VII
Depois de tomar banho e trocar-se, Harry partiu para Bradford, onde teria um encontro de negócios. Saiu sem sequer tomar um gole de café, conforme a Sra. Gittens informou.
- Saiu correndo, pegou o carro e sumiu na estrada - comentou a velha senhora com Gina, ao servir uma bandeja com o café da manhã. - Parecia que tinha visto o diabo! O que é que você andou dizendo a ele, hein? Aposto que o mau humor dele tem a ver com o passeio que vocês fizeram hoje cedinho.
- Como é que posso saber? Replicou Gina com firmeza, as mãos cruzadas e inquietas por debaixo da mesa. Ela não diria a verdade nem mesmo a Sra. Gittens, que cuidara dela desde pequena. Não confiaria a ninguém seus sentimentos a respeito de Harry!
Cho Chang desceu durante a refeição, vestindo uma blusa fina e sem manga e calçando sandálias de tira.
- De manhã só tomo uma xícara de café - garantiu a Sra. Gittens, olhando o prato reforçado de ovos com bacon de Gina. - As mulheres precisam controlar as calorias - observou, imaginando estar dando um valioso conselho à adolescente.
Gina, cujo apetite desapareceu a partir desse momento, recostou-se- na cadeira, desistindo de comer. A contragosto, permaneceu à mesa enquanto esperava Cho Chang tomar três xícaras de café preto e respondia às perguntas dela sobre a rotina em Matlock Edge. Conservando em mente os conselhos de Harry, Gina tentou ser cortês, ao que Cho pareceu reagir positivamente com um ou outro sorriso amarelo, como se conhecesse os motivos da aplicação de Gina.
Quando afinal se deu por satisfeita, a Sra. Gittens sugeriu a Gina que mostrasse a casa a srta. Chang, para que esta fosse se familiarizando com o lugar em que começaria a viver. Cho aborreceu-se logo com a monotonia daquela excursão sem atrativos e propôs que passeassem pelos jardins.
Dando de ombros, Gina concordou e escoltou-a, mostrando a quadra de tênis e dando-lhe tempo para admirar os ornamentos de pedra da estufa, construída em 1924 pelo avô de Harry para a esposa que adoecera.
Evidentemente, Cho encantou-se com a piscina e, por sua sugestão, as duas trocaram de roupa e passaram um bom tempo brincando na água.
- Por que não corta esse cabelo? Indagou Cho, enquanto deitavam ao sol nas espreguiçadeiras. - Cabelos compridos saíram da moda - acrescentou. - Talvez lhe ficasse bem um tipo de corte igual ao meu.
Gina não respondeu nada, embora não rejeitasse de todo a idéia. Sempre tivera cabelos compridos e gostava deles tal como eram. Mas se cortar era a vontade de Harry, que poderia fazer senão satisfazê-lo?
Os comentários de Cho sobre seu corpo também a perturbaram. Gina compreendeu que o biquíni que comprara no ano passado não era mais adequado e, com efeito, a parte de cima já não lhe escondia os seios já desenvolvidos. Mas no ano passado esse problema não existia...
No decorrer do almoço, Cho mostrou-se de novo curiosa a respeito do modo de vida de Harry. Usando como justificativa que as informações a ajudariam a preparar Gina para o futuro, conseguiu saber que ele integrava a diretoria de uma série de empresas e que, além de Matlock e do apartamento de Londres, possuía uma casa de campo no sul da França e um palácio em Veneza.
- Fantástico! - ela exclamou, deslizando a língua pelos lábios secos. - Você teve sorte de ser adotada por ele. Nem todos os tios são generosos como o seu.
- Harry não me adotou - Gina se apressou a esclarecer, lembrando das características de seu relacionamento. - Meu sobre nome é Weasley, como já lhe disse. A irmã de Harry casou-se com meu pai.
- Ora, mas que importância tem isso? Cho na verdade não se interessava pelo relacionamento do tio com a sobrinha. - Duvido que seu pai tivesse condições de lhe oferecer uma vida maravilhosa como essa. Difícil vai ser encontrar um bom partido para você.
- Não quero partido nenhum!
Gina começava a se irritar, mas Cho Chang não lhe deu ouvidos.
Logo no início da tarde, estavam em Manchester, Gina sentia-se apreensiva com o desenrolar daquele passeio. Roupas nunca foram objeto de seu interesse, e sua única preocupação era adquirir exatamente aquilo que a deixasse à vontade. Jeans, evidentemente, sempre a deixavam à vontade, e a perspectiva de comprar roupas mais "femininas" não a entusiasmava.
Miles deixou-as em Picadilly, combinando que voltaria dali a três horas para apanhá-las. O rapaz lançou um olhar de solidariedade para Gina, enquanto Cho a guiava para fora do carro. Seria melhor, pensou Gina, lutar contra a impertinência de Cedrico que andar de loja em loja ao lado de Cho...
Cho passou reto pela seção de moda jovem de uma loja de departamen¬tos. Torceu o nariz também para uma coleção de roupas extravagantes e de mau gosto penduradas em cabides e, embora Gina tivesse se sentido atraí¬da por um dos vestidos, Cho não lhe deu atenção.
- Não vai querer parecer uma mulher de vida fácil, não é? Ela comentou secamente, saindo da loja à frente de Gina, que pouco ligava com o que pudessem pensar dela.
Passadas duas horas, o guarda-roupa de Gina já estava bem reforçado. Justiça fosse feita a Cho: no que dizia respeito a roupas, tinha realmente bom gosto, e o par de vestidos, a saia de camurça marrom e a túnica para noite, eram peças muito bonitas. Tudo o que Gina escolhera, porém, fora criticado enfaticamente, mesmo peças simples como blusas ou suéteres. A moça havia insistido em que deixasse "tudo por minha conta" e, embora se sentisse zonza de tanto experimentar roupas, Gina estava satisfeita, principalmente porque, com certeza, Harry aprovaria as escolhas de Cho.
Quando tomavam uma xícara de chá na lanchonete de uma das lojas, Cho avistou um salão de beleza.
- Humm... Agora o toque final - anunciou, dispensando o argumento de Gina de que o cabelo poderia ser cortado noutro dia. ¬Não quer que seu tio se sinta orgulhoso da sobrinha que tem? Pois então venha comigo. Afinal, não vai demorar tanto assim!
O cabeleireiro, assim que as viu entrar, correu para atendê-las.
- Quer cortar o cabelo... - ele comentou, meio ao acaso, enquanto examinava a forma do rosto de Gina. - Seu cabelo está todo quebrado e ressecado, minha querida. Mas farei o que puder para deixá-lo como deveria estar - concluiu.
Cho fez um sinal afirmativo com a cabeça.
- Ótimo. Volto dentro de uma hora. Ah, sim, mande a conta para o Sr. Harry Potter, em Matlock Edge.
- Matlock Edge? Repetiu ele, franzindo a testa. - Oh, sim, já ouvi falar do Sr. Harry Potter. Pois não, madame, não se preocupe. Confie no trabalho de Ricardo...
- Cho, você acha que... - Gina interrompeu-se, pois Cho retirou-se sem lhe dar atenção. Tanto melhor, pensou: não gostaria que ela ficasse dando palpites.
- Queira acompanhar-me - disse o cabeleireiro.
Gina seguiu o homem até o salão do fundo, com uma sensação de desespero. Não seria melhor telefonar para Harry e consultá-lo? Não seria melhor pedir-lhe que pelo menos os cabelos continuassem ao natural? Não, não... Além do mais, onde o encontraria àquela hora?
Nem mesmo a presença de outras moças no salão a confortou, porque todas estavam ali de livre e espontânea vontade. Ela não. Estava ali por coerção, por chantagem!
- Algum problema, senhorita?
- Oh, não, não - respondeu ao homem que lhe indicava a cadeira vazia. Fitou a imagem refletida no espelho. - É que... Não sei se devo cortar, entende?
- Sua mãe tem toda a razão - ele disse, sorrindo.
- Minha mãe! Não, ela não é minha mãe - explicou Gina, enrubescendo e divertindo-se com o comentário. - Aquela mulher é... é apenas amiga do meu tio. Ela acha que sabe melhor do que eu o que é bom para mim.
- Compreendo - disse o cabeleireiro e girou a cadeira para olhá-la de frente. - Vou lhe mostrar uma coisa, está bem? Espere um instante. - Ergueu a mão. - Por favor, um momentinho só.
Quando voltou, trouxe uma peruca, quase da mesma cor do cabelo de Gina, curta e lisa, exatamente no estilo recomendado por Cho.
- Vou enrolar o seu cabelo para cima, espere um pouco - disse ele, enquanto torcia o cabelo e o puxava para o alto da cabeça. - Agora colocamos a peruca... Assim. Prontinho. Assim, a senhorita pode ter uma idéia do que a amiga do seu tio quer.
Gina perdeu a respiração instantaneamente. Só então compreendeu o quanto o cabelo era responsável pela aparência de uma pessoa. Era como se estivesse diante de outro rosto, de outra pessoa, e não gostou nada da mudança. Nada!
- Vê? O seu rosto não é fino e anguloso como da sua amiga ¬explicou Ricardo. - É mais cheio, mais jovem. Quando ficar adulta talvez esse corte vá bem, mas não agora. Sugiro que me permita aparar as extremidades, só para lhe dar, digamos, certo estilo. Cortá-lo curto seria um sacrilégio! Seu cabelo é lindo, lindo! Gosta dele assim?
- Adoro!
Lembrando-se das observações de Cho durante o café da manhã, não pôde senão concordar com o cabeleireiro, pois via com desagrado as curvas acentuadas dos ombros junto ao pescoço. O cabelo comprido as escondia e portanto não era conveniente cortá-lo. Muito provavelmente Cho também o notou, e por isso aconselhara o corte. Não fosse a sensibilidade de Ricardo, decerto acabaria parecendo gorda e deselegante.
Quando, cinqüenta minutos depois, Cho retomou, Gina estava sentada na sala de espera folheando uma revista. Nunca se sentira tão aliviada em toda a vida e até mesmo a explosão de Cho não conseguiu fazê-la perder a tranqüilidade.
- Está cortado, madame - afirmou Ricardo, respondendo ao interrogatório grosseiro de Cho. - A jovem não quis cortá-lo curto e concordei com ela. Não era o mais indicado.
Cho mordeu o lábio.
- Mas o que é que você fez, então?
- Aparei as extremidades apenas um pouco, acertando as pontas.
Agora não vai se embaraçar. Lavei-o e sequei-o também. Um serviço cuidadoso, madame, posso lhe assegurar.
- Não acha que ficou lindo, srta. Chang? Perguntou Gina polidamente, esforçando-se por não cair na risada.
- Por enquanto - disse Gina, fitando-a com indiferença. ¬Vamos embora que Diggory nos espera. - Voltou-se para Ricardo. ¬Direi ao Sr. Potter que o senhor lhe enviará a conta.
- Pois não, madame - disse Ricardo, inclinando a cabeça para frente, aparentemente ignorando a censura implícita no timbre de voz da freguesa.
Quando saíram do salão, Gina notou que Cho estava com os nervos à flor da pele. Esperava apenas que Harry também não se irritasse.
Continua...
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