Capitulo 6



Capítulo 6


Mione de repente descobriu que não estava sozinha. Olhou para o lado esquer­do e percebeu que Brandon estava a seu lado.
— Trouxe isso para você, assim não vai ficar com medo quando escurecer — declarou o menino, es­tendendo uma lanterna.
— Obrigada, Brandon — disse ela, aceitando a oferta. Percebeu que tinha mais alguma coisa a di­zer. — Você está bem?
— Estou.
Brandon continuou ali, sentado abraçando os joe­lhos, com o cabelo desalinhado, uma mancha de cho­colate na camiseta e um dos tênis desamarrado. Pa­recia procurar as palavras.
— Está calor aqui dentro.
— Está sim, Brandon. Com o ar condicionado des­ligado, a gente sente mais calor. Ainda bem que não vai piorar.
— Davis acha que nós devíamos nadar para não pegar insolação — afirmou o menino solenemente.
— Acho que a gente não precisa se preocupar com isso aqui dentro — explicou Mione, reprimindo o riso. — Provavelmente Davis estava só tentando descobrir uma desculpar para nadar.
— Ele é bom nisso.
— Parece que é.
— Você gosta de crianças? — quis saber o garoto.
— Gosto — respondeu ela com sinceridade.
Aguardou o exame atencioso de seu rosto para saber se ela dizia a verdade. Aparentemente satis­feito, continuou o interrogatório:
— Você gostaria de casar com meu pai?
Mione sentiu a voz embargada pela emoção.
— Já estou noiva de outro homem, Brandon, mas muito obrigada por pensar em mim. Além do mais, seu pai já tem namorada.
— Ele sempre diz que a namorada é boazinha, e eu não acredito de verdade em Davis quando ele diz que ela vai obrigar a gente a dormir no sótão, mas eles acham que papai quer casar com essa mulher. Não quero que isso aconteça. Você não quer filhos?
Os grandes olhos castanhos imploravam para que ela o tirasse daquela dificuldade.
— Claro que quero filhos, Brandon, e tenho cer­teza de que meu marido e eu vamos planejar juntos uma família depois que nos casarmos — explicou Mione, em tom carinhoso.
— Mas você não quer crianças agora?
— Acho que será mais fácil depois que eu casar. E espero ter um filho igual a você.
— Sei que você vai ser mais boazinha que Frank, o marido da minha mãe. Ele fica dizendo que quer mandar Davis para a Escola Militar. Eu disse a ele que Davis não quer ser soldado, mas acho que Frank não acredita em mim.
Mione mordeu o interior da bochecha para não rir.
— Às vezes os pais falam desse jeito.
— Acho que ele não liga — disse ele com sinceridade. — Hoje de manhã papai foi nos apanhar no aeroporto e disse que íamos a um churrasco na casa da namorada dele, e depois íamos assistir aos fogos. Acha que vamos ver os fogos hoje à noite?
— Só se a luz voltar.
— Por quê? Eu pensei que era só acender um fósforo, depois a mecha, como a gente faz em casa com os rojões e estrelinhas.
— Os grandes espetáculos são controlados por computadores, e precisam de eletricidade para fun­cionar, assim como o computador do seu pai.
O menino soltou um suspiro profundo.
— Puxa vida, hoje é uma droga de dia mesmo.
Mione não conseguiu evitar um sorriso. Ele devia ter aprendido o termo com o irmão maior. Brandon a observava pelo canto dos olhos.
— Você gosta do meu pai?
— Ainda não o conheço muito bem — respondeu Mione, lembrando sem querer o beijo de ambos.
— Acho que ele gosta de você. Pelo menos olha bas­tante para você, e não olha para as outras mulheres do mesmo jeito — afirmou o garoto, com ar matreiro.
Esse é bem esperto, pensou ela. Frank que se cuide, porque não vai demorar muito para que Davis e Brandon consigam o que quiserem dele.
— Ele está com pena de mim porque perdi o meu casamento.
Não precisava dizer ao garoto como o pai dele era sensual. Ele deu de ombros e mudou de assunto:
— Por que todo casamento precisa ter bolo, mas não tem sorvete?
— Talvez a srta. Granger não queira responder a todas as suas perguntas, Brandon.
Mione ergueu a cabeça ao escutar a voz de Harry.
— Eu não me importo em responder às perguntas de Brandon, desde que ele não queira saber de onde vem a eletricidade nem por que o céu é azul — disse ela, voltando-se para o menino. — E quanto aos casamentos, acho que é porque a maioria das pessoas não pensa em comer os dois na festa de casamento, embora comam nas festas de aniversá­rio. Talvez eu sirva sorvete no meu casamento.
— Pode ser que o seu noivo não queira.
— E daí? É meu casamento também, afinal de contas.
Brandon riu satisfeito.
— Acho que ela é melhor do que qualquer advogada, pai. Eu trouxe uma lanterna para quando ficar escuro.
— É, quando você quer, pode ser um cavalheiro, Brandon. Sua irmã está neste andar. Por que não vai procurar por ela?
Estranhamente o filho saltou da cadeira e foi fazer o que o pai sugeriu.
Harry examinou os arredores. O efeito do brilho de alguns cristais à volta do corpo dela era impressionante, dando a impressão de envolver Mione num halo de luz.
— Acho que esta área é muito mais segura durante uma falta de energia do que durante um terremoto.
Mione não se dignou a responder. Ele já sabia que ela queria distância de sua companhia.
— Desculpe, Mione — murmurou ele, quando ela fez menção de levantar.
— É assim que pretende melhorar as coisas? — Ela olhou para a mão que lhe impedia o movimento, depois para o rosto dele. Porém Harry não largou sua mão. — Acha que depois vai ficar tudo bem?
— Não, mas achei que você podia ser suficiente­mente adulta para aceitar um pedido de desculpas.
— É sincero? — quis saber ela, erguendo uma das sobrancelhas.
— É. Só queria que soubesse que sinto muito sobre a forma como me comportei hoje.
— Desculpas aceitas.
— Hoje não foi um dia normal. E a última coisa que eu esperava era conhecer alguém como você.
— Acho que isso vale para nós dois.
— Com isso eu quis dizer que não esperava co­nhecer uma mulher que me abalasse da forma que você abalou.
Mione desejou ter ido embora enquanto podia.
— Geralmente as noivas deixam os homens sol­teiros nervosos — sugeriu ela.
— Pode ser, mas você é diferente das outras noi­vas. Tudo o que sei quando olho para você é que estou vendo uma mulher atraente e tenho vontade de saber muito mais sobre você.
— Estou noiva de outro — balbuciou Mione, perturbada.
— Sei disso — afirmou ele, voltando-a em sua direção. — Mas algo me diz que o sentimento deve ser mútuo.
— Não faça perguntas difíceis de responder, Harry.
— Mesmo se eu quiser saber a resposta? Você não pode dizer que não sentiu nada.
Ela sacudiu a cabeça, numa negativa.
— Quer saber o quanto eu a acho atraente? Sei que beija bem e que gosto de conversar com você.
Ela sentiu o rosto escarlate, e agradeceu a Deus o fato de estarem sozinhos ali. Sentiu ainda a ex­citação de saber que ele a achava atraente.
— Mas eu...
— Já sei que tem compromisso. Mas da forma como vejo as coisas, somos basicamente viajantes presos num lugar do qual não podemos sair. O que acontece se quando sairmos daqui descobrirmos que o mundo não é mais o mesmo? Se o bom e velho Kevin não existir mais, ou que tenha encontrado outra pessoa, preso no lugar onde deve estar. O que você faria, nesse caso?
— Isso me parece mais como um caso do seriado Além da Imaginação, dos anos sessenta — comentou Mione, franzindo a testa. — Muito bem, vamos dizer que tudo tenha mudado. O que você mudaria primeiro?
Harry sorriu perante o desafio. Mal sabia ela que era exatamente o tipo de jogo de que ele mais gos­tava. E com uma mulher tão fascinante... sentiu uma leve dor na consciência em relação a Carolyn, mas ela jamais participaria...
— Esse é o tipo de jogo de que sua namorada gosta?
A pergunta apanhou-o desprevenido, pois parecia que ela estivera assistindo aos pensamentos dele.
— Ela é mais do tipo literal do que criativo.
— E você vem acusando a mim por ter um com­panheiro bitolado. Agora é minha vez de adivinhar. Advogada?
— Criminalista.
— Uma loura gelada — arriscou Mione.
— Na verdade morena, com uma avó italiana por parte de mãe, o que torna o sangue dela bem quente.
— A casa é decorada em brancos e cromados.
Ele levantou os braços em sinal de rendição.
— Está bem, você agora me pegou. Mas ela tem um quadro a óleo em vermelho e laranja em cima da lareira que aquece o ambiente. Claro, no quarto...
— Está bem — interrompeu Mione. — Não preciso saber o que ela tem no quarto.
— Certo, vamos falar sobre alterar a realidade — disse Harry, com os olhos brilhando.
Harry encarou o rosto furioso dela, belo como nunca. Parecia estar vivendo um sonho. A probabilidade de ficar preso numa loja por falta de energia e en­contrar uma mulher que o estimulasse daquela for­ma era muito pequena. Começou a lembrar da lua, para saber se estavam na fase cheia, quando cos­tumam acontecer histórias românticas. Seu compor­tamento não era normal. Como o dia não parecia normal também, o melhor era aceitar o que viesse, e Mione Granger era a parte mais interessante.
— Acho impressionante você pensar que pode al­terar a realidade — disse ela, para colorir o silêncio.
Ele deu de ombros.
— Só jogando conversa fora.
— Muito bem, então me diga a sua idéia de realidade.
Depois de usar a força de vontade para parar de olhar aquela deusa à sua frente, Harry começou:
— O céu é sempre azul e o sol mais vermelho do que quente. Ninguém precisa se preocupar com rou­pas para obter o sucesso, porque a palavra-chave passa a ser "conforto".
— Menos é mais? — ironizou ela.
— Não. Conforto. Afinal as pessoas gostam da idéia de tecidos macios e sedosos contra a pele, não? Finalmente é possível tocar alguém especial livre­mente e esse alguém corresponder.
Ele reparou que a respiração dela aumentou.
— Muito interessante. Mas por que você faz tudo soar como um sonho dos anos sessenta?
— Talvez porque nessa época se dava mais vazão aos sentimentos e prazeres. Não para fazer amor o tempo todo, mas para apreciar a idéia de estar com aquela pessoa.
Ela teve a impressão de que a temperatura am­biente aumentou vários graus. Remexeu o corpo, à procura de uma posição mais confortável.
Harry observou-a movendo-se como que em câmara lenta e sentiu o próprio corpo manifestar-se.
— Você não gostaria desta minha nova realidade? Talvez seja uma fantasia, mas a idéia de ver os próprios sonhos realizados é tentadora.
Se ele apenas soubesse quão tentadora era para ela...
— Muito bem, então. Concordo que é tentadora. Está satisfeito agora?
— Claro que não. Não existem coisas que gostaria de tocar? Ou algo que não tenha tocado por um motivo ou por outro?
— Ainda não. Por favor me desculpe — disse ela, levantando-se.
Apanhou a lanterna que Brandon lhe entregara e saiu.
O sorriso de Harry aumentou. A moça parecia estar com muita pressa para deixar sua companhia.
— Definitivamente estou conseguindo alguma coisa.
--- Esse sujeito tem mesmo topete — resmungava baixinho Mione, andando pelo andar térreo.
Parou ao lado do balcão de cosméticos. Reparou que havia ali algumas mulheres conversando com a vendedora. Olharam para ela e sorriram.
— Venha ver o que fizemos — convidou uma das mulheres, afastando-se para revelar uma jovem sen­tada no tamborete de maquiagem.
As outras rapidamente se apresentaram, e ela ficou sabendo que se chamavam Gina, Renee, Janis e Irene.
Mione demorou um instante para perceber que a jovem mulher na banqueta não era outra senão Lisa Winslow. Um toque sutil de sombra aumentara os olhos, e uma aplicação de blush realçou os inalares.
— O que acha? — indagou a garota, sorrindo cheia de charme em seu batom cor-de-rosa.
— Acho que seu pai vai ter um ataque cardíaco quando olhar para você — começou Mione, obser­vando o sorriso murchar. — E acho também que os rapazes vão brigar um bocado por sua causa.
— É mesmo? — perguntou ela, feliz com o elogio, admirando-se no espelho. — Parece que tenho pelo menos quinze anos de idade.
— Não tenha muita pressa de crescer, Lisa. Antes que você perceba, vai chegar o dia em que você vai desejar voltar alguns anos.
A garota olhou para ela como se no caso dela fosse uma coisa completamente impossível.
— Avisaram a todas nós e ninguém ligou, não foi? — comentou Irene. — Eu pelo menos, não liguei.
— Gostei de trabalhar com Lisa — disse a maquiadora. — Desculpe, mas está tão monótono por aqui.
Mione olhou em volta.
— Por que não fazemos uma maquilagem capri­chada em cada uma? Só porque estamos trancadas aqui não quer dizer que a gente não deva ficar o mais bonita possível — sugeriu ela, com voz animada.
Todos concordaram e puseram mãos à obra. Dez minutos depois, quando o subgerente passou pelo local, ficou contente em ver que pelo menos alguns dos clientes não se ocupavam em reclamar.
— Vamos experimentar as cores que a gente não usaria normalmente — disse Mione, estudando a bandeja com todas as tonalidades de amostra.
Ligou a lanterna.
— Muito bem, você perde o casamento e resolve fazer maquiagem — provocou Gina. — Tem certeza de que quer casar?
— Claro que sim — respondeu Mione voltando-se para a companheira de infortúnio. — Por que per­gunta uma coisa dessas?
— Essa é fácil de responder. Vi o jeito que aquele bonitão olhava para você. Pode acreditar: se um ho­mem olhasse para mim daquele jeito, eu não ia de­morar nem um minuto para grudar nele.
Mione estudou o rosto da outra.
— Você deve estar enganada — sentenciou ela, esperando encerrar o assunto com isso.
— Aqui está alguém que devemos alegrar — anun­ciou Lisa, trazendo Sônia pela mão.
— Ótima idéia — concordou apressadamente Mione.
Sônia olhou para as outras reunidas ao redor dela desconfiada como um coelho rodeado de raposas.
— Só uso batom aos domingos — explicou ela.
— O que significa que já é hora de mudar — insistiu Irene, aproximando-se. — Veja só que pele bonita, macia. Só espero poder conservar a minha assim como você quando tiver sua idade.
Sob a supervisão da balconista adicionaram um pouco de cor às pálpebras, bochechas e lábios, além de rímel nos olhos.
Todas observaram quando Lisa entregou o espelho a Sônia.
— Meu Deus! Sou eu mesma?
— Veja a situação em potencial aqui — provocou Mione. — Se Eric não tomar cuidado, outro homem pode roubar você dele.
Sônia riu e observou seu reflexo. Depois pareceu pensativa.
— Vocês são capazes de me ensinar a fazer isso eu mesma?
Enquanto as outras instruíam a maravilhada se­nhora, Lisa observava alguém com atenção. Quando seu pai passou pelo grupo, ela lhe chamou a atenção:
— Papai! Olhe para mim!
Mione observou passo a passo a reação no rosto paterno. A última coisa que a filha precisava era de um sermão em público; quando os olhos dele cru­zaram com os de Mione, esta pediu sem palavras um pouco de compreensão. Ele abriu a boca e res­pirou profundamente antes de falar.
— Estou me sentindo velho.
— Quer dizer que pareço mais velha? — quis saber Lisa, com um brilho nos olhos.
— É, mas não conte à sua mãe que eu disse isso — Harry olhou para as mulheres ao redor. — Me digam que isso sai fácil.
— Infelizmente, sim.
— Um visual interessante — comentou ele, obser­vando a filha. — É isso o que está na moda esta estação?
— Chama-se antes-e-depois — esclareceu Mione, voltando-se para o espelho e espalhando sombra no olho ainda sem pintura.
Harry ficou observando por sobre o ombro dela até que terminasse.
— Isso é o que eu chamo de sexy.
Mione corou imediatamente, esperando que ele atribuísse a diferença de cor à pintura. Ele conti­nuava a examinar os batons.
— Você não precisa se preocupar com esses. Não acho que ficaria nos lábios por muito tempo.
— Não faça isso — pediu ela, em voz baixa.
— Isso o quê?
— Você sabe muito bem sobre o que estou falando. Não diga coisas como as que disse.
Harry aproximou-se tanto que seus lábios aflora­ram a orelha dela.
— Existe um motivo para que eu diga essas coisas. Mesmo assim, se quiser colocar batom, sinta-se à vontade. Da forma como vejo, só está convidando alguém a tirar com um beijo. Quer ver?
Ele afastou o corpo para que ele pudesse ver o cartaz de propaganda. Mione teve de forçar a vista e a proximidade do corpo de Harry atrapalhou sua concentração, mas por fim entendeu o que ele qui­sera dizer.
Pinte seus lábios da cor mais "beijável" e veja se ele aceita o convite.
Devagar, ela colocou a embalagem de volta ao balcão. As imagens dele. beijando seu batom eram mais do que poderia controlar no momento.
O sujeito podia saber como atingir o ponto certo para irritá-la, mas uma coisa Mione precisava ad­mitir: ele certamente sabia beijar.

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