mesmo, vai perceber que o amor não está preenchendo nosso relacionamento como deveria. Desculpe minha franqueza, mas eu não amo você e acredito que você também não me ama. Talvez não saiba disso, mas é verdade. Não me ama como um homem deveria amar uma mulher. Muito menos uma esposa.
Kevin balançava a cabeça.
— Não estou acreditando nisso! Acabamos de passar uma noite agradável como um casal de noi­vos e quando voltamos você me faz entrar para dizer que não temos mais nenhum compromisso. Por quê?
A conversa assumia um rumo que Mione não desejava.
— Eu já disse!
— Não me venha com essa história de que não me ama! — berrou ele, com um gesto da mão no ar. — O que aconteceu para fazer você mudar de idéia?
Ela respirou fundo, buscando as palavras apropriadas.
— Eu já me sentia assim no dia do casamento, mas achei que era nervosismo de noiva. Naquele dia pensei muito porque tive bastante tempo para isso, e desde então venho pensando e tentando des­cobrir o que realmente quero na vida. Seria um erro a gente casar sem se amar — concluiu Mione, sen­tindo uma calma assustadora. — É isso.
Kevin abaixou-se e colocou o anel no bolso da calça.
— Tudo o que posso dizer é que vai se arrepender por não ter casado comigo. Não pense que vou aceitar você quando mudar de idéia outra vez, porque isso não vai acontecer. Afinal, você não é a única mulher no mundo, sabia? Existem outras, até mais bonitas!
Com isso ele saiu, batendo a porta com toda a força.
Mione deu um salto na cadeira com o estrondo. Levantou-se e foi até a cozinha, onde se serviu de um pouco de vinho. Ergueu a taça no ar, como se fizesse um brinde.
— Posso dizer que lidei com a situação da pior forma, mas fiz o que tinha de fazer — disse para si mesma, bebendo de uma só vez o conteúdo da taça. — Agora vem minha mãe. Não vai ser tão fácil quanto conversar com Kevin.
Serviu-se de outra dose.

— Isso por acaso é uma piada de mau gosto? — perguntou Gwen.
— Não, mãe.
A mulher mais velha começou a andar de um lado para outro em frente à lareira. Reparou no arranjo floral que a filha mantinha ali nos meses quentes, como se pudesse transferir a raiva pela sensação de impotência para consertar a besteira feita.
— Aquele era um homem que estava a ponto de abrir uma filial da própria loja. Um homem que foi entregue numa bandeja de prata para você, e que você joga fora desse jeito? Despreza um homem des­ses? — Gwen parecia incrédula.
— Não amo Kevin, mãe — repetiu ela, pela vi­gésima vez.
Gwen não dera mostras de ouvir, continuando a balançar a cabeça, inconsolável.
— Não acredito que você seja minha filha. Não me importo se é a imagem escarrada de sua tia. Não pode ser minha filha. Nenhuma mulher em nossa família iria dispensar um homem como Kevin — declarou ela, levando as mãos às têmporas. — Tem alguma coisa para dor de cabeça?
Mione levantou-se e foi até o banheiro, no trajeto que sempre parecia fazer pouco depois que a mãe chegava em sua casa. Apanhou dois comprimidos e um copo de água.
A mãe aceitou os comprimidos e ingeriu o copo de água de um só gole.
— E eu que sempre tive grandes planos para você. Sempre teve beleza e inteligência para ir longe — lamentou-se Gwen.
— Mas eu pretendo ir longe. Mamãe, por favor não se preocupe. Vai ser muito melhor assim, eu garanto.
— Não é fácil achar um homem hoje em dia. Eu é que sei.
Mione lembrou-se de Harry e sentiu um calor se espalhando pelo corpo.
— Hermione, você está me ouvindo?
— Claro que estou. Mas acho que se tiver de acon­tecer, vai aparecer alguém.
Gwen não compartilhava da estimativa otimista da filha.
— Bem, pelo menos você ficou com o anel, não foi?
— Claro que não, mãe — respondeu Mione, rolando os olhos nas órbitas com a idéia da mãe.
— Não acredito que o sujeito tenha aceito o anel de volta. Não é só porque pode dar para outra mu­lher, mas é uma atitude de muito mau gosto.
— Um anel daquele tamanho já é um exemplo de mau gosto.
Gwen ainda não parecia convencida dos argumen­tos da filha.
— Meu bem, tem certeza que ele não provou ser... como direi... pouco entusiasta na cama?
Ela tinha de dar crédito à mãe. Ela sabia ser discreta quando queria. Mas sexo não era o assunto que ela pretendia discutir no momento.
— Eu disse a você que a gente não ia para a cama, não fomos e eu não sei como é esse homem... na cama. O problema não foi esse, e agradeceria muito se não tocasse mais nesse assunto.
Gwen deu uma olhada cheia de piedade para Mione.
— Só espero que você não venha a lamentar isso mais tarde — comentou ela, consultando seu relógio. — Desculpe ter de sair com pressa, meu bem, mas tenho hora marcada no cabeleireiro, e Stephan de­testa quando eu chego atrasada.
— Claro, mãe — disse Mione, levantando para acompanha-la até a porta.
Gwen acariciou a cabeça de Mione.
— Você é minha filha e eu amo você. Só quero o seu bem. Só que às vezes você faz algumas coisas que me deixam de cabelos em pé.
— É para o meu bem, mãe. Pode acreditar.
Beijaram-se na despedida, e assim que a porta fechou-se atrás da mãe, Mione recostou-se contra a superfície de madeira.
— Bem, foi uma meia hora divertida. Da próxima vez é melhor eu escalar também uma obturação de canal logo depois. Seria o acompanhamento ideal.

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