V
- Gina - continuou Harry, a propósito, gostaria que tratasse nossa hóspede com mais cortesia e respeito. Já a desculpei por tê-la apanhado no Land Rover, e Ângela também a desculpou. Mas prometa-me que não fará mais coisas dessa natureza... Estou sendo claro?
- Muito claro - retrucou Gina, enrubescendo. - E agora, caso queiram discutir meus defeitos, se me permitem, vou me recolher. Estou cansada.
- Gina! - exclamou Harry, num tom de advertência.
Gina levantou, puxou a cadeira para trás e o encarou.
- Está bem! Vá para o quarto. Amanhã cedo conversaremos.
- Boa noite, srta. Chang - disse Gina num esforço sobre-humano e, mantendo a cabeça erguida, saiu da sala.
Quando chegou ao quarto, as lágrimas saltaram-lhe dos olhos. O jantar tinha sido um desastre! Tudo fora um desastre! E receava que o dia seguinte, assim como todos os outros, se transformasse num verdadeiro inferno.
O cavalo mastigou ruidosamente o torrão de açúcar que Gina lhe deu e aguardou ansioso que ela lhe desse mais.
- Desculpe, Niko - murmurou, acariciando o focinho macio do animal, acabou. - Mas trouxe-se um pouco e sorriu: - Devia me agradecer! Sabe que o açúcar estraga os seus dentes?
Niko relinchou como se respondesse e mordeu o colarinho da camiseta de Gina, puxando-a carinhosamente. Era o cavalo de Harry, mas desde que Gina chegou a Matlock, havia se apegado muito a ela.
Pena que ninguém mais cavalgasse, pensou Gina. Quando ainda era pequena, Harry deu-lhe um pônei de presente e ensinou-a a montar. Juntos percorreram vales e subiram as colinas de West Riding. À medida que foi crescendo, porém, Harry começou a se esquivar, afirmando que os compromissos o impediam de montar com ela. Quando eventualmente saíam juntos eram sempre acompanhados de visitas. Gina chegou a cavalgar sozinha, mas Harry proibiu esses passeios.
Pouco tempo depois ganhou a motocicleta e, aos dezessete anos, quando aprendeu a dirigir veículos, esqueceu-se completamente dos animais. Mas, quando se sentia deprimida, ia sempre visitar Niko.
Estava distraída e levou um susto quando, de repente, ouviu vozes masculinas. Enrijeceu o corpo ao reconhecer o timbre grave da voz de Harry. Ainda não eram sete horas da manhã, e mesmo tão cedo não lhe era permitido um instante de paz e solidão!
Embora as vozes fossem audíveis, não pôde compreender o significado das palavras. Talvez fizesse bem em deixar o estábulo pelos fundos, para que ninguém a visse.
Antes de dar o primeiro passo, um vulto escureceu a luz da entrada. Ela parou, imobilizada, sem vontade de voltar-se e cumprimentar Harry, como se nada tivesse acontecido na noite passada.
- Gina! - ele chamou, a voz branda e calma.
Gina continuou acariciando a testa de Niko, sem responder.
- Gina - repetiu. - Quero conversar com você. Faça pelo menos um esforço para me olhar de frente!
Gina virou-se abruptamente, encarando-o, inexpressiva.
- Sim? O que quer me dizer? Convidou a srta. Chang para montar e veio me pedir para que lhes faça companhia? Desculpe, hoje não tenho vontade de montar.
Harry fitou-a estreitando os olhos. Gina sentiu um friozinho percorrer-lhe o estômago.
- É uma pena, porque ia convidá-la para cavalgar comigo. Mas, claro, se não tem vontade...
- Não acredito em você.
- Você é que está me dizendo...
- Entendeu muito bem, Harry. - Desviou o rosto. - Não acredito que tenha vindo me convidar para cavalgar. Nem sequer se vestiu para isso. .
- Não ligo para roupas - Harry justificou, encolhendo os ombros.
- Quer dizer que gostaria de cavalgar comigo?
Ela deu de ombros, enquanto lançava o olhar para as calças que usava.
- A srta. Chang também foi convidada?
- Não.
- Não? Ergueu o olhar.
- Não - ele repetiu, olhando na direção do pátio atrás dela. ¬Então, quer vir comigo ou não? Disponho de pouco tempo.
- Acho que sim.
- Ótimo. McLintock já selou Marnie. Procure-o enquanto preparo Niko.
Gina parou ao lado dele, inconformada.
- Não estava certo de que eu ia aceitar, não é?
- Não perca tempo - disse, afastando-se. - Às dez horas preciso estar em Bradford.
Gina desejou ter recusado o convite, desejou dizer-lhe que cavalgasse sozinho, mas não conseguiu. Seria uma pena perder a oportunidade de ficar sozinha com ele.
Quando Harry saiu com o cavalo negro, Gina já estava montada em Marnie. Harry abriu o portão que ficava no final do estábulo e lentamente passaram por ele em direção aos campos.
A manhã ensolarada antecipava o calor do dia que mal começava. Marnie, com o consentimento de Gina, galopava livremente pelo prado, seguida por Niko. Até aquele momento, Harry pareceu mais interessado em entregar-se à cavalgada, mas subitamente alcançou Gina e segurou as rédeas de Marnie, fazendo-a parar.
- Muito bem, agora vamos conversar, sim? Embora o passeio esteja agradável, tenho trabalho pela frente.
Gina hesitou um instante e então apontou para o filete de água que descia pelas pedras alguns metros adiante.
- Vamos desmontar e sentar ali? Sugeriu, desmontando sem esperar a resposta.
Harry seguiu-a depois de uma breve pausa.
- Pessoalmente, preferia ficar sobre a sela. A grama está molhada.
- É só o orvalho - ela replicou, alisando o corpo de Marnie. Aspirou fundo e suspirou. - Humm, que aroma delicioso, não acha?
Harry deu de ombros, enquanto aproximava-se dela.
- Existem aromas ainda mais doces - observou, caminhando até o fluxo de água. - Sabe que eu costumava pescar neste riozinho quando era menino? Nunca entendi por que não peguei um peixe sequer.
- Talvez usasse a isca errada - disse Gina, detendo-se ao lado dele. - Eu costumava brincar aqui, quando a Sra. Gittens deixava. - Sorriu repentinamente. - Um dia ela ficou horrorizada porque arranquei minha roupa.
Harry olhou-a com censura.
- Você tem o hábito de fazer isso, não tem? Comentou, fazendo Gina corar imediatamente. - Essa é uma das coisas que, espero, Cho corrija. Mas não é sobre esta e outras práticas que quero conversar agora.
Gina mordeu o lábio.
- Me trouxe aqui para falar sobre Cho Chang?
- Entre outras coisas, sim - confirmou. - Pensei que tinha entendido as minhas intenções ao convidá-la para montar. Gina, você precisa compreender a situação.
Continua....
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