Capitulo XIV



Na manhã de domingo, às onze horas em ponto, a Sra. Gittens foi ao quarto de Gina e encontrou-a ainda debaixo do lençol. Ao ver as roupas que ela usara na noite anterior jogadas no chão, não se conteve e censurou.
- É assim que cuida de uma roupa tão bonita? Gina olhou-a com os olhos semi-fechados. - Sei que não está dormindo, por isso, trate de ir respondendo.
- Pode levar tudo isso, Sra. Gittens. Não quero mais roupa alguma.
- O quê? Exclamou a mulher. - Gina, não seja tola. Aliás, por que ainda não está de pé? Você não costuma ficar na cama até tarde!
- Vou continuar deitada. E o que falei sobre a roupa é sério. Pode dar de presente à sua neta, se quiser. Não gosto dela.
-Vamos - disse sem lhe dar atenção. - Onde já se viu. Ficar na cama o dia inteiro!
- Por que não? Não estou me sentindo bem.
- Então vou pedir ao Sr. Potter que chame o médico.
- Não. Não preciso de médico algum. Não tenho vontade de levantar, foi o que quis dizer. Se alguém perguntar, diga que peguei um resfriado, uma gripe, sei lá.
- E pegou mesmo?
- Mais ou menos... respondeu, virando a cabeça para o outro lado.
- E esses olhinhos inchados? Andou chorando?
- Oh, pelo amor de Deus! Não me sinto disposta para levantar, é só isso! Exclamou, exaltada. - Estou bem, sinceramente. Deixe-me sozinha, por favor, sim? Mais tarde... mais tarde eu desço. À tarde, talvez...
- Humm - fez a Sra. Gittens, retirando-se contra a vontade de dobrar as roupas e colocá-las sobre uma cadeira junto da janela. Gina, que ao vê-las lembrava-se a todo o instante do acontecido, saiu da cama e jogou-as dentro do guarda-roupa. Nisso ouviu batidas na porta.
- Quem é? Perguntou, levantando o lençol até o meio do rosto.
- Eu, querida! Respondeu Marion.
Gina consentiu que ela entrasse e preparou-se para responde um interrogatório.
- Aí está você! Pensei que estivesse de ressaca – disse a mulher, em tom de brincadeira. - De fato, não está com uma cara boa.
Gina forçou um sorriso.
- Cansada. - Só isso... Desculpe se tenho sido grosseira com você. Sinto que vou me resfriar...
- Você está mesmo abatida - concordou Marion, com sua habitual cortesia. - Imaginei que você e Harry andaram discutindo. Dai você se recolheu, e ele se mostrou irritadissimo ontem à noite.
- Onde ele esta agora?
- Greg e ele foram jogar golfe. Saíram há uns quinze minutos. Ele me pareceu desanimado, mas não resistiu à insistência de Greg.
- Sabe a que horas estarão de volta?
- Lá pelas duas e meia, imagino - observou Marion. - Por quê?
- Oh, por nada.
Marion silenciou e em seguida prosseguiu:
- Vocês discutiram ontem, não? Quer dizer, eu me sinto responsável por isso.
- Responsável?
- Bem, afinal fui eu que a persuadi a comprar aquelas roupas, devia ter ficado quieta e esperado Cho se revelar uma incompetente.
- Não devia, não. Harry não comentou nada sobre as roupas que compramos.
- Não mesmo? Perguntou Marion, desconfiada.
- Verdade, não - confirmou Gina. - Eu nem lhe contei.
- Oh, não! Exclamou Marion, levando a mão à cabeça. - Precipitei tudo!
- O que quer dizer com isso?
- Bom, hoje de manhã, quando você não desceu e Harry ficou muito mal-humorado, disse-lhe que não a culpasse por todos aqueles gastos.
- Marion! Exclamou Gina, atônita.
- Sei que foi tolice minha - disse Marion, balançando a cabeça. - Mas concluí que vocês tinham falado a respeito e simplesmente quis explicar os motivos por que o fiz. Disse-lhe o que eu achava dos vestidos comprados por Cho e argumentei que a responsabilidade não era exatamente dela. Deixei claro que Cho comprara o que ela própria gostaria de usar. Tentei fazê-lo compreender que necessariamente nenhuma das roupas combinaria com o seu tipo.
Gina fechou os olhos por alguns instantes e então perguntou:
- O que Harry respondeu?
- Pouca coisa... Oh, ele foi gentilíssimo. Confessou-me que confiava no bom gosto de Cho e que esperava que ela fizesse esse tipo de coisa. Se soubesse que ela não conseguia ajudá-la direito, a teria chamado para conversar. De qualquer maneira, por enquanto não pretende julgá-la...
- Oh, Marion! Na certa ele está pensando que lhe pedi para conversar com ele.
- Mas você não pediu...
- Harry não vai acreditar nisso.
- Escute, você me contou a verdade sobre a discussão que tiveram?
- Sim, claro que sim. Nada a ver com você. Nada a ver com ninguém. Se não se importa, preferia nem falar a respeito.
- Naturalmente - disse Marion, aceitando a vontade dela. - Está bem, agora vou indo porque preciso arrumar minhas coisas. Greg e eu partimos às quatro horas. Nós nos veremos antes disso?
- Claro - respondeu Gina, tentando se recompor. - Se Harry não está em casa, posso me levantar. Sabe, no fundo, não estou querendo encontrar com ele.
- Compreendo - disse Marion, dirigindo-se até a porta. - Mas se posso lhe dar um conselho... não leve Harry tão a sério. Ele se preocupa com você, se preocupa muitíssimo. Por isso, às vezes diz e faz coisas erradas...Ele deseja o melhor para você.
- Tem certeza? Gina perguntou com amargura. - Cada vez mais eu acredito que não sou bem-vinda aqui.
- Bobagem! Harry sempre foi como um pai, não foi?
Gina baixou a cabeça.
- Não preciso de pai - murmurou.
Marion franziu a testa.
- O que quer dizer?
- Nada, nada - Gina respondeu, sentando na cama. - Mais tarde nos veremos.
- Está bem. - Marion examinou há detidamente por alguns segundos e então acrescentou: - Nós nos veremos mais tarde. E fechou a porta atrás de si.
Um banho frio pareceu trazer de volta a vida ao corpo de Gina. Quando terminou de escovar os dentes já começava a sentir-se mais disposta. Recusou-se a pensar em Harry e nas coisas que poderia ouvir dele. Recusou-se mesmo a antecipar as conseqüências daquela cena humilhante em seu quarto. Mas não conseguiu ignorar os efeitos da loucura de Harry ao constatar as manchas avermelhadas no corpo...
O ar ainda estava úmido e mais quente, e Gina resolveu pôr o vestido sem gola que comprara no dia anterior. Era agradável sentir a nudez do colo e dos braços, a nuca recebendo a brisa deliciosa, já que prendera os cabelos num coque.
A primeira pessoa que encontrou ao descer foi a Sra. Gittens, que ergueu as sobrancelhas, surpresa ao vê-la de pé.
- Sente-se melhor?
Gina fez que sim com a cabeça.
- Aposto que a Sra. Marsden lhe disse que o Sr. Potter não estava em casa - acrescentou a mulher. - A srta. Chang está sentada no jardim, lendo o jornal.
- Obrigada, Sra. Gittens - disse Gina, nada interessada em saber de Cho. Entretanto, via-se na obrigação de procurá-la.
Cho estava sentada no banco do caramanchão, usando blusa e calça de algodão leve. Como sempre, seu penteado era impecável. Ao comparar se com ela, Gina sentiu-se de novo a mulher mais relaxada do mundo!
- Oh, bom dia - disse Cho, baixando o jornal e dobrando-o Afastou-se no banco, num convite a Gina para sentar-se. - Demorou descobrir que seu tio não estava em casa...
- Do que está falando?
- Você sabe do que estou falando - retrucou calmamente. - Harry demonstrou-lhe o que estava pensando da situação, não? Pela sua fisionomia, vejo que sim. Não pude deixá-lo pensar que fui eu a responsável por aquela roupa medonha.
Gina percebeu o quanto era difícil permanecer indiferente à prepotência e à maldade daquela mulher.
- Mas Harry gostou da roupa “medonha”... Só tinha que gostar porque, afinal, a camisa é dele.
- Gina, Harry é um homem educado... É sempre educado, já notou?
Gina enfiou as mãos nos bolsos do vestido.
- Desde quando o chama de Harry? Inquiriu, arrependendo-se ao perceber o sorriso malicioso de Cho.
- Desde ontem à noite. Já que todos o chamam assim, por que não eu? Interrompeu-se para estudar Gina e então continuou: - Por falar nisso, se eu fosse você não colocaria um vestido desse sem sutiã. Seus seios são grandes e não fica bem. Olhou para si mesma com satisfação. Eu não uso... Meus seios são pequenos e firmes. Mas os seus... Bom, é só uma opinião.
Gina corou, quase não resistindo ao impulso de esbofetear Cho. Olhou disfarçadamente para os próprios seios e nada viu neles que merecesse restrições. Eram cheios, sem dúvida, mas não flácidos, como ela acabara de insinuar. Cho apenas se comprazia em provocá-la. Não, pensou, não poderia continuar se resignando daquele modo.
Como Marion havia previsto, Greg e Harry voltaram pouco depois das duas. As mulheres haviam almoçado, mas a Sra. Gittens deixara a mesa preparada para os dois. Marion juntou-se a eles e Harry de vez em quando captava algumas frases da conversa. Estava na biblioteca e planejou ficar ali até a hora do jantar, mas evidentemente teria de se despedir dos Marsden.
- Comporte-se, querida - disse Marion afetuosamente, beijando-a no rosto. - Se cansar da rotina de Matlock Edge, pode ir para nossa casa em Londres.
- Obrigada, Marion.
Gina, sob olhar tenso de Harry, retribuiu o abraço de Marion e então se despediu de Greg.
- Não cresça muito depressa - observou ele, beijando-a também. - O que seria dele, se você não estivesse aqui? Comentou, referindo-se a Harry.
Era apenas uma observação casual e Gina procurou não atribuir qualquer sentido àquilo. Evitando o olhar de Harry, foi até o pátio e despediu-se do casal pela última vez. Nesse momento, desejou poder acompanhá-los, apenas para escapar do tio e ter tempo de pensar melhor sobre sua própria vida.
Harry, após a partida dos Marsden, fechou-se no escritório. Gina, decidindo que não faria companhia a Cho, subiu e trancou-se no quarto. Ligou o som e colocou um CD de um grupo de rock new wave, o único ritmo que se harmonizava com seu estado de espírito naquele dia. Ainda se sentia ferida e vulnerável, principalmente agora quando ficara claro que Harry jamais se desculparia pelo que tinha feito. Definitivamente, rejeitava qualquer manifestação afetiva de sua parte. Não a via como mulher, decerto não como uma mulher pela qual pudesse se sentir atraído, e era inútil acreditar que um dia ele fosse amá-la.
Angustiada com esses pensamentos, dominada por fortes emoções Gina fez um esforço sobre-humano para se animar para o jantar. Ignorando as peças de roupa que comprara com Marion naquele sábado escolheu um dos vestidos indicados por Cho, que destacou-lhe os contornos acentuados do corpo.
Quando desceu, Harry e Cho estavam na biblioteca. Hesitou um pouco antes de interromper a conversa dos dois, mas reuniu a coragem que lhe restava e entrou decidida. Harry recebeu-a com surpresa.
- Quer um drinque? Perguntou, após estudá-la por um momento.
Ela assentiu com um sinal de cabeça.
- Um licor, por favor. - Sem dar atenção à Cho, que não parava de encará-la, escolheu a poltrona que ficava perto da janela.
- Conhece os Marsden há muito tempo? Indagou Cho, durante o jantar.
Harry, que parecia absorto em seus pensamentos, demorou um instante para responder.
- Mais ou menos há uns vinte anos, creio - disse afinal, como se esperasse que Gina respondesse por ele. - Freqüentávamos a mesma escola. Quando papai faleceu, ele veio trabalhar para mim.
- Com computadores? Perguntou Cho, tentando manter-se interessada no assunto.
- No começo, não. Como Greg é um bom contador, trabalhou como meu assessor financeiro.
- Compreendo... Comentou Cho e acrescentou: - A Sra. Marsden me pareceu bem mais velha que ele.
Gina ergueu a cabeça, pronta para dar uma resposta. Conteve-se, entretanto, porque não desejava participar daquela conversa desagradável.
Harry, ao responder, encolheu os ombros com indiferença.
-Não, acho que não é - afirmou pausadamente. Marion deve ter a mesma idade que ele.
- Tenho minhas dúvidas - disse Cho, partindo o pão. - Parece bem mais velha.
Gina respirou fundo. Não queria cair naquela armadilha. Era evidente que Cho queria provocá-la.
- Formam um belo casal continuou Harry, sem aperceber das intenções de Cho. - Marion e Greg têm um filho e uma filha quase da mesma idade de Gina. Aliás, Marion gosta muito de Gina.
- É mesmo?
Gina lançou um olhar para Harry na esperança de captar o que se escondia por debaixo da expressão enigmática de seu rosto. Ele fitava o copo de vinho como se estivesse distante dali.
- Preciso viajar amanhã - ele informou repentinamente, deixando as duas mulheres perplexas.
- Viajar? Gina rompeu o silêncio. - Para onde? Londres?
- Montevidéu - respondeu Harry no mesmo tom indiferente, erguendo o rosto e fitando Gina.
- Montevidéu - exclamou Cho, um tanto ansiosa. - Na América do Sul!
- Por que não falou sobre isso antes? Gina perguntou.
- Porque também não sabia - respondeu Harry com impaciência. - Lembra-se de que ontem à noite recebi um telefonema internacional?
- Pois então já sabia!
- Não... Recebi outro telefonema esta noite. Ficarei ausente por uma semana e espero que durante esse período vocês duas façam uma trégua.


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