VIII



Quando Harry chegou em casa, Gina estava deitada. Não foi até a janela ver as luzes dos faróis se aproximarem, mas acompanhou o ruído surdo do motor enquanto o carro se dirigia para a garagem. Com quem ele teria passado a noite? Perguntou-se com amargura.
Naquela tarde, ao voltar com Cho a Matlock Edge, soube por intermédio da Sra. Gittens que Harry telefonara avisando que não estaria de volta até a hora do jantar. Segundo ele, iria tratar de negócios em Leeds, mas Gina já havia escutado a mesma desculpa antes. Apesar disso, foi com certa satisfação que testemunhou o desapontamento de Cho ao verificar que a mesa fora posta apenas para duas pessoas.
- Seu tio sempre costuma jantar fora? - ela quis saber, ajeitando a alça do elegante vestido preto que usava.
Gina encolheu os ombros.
- Às vezes, sim. - respondeu.
Cho esboçou uma expressão de contrariedade, enquanto sentava-se resignadamente.
Gina descera para jantar vestindo a mesma roupa com que fora a Manchester e, sob os olhares de Cho, sentia-se dessarrumada e nada elegante, perdendo até mesmo o pouco apetite que tinha. Esforçou-se, porém, para comer um pouco.
- Algum problema, garota - perguntou a sra. Gittens. - Você não costuma recusar a minha comida.
Gina evitou o olhar de Cho.
- Almocei, não almocei?
- Se muito, um pouco de salada. - retrucou a Sra. Gittens. - Comida de coelhinho. Como é que uma moça desse tamanho sobrevive com...com alface e salada de feijão? Cook preparou uma boa sobremesa, não quer experimentar?
- Sobremesa? Eu aceitaria queijo e biscoitos, pode ser? Perguntou com água na boca. - Sinceramente, Sra. Gittens, estou sem fome. Mais tarde como uma fruta.
- Humm... Fez a velha senhora, desconfiada.
Assim que a ara. Gittens se retirou, Cho Chang aproveitou a oportunidade para zombar da teimosia de Gina;
- Levou a sério o que eu disse sobre peso e dietas de emagrecimento? Observou, segurando o copo de vinho entre as duas mãos e girando-o de um lado para o outro. - Não se preocupe, querida, tudo tem seu tempo certo.
- Eu sei que tem - disse Gina, não querendo revelar a verdade de seu mal-estar.
Cho soltou um risinho.
- Nunca tive problemas de peso - disse. - Sempre fui esguia, desde os dezesseis mios. Sabe, as melhores roupas não ficam bem em pessoas gordas.
- O tamanho das roupas não me preocupa.
- No entanto tem de concordar que os estilistas atualmente, favorecem as magrinhas. Sem dúvida, é um problema para as pessoas que tem tendência para engordar.
- Não é o meu caso! - exclamou Gina.
- E por que resolveu fazer regime? Perguntou Cho sorrindo.
Gina não teve nenhuma resposta educada para dar. Então, simplesmente ficou quieta. Agora, deitada na cama, ouvindo o roncar do motor do carro de Harry, Gina teve o impulso de sair da cama e ir ao encontro dele, como costumava fazer quando mais jovem. Mas agora lhe faltava coragem. Em outros tempos, nas noites em que mal conseguia dormir, descia as escadas pé ante pé tão logo ouvia a porta da frente se fechar, ria quando Harry levava o dedo indicador à boca, pedindo-lhe silêncio. Desde o incidente da piscina, entretanto, receava repetir esse delicioso ritual... Afastou de lado a coberta, percebendo, com profunda frustração, que aqueles dias de gostosa intimidade com Harry já iam longe no passado... A contragosto, a lembrança do que acontecera naquela manhã voltou a atormentá-la. Harry havia ficado furioso e agiu como se a culpa pelo beijo fosse dela e, no entanto, ao beijá-la apertou-a fortemente, de modo que, se quisesse, não conseguiria livrar-se dos braços dele. Era como se ele a punisse, como se punisse a si próprio ao mesmo tempo, possivelmente tivesse perdido o controle sobre os sentidos.
Tocou os lábios levemente e com delicadeza, como se assim pudesse reviver a intensidade daqueles instantes. Achava curioso o fato de que nos últimos dois dias, havia recebido dois beijos diferentes, sabia, ao menos instintivamente, que apesar da agressividade do beijo de Cedrico, o de Harry foi mais perigoso... Um barulho surdo anunciou que a porta da frente acabava de ser fechada. Gina apurou os ouvidos para captar o ruído dos pés dele subindo os degraus. Ele não subia de imediato indo possivelmente, como de hábito, tomar leite na cozinha. Ela costumava acompanhá-lo, ficava sentada no canto da mesa, os olhos brilhantes fixados nele... Suspirou fundo e deitou de bruços. Por causa do calor. Adorava deitar-se nua, apesar das repreensões constantes da Sra. Gittens. Apoiou a cabeça no travesseiro e tentou adormecer.
Estremeceu em seguida ao ouvir os passos de Harry na escada e depois no corredor Um breve instante de silêncio e repentinamente, a porta do quarto abriu-se. Surpresa, Gina quase prendeu a respiração enquanto um faixo de luz atravessava o cômodo e iluminava a cama. Logo a luz desapareceu e a porta se fechou novamente.
Na manhã seguinte, o pequeno incidente pareceu-lhe um sonho, talvez fosse... Harry costumava vê-la antes de se recolher. Afinal, ele achou que ela dormia e não ousaria tocar no assunto embaraçoso da nudez. Apesar de pensar assim, corou visivelmente tão logo ele entrou na para tomar o café da manhã.
- Desculpe - disse ele, sentando-se do outro lado da mesa, frente à Gina, e fitando-a intensamente.
- Desculpe? Ela murmurou, segurando uma fatia de torrada os dedos trêmulos. - Como assim? Perguntou, querendo parecer normal enquanto se servia de geléia. - Sempre desce atrasado para o café. Como vê, a srta. Chang também ainda não desceu.
- Não falo sobre o café da manhã, e você sabe disso - afirmou Harry incisivo. - Gina, quer parar de fingir que vai comer essa torrada?! Já passou duas espessas camadas de geléia como se ainda não tivesse passado nada. Ponha a faca na mesa, a torrada no prato e olhe para mim. Olhar não machuca.
Gina limpou os dedos no guardanapo sem nada comentar e olhou para Harry.
- Não sabia que ia entrar no meu quarto... A noite estava quente... Não conseguia pegar no sono toda coberta...
- Ontem à noite você estava acordada? Perguntou ele, estreitando os olhos verdes.
- Sim - respondeu, num suspiro.
- Mas ficou calada.
- Fiquei. O que é que eu dia dizer? Boa noite, Harry?
- Porque não?
- Se eu entrasse no seu quarto e o visse nu, me diria simplesmente boa noite?
Harry baixou a cabeça.
- Por que não? E você, faria a mesma coisa?
- Como assim?
- Não estamos falando de mim.
- Não
- Nem mesmo sobre a noite de ontem. É sobre o que aconteceu ontem de manhã... Desculpe-me por isso. Depois de pensar um pouco, compreendi que a culpa foi minha, não sua.
- Ninguém tem culpa - ela afirmou, suspirando. - Não fui a primeira garota a ser beijada por você e não espero ter sido a última.
- Gina, você não é a garota que pensa ser. É minha sobrinha. E quem merece um castigo sou eu, não você.
Hesitante, Gina mordeu o lábio.
- Harry, não somos parentes...
- Não somos?
- Você entendeu o que quis dizer.
- Sim, entendi. - concordou com gravidade. - Acontece, Gina, que a considero minha sobrinha. Outro tipo de relação seria inaceitável. Subitamente, explodiu num riso. - Já imaginou o que diria mamãe, se viesse a saber o que aconteceu?
- Bom, eu não peço desculpas - disse, agarrando a toalha da mesa.
- Pois devia! - exclamou Harry, puxando a cadeira para trás. - Estou começando a achar que essa aventura com Cedrico lhe deu um certo gosto pelo melodrama. Não me venha com artimanhas, Gina. Sou capaz de voltar a pensar seriamente no assunto da escola.
- Harry, pare de me ameaçar com essa maldita escola! Explodiu. - É injusto! Tudo o que digo, tudo o que faço é motivo para essa conversa! Se quer me mandar para Genebra, então me mande logo.


Continua...

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.