Capitulo XVI



 Pink - So What



Assim que o Mercedes desapareceu na estrada, Gina começou a se arrepender de ter expulsado Harry do quarto daquela maneira. Passou o resto do dia preocupada a ponto de até mesmo se torturar imaginando possibilidades absurdas como a de o avião sofrer uma pane e provocar um terrível desastre. Na manhã do dia seguinte, porém, foi se acalmando voltando a realidade.
Mas sentia profundamente a ausência dele. Sem Harry a casa parecia outra. Mesmo as provocações de Cho não conseguiam abatê-la. Era como se estivesse vazia, insensível às emoções. Os dias transcorriam com lentidão, ainda mais monótonos com o tempo instável, chuvoso.
Nos dias ensolarados e quentes, as duas mulheres ficavam fora de casa grande parte do tempo, nadando na piscina ou tomando banho de sol.
Sempre com um livro na mão, Gina fazia o possível para evitar o combate com Cho embora, às vezes, fosse obrigada a obedecer algumas ordens que esta se achava no direito de dar.
Na quinta-feira o céu se carregou de nuvens de chuva e uma tempestade forçou-as a ficarem em casa. Cho não se cansava de vigiar os passos de Gina, pedindo-lhe que a informasse sobre tudo o que fazia ou pensava fazer. Gina foi se aborrecendo.
Na manhã de sexta-feira, acordou decidida a mudar a rotina. Em vez de esperar a Sra. Gittens acordá-la, levantou-se às sete horas em ponto vestiu um casaco de couro sobre a camiseta, desceu correndo os degraus da escada e saiu pela cozinha.
Satisfeita por sair sem ser vista, levou a moto até o meio do pátio e ligou o motor. Estava com sorte. Nem Cedrico, que costumava chegar àquela hora, se achava ali.
Sabendo que o rapaz costumava pegar a estrada particular para chegar a casa, achou melhor ir pelo prado, embora este ainda estivesse lamacento devido às chuvas recentes. Suas pernas em pouco tempo ficaram imundas, mas não importava. Pela primeira vez, desde a partida de Harry, sentia-se revigorada.
Depois de passar pelo bosque vizinho, tomou a estrada de Starforth, logo parou para examinar se aquele percurso difícil havia causado estragos na moto. Tanto quanto era capaz de perceber, nada havia de errado além da lama, que, depois, seria fácil de limpar. Seu jeans, completamente encardido, na certa lhe daria mais trabalho.
O tráfego intenso da manhã tornava perigosa a estrada principal. Após percorrer alguns quilômetros, Gina pegou um desvio e continuou por uma estrada de terra, alguns quilômetros antes da aldeia. Pelo menos ela agora estava livre do incômodo barulho dos motores de automóveis e dos caminhões.
Continuando, atingiu outra aldeia chamada Shipwell e resolveu encostar a moto para ler a placa de orientação. Evidentemente, a partir daquele ponto podia andar e pegar a estrada para Bishopston, que se situava a alguns quilômetros de Matlock Edge, na direção oposta; com isso completaria um circuito, parecia bastante completo pela área, sem se afastar demasiado das terras de Harry.
Estava a mais ou menos no meio do caminho que conduzia a Bishopston, quando o motor da motocicleta começou a falhar, ameaçou parar e, instantes depois, finalmente pifou. Apesar de todos os seus esforços, não conseguiu fazê-lo funcionar de novo. Derrotada, passeou o olhar pelo vazio que a rodeava. Como era vulnerável! Pensou. Estava longe de tudo e só um milagre poria alguém em seu caminho para ajudá-la.
Suspirou fundo, tentando se acalmar. Precisava de cabeça fria para estudar a situação. Estava a uns quinze quilômetros de Bishopston e, era provável, a igual número de quilômetros de Shipwell. A opção que menos lhe pareceu vantajosa foi a de voltar. Talvez a distância até Bishopston fosse menor que a de Shipwell. Além disso, havia a possibilidade de encontrar um posto de gasolina ou uma oficina mecânica; pronto, na pior das hipóteses, um telefone que poderia usar para comunicar-se com a Sra. Gittens. Imaginava o desespero da governanta, que àquela altura já tomara pela sua falta. Agora que empurrava a motocicleta, surpreendeu-se com seu peso. Na verdade, disse para si mesma, o erro fora sair da estrada principal. Se tivesse continuado nela, não desfrutaria da solidão, mas contaria com centenas de motoristas dispostos a ajudá-la!
Depois de andar meia hora, pernas e braços começavam a doer e ela encharcava-se de suor. De súbito, escutou o ruído de um motor. Virou-se para trás e encostou a moto ao avistar um Land Rover. O veículo diminuiu a velocidade à medida que se aproximava e Gina preparou-se para ouvir os gracejos do motorista. Lembrando-se dos conselhos insistentes de Harry, não teria coragem de aceitar carona de um desconhecido. Instintivamente agarrou-se à moto quando o jipe parou.
- Quer ajuda?
O sotaque não era de quem morava em West Yorkshire. Gina apurou a visão e distinguiu o rosto preocupado de um rapaz de cerca de vinte anos de idade.
- Oh, não - disse com firmeza, mas sorrindo - eu me viro, obrigada.
- Acabou a gasolina? Perguntou ele, saltando do veículo. Essas motos andam muitos quilômetros com um litro de gasolina, mas de vez em quando o tanque precisa ser enchido - brincou.
- Não sei... Nem me lembrei de verificar o tanque.
Inclinou-se e destampou o tanque, constatando com desgosto que estava vazio. Droga! Pensou. Cedrico esquecera-se de enchê-lo!
- É, está vazio - comentou o rapaz, e fitou-a com curiosidade. Vai ter que empurrar muito tempo - observou. O posto mais próximo fica em Bishopston.
- Obrigada pela informação - disse, mordendo o lábio.
- De nada. - Abriu a porta do Land Rover. - Hã... posso colocar a moto aqui dentro e levá-la até lá, se quiser. Mas se, como diz - consegue se virar sozinha, não sei como ajudá-la.
Gina hesitava, olhando para a moto com um ar de desânimo.
- E então?
O rapaz estava parado à porta, aguardando sua decisão. Gina olhou indecisa. Bom, disse para si mesma, ele é simpático, bonito até. Cabelos loiros, pele e olhos claros... Não tem cara de bandido. Mas, enfim, como é que poderia, saber?
- Prometo que não vou raptá-la - disse ele inesperadamente, como se tivesse lido os pensamentos de Gina.
Ela corou.
- Hei! Sou tão transparente assim?
- Está na cara que alguém lhe disse para nunca aceitar carona de estranhos - comentou. - Até concordo. Mas eu não sou um homem completamente estranho... As terras do seu tio fazem fronteira com as do meu pai.
- As terras do meu tio? Você me conhece?
- Assim, chutando, eu diria que você se chama Gina Weasley. - O rapaz sorriu. - Acertei?
- Em cheio. Mas... Interrompeu-se para refletir um segundo. - Quem é você?
- Draco Malfoy.
Os olhos de Gina abriram-se de espanto.
- É o filho de sir Lucius Malfoy?
- O próprio. Então, você aceita uma carona? Ou ainda tem dúvidas?
Gina vacilou. O nome dele, no fundo, nada lhe dizia. Naturalmente, Harry conhecia a família Malfoy. Eram membros do mesmo clube de golfe, contribuíam para as mesmas instituições de caridade e tinham os mesmo interesses no campo dos negócios. Harry, porém, nunca mencionara o filho do Sr. Malfoy.
- Quer ver minha carteira de motorista?
Draco Malfoy fitava-a com um ar divertido e Gina rapidamente se decidiu.
- Aceito a sua carona. Obrigada.
- Tudo bem. - Draco sorriu. - Entre que eu vou pegar a sua moto. Ainda bem que não é das grandalhonas... Essas máquinas pesam uma tonelada!
Gina riu. Draco suspendeu a moto, colocou-a no jipe e retomou a direção.
- Pronto - disse. - Aonde quer ir? Para Carron, para o posto de Bishopston ou para sua casa?
- Carron é a sua casa, não é?
- Exato. Talvez gostasse de comer alguma coisa antes de voltar.
- Isso é uma gentileza sua, mas...
- ...mas prefere ir direto para casa?
- Não, prefiro ir para o posto - confessou Gina com certa tristeza.
- Se me levar para casa, será o fim.
- Bom, isso vai ter que acontecer, cedo ou tarde - o rapaz disse ligando o motor. - Quer dizer, são nove horas agora e aposto que você saiu antes de o seu tio se levantar.
- Harry não está em casa. Foi para a América do Sul. Estamos sozinhas, eu, a Sra. Gittens e Cho.
- Cho?
- Cho Chang. Ela... vai morar conosco por uns tempos.
- E quem é ela?
- Amiga de Harry.
- Harry? Perguntou Draco, franzindo a testa. - É assim que chama seu tio?
- Ele não é meu... - Gina desistiu de dar a explicação. – Harry Tiago - completou, olhando pela janela. Tudo isso aqui é de vocês? Vocês mesmos cuidam das plantações?
- Um pouco - disse Draco. - Estudo agricultura e aprendo métodos modernos de plantação, mas grande parte das terras foi vendida para compensar as taxas. Ainda existem algumas famílias antigas que trabalham para nós. Na época de meu avô a propriedade era bem maior e mais produtiva.
- Imagino quanto isso o chateou.
- Nem tanto - retrucou ele, dando de ombros. - Para que terra? Prefiro ter menos responsabilidade e mais tempo para fazer o gosto.
- O que gosta de fazer? Gina se interessou.
- Bom, eu gosto de liberdade. E você, o que faz?
- Quase nada... Se Harry... não fosse inflexível...
- Você esta estudando? Quantos anos tem?
- Vou fazer dezoito. - Gina procurou manter-se na defensiva. Harry, acha a educação escolar importante. O problema é que eu não sabia o que estava fazendo naquela escola. E para que estava estudando afinal? Nunca trabalhei!
Ele balançou a cabeça.
- Não tem namorado à vista?
- Não. - Fez uma longa pausa. - Você é casado?
- Quem é que ia me querer como marido? Brincou.
- Como uma amiga minha costuma dizer, você está querendo elogios. Só o título de seu pai devia chamar a atenção de muitas garotas.
- O título é de papai, mas e eu?
Gina riu.
- Ah, você entendeu. Tem muita garota por aí louca pra ser chamada de lady.
- E você?
- Eu? Gina gaguejou. - Não, eu não. Não me vejo como lady.
- Combinaria bem com você - afirmou delicadamente. - Bom, estamos em Bishopston. Tem certeza de que não quer que a leve para casa?
- Oh, não... quer dizer, tenho certeza, sim. - Sentiu-se confortada ao avistar o posto de gasolina. - Foi ótimo Sr. Malfoy. Estou agradecida.
Draco parou o veículo em frente ao posto, que ficava do outro lado da rua.
- Que negócio é esse de Sr. Malfoy? Draco... meu nome é Draco para você.
- Tudo bem, Draco - disse, apertando-lhe o braço espontaneamente antes de descer. - Espero não ter sujado muito o seu carro.
- Ele é para isso mesmo – Ele explicou, descendo para retirar a moto. - Eu levo a máquina até lá.
O rapaz do posto conhecia Draco e correu para atendê-los.
- Ted, serviço por nossa conta, certo? Disse Draco.
- Não, Draco, por minha conta - protestou Gina.
- Não insista, por favor. É um prazer.
Gina compreendeu que seria indelicadeza recusar a oferta.
- Você é um bom samaritano - comentou.
O rapaz encheu o tanque rapidamente e Gina, depois de colocar o capacete, montou na moto.
- Como vou agradecer? Perguntou.
- Jantando comigo amanhã à noite - sugeriu Draco com simplicidade. - Posso buscá-la amanhã às sete e meia. Jantaremos no Reli, em Starforth. Aceita o convite?
- Não sei...
- Apresente-me ao seu tio. Garanto que o convencerei das minhas boas intenções.
- Harry ainda não estará em casa amanhã - argumentou. - Olha, Draco, não sei o que responder.
- Sabe, não é o seu tio que estou convidando. Gina, você não é mais criança e deve ter aprendido a resolver as coisas sozinhas. É simples: responda “sim” ou “não” e pronto.
Ela suspirou.
-Certo, por que não?
- Maravilha! Sete e meia então. Até amanhã.
- Até amanhã - continuou, sentindo por dentro uma onda de excitação. Pela primeira vez tomara uma decisão sozinha; pela primeira vez marcara um encontro sem prévia autorização de Harry. Era deliciosa a sensação de independência que começava a experimentar.



Continua...


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