Capitulo XXII





O quarto estranho em que Gina estava em Manchester não lhe ofereceria nenhum conforto. Harry havia transportado todas as suas roupas e objetos pessoais para o apartamento da mãe, que concondara em recebê-la por algumas semanas. Gina estava arrasada. Sentia falta de Matlock Edge, da familiaridade de seu quarto, onde começara a aprender a compreender a vida. Mas o pior era tolerar a ausência de Harry. A saudade parecia querer explodir em seu peito. As horas se arrastavam intermináveis, Gina cada vez mais triste e certa de que Harry jamais voltaria para buscá-la.

Muitas vezes perguntava-se o que faria se tivesse a oportunidade de voltar. Teria a coragem de seduzi-lo uma segunda vez? Ou, obedecendo-o, iria se afastar dele, ainda que seu desejo continuasse vivo?

Três semanas atrás, quando Harry a levara para ficar com a mãe dele, desejou do mais íntimo de seu ser que estivesse carregando no ventre um filho dele. Só assim ele poderia aceitá-la e, através da convivência, aprender a amá-la. Mas o tempo destruiu também essa esperança.

Batidas na porta anunciaram a presença da sra. Potter, que entrou no quarto já vestida para sair.

- Voltarei às seis horas - disse, colocando suas luvas de pelica. - Se sentir fome, pode comer os sanduíches que estão na geladeira. A sra. Henley virá fazer o jantar, por isso não se preocupe em lavar os pratos.

- Não me incomodo de lavá-los.

- Sei que não, é que não gostaria que você quebrasse mais algumas das minhas porcelanas chinesas. A sra. Henley é cuidadosa e, afinal, é o trabalho dela.

- Pois não, sra. Potter.

Gina afastou-se da janela para olhar de frente a mãe de Harry.

- Estarei de volta assim que for possível - disse a mulher, fitando Gina.

- Não corra por minha causa - Gina falou. Afinal, era um alívio ficar livre da mulher. Que jogasse bridge dia e noite, quanto mais tempo se ausentasse, melhor, pensou.

- Fico contente por estar se comportando como gente civilizada - observou a sra. Potter.
- No Santa Helena lhe ensinarão muitas coisas boas.

- Harry tem lhe falado sobre o colégio? Quis saber, imaginando por quanto tempo ainda teria de morar ali.

- Harry está providenciando para que você vá para lá no início do outono, daqui a duas semanas. Ora, ora; ele me pediu para não comentar isso...

- Duas semanas!

- Gina, não será o fim do mundo! garantiu a mulher com impaciência. - Quanto a mim, acho que ja é tempo de você ir para a Suíça. Onde já se viu! Que inseiatez mantê-la em Matlock Edge todos esses anos!

- O que havia de errado comigo em Matlock? Quando era criança, nada... Mesmo quando adulta. Harry e eu... éramos muitos felizes!

- Disse bem: eram. Harry finalmente recobrou o bom senso. Eu estou contente pela decisão, pois temia qualquer coisa mais grave.

- Que quer dizer com isso?

- Não sou tola, garota! Tenho sessenta anos, mas não estou caduca. Você é uma moça atraente e Harry, na minha opinião, sempre se interessou demais pelo sexo oposto.

Gina começou a respirar com dificuldade.

- A senhora acha que eu e Harry... Não conseguiu terminar a frase e começou a rir descontroladamente.

A sra. Potter fitou-a perplexa, como se estivesse diante de uma louca.

- Pare já com isso, Gina! E deu um passo na direção dela. - Pare com isso já! Sempre achei que Harry não devia ter se envolvido com você. O fato de a minha irmã ter cometido a insensatez de casar com o seu pai não era motivo para ele levar você para
Matlock Edge.

O riso de Gina morreu na garganta com a mesma naturalidade com que nasceu. Furiosa, cerrou os punhos e deu as costas à mulher.

- Por favor, vá embora, sra. Potter.

Ao deixar o quarto, a mãe de Harry resmungou qualquer coisa pisando ruidosamente no chão.

Sozinha com seus pensamentos, Gina deixou o quarto e começo a andar de um lado para o outro no corredor que levava à sala de estar. Por fim foi para lá e sentou-se num sofá forrado com um tecido listrado de muito mau gosto.

Nunca se sentira tão solitária, pensou consigo. Não contava nem mesmo com o consolo de um amigo com quem pudesse desabafar. Ali, em Manchester, estava isolada de todos.

Descansando o queixo entre as mãos, fitou o vazio. As palavras da sra. Potter como que lhe antecipavam um futuro tristonho. Possivelmente, nada lhe diria pessoalmente até o momento da partida. No Natal completaria os seus esperados dezoito anos... Harry, sem dúvida não se lembraria disso. A única coisa que lhe interessava era livrar-se dela de uma vez por todas, mas era educado demais para admitir abertamente. Talvez fosse uma solução encontrar um trabalho e um lugar para morar... Quando ele viesse contando os planos para o futuro, ela o surpreenderia com sua independência.

Levantou-se decidida e voltou ao quarto. Abriu a gaveta da cômoda pegou a bolsa e nela guardou a carteira. Harry dera-lhe algum dinheiro quando veio trazê-la para Manchester, uma mesada, como ele explicara. Agora a dinheiro teria a sua utilidade... Sessenta libras eram suficientes para um quarto até encontrar um emprego, ganhar o próprio dinheiro e devolver a soma emprestada. Então não estaria mais devendo nada do passado a Harry.

Parou para pensar um pouco, tentando se certificar se era aquilo mesmo o que desejava. Com efeito, ficaria livre da tutela de Harry. Uma vez fora daquele apartamento, provavelmente jamais tornaria a vê-lo... as pernas tremeram terrivelmente ao vislumbrar essa perspectiva.

Mas quais eram as alternativas? Perguntou-se impaciente. Uma era em Genebra até completar dezoito anos... ou mais, e depois? Suspirou. Harry certamente não consentiria em que retornasse a Matlock Edge. Não. Ele deveria ter outros planos e outras surpresas para ela... talvez esperasse que conhecesse um homem e com ele se casasse, libertando-o tal como Cho previra, das mão dele...

Nos dias que se seguiram, passou boa parte do tempo livre percorrendo agências de emprego e visitando empregadores, atendendo aos anúncios colocados no jornal local.

A sra. Potter nada lhe perguntava sobre suas andanças, mas assim mesmo deixava transparecer no olhar certa curiosidade.

O emprego que finalmente encontrou não foi através da agência. Ao passar por um salão de beleza, Gina viu um anúncio afixado na vitrine e entrou para se informar, surpreendendo-se ao constatar que o empregador era o mesmo cabeleireiro que lhe cortara tão atenciosamente o cabelo.

- Tenho dois salões - explicou ele. - Tem certeza de que quer o emprego? Você não me parece estar precisando dinheiro.

- Está enganado - afirmou Gina, segurando firme a alça da bolsa.

- O senhor disse cinqüenta e seis libras? Por semana? O que terei de fazer? Nunca cortei cabelo de ninguém!

- Oh, minha querida, não será essa sua função - disse Ricardo. - Por isso perguntei se ia querer o emprego... Na verdade, é só para fazer os serviços de ajudante.

Gina sorriu, embora um pouco decepcionada.

- Mas aceito. Não sabe como é difícil encontrar trabalho quando não se tem prática.

- Claro que sei. Ricardo sorriu. - Está bem, Gina, a vaga é sua. Talvez tenha talento para ser cabeleireira. Eu lhe darei a oportunidade de mostrar o que sabe fazer depois de um treino.

- Obrigada! disse Gina, eternamente agradecida. - Quando começo?

- Venha amanhã cedo para se familiarizar com o salão. A minha estilista principal, Elaine, estará aqui. Apresento-as agora e vocês então combinam como farão.

- Não vou trabalhar com o senhor? Perguntou desapontada.

- Por enquanto, não. No futuro, talvez. Há uma moça no outro salão, que, parece, está grávida e precisará se afastar. Se ela sair, vamos ver se você ocupará o lugar dela.

Na tarde do dia seguinte, encontrou o que lhe faltava: um pequeno quarto numa casa vitoriana, não distante do centro da cidade. Nada elegante, mas limpo e barato. A sra. Fairweather, a proprietária, mostrou-se simpática ao recebê-la.

- Não é de Manchester, é? Perguntou a mulher, depois que Gina viu o quarto. - O que aconteceu? Brigou com o namorado, não foi? Sabe, aqui me aparece gente com todo tipo de problema. Mas não se preocupe. Vou cuidar para que se alimente direito, pois me parece magrinha demais!

Passados dois dias, Gina estava satisfeita com os resultados de sua aventura. Enquanto voltava para o apartamento à noite, deteve-se para se olhar na vitrine de uma loja. Com alguma surpresa constatou que a sra. Fairweather tinha toda a razão: emagrecera demais! Bem, pelo menos não precisaria mais se preocupar com as calorias.

- Onde esteve? Quisera saber a sra. Potter, assim que entrou no apartamento. - Harry procuro-a a tarde inteira. Disse que você tinha saído para fazer compras, mas mesmo assim ele não parou de telefonar.

- Harry telefonou me procurando? Perguntou, passando a língua nos lábios que secaram imediatamente.

- Não ouviu o que eu disse? Atendi este maldito telefone umas cem vezes. Bem, de qualquer modo, ele virá vê-la amanhã. É melhor não sair para não se desencontrarem.

Gina levou as mãos a boca.

- Amanhã? Repetiu. - Ele falou por que quer me ver?

- Não sei... imagino que por causa da escola de Genebra - disse a sra. Potter secamente.
- Não perguntei, para falar a verdade. Agora preciso ir andando, senão chegarei atrasada.

- Onde vai?

- Hoje de manhã não lhe disse que tinha um encontro no clube para jogar bridge? Na certa já se esqueceu.

- Oh, não me esqueci, não.

- A propósito, a sra. Henley deixou comida para você na geladeira.

- Oh, obrigada - Gina respondeu, com o pensamento voltado para a oportunidade de poder ficar sozinha. Não poderia haver melhor hora de escapar, principalmente agora que Harry despontava no horizonte. Claro que gostaria de vê-lo. Seu coração chegou a bater acelerado quando ouvira a sra. Potter pronunciar o nome dele. No entanto um encontro significaria apenas tocar numa ferida que ainda não tinha cicatrizado.

A sra. Potter saiu pouco antes das sete horas e Gina começou a arrumar as coisas apressadamente, pois desejava sair antes que voltasse. Colocou uma das malas junto da porta e, quando estava voltando ao quarto para apanhar a outra, a campainha soou. Por um momento ficou paralisada, mas logo lembrou que não poderia ser a sra. Potter.

Já estava perto da porta quando lhe ocorreu quem poderia ser... Tentando raciocinar rápido se viu com apenas duas opções: esconder as malas e abrir a porta ou simplesmente não atender, como se não estivesse na casa. Se ficasse quieta, sem fazer o menor ruído, fosse quem fosse, decerto desistiria e iria embora.

Mas havia esquecido de outra possibilidade, e foi com os olhos cheios de espanto e um nó na garganta que ouviu a chave girar na fechadura e a porta se abrir.

- Gina!

Gina recuou, indecisa ao ver Harry entrar na sala. Como não se lembrou que ele possuía uma chave?

- Gina! ele exclamou de novo, sem dúvida notando a mala quase junto da porta. - Que está havendo? Perguntou, fechando a porta e encostando-se contra ela. - Não finja que não me escutou!

- Claro que o escutei - ela falou, com a voz desaparecendo na garganta. - Não sabia quem estava em Manchester... Sua mãe saiu e fiquei sozinha.

- Isso lhe facilitou a conspiração - ele disse, olhando para a mala.

- Não há conspiração, Gina - retrucou, respirando pesadamente. - Estou de partida.

- Isso é o que pensa! exclamou, desencostando-se da porta. Passou por ela como um furacão, entrou no quarto dela e perdeu-se nos outros cômodos. Gina ouviu-o bater portas de guarda-roupas e armários e de novo reaparecer na sala, o rosto fechado e sinistro.

- O que andou fazendo? Perguntou Gina, avançando inconscientemente para perto dele. - Não roubei nada da sua mãe, só estou levando o que me pertence.




Continua...

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