Capitulo 11



Capítulo 11


— Muito bem, você me chamou e eu estou aqui — afirmou Ke­vin, trajado com camisa pólo e sapatos esporte, ir­rompendo como um furacão na casa.
Mione esboçou um sorriso. A primeira coisa que fi­zera fora rastejar para a cama e dormir até o meio-dia. Assim que acordara escutara as mensagens gravadas na secretária, a maioria do noivo. Junto com as re­clamações de Kevin encontrou recados frenéticos da mãe, exigindo saber o que estava acontecendo, e al­guns amigos querendo saber se ela estava bem.
Telefonara em primeiro lugar para Kevin. Depois de várias xícaras de café e meio bolo descongelado no microondas, ela chegara à conclusão de que os acontecimentos do dia anterior haviam sido uma aberração... um dia destacado do tempo e da reali­dade. O que existia de real em sua vida continuava a mesma coisa: iria casar-se com Kevin conforme planejara. Tranqüilizou a si mesma, afirmando que fora vítima do "nervosismo de noiva", estado de es­pírito já ultrapassado, e dali em diante tudo ficaria bem. Ligou para o noivo em sua concessionária e pediu que ele viesse vê-la. Ainda não tinha certeza sobre o que diria exatamente.
Quando percebeu que ela trajava bermuda e ca­miseta, franziu a testa.
— Pensei que tivesse ido trabalhar.
— Cheguei a pensar nisso também, mas não tinha nenhum motivo para ir. Já estava programado um mês de férias, e confio completam ente em Bev, por­tanto resolvi ficar em casa e descansar. Quer beber alguma coisa? Sente um pouco, Kevin.
Ele parecia impaciente, como se dispusesse ape­nas de um ou dois minutos antes de voltar para a loja. Obviamente não confiava nos próprios empre­gados da mesma forma que ela.
— Para mim, não, obrigado. Escute, desculpe ter perdido a paciência com você pelo telefone. Acho que sabia lá no fundo que você não poderia ter feito nada para evitar o que aconteceu, mas foi tanta coisa ao mesmo tempo que... bem, o que fiz não foi certo.
Mione remexeu-se na cadeira. Passara quase duas horas pensando nas coisas que queria dizer a Kevin, e todas elas haviam fugido completamente de sua memória. De qualquer forma, a última coisa que esperava ouvir era um pedido de desculpas. Nunca o vira fazer isto.
— Foi um dia cansativo de várias formas — mur­murou ela, sem saber que rumo imprimir à conversa.
Suas mãos remexiam-se no colo enquanto ele deixava cair o corpanzil no sofá, suspirando ruidosamente.
— Você não faz idéia sobre o pânico na igreja quando as luzes se apagaram. Abrimos as portas porque lá dentro parecia um forno sem o ar condi­cionado. O tempo foi passando e você não chegava, então as pessoas começaram a fazer piadas. Alguns dizendo que você se mudara para um clima mais quente, ou fugira com algum bonitão...
Mione fez força para não corar. A última sugestão passara perto demais. Contudo o noivo, como sempre, só prestava atenção em si mesmo e na sua narrativa.
— Então, quando o motorista da limusine telefo­nou para dizer que você tinha entrado numa loja de departamentos e não saía mais, alguém disse que você preferia uma liquidação do que eu.
— Jamais imaginei que um fio desfiado em minha meia pudesse provocar tantos problemas. Naturalmen­te o motorista nem mencionou esse detalhe... — afirmou Mione, suspirando. — Bem, acho que na igreja deve ter sido tão desagradável quanto na loja. Uma noiva andando por todo o lado de vestido branco não é uma coisa que se veja todo dia. Todo mundo ficava olhando para mim como se eu fosse uma extraterrestre.
— Fiquei muito nervoso quando o tempo passava e você não aparecia — continuou ele. — Nem vou repetir o que sua mãe disse.
— Posso imaginar. Minha mãe nunca foi conhe­cida por ter tato com as pessoas.
— Enfim, tudo passou agora, e podemos continuar de onde paramos — concluiu Kevin. — Eu diria que temos duas escolhas: marcar de novo o casamento na igreja e entrar na fila, ou apanhar o primeiro avião para Las Vegas e casar no mesmo dia. Eles facilitam as coisas um bocado por lá.
Mione sentiu um bolo na garganta, que desceu e acomodou-se no estômago. A menção a Las Vegas a fizera recordar seu sonho sobre o futuro. Trinta anos no futuro com aquele homem. E ele acabava de mencionar Las Vegas...
— Não gosto muito da idéia de casar em Las Vegas.
— Tudo bem. Nesse caso vamos ver o que podemos fazer para marcar outro casamento na mesma igreja, talvez em uma semana. Acho que seria bom ligar para o florista e resolver sobre a decoração e a re­cepção. E melhor não deixar sua mãe tratar disso outra vez. Eles ficaram meio nervosos com as exi­gências que ela fez.
Será que Harry iria considerar sua mãe uma chata, ou aceitaria a maneira dela, achando-a divertida?
Percebeu que Kevin a olhava como quem esperava uma resposta, e sentiu-se culpada.
— Você está bem?
— Ainda estou cansada por tudo o que passei ontem. Fiquei muito nervosa, sabia?
— E eu aqui falando sobre casamento quando você precisa descansar. Desculpe.
Ela levantou os olhos. Fora o segundo pedido de desculpas no mesmo dia.
Kevin levantou-se e ergueu-a. Beijou-a apaixona­damente, mas Mione achou difícil corresponder com a mesma intensidade.
— Se você quiser, posso ficar e fazer companhia numa soneca — ofereceu ele, com voz rouca.
— Kevin, já que esperamos tanto tempo, podemos esperar um pouco mais, não podemos?
— Meu bem, a última coisa que quero fazer é esperar, mas se você prefere assim, não custa nada satisfazer seu desejo. Vamos logo marcar a data, para não perder mais tempo — disse o noivo, dando um tapa no traseiro dela.
Mione chegou a abrir a boca para protestar, en­tretanto optou por ficar quieta.
— Bem, querida, por mais que eu deteste sair de perto de você, preciso trabalhar. — Ele encaminhou-se para a porta. Parou antes de abri-la. — Sabe, quanto mais eu penso nesse assunto, mais me sinto culpado por não haver planejado uma lua-de-mel de verdade para nós. Acho que vou telefonar para meu agente de viagens e ver se ele consegue pas­sagens para o Havaí, ou talvez o Taiti. O que acha?
Pare de ser bonzinho comigo, pensou ela.
— Ótimo — murmurou ela.
Felizmente ele presumira que a voz faltara por excesso de emoção.
— Um desses lugares com praias onde se usa topless — completou ele, piscando com ar maroto. — Quero ver você com um daqueles bronzeados de corpo inteiro.
Kevin mandou um último beijo e saiu. Mione dei­xou-se cair na cadeira outra vez.
— Como estragar um belo oferecimento — disse ela em voz alta.
Pensou em apanhar o telefone e ligar para a mãe, que devia estar desesperada àquela altura dos acon­tecimentos. Porém não se sentia forte o suficiente para lidar com ela.
Desanimada, cobriu o rosto com as mãos, sem saber direito de onde vinha tanta tristeza e emoção se tudo corria às mil maravilhas. O que Harry estaria fazendo naquele momento? Provavelmente seria me­lhor não saber, decidiu.
— Sofri como uma condenada, imaginando que o pior tivesse acontecido com você, e minha filha nem se dá ao trabalho de telefonar para dizer que está viva? — gritou Gwen, entrando no quarto atrás de Mione. — Sua própria mãe!
Estava vestida com um conjunto de calça e camisa de seda, o cabelo bem penteado como sempre, o que deixava a aparência dela mais próxima dos quarenta anos do que dos cinqüenta e cinco. Mal terminou de falar, extraiu da bolsa uma cigarreira dourada.
Ao colocar o cigarro nos lábios, enfrentou o olhar de Mione. Recolocou-o na caixa banhada a ouro e suspirou, com ar de quem não tem liberdade na casa da própria filha.
Mione devia ter previsto que a mãe não esperaria seu telefonema para aparecer. Cinco minutos depois de deitar, Gwen chegara transformando em espetáculo dramático o primeiro encontro ao declarar em tom estridente que agradecia aos céus por sua filhinha estar bem. Em seguida começou a relatar com todos os detalhes a "verdadeira odisséia" ocor­rida na igreja.
— Ninguém sabia o que fazer, quando a eletricidade acabou! Ainda bem que decidimos usar velas de verdade, porque apesar de mais caras, elas têm uma luz mais quente, mais chique. Foi a sorte. De­pois alguns dos clientes de Kevin começaram a fazer piadinhas de muito mau gosto sobre o motivo da sua ausência. Uma gente tão fina dizendo coisas que custei a acreditar. Uma vergonha, enfim.
— Como eu expliquei ao Kevin ontem, eu não estava com meu telefone celular, e não pude avisar o que aconteceu. Pelo menos na hora, porque logo depois uma mulher lembrou que estava com o dela e eu telefonei — explicou Mione de um só fôlego. — Mãe, já conversei com Kevin, e vamos marcar outro casamento na mesma igreja. Eu mesma vou cuidar das flores, da decoração e da festa. Assim você não precisa se preocupar com essas amolações.
— Não, senhora. Como mãe da noiva, é minha obrigação cuidar de todos os detalhes da festa. Sei muito bem que Kevin não quer que eu cuide disso, mas isso é problema dele. Estive esperando pela chance de ser uma sogra intrometida, e não pretendo deixar que ele me intimide — declarou Gwen, pas­sando os dedos na têmpora. — Você tem algum re­médio para dor de cabeça?
Mione levantou-se e foi até o banheiro. Apanhou o frasco no armarinho e retirou dois comprimidos. En­cheu um copo de água e levou para a mãe.
Gwen tomou o remédio com gestos de quem está habituada.
— Muito bem, admito que Kevin não seria o pri­meiro na minha lista de pretendentes para você. Minha filha tem beleza e inteligência para ir muito mais longe.
— E é exatamente o que pretendo fazer. Mãe, não precisa se preocupar comigo. Estamos resolven­do tudo direito.
— Não se esqueça, meu bem, que no Oregon o regime de casamento é separação de bens, mas tudo o que adquirirem depois será de ambos. Metade de cada um.
— Não estou preocupada com o dinheiro dele — declarou Mione, a ponto de perder a paciência.
Era algo que acontecia mais cedo ou mais tarde quando encontrava Gwen. Naquele dia, bem mais cedo. Não fazia dez minutos que estavam juntas.
— Só quero que você pense em segurança para o futuro... nunca se sabe. Deus sabe como é difícil encontrar um sujeito honesto e bom hoje em dia.
Mione pensou em Harry e sentiu uma onda de calor espalhar-se pelo corpo. Tentou conduzir a mente para o assunto em pauta, mas não foi nada fácil. Pelo menos depois da noite mais excitante de toda a sua vida.
— Hermione, você não está prestando atenção!
Ela voltou ao mundo real. Com certeza sua mãe estivera discorrendo longamente sobre um assunto e ela nem percebera. Sua cabeça estava ligada em Harry. E na combinação que eles tinham feito sobre apenas uma noite. Não podia mais pensar nisso. Era preciso tirar aquele homem de sua cabeça.
— Acho que entrei em órbita, mãe. Desculpe.
— Não é para menos, passando uma noite na loja de departamentos. Devia agradecer a Deus por ter sido uma loja decente como a Bradley's. Apesar de tudo, vocês devem ter sido bem tratados.
— É verdade, mãe. Fomos muito bem tratados.
Gwen tamborilava as unhas na cigarreira. Mione desejava que ela dissesse logo o que viera dizer e partisse. Queria ficar sozinha. Sentiu-se observada: de fato, a mãe estudava seu rosto com uma persis­tência irritante.
— Meu bem, você não está escondendo alguma coisa de mim, está? Pode confiar em mim, afinal sou sua mãe. Ele é muito ruim na cama? É isso o que está incomodando você, é?
— Mamãe!
Ficou feliz em não estar bebendo nada, pois com certeza engasgaria.
— Hoje em dia é uma pergunta perfeitamente cabível — justificou Gwen, sem ligar para o choque da filha. — E é importante que você tenha uma vida sexual satisfatória e saudável. Posso garantir que é para isso que serve a imaginação.
— Não que eu queira discutir esse assunto, mas Kevin e eu resolvemos esperar até estarmos casados.
A mãe ergueu uma das sobrancelhas.
— E ele aceitou uma coisa dessas? Imagine... e eu aqui pensando que ele tinha seduzido você ou coisa parecida. E difícil de acreditar que o sujeito seja tão frio assim.
— A decisão foi nossa, mãe, e não quero falar sobre ela — avisou Mione.
— Está certo — começou Gwen, com sua melhor interpretação de mártir cristã. — Afinal eu não pas­so da mãe que só está procurando zelar pelo seu bem-estar. Sabe que não vou viver para sempre, mas isso não faz a menor diferença, claro...
— Mamãe, você vai enterrar todos nós e sabe mui­to bem disso. E depois disso vai continuar correndo atrás dos gatinhos de vinte anos — riu Mione.
— É verdade, pelo menos eles tem sangue quente e energia na hora que conta — respondeu a mãe com os olhos brilhando. Caminhou até Mione e despediu-se com um carinhoso beijo na testa. — Não se preocupe com a decoração e a festa, meu bem. Eu cuido disso. Se a gente não ficar insistindo o tempo todo com eles, não consegue um serviço decente.
Mione apertou a mãe nos braços.
— Você é demais mãe. Em todos os sentidos.
— Sei disso, meu bem, mas vindo de você é o elogio máximo — comentou Gwen, retirando a ci­garreira da bolsa. — Não se preocupe, só vou acender lá fora, sua puritana.
Depois que a mãe saiu, Mione foi até o banheiro e tomou duas aspirinas. A visita da mãe quase sem­pre provocava aquele efeito. Acreditava ser heredi­tário. Encarou o próprio reflexo no espelho.
Apesar de ter dormido pela manhã ainda se viam olheiras escuras, e a pele parecia sem vida. Com gestos automáticos, dirigiu-se para o chuveiro, na intenção de despertar com um bom banho.
Depois de revigorada pela água quente seguida de uma ducha fria, sentou-se ao espelho para decidir se arrumava o cabelo em rabo-de-cavalo ou secava tudo passando a escova.
— Mione, se você quisesse, não podia estar mais feia do que isso — declarou em voz alta, brigando consigo mesma. — Agora que passou oficialmente dos trinta anos, pode se concentrar em arrumar sua vida.

— Isso aqui é muito chato — declarou Davis, olhan­do ao redor como se fosse um animal encurralado.
— Se disser isso mais uma vez, garanto que nunca mais coloca as mãos num computador enquanto vi­ver — disse Harry, entre dentes.
— O que queria que ele dissesse? — opinou Lisa. — Vamos, pai, você quer mesmo que a gente goste disso aqui?
Ela estendeu as mãos num gesto amplo que mos­trava o ambiente no qual se encontravam.
Harry fez uma careta. Na verdade o quintal impe­cável de Carolyn não parecia apropriado para três crianças acostumadas a um bocado de atividade fí­sica. Era preciso, porém, dar valor ao esforço dela. Carolyn estava fazendo o possível e o impossível para conhecer e cativar as crianças. O problema é que ela estava caminhando na direção errada. E tentando com empenho demasiado.
No momento aproximava-se com uma bandeja cheia de refrescos, os cubos de gelo tilintando na jarra. Elegante com suas calças brancas de linho e uma blusa rosa do mesmo tecido, Carolyn usava o cabelo preso num coque e um sorriso aos lábios.
— O dia não está lindo? Pelo menos não está tão quente como no feriado — disse ela, com voz alegre.
A mente de Harry disparou à menção da palavra feriado, com cenas bem mais quentes do que as des­critas por sua noiva. Pensou em Mione e no que ela estaria fazendo naquele momento. Depois pensou nas coisas que fizeram juntos. Teve de se obrigar a retornar ao quintal de Carolyn.
Continuou sorrindo enquanto distribuía os copos pelas crianças.
— Achei que iam gostar de tomar uma limonada.
O sorriso de Lisa foi sofrido.
— Obrigada.
— 'gado — resmungou Davis, depois de verificar o teor de ameaça no olhar do pai.
— O que são essas coisas aí dentro? — quis saber Brandon, olhando desconfiado para o copo.
Carolyn ergueu o copo contra a luz para enxer­gar melhor.
— São só as garrafinhas do limão — explicou ela, devolvendo o copo a ele. — Melhora o gosto da limonada.
Brandon afastou o copo com tamanha impulsividade que o recipiente virou e o líquido derramou-se pela superfície da mesa.
— Aí, seu cabeça-de-bagre — reclamou Davis, sal­tando da cadeira antes que fosse atingido.
— Foi sem querer — berrou Brandon.
— Não tem importância, Brandon — interferiu Carolyn, que também saltara de sua cadeira para não se molhar. — Vou buscar um pano. Alguém prefere leite?
— Está ótimo, obrigado — disse Harry, erguendo o corpo. Aguardou até que Carolyn entrasse, depois di­rigiu-se aos filhos com expressão feroz. — Sem recla­mar nada, vão comer e beber tudo o que ela trouxer, está entendido? Vão ter o melhor comportamento possível pelo resto do dia, e vão mostrar a Carolyn como são crianças maravilhosas e bem-educadas.
— Mas tinha umas coisas lá dentro, pai — quei­xou-se Brandon.
— São as garrafinhas que contêm o suco antes de você tomar, como no suco de laranja — esclareceu Harry, em tom controlado.
— Mas foi por isso que ele parou de tomar suco de laranja — disse Lisa.
— Harry, o que acha de colocarmos os bifes na grelha agora? — perguntou Carolyn, da porta da cozinha.
— Acho ótima idéia. Vou até aí apanhar a carne — respondeu em voz alta, levantando-se. Voltou-se para os filhos: — Lembrem: comportamento nota dez.
Davis remexeu-se na cadeira e provou a limonada.
— Cara, esse negócio está horrível. Será que ela não sabe que pode comprar congelado em vez de preparar ela mesma? Está azedo...
— Ela está tentando mostrar como pode ser boa mãe — disse Lisa.
— Papai mata a gente se a gente fizer alguma coisa para estragar o churrasco — lembrou Davis, derramando a limonada na grama.
— Mas pode ser que a gente não faça nada de propósito — sugeriu a menina, com ar enigmático. — A gente pode deixar que a natureza siga seu curso.
Davis sempre se orgulhou de perceber as coisas com rapidez, principalmente quando se tratava de peças de mau gosto.
— Boa idéia. Acho que nós vamos ajudar um pouco a... natureza, certo?
— São crianças adoráveis, Harry — dizia Carolyn enquanto tirava a terrina de salada da geladeira. — Lisa é quase uma mulher. Davis tem o mesmo senso de humor distorcido do pai, e Brandon é uma gracinha.
Harry pode sentir seus nervos ficando tensos. Con­centrou-se em empilhar carne num prato grande, para poder levar até o quintal.
— Bem, eles também têm seus momentos ruins — respondeu Harry.
— Eu não esperava que fosse fácil. Afinal, não sou parecida com minha mãe, nem estou acostuma­da a ter crianças por perto.
— Tenho certeza de que aquelas marcas de sapato vão sair do sofá sem problema.
Ela riu.
— Não se preocupe, Harry, tenho um homem ma­ravilhoso que limpa muito bem minhas tapeçarias e estofados.
Ele achou o tom da risada agudo demais, talvez em virtude da tensão. Deveria ter avisado Davis para não colocar os pés no sofá branco de Carolyn. Ainda assim, imaginara que seu filho saberia evitar proble­mas. Na verdade ele deveria ter evitado problemas, pois conhecia o verdadeiro Davis. Carolyn, não.
Levou os bifes para a churrasqueira já repleta de brasas incandescentes, e arrumou alguns na grelha. Enquanto o odor se espalhava por ali, Davis e Bran­don aproximaram-se. Lisa caminhou até a área da piscina, com sua atraente superfície azulada.
— Se quiser podemos nadar logo depois do almoço — convidou Carolyn, enquanto passava com os pra­tos para fora.
A menina olhou por sobre o ombro.
— Quer ajuda? — ofereceu, reparando nos olhos severos do pai.
— Obrigada, seria ótimo — respondeu a mulher mais velha, voltando-se na direção de Harry e falando sem som: já é um começo.
Observou as duas entrando juntas na casa. Sem motivo aparente, começou a perguntar-se o que Mione estaria fazendo naquele dia. Há três dias não a via. Não sabia se casara com o tal idiota dos carros. Não conseguia pensar nele pelo nome, Kevin.
Detestava imaginá-la nos braços daquele sujeito. Apesar do acordo feito. Uma noite sem arrependi­mentos. Depois continuariam suas vidas. Ele não se arrependera de coisa alguma, mas achava difícil continuar sua vida normal. Tentava se convencer de que seria o melhor a fazer, mas não vinha obtendo sucesso. Dizia a si mesmo que ela tinha não-sei-que-nome, e ele tinha Carolyn.
— Pai, não sei quanto a você, mas eu não gosto de bife preto de um lado só — disse Davis.
Harry retornou à churrasqueira, onde todos os bifes precisavam ser virados.
— Se ela for advogada e você pretende casar com ela, isso significa que a gente consegue uma advo­gada de graça quando se meter em encrencas? — quis saber Davis, procurando puxar conversa.
Uma espécie de alarme soou no interior de Harry, e ele compreendeu que muitos anos se passariam antes que Davis tivesse sua carta de motorista e encontros com garotas. Não tinha certeza de estar preparado psicologicamente ainda.
— Não. Significa que você vai ser atirado na cela mais funda da delegacia.
— Puxa vida!
Quando a carne ficou pronta, Harry começou a re­laxar. Cortou o bife de Brandon para ele, e serviu um pouco de tudo no prato. O menino olhou para sua comida como se fosse um pesadelo.
Davis enxergou uma ótima oportunidade para continuar a tarefa vitalícia de aterrorizar o irmão. Inclinou-se para ele.
— Se você comer essas coisas, os vermes vão de­vorar você por dentro.
Nessa hora Harry reparou na expressão atormen­tada de seu filho menor e caminhou até ele.
— Qual o problema agora?
O menino apontou para o prato com o dedo trêmulo.
— Tem minhocas aí dentro.
Lisa abafou uma gargalhada. Davis não fora discreto. Carolyn pareceu um pouco confusa e irritada.
— Alguma coisa errada?
Brandon saltou de sua cadeira.
— Tem minhocas na salada! — gritou ele, fora de controle. — Não vou comer! Não vou comer nenhuma.
Desatou a correr na direção da casa.
— Pode voltar aqui, menino — ordenou Harry, sem hesitar em partir atrás do filho.
— Puxa, ele fica preocupado com qualquer coisa — comentou Davis, dando uma garfada em sua pró­pria salada. — Afinal, são só brotos de feijão...
Carolyn, ainda com os olhos arregalados, voltou-se para Lisa, que continuava imperturbável, cortando sua carne em pedaços minúsculos.
— Ele faz isso sempre? — perguntou a mulher mais velha, com voz abafada.
A menina deu de ombros.
— Mamãe diz que ele é sensível. Papai diz que tem só uma imaginação muito grande — afirmou Lisa, colocando na boca uma lasca de carne.
Carolyn permaneceu ali, como se tivesse tomado parte numa batalha épica. Nada, em toda a sua carreira, a preparara para enfrentar algo parecido. A seu favor poder-se-ia dizer que permaneceu cala­da. Ficou no lugar, tão concentrada em comer quanto Lisa. Porém o sorriso paralisado permaneceu em seu lábios até o final.

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