Do nada, vem a mudança
Capítulo 8 - Do nada, vem a mudança
Nas semanas seguintes, Snape e Tessa prosseguiram alegremente com suas vidas. Gradualmente, Tessa deixou de se assustar com os alunos e professores. Ela passou a ser vista até na sala de professores e costumava também divertir imensamente o Prof. Dumbledore, que disfarçadamente lhe dava docinhos debaixo da mesa no Salão Principal. Snape fingia que não via, mas o diretor dava uma piscadinha e um sorrisinho inocente.
A vida era boa e simples, e os dois iam satisfeitos. Tessa pegara o hábito de dormir enrodilhada com Snape, e isso ajudava aos dois não terem mais pesadelos. Snape também se habituara à trouxinha peluda junto do seu corpo.
Era uma mudança que Snape jamais tinha pensado em ocorrer na sua vida. Uma mudança bem-vinda, sob diversos aspectos, e ele nem tinha perdido tanto de sua privacidade quanto teria suposto a princípio.
Para os alunos, ele parecia mais afável, embora não menos rigoroso. Ao verem Tessa feliz e saudável, convenceram-se de que Snape afinal não era um monstro e que o animal não era escravizado nem brutalizado. Seu professor estava surgindo sob uma nova luz; era mais humano e menos cruel. Para os professores, Snape mudara, sim, mas de maneira sutil. Parecia que ele tinha sido polido, e muita de sua aspereza tinha sido retirada. Mudanças notáveis.
Mas outra mudança estava prestes a ocorrer.
Uma noite ele foi dormir com um seminviso na cama.
E de manhã acordou com uma mulher em seus braços.
Por vários segundos, o choque o fez ficar paralisado, como se seu corpo tivesse sido substituído por chumbo. Ele conseguiu se mexer um pouco, apenas o suficiente para se certificar que não estava sonhando nem imaginando a moça nua na sua cama.
Ainda no sono, ela se virou, os cabelos negros salpicando o rosto jovem e conhecido.
Um rosto que deveria estar morto e enterrado.
Theresa Applegate.
O segundo choque o fez prender a respiração, procurando não sobressaltar sua... companheira de cama?
Com cuidado, ele se retirou da cama silenciosamente e colocou um roupão por cima de sua roupa de dormir. Mas suas mãos tremiam, as pernas também e ele teve que se sentar na cama.
Nesse momento, a moça se mexeu mais uma vez nas cobertas, abrindo os braços. Com ar sonolento, ela abriu os olhos, olhou para Snape e sorriu. Mas de alguma maneira alguma coisa lhe pareceu errada, e ela franziu o cenho pequeno e delicado.
Os grandes olhos negros da moça olharam com cuidado para a cama onde ela se deitava e então ela se sentou. Depois, espantada, olhou para as próprias mãos, como se não as visse por muito tempo.
O que provavelmente era verdade.
Ela se voltou para Snape e puxou as cobertas sobre os seios.
- Pr... pro... - as palavras saíam com dificuldade de uma garganta que parecia não ser usada há meses - Prof- professor...?
Snape cerrou a mandíbula, ergueu-se e disse, em uma voz mais gelada do que um vento de nevasca:
- Pode se servir de minhas roupas para se cobrir. Em seguida, conversaremos.
E foi para o banheiro, sem olhar para trás.
Ele jamais teria falado com Tessa daquele jeito.
Ao entrar no banheiro, Snape verificou que ainda estava trêmulo. Eram tantas emoções ao mesmo tempo, nenhuma delas muito agradável. Ele lavou o rosto, trocou de roupa e respirou fundo. Como um bom sonserino, ele sabia aceitar a realidade dos fatos. Ele procurou limpar alguns dos pensamentos em sua cabeça e abriu a porta cuidadosamente.
Theresa Applegate estava usando uma de suas camisas brancas e uma calça preta - as roupas eram tremendamente grandes para seu corpo magro e delicado. Ela olhava a cama quando ele entrou. Ao ver que ele a encarava, ela deu de ombros, sorrindo sem graça:
- Tudo parecia tão grande antes...
Ignorando o comentário, Snape observou os pés descalços dela e disse, ainda com voz fria:
- Cubra seus pés com meias, já que meus sapatos não vão servir. Temos que ir imediatamente ao diretor.
Theresa disse, com muito esforço para não chorar:
- Professor, eu... eu... sinto muito...
Uma dor cortou-lhe o coração e ele disse, mais áspero do que pretendia:
- Discutiremos isso com o diretor. Agora cubra os seus pés. Estarei esperando na sala de estar.
Mais uma vez ele a deixou sozinha no quarto, como se estivesse fugindo dela. Na verdade, o que ele não podia suportar era o fato de que não havia mais Tessa naquele lugar. Nunca mais haveria.
E ele tinha que se acostumar àquilo.
A subida até o escritório de Dumbledore foi duplamente penosa. Severo caminhava apressadamente, com as vestes esvoaçando como sempre, sem olhar para a moça que tentava desajeitadamente acompanhá-lo. Ela não só estava apenas de meias no frio chão de pedras como mal tinha recuperado o movimento de pernas eretas. Snape sabia que atrás dele não vinha a figura amada de um seminviso pretinho e peludo.
Ele se sentia traído. Culpado. Com raiva. Decepcionado. A perda era imensa, e quanto mais ele pensava, mais parecia que ele não iria suportar.
- Baba-de-moça.
Nem o nome do doce podia ser mais infeliz.
Dumbledore recebeu-o distraidamente:
- Bom-dia, Severo, eu - ele se deteve ao olhar a moça que o acompanhava - Eu... estou sem palavras.
Snape rosnou:
- Como eu fiquei de manhã ao não encontrar Tessa nos meus aposentos, e sim, ela.
Ele tinha dito aquilo com extremo desprezo. A moça deu de ombros:
- Professor Dumbledore, eu nem sei direito o que aconteceu, eu só sei -
Foi interrompida:
- Ora, essa é muito boa! Está mais do que óbvio que você é uma animaga não-registrada e vem se divertindo há meses com esse joguinho infantil de se passar por um animal!
- Isso não é verdade! - ela ficou vermelha - Eu não sou animaga!
- Então como explica ter virado um seminviso durante meses?
O Prof. Dumbledore sugeriu:
- Talvez fosse melhor deixar a Srta. Applegate explicar o que aconteceu, Severo. Por favor, Theresa, sente-se. Drops de limão?
Ela aceitou um, e a sacarose atingiu suas papilas gustativas como não faziam há meses. Ela sentiu o corpo inteiro reagir ao açúcar, que não ingeria há tanto tempo.
- Eu não sei direito o que houve - começou ela - Mas tudo aconteceu na noite da batalha aqui em Hogwarts, perto da Floresta Proibida. Voldemort estava usando um feitiço para retirar magia das pessoas, e ele foi direto atrás de Harry Potter, enquanto os demais Comensais da Morte se espalhavam por Hogwarts, penetrando as barreiras de proteção. Eu vi que um bando de Comensais tinha cercado o Prof. Snape. Eles estavam muito bravos, e eu fui lá ajudar, porque o Prof. Snape parecia quase morto. Mas eles eram muitos e logo me dominaram. Só o que eu sei é que fui atingida por dezenas de maldições e feitiços. Eles me transformavam em bichos, me erguiam no ar, rasgavam minhas roupas, me machucavam e me arrancavam os cabelos, às vezes tudo isso ao mesmo tempo. Jamais senti tanta dor. Numa dessa ocasiões, eu fui transformada em seminviso. Logo depois disso, uma luz intensa apareceu. Um Comensal caiu em cima de mim e acho que foi por isso que a luz não me atingiu. Eu não sei o que era aquilo.
Dumbledore esclareceu:
- A luz veio do confronto entre Voldemort e Harry. Sabe, Voldemort tentou absorver a magia de Harry, mas como os dois compartilham alguns poderes, Harry terminou absorvendo alguns dos poderes de Voldemort. A magia dos dois interagiu de forma desastrosa, arrasando tudo e todos num raio de quase um quilômetro. Provavelmente seja por isso que você sobreviveu.
Theresa deu de ombros:
- Não sei. Fiquei desacordada muito tempo. Acordei na Floresta, e eu era um animal. Durante muito tempo eu pensei e agi como um animal. Mas eu não era um e sempre saía perdendo na competição por comida ou abrigo. Um dia, eu vi Hagrid cuidando de alguns animais e me lembrei de algumas coisas - Hogwarts, as aulas, os professores, o que tinha acontecido. Eu não tinha certeza se o Prof. Snape tinha sobrevivido, então entrei nas masmorras, invisível. Vi que ele estava bem, e isso me aliviou. Fiquei lá durante alguns dias, com fome e ferida pelo que tinha passado na Floresta. No final, a fome me venceu e eu resolvi me mostrar para ele. Mas eu estava com muito medo. Eu não tinha certeza do tipo de recepção que eu teria.
Snape retorquiu:
- Fala isso porque me considera um canalha do tipo que é capaz de chutar um animal ferido e não alimentá-lo?
- Achei que não gostasse de animais - confessou ela - Mas eu não planejei nada. Quando percebi que Hagrid queria cuidar de mim, fiquei triste - porque eu nunca mais o veria, Prof. Snape. Eu comecei a entender as palavras quando Hagrid me disse que o senhor não queria ficar comigo. Eu quis muito ficar com o senhor. Felizmente o senhor decidiu me aceitar. Eu lhe agradeço muito tudo que fez por Tessa. Esse era meu apelido quando eu era criança.
Snape rosnou:
- Você não merece esse nome.
Theresa sentiu como se uma lança furasse seu coração.
- Desculpe, professor. Eu não planejei nada do que aconteceu. Foi um instinto maior do que eu - o de ficar com o senhor, de protegê-lo quando precisou.
O Mestre de Poções ia dar uma resposta sarcástica quando o Prof. Dumbledore indagou:
- E como conseguiu voltar à sua forma humana?
- Isso eu não sei. Pode ser que a maldição tenha acabado, simplesmente.
Snape cuspiu:
- E espera que eu acredite nisso?!
Dumbledore admoestou-o:
- Severo, procure se controlar.
Mas Theresa já estava chorando:
- Desculpe, professor. Eu nunca quis magoá-lo, eu juro. Nada foi planejado.
Snape se levantou:
- Bem, diretor, creio que tudo já foi esclarecido. Com isso, eu deixo a Srta. Applegate a seus cuidados para o senhor verificar que eu não a maltratei, molestei ou abusei em qualquer forma ou natureza. De agora em diante, ela volta a ser uma aluna regular de Corvinal, uma que está com muita matéria atrasada e vai querer começar logo a recuperar o atraso. Se me derem licença!
Ele se virou, as vestes ondulando em sua direção e deixou o escritório do diretor, ignorando os chamados do Prof. Dumbledore. Theresa afundou o rosto nas mãos, chorando:
- Se eu soubesse que isso seria tão dolorido, eu jamais teria voltado a ser humana. Eu nunca quis magoar ninguém, juro... Eu era muito feliz. Acredito que também dei muitas alegrias ao Prof. Snape quando estava com ele.
Dumbledore suspirou:
- Você não tem culpa de nada, Theresa. O Prof. Snape também não. Ele só está aborrecido por perder alguém que ele amava.
- Prof. Dumbledore - disse Theresa, entre lágrimas -, eu o amo. Por isso Tessa era tão dedicada a ele. Puro amor. Mas agora ele me odeia. Eu não sei se vou suportar que ele me odeie de novo.
- Tenha calma, minha querida - disse o velho professor - Dê tempo ao tempo. Ele vai melhorar, você vai ver.
De algum modo, Theresa duvidava que aquilo fosse verdade.
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