Capitulo 7



Capítulo 7


— Pai! Tem uma barraca montada aqui dentro da loja na seção de caça e pesca! — ecoou a voz de Davis pela loja. — Podemos fingir que estamos no mato, só que não tem nenhum leão da montanha nem ursos. Lisa diz que é melhor assim. A gente faz de conta que tem.
— Bem, acho que preciso salvar a seção de caça e pesca de meu filho — disse Harry, fazendo uma mesura para as senhoras.
— Quero ficar com Mione — pediu Brandon.
Ele a procurou com os olhos para confirmar o pedido.
— Pode deixar, ele vai ficar bem comigo. Senão você não consegue acompanhar Davis.
Ele sorriu em agradecimento antes de mover-se na direção do grito.
— Está vendo o que eu quis dizer? — provocou a mesma mulher que falara antes de Harry chegar.
— O quê?
— Os olhares. Todas nós vimos. Você foi a única a não perceber?
— Tenho certeza de que você está enganada — disfarçou Mione, odiando a si mesma por alegrar-se. — Acho que os olhares não eram diferentes do que para qualquer de vocês.
— Acha mesmo? Pois eu digo que essa falta de energia foi a melhor coisa que podia acontecer a você. E uma boa forma de descobrir se quer casar agora.
— Quando acordei, hoje de manhã me senti mais retraída do que excitada com a idéia do casamento — começou Mione, pensativa. — Quando entrei aqui e encontrei logo a meia branca que estava procu­rando, achei que era um sinal de que tudo sairia bem. Em seguida as luzes apagaram e percebi que fiquei presa aqui, acreditei que fosse outro sinal. Agora já não sei em que pensar.
— Se fosse eu, procuraria dentro de mim para saber quem é o homem que vai passar o resto da vida com você.
Mione estremeceu à lembrança das imagens do futuro com Kevin. Se tivesse certeza de que a rea­lidade seria parecida com aquela, não sabia se seria capaz de lidar com ela.
— Você não sabe se isso vai acontecer com o bonitão também, e se não tentar nunca vai ficar sabendo.
— Não costumo arriscar — justificou Mione. — Acho que gastei toda a minha quota de coragem quando abri meu negócio próprio. No momento, te­nho a certeza de que minha mãe está pensando em várias maneiras diferentes de me matar por ter per­dido o casamento...
Interrompeu-se por causa da agitação a seu lado. Brandon dava pulos de excitação.
— Isso quer dizer que você não vai mais casar?
Mione abaixou-se para encará-lo nos olhos.
— Vamos dizer que preciso pensar um pouco.
— Então você podia casar com meu pai.
— Brandon, já disse a você antes e vou repetir. Eu e seu pai não nos conhecemos o suficiente para isso. Desculpe, mas nem sempre as coisas são simples.
— Mas podia dar certo — teimou o garoto. — Agora vocês já se conhecem.
Mione não tinha intenção de dar falsas esperanças ao garoto, mas também não podia magoá-lo.
— Pense em tudo como se estivéssemos numa ilha onde nada é real. Como nos livros de história, certo?
Brandon não pareceu muito convencido, mas não voltou a sugerir nada.
— Tem de haver alguma coisa que a gente possa fazer. Não me conformo com isso — reclamou Gina.
As mulheres trocaram olhares. Mione suspirou.
— E pensar que deixei meu celular em casa por­que achei que não precisaria dele hoje.
— Celular! Ganhei um na semana passada. Como é que não lembrei do meu celular — gritou Gina.
Em pouco tempo ela erguia triunfante um peque­no estojo de couro do interior da bolsa.
— Se você estava com o celular, por que Scott não ligou para você?
— Porque ele ainda não decorou o número. Depois, não está acostumado a ficar com as crianças e deve estar meio maluco a esta altura — disse ela, abrindo o aparelho e estendendo-o para Mione. — Acho que é justo você usar primeiro o telefone. Afinal, deve ter um noivo aflito aguardando notícias. Você tem como entrar em contato com ele, não tem?
Mione hesitou um pouco, depois apanhou o telefone.
— Ele deve ter o celular por perto, com certeza — afirmou ela, digitando uma série de números. Imaginou se alguém percebera sua relutância em telefonar.
— Sim?
Ela ficava fora de contato durante seis horas, e era assim que ele atendia?
— Sou eu, Kevin.
— Mione! Onde diabos você está? Por que não te­lefonou antes? Não acreditei quando o motorista da limusine ligou avisando que você estava numa loja enorme e não saiu depois de a luz acabar.
Ela fez uma careta, indicando que o volume da voz era excessivo.
— Chama-se "Aconteceu Alguma Coisa a Caminho do Casamento", e eu estava sem o celular. Só agora é que uma senhora lembrou que o dela estava na bolsa. Ela fez a gentileza de me emprestar antes de ligar para casa.
— O que aconteceu afinal, Mione?
Ela respirou fundo antes de começar.
— Estava a caminho da igreja quando percebi que minha meia desfiou. Como eu achei que preci­sava estar perfeita para casar, pedi para o motorista parar numa loja de departamentos no caminho. Quando eu acabei de trocar a meia, a luz acabou... — gaguejou Mione, embaraçada sem saber por quê.
— A luz acabou. Isso não é desculpa para não sair daí e vir para a igreja.
— Acontece que as portas daqui travaram. São elétricas e eles não têm gerador de emergência. Você por acaso sabe a causa da falta de energia? Ou quan­do volta a luz? Não pude fazer nada, Kevin.
— Só sei o que escutei no rádio, dizendo que atin­giu mais de um estado, e ninguém sabe o que é, nem de quem é a culpa. Já ouvi falar em excesso de ar condicionado, manchas solares e alienígenas. Como pôde fazer isso comigo, Mione? Tudo por causa da sua vaidade. Estou aqui com todos os convidados, sua mãe maluca e sem você. Isso tudo sem mencio­nar que tenho clientes importantes por aqui! Clien­tes que compram carros todo ano. O que acha que eles estão comentando? Sabe quantas piadinhas tive de ouvir sobre noivas que deixam o noivo no altar?
— Achei que todos iam perceber a falta de energia o entender que fiquei retida. Quanto à minha mãe, não é louca, é só um pouco excêntrica. Além do mais, o que fiz não tem nada a ver com vaidade. Afinal era meu casamento e eu não queria que nada saísse errado. Queria estar perfeita para você.
— Eu teria preferido o fio corrido na meia, que ninguém iria perceber, do que a ausência da noiva — resmungou Kevin. Depois deu um suspiro. — Muito bem. O que está feito, está feito. Em que loja você está?
— Na Bradley's.
— Na Bradley's? Por que foi até a Bradley's? Todo mundo sabe que os preços são altos. Pensei que de­monstrasse maior bom senso para fazer compras. Sabe como é, depois que estivermos casados, você vai ter de mudar seus hábitos de consumo. Espe­cialmente porque vou abrir a filial no ano que vem e temos de apertar o cinto.
Mione respirou fundo, pensando que aquela con­versa não estava correndo nada bem.
— Escute, Kevin, não quero ficar aqui. Mas não tenho alternativa — declarou ela, olhando em volta. Harry encontrava-se em pé ali por perto. — Outras pessoas precisam usar o telefone.
— Em que número você está?
— Não estou conseguindo escutar você — disse ela, em tom mais alto. — Não consigo escutar.
— Como assim? Estou escutando perfeitamente. Me dê o maldito número — pediu ele, do outro lado.
— Eu telefono mais tarde, Kevin — mentiu ela, desligando em seguida, sem saber exatamente por que fizera aquilo.
Devolveu o telefone para Gina.
— Ele está em casa, muito preocupado. Mas a linha está cheia de interferência.
Gina não respondeu, porém tinha escutado o su­ficiente para deduzir o que ocorrera.
— Vou terminar de passar batom — anunciou Mione, sem saber o que fazer.
Evitou olhar para Harry quando passou por ele.
— Se fosse você eu experimentava os perfumes que eles têm por aqui. Uma fragrância deliciosa, se quer minha opinião, é esse Desejo da Meia-Noite — sugeriu ele.
Ela não alterou o passo, nem respondeu. Harry pra­guejou baixinho e permaneceu ali por alguns minu­tos, depois caminhou até o grupo de mulheres, que terminava de usar o telefone.
— Posso usar o aparelho por um instante? Na­turalmente pagarei a chamada.
— Não há problema. Todas tivemos conversas cur­tas. Espero que sua namorada demonstre mais com­preensão do que nossos maridos.
— Obrigado.
Pensou um pouco e discou o número do celular dela.
— Alo?
— Carolyn, é Harry.
— Harry! Onde você está?
— Ficamos presos na Bradley's por causa da falta de energia — começou ele.
— Na Bradley!s? O que está fazendo aí? — estranhou ela.
Intimidado, Harry balbuciou de forma razoavel­mente coerente o resumo do que acontecera no carro.
— Mas eles devem ter um gerador de emergência — argumentou ela, ao final.
— Não está funcionando.
— Em primeiro lugar não entendi por que você parou aí. Sua filha devia ter outro sutiã na bagagem, e poderia trocar chegando à minha casa.
— Já tínhamos deixado as malas na minha casa, e quando o elástico arrebentou estávamos mais perto da sua casa.
— Nesse caso deveria ter vindo direto para cá. Eu poderia ter ajudado sua filha a consertar a alça, em vez de gastar dinheiro para comprar alguma coisa que ela provavelmente nem precisava — afir­mou ela, em tom de quem se dirigia ao júri.
— Acho que ela estava com vergonha de pedir para uma estranha ajudar a consertar uma peça íntima — disse Harry, lamentando no mesmo instante a escolha da palavra "estranha". — Ela está naquela idade difícil, você sabe...
— Não sei, não. Harry, você mima demais essas crianças. Se continuar fazendo todas as vontades dela, logo sua filha vai pensar que não sabe fazer nada sem um homem por perto. Você devia ter sido firme com ela, e a gente consertaria aqui com um alfinete; a uma hora dessas estaríamos juntos. Veja as confusões em que Davis se mete, por exemplo. Se sua mulher não tiver cuidado ele vai acabar vi­rando um delinqüente juvenil. E o mais novo vai ser do tipo de reclama de tudo.
Uma das poucas coisas capazes de tirar Harry do sério eram críticas a seus filhos. O tom de sua voz era frio ao responder:
— Meus filhos podem ser levados, mas não os considero mimados. Lisa está no início da puber­dade, naquela fase em que o mundo todo é com­plicado, e pretendo fazer o que puder para facilitar as coisas para ela. Davis tem um bocado de ener­gia, e Brandon...
— Calma — interrompeu Carolyn. — Não precisa ficar ofendido. Fiquei desapontada quando você não apareceu. Justo você, sempre tão pontual.
— Escute, eu telefono quando sairmos daqui, está bem?
— Gostaria que tivesse ligado antes...
— Desculpe, Carolyn, mas parece que a linha está com defeito — interrompeu Harry. — Vou desligar, porque não consigo escutar mais nada. Ligo assim que puder. Até logo, Carolyn.
— Eu diria que se você pretende algo sério com essa moça, seria melhor pensar mais um pouco — opinou Gina, sem que ele perguntasse.
— Também acho uma boa idéia — concordou Harry, com uma careta.
Caminhando para procurar os filhos, passou pelo casal que comemorava bodas de ouro. De braços da­dos, eles pareciam estar passeando no parque, ou caminhando até a igreja.
Aí está um casal que combinou desde o começo, pensou. Imaginou como seria estar com Carolyn tan­to tempo. Será que no futuro Carolyn ainda seria a mulher auto-suficiente que parece?
“...— Harry, eles simplesmente não podem vir para a cerimônia e não quero ouvir nem mais uma palavra sobre esse assunto. Não vou permitir que seus filhos arruínem o dia mais importante da minha vida — disse Carolyn em voz formal, cujo tom estridente parecia ter sido aperfeiçoado ao longo dos anos. — Por acaso Melissa e Roger criaram os problemas que aqueles três arranjam?
— Por que os meus filhos iriam arruinar o seu dia? — protestou ele, olhando a si mesmo no espelho e verificando não haver perdido cabelo, apesar de ter engordado alguns quilos. — Que diabo, Carolyn, você precisa parar com isso. Sempre deixou de lado Lisa, Davis e Brandon. Eu devia ter acabado com isso há muitos anos.
Ela examinou o traje preto e austero, acertou o coque e pareceu dar-se por satisfeita com sua figura seca e desapaixonada.
— Eles eram incorrigíveis enquanto crianças e pio­raram quando adultos. Mal acreditei quando Lisa assumiu a direção daquele pasquim feminista que fica desrespeitando os políticos. Davis já infringiu tantas leis que não sei como a CIA ainda não o mandou embora. Brandon escreveu aquele livro hor­rível sobre mim, tão cheio de mentiras que precisei fazer seis meses de análise para esquecer tudo.
Harry teve vontade de berrar algumas verdades, mas não conseguiu. Desde o início ela provara ser como as madrastas das histórias em quadrinhos. Sempre mantivera a esperança de que as coisas me­lhorassem entre eles, e a idéia de divórcio já passara algumas vezes por sua mente, mas essa era a sua parcela de culpa. Se em lugar de proteger os filhos para compensar as perseguições, tivesse de fato se separado, os três teriam tido uma vida mais sosse­gada. Agora não adiantava mais discutir; só torna­ria as coisas piores.
Naquela tarde, depois que Carolyn fosse empos­sada como presidente dos Estados Unidos da Amé­rica, ele passaria para a história como o Primeiro Marido da Casa Branca. Sabia que depois disso sua vida nunca mais seria a mesma...”

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.