Perigo no bosque [100%]

Perigo no bosque [100%]



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Narrado por: Richard Conner

O meu corpo tremeu freneticamente.

Todos os pêlos do meu corpo ergueram-se excitados. Senti frio e calor. A minha boca ficou seca para depois começar a arder. Os dentes, senti-os a crescerem. Estava com sede, de novo.

Das duas, uma. Ou aquele cheiro se andava a tornar comum nas pessoas ou então, e esta opção pareceu-me sinceramente a mais correcta, havia voltado a dar um grande encontrão com a rapariga de Hogwarts. Irónico o destino, parecia que me suplicava para que a matasse.

Segurava uma mão de uma mulher/garota, uma mão que me parecia frágil. Acariciei-a levemente, tinha uma pele suave, macia e igualmente frágil. Era tentadora a ideia de passar os meus dentes, para depois os espetar lá e beber o seu doce e tentador sangue. Único. Uma preciosidade. Uma preciosidade que iria ser minha.

Inspirei fundo, sentindo o cheiro da garota misturado com o ar. Era capaz de deixar qualquer vampiro tonto, tamanha era a sua essência.

Virei-me lentamente, apreciando os últimos segundos em que poderia apreciar o mais delicioso dos cheiros. Desta vez iria ter que me conter melhor. Não poderia assustar já a miúda.

Uma leve brisa atravessou pelos cabelos da garota, trazendo consigo um cheiro demasiado doce, bom e irresistível.

Senti a sede crescer, tornando-se insuportável.

Espetei as unhas, da minha mão livre numa das minhas pernas, tentando fazer a dor que a sede começava a causar, desaparecer.

Os meus olhos pararam nos da garota. Azuis esverdeados, belos e profundos. Ficaram surpreendidos ao cruzarem-se com os meus.

O seu coração acelerava como um louco, pode sentir uma certa insegurança na forma como me olhava. Deveria saber que de mim não iria conseguir nada de muito agradável.

Pude ouvir um barulho estrondoso de algo a bater no chão, esse barulho fez-me aparecer um zumbido nos ouvidos. Senti que várias pessoas começaram a observar-nos.

Os olhos da miúda começaram a avaliar os meus, como que à procura de algum sinal de anormalidade. Talvez o encontrasse, se o meu desejo começasse a tornar-se incontrolável.

Os seus cabelos, atados por um elástico, voltaram a esvoaçaram com uma outra brisa que passou.

O desejo desta vez foi mais forte. O seu doce e raro cheiro cortou-me a garganta. Esta suplicava-me para que eu provasse o tão apelativo líquido que lhe escorria nas veias.

Observei-a com atenção. Era ainda mais bela do que o que eu me lembrava, superava a minha memória aos pontos.

As suas ondas negras, atadas, por vezes balançavam trazendo consigo o cheiro cada vez mais forte. Os olhos profundos insinuavam um certo perigo, que também era referido no seu cheiro. Era impossível uma criatura tão frágil ser um perigo para mim. Os lábios vermelhos e as faces rosadas demonstravam a grande quantidade do doce sangue que tinha.

Como era tentadora. Tanto pelo cheiro como pelo físico. Deveria ser a presa ideal para uma boa quantidade de criaturas quer vampiros quer outras. Para mim era uma presa ideal. O seu sangue era-me único. A beleza era-lhe comparável.

- Mata-a. - Sussurrou uma voz sedenta na minha cabeça. - Mata-a.

- Não posso. – Pensei. – Há demasiados humanos.

- Leva-a para uma rua isolada e sem ninguém e mata-a. Bebe o seu sangue. O seu delicioso sangue. – Voltou a sussurrar a voz.

- Quanto maior a espera melhor o sabor. – Murmurou uma outra voz.

Mais uma vez dei ouvidos à segunda voz.

Senti os meus dentes crescerem, o formigueiro horrível dominava toda a minha boca, não tardaria nada os meus olhos ficaram vermelhos vivos.

- Salva pela multidão. - Pensei. – Cliché.

Suspirei conformado. Depois sorri, quando tive a certeza que os meus dentes haviam voltado ao tamanho normal.

A miúda começou a abaixar-se, para começar a apanhar as suas coisas.

Sorri. Iria ter que ajudá-la. Seria uma falta de educação se não o fizesse.

Peguei em algumas das suas coisas. Vi-a pegar num enorme saco, de dentro deste coisas pesadas chocaram entre si, coisas que pelo pareciam ser de metais. Talvez materiais para Hogwarts.

Peguei num livro pesado. Tinha um aspecto antigo, capa preta. Passei os meus olhos pela capa, desinteressado.

Anjos Negros – Vampiros.

Mas que diabo?

Porque estaria ela a ler um livro sobre vampiros?

Será que ela sabia de algo?

Inspirei fundo. Isso era impossível.

- Vampiros? - Perguntei, sem esconder a curiosidade que sentia.

A garota sorriu.

- Interesso-me. – Murmurou sorrindo, mas logo retirou-me o livro sãs mãos, notei que estava apressada.

Eu retribuí-lhe o sorriso.

- Vampiros. – Sussurrei – Não existem.

A miúda lançou um sorriso misterioso.

- Nunca se sabe. – Disse. Pareceu-me ser uma pequena insinuação. Arrepiei-me, saberia ela algo sobre a nossa existência? Não, isso era impossível. O cheiro dela estava a confundir-me as ideias.

Sorri-lhe de volta.

- És de Hogwarts? - Perguntei, apesar de saber a resposta. Tinha que meter conversa para desvendar aquele mistério que o seu cheiro e os seus olhos me demonstravam.

Aquele mistério. Era esse o único motivo que me impedia de matá-la. Há muito tempo que não tinha um bom mistério em mãos, e não há nada melhor que mistérios. Além disso por enquanto queria guardar aquele delicioso cheiro, para uma ocasião especial, como um vinho raro. Não queria perder tal sensação se poderia não voltar a encontrar outra igual.

A garota olhou-me surpreendida.

- Sou. - Disse confusa.

Sorri. Não tinha muito jeito para falar com humanos, as minhas conversas costumavam ser apenas de uma forma para atraí-los e depois aterrorizá-los. Há quase quinhentos anos que não falava decentemente com um humano.

Ela começou a olhar pela rua, algo parecia perturbá-la, possivelmente eu. Os seus olhos pararam em algo que estava atrás de mim. Estes ficaram esbugalhados.

- Eu tenho que ir. - Disse, ainda olhando preocupada por cima do meu ombro.

Sorri educadamente.

- Claro.

A garota afastou-se. Andava de uma maneira elegante e sedutora, sem se dar conta, espalhava o seu perfume por todo o ar em que passava.

Conhecia uma boa quantidade de vampiros, incluindo eu, que eram capazes de abdicar de uns cem anos sem beber sangue humano só colocarem os dentes no seu belo pescoço.

Virei a minha cabeça na direcção em que ela outrora olhara. Um grande relógio, numa torre de uma igreja situada no meio da praça, marcava meio-dia e meia. Suspirei. Observei-a a avançar pela rua na direcção a sul.

- Hey! - Gritei na esperança que ela me ouvisse. Ela ouviu-me e voltou-se. - Como te chamas?

Era a primeira vez que perguntava o nome ao meu prato principal.

Ela olhou-me surpresa.

- Rose. Rose Vernot. - Disse séria, e logo voltou-se e seguiu o seu caminho.

Observei-a.

Vernot. Eu conhecia aquele nome. Mas de onde?

Suspirei.

Já deveria ter ouvido alguém a chamar pelo seu nome. Deveria ser só isso.

Caminhei por uma rua escura. Ainda tinha que caçar, não tardaria estaria de volta à abstinência.




Narrado por: Rose Vernot

Os altos pinheiros verdes, que ocupavam os bosques escuros, haviam-se tornado a única paisagem que eu poderia ver através da janela da Chevy, sem contar claro com a estrada feita de alcatrão gasto, e do céu cinzento. Por vezes podia-se ver uma neblina rondar a zona das árvores, mas nada que merecesse particular atenção.

Suspirei desanimada, pude ouvir uma gargalhada de Jack, enquanto cantava uma das músicas dos AC/DC, que tocava numa das suas pequenas cassetes.

Revirei os olhos, fazia uns quarenta e cinco minutos que via aquela maldita paisagem, esta teimava em não mudar.

- Quanto tempo falta para chegarmos?- Perguntei aborrecida.

Jack voltou a interromper a canção para rir-se.

- Estamos quase maninha. A paisagem não te agrada?- Era surpreendente a forma como ele conseguia adivinhar o que me começava a aborrecer naquele momento.

Voltei a observar a paisagem.

- Enjoei-me de pinheiros.- Murmurei. Jack voltou a rir-se.

As memórias daquela manhã surgiram-me subitamente. Arrepiei-me. Jack olhou-me preocupado. Eu limitei-me a negar com a cabeça e ele voltou a olhar para a estrada, mas sempre observando-me pelo canto do olho.

Essa era a qualidade do meu irmão, não me pressionava. Naquela tarde depois de ter voltado a dar um encontrão com o misterioso rapaz, vim num estado um pouco grave. Tremia bastante e tinha a cabeça a andar à roda, sentia imensos arrepios e o meu coração não abrandava o seu ritmo cardíaco.

Jack ao ver-me em tal estado, levantou-se, do local onde estivera à minha espera, e correu na minha direcção. Sentou-me, deu-me um copo de água com açúcar e depois começou a perguntar-me o que se havia passado.

Eu, como é óbvio, não lhe disse a verdade, não lhe ia dizer que suspeitava que um rapaz comum fosse um vampiro. Iria pensar que eu era louca, se é que ainda tinha algumas dúvidas. Eu disse-lhe que tinha tido uma espécie de pressentimento, de um pesadelo acordada, ele não me pareceu convencido, mas ao ver que não queria tocar no assunto, mudou deste.

Era algo que eu adorava nele, apesar de permanentemente parvo e estúpido, sabia quando devia ficar calado, quando os assuntos não deveriam ser mencionados ou quando não deveria pressionar.

O carro parou. Despertei do meu pequeno sono. Nem me havia dado conta que o pinhal gigantesco e verde havia sido substituído por árvores grandes mas de diferentes tipos, e por um enorme edifício, com um pequeno parque de estacionamento de terra batida.

Inspirei fundo. Jack continuava a cantar uma música dos AC/DC, olhei-o, surpresa pelo facto de não parecer querer sair do carro, isso não era muito dele. O que se andaria a passar? Jack olhou-me curioso.

- Não sais do carro?- Perguntei.

Jack riu-se. Eu olhei-o confusa e intrigada.

- Não maninha. Quem vai fazer o interrogatório és tu.- Disse rindo-se.- Também tens que trabalhar.

Olhei-o irritada.

- Porque é que eu tenho que ficar com a pior parte?- Perguntei aborrecida.

- Porque maninha, tu tens a deixa do teu lado.- Olhei-o curiosa, Jack sorriu.- Procura por uma bibliotecária chamada Caroline Stuart, ela sabe muito sobre este assunto, sobre estas criaturas. Quando a encontrares diz-lhe que és uma estudante universitária que está a fazer um trabalho sobre essas criaturas.- Ergui as sobrancelhas.- Oh vá lá, tens ar de universitária.

- Como sabes dessa tal de Caroline Stuart. - Perguntei já sabendo a resposta. Jack limitou-se a sorrir e a piscar o olho.

Bufei com raiva e abri a porta.

- Hey espera!- Jack agarrou-me para eu não puder sair, eu olhei-o com raiva.- Há umas coisas que eu queria que tu tentasses saber.

Voltei-me e sentei-me irritada. Fechei a porta.

- O que é?

- Calma maninha, não queres ir para aqueles grupos de acalmar a raiva.- Jack fez um sorriso de gozo, revirei os olhos.- Eu e o pai fomos investigar, e encontramos os cadáveres totalmente desfeitos o bosque…

- Calma aí, vocês viram os cadáveres e eu não os pude ver?- Agora estava mesmo irritada. Ponham-me sempre de parte na altura da diversão.- Agora queres que trabalhe na parte chata? Também vão-me prender à cama quando for para apanhar o bicho?

- Hey, não fiques assim.- Jack fez-se um pouco chateado.- Quando eu e o pai encontramos os cadáveres, verificamos que elas tinham sido mortas de maneiras diferentes. Umas pareciam ter sido mortas por animais, outras por humanos, mas as mais recentes foram de certeza por humano. Tenta saber o motivo.

Suspirei e saí do carro. Ainda pude ver o Jack a acenar-me com um sorriso estúpido, eu virei-lhe as costas e segui o caminho.

Andei alguns passos em direcção à biblioteca de Gutenberg. Pelo que eu sabia costumavam vir muitos estudantes aqui, especialmente universitários, havia uma universidade bastante perto daquela irritante vila. Fiquei surpreendida ao constatar que o recinto estava vazio, pude ver, pelo exterior, que a biblioteca também o estava. Onde estariam os estudantes? Lembrei-me então que estavam na altura das férias, quem vinha à biblioteca nas férias?

Suspirei.

Pelos vistos a ideia de ser universitária, para obter informações não iria resultar muito bem.

Um arrepio atravessou-me pela espinha, erguendo todos os pêlos do meu corpo. Em pouco mais de dois centésimos de segundo, o meu coração começou a acelerar como um louco. Em contrapartida a minha respiração abrandou, tornando-se quase inexistente.

Senti-me observada por um par de olhos. Essa sensação aumentou as reacções do meu corpo.

Voltei-me para trás, para poder observar a Chevy, que abanava ligeiramente. Jack deveria estar a ouvir música, logo não seria ele que me observava.

Comecei a olhar em meu redor, para o recinto. Como tinha verificado pouco tempo antes, este encontrava-se deserto, logo não haveria ninguém ali que me pudesse estar a observar.

Inspirei fundo. Estava a começar a ficar paranóica. Os meus olhos continuaram a passar pelo parque de estacionamento vazio, observaram-no atentamente, até pararem numa área especifica.

Não pertencia ao parque de estacionamento, nem à biblioteca. Era a velha estrada que levaria à vila de Gutenberg, e à estalagem. À estrada, como tudo o resto, estava vazia, sem qualquer movimento de carros, mas não foi a estrada que me chamou a atenção.

Do outro lado da estrada, e paralelo a esta, estava o grande bosque da vila, o bosque que tinha dado de falar entre nós, caçadores. Estava a uns cinco metros desta, e a uns vinte de mim.

Arrepiei-me.

Lembrei-me da criatura que habitava agora naquele bosque, da criatura que havia morto até agora onze mulheres, todas elas tendo características semelhantes às minhas. De novo arrepiei-me.

Era possível ser observada do bosque escuro, apesar de eu não puder ver mais para além das suas árvores iniciais. Seria ainda mais fácil para uma criatura, que talvez tivesse uma visão apurada.

Suspirei.

Eu sem qualquer dúvida assemelhava-me e muito a todas as outras mulheres, mas havia uma vantagem que eu tinha sobre elas. Eu já havia morto criaturas igualmente negras.

Fechei os olhos e comecei a avançar até à entrada da biblioteca.

Era apenas uma sensação minha, só poderia ser. Mas mesmo assim não a pude deixar de sentir.

Entrei na biblioteca e verifiquei que esta se encontrava vazia, nem mesmo com a recepcionista, se é assim que se chama.

Era recente, mas mesmo assim o seu interior era feito a partir de arquitectura antiga, e de modelos de bibliotecas igualmente antigas. A secretária da bibliotecária/recepcionista encontrava-se no centro desta, rodeada por algumas cadeiras e mesas. As paredes eram cobertas por altas estantes que iam até ao tecto, que deveria estar a uns vinte metros do chão.

A meio das estantes estava uma espécie de varanda, que tinha umas escadas para dar a oportunidade das pessoas subirem até lá. Haviam escadas, que continham rodinhas para permitir deslizar pelas estantes.

Andei até ao centro, e girei sobre mim mesma, para poder observar a gigantesca biblioteca.

- Está aí alguém?- Perguntei. A minha voz fez eco.

Ouvi um estrondo vindo de uma das estantes. Dirigi-me até esta.

Uma mulher levantava-se, pegando em vários livros antigos de forma apressada. Olhou-me por trás dos óculos castanhos.

Apressei-me a ir ter com ela e a ajudá-la, a mulher agradecia-me fazendo pequenos acenos com a cabeça apressados.

- Deseja alguma coisa?- Perguntou enquanto se levantava.

Era muito bonita e discreta. Cabelos castanhos e lisos apanhados num coque desleixado, uma blusa branca e uma saia escura que lhe a até aos pés, usava óculos castanhos e modernos, que lhe davam um ar inteligente. Tinha o rosto calvo e uma pele com tons de bronze. Não usava qualquer tipo de maquilhagem.

Agradeci ter sido eu a ir ali e não o meu irmão, senão já sabia que iria haver uma grande demora.

- Estou à procura de Caroline Stuart, onde a posso encontrar?

A mulher ergueu a sobrancelha.

- Sou eu mesma, o que quer de mim.- Perguntou curiosa e intrigada.

Começou a dirigir-se até à secretária, pousou os livros e sentou-se numa cadeira, eu segui-a, ainda surpresa pelo facto de não esperar que uma mulher tão nova percebesse de um assunto daqueles. Parecia ter uma idade por volta dos vinte anos.

- Eu… sou uma estudante da universidade e estava a fazer um trabalho para um disciplina, e disseram-me que me poderia ajudar nesse trabalho.- A senhorita Stuart olhou-me curiosa e desconfiada.

- Mas não estás agora de férias?- Perguntou desconfiada.

Respirei fundo. Já esperava aquela pergunta.

- O professor novo mandou-nos um trabalho, para no inicio do ano saber mais ou menos como estamos na matéria.- Respondi não sendo muito convincente.

A bibliotecária olhou-me desconfiada, mas depois suspirou e perguntou.

- E qual é o tema do teu trabalho?

- Sobre mitos, mitos de Gutenberg, em especial um mito.- Senti os olhos de Caroline fixarem-me atentamente, os meus estavam parados numa das estantes.- Um mito sobre semi-deuses, ou simplesmente deuses das bênções.

Uma enorme tensão surgiu em todo o corpo de Caroline, vi a estremecer levemente, não sei se foi de frio ou de nervosismo.

Seria que ela tinha algo a ver com os humanos que ajudavam o bicho a matar as mulheres? Ou sabia ela mais do que aquilo que devia?

Ficou alguns segundos em silêncio, depois inspirou fundo e começou a falar.

- Para que disciplina é esse trabalho?- Perguntou transmitindo um certo nervosismo na voz

A pergunta apanhou-me desprevenida e eu devo ter feito um ar de espanto pois vi Caroline franzir ainda mais o sobrolho.

Lembrei-me mentalmente de todas as disciplinas que tinha tido.

- História.- Respondi, mais uma vez não fui muito convincente pois Caroline continuou a olhar com uma certa desconfiança.

- Dão isto em História?- Perguntou.

Inspirei fundo.

- Pelos vistos vamos dar mitos.- Respondi. Apesar de ainda não estar conformada Caroline decidiu não continuar com o interrogatório.

- Então por onde queres que eu comece?- Perguntou.

- Pode ser pelo inicio.- Respondi fazendo um sorriso gentil.

Caroline inspirou fundo, fechou os olhos para voltar a abri-los.

- Conta-se através de mitos e lendas que esses semi-deuses são metade deuses e metade humanos, filhos da junção de um deus com um ser humano.- Peguei numa folha e numa caneta, para fingir que apontava a informação que me dava. Reparei que os olhos de Caroline estavam cobertos por uma espécie de neblina, como se estivesse a sonhar.- Crescem e vivem como humanos, mas ao morrerei vêm para a terra fracos, quase incapazes de viverem.
Apesar de fracos, têm ainda grandes poderes ligados à fertilidade das terras. Começa por aí. Aliciam as populações com promessas de fertilidade de terras, de tornar as suas terras as mais férteis do mundo, mas em troca as populações têm de dar vida de jovens belas e virgens, só assim estes se podem alimentar e sobreviver.

Parou de falar e começou a respirar. Até agora não me tinha contado novidade nenhuma em relação a estas criaturas, mas eu decidi esperar que ela continuasse.

- Matam uma vez por mês, na altura de Lua Cheia, durante onze meses.- Respirou calmamente.- Que mais precisas de saber?

- Tudo.- Respondi secamente, não gostando daquela interrupção.

A mulher inspirou e fechou momentaneamente os olhos.

- Tudo para o trabalho?- Perguntou. Anuí com a cabeça.- É que sabes isto não existe. É apenas um mito, não há deuses e muito menos semi-deuses.

- Eu sei.- Respondi.- Mas é o meu trabalho.

Caroline fez um ligeiro aceno com a cabeça e depois voltou a falar.

- Matam onze vezes por ano, uma mulher por cada mês. No décimo segundo mês da sua existência apanham a mulher que consideram mais apropriada, a mais bela e poderosa. Não a matam.- Respirou fundo.- Raptam-na e prendem-na.- Calou-se. Os seus olhos brilhavam intensamente.- Ficam com elas durante nove meses, para elas poderem “procriar”, depois dos pequenos seres nascerem matam-nas, e soltam estes, que farão exactamente o mesmo que eles, matar para se tornarem poderosos. Depois da sua décima segunda vitima, e ao fim dos nove meses, ficam extremamente fracos, desaparecem para voltar passados dez anos. E o ciclo continua.

Respirou fundo e fechou os olhos.

- Como é que eles matam as mulheres?- Perguntei.

Caroline olhou-me surpresa.

- Possuem coisas. Primeiro objectos, depois animais e por fim, quando estiverem mais fortes, pessoas. No final eles assumem mesmo o corpo de pessoas.

Anui com a cabeça.

- Há alguma forma de os matar?- Mais uma vez apanhei-a desprevenida com a pergunta.

- Eles não existem!- Exclamou.- Não acho que isso seja importante.

- Era só para adicionar mais informação ao meu trabalho.- Respondi.

Caroline suspirou.

- Ninguém sabe ao certo.- Disse.- Mas pensa-se que é com o fogo. Ao matar o semi-deus original, mata-se todos os seus “filhos”. - Olhou para um relógio colocado na parede.- Bem penso que talvez esteja na altura de ires embora, já te contei tudo. Espero que tires boa nota.

Sorri.

- Vou tirar com certeza.- Disse sorrindo.- Muito obrigada senhorita Stuart.

Dizendo isto saí da biblioteca e dirigi-me à Chevy. Entrei nela, Jack continuava a ouvir a cassete.

- Se fosse um inimigo estarias agora morto?- Disse-lhe.

Este virou-se para mim e sorriu.

- Considero os meus inimigos um pouco mais poderosos, Rose.- Disse-me rindo. Eu olhei-o com fúria.- Conseguiste alguma coisa de interessante?

- Sim.- Respondi.- A razão de só matarem agora é porque eles matam doze vezes por ano, uma vez por doze meses. Depois enfraquecem e ficam dez anos no inactivo. Matam as onze primeiras para se fortificarem, à décima segunda serve para lhes dar crias, que vão ser praticamente iguais, e vão fazer exactamente o mesmo.

- Fogo. Quantas criaturas destas deve haver?

- Deixa-me continuar. Começam por possuir objectos, depois animais e por fim humanos, neste caso quando estão mais fortes. É por isso que vistes as mulheres mortas de maneiras diferentes.- Jack anuiu a cabeça em sinal de compreensão.- Bem as más notícias são que este bicho parece estar cá já à algum tempo, por isso já deve ter uma boa quantidade de descendentes. As boas são que talvez morra com o fogo e que ao matar o original todas as suas crias morrem.

Jack sorriu.

- Bom trabalho! Rosinha. Acho que tens que continuar a fazê-lo.

Revirei os olhos.

- Para a próxima fazes tu.- Murmurei.

Jack riu-se. Depois começou a guiar, de regresso à estalagem.
-.-

Observei, sentada na cama, o bosque escuro que poderia ser visto através da única janela que tinha no meu quarto daquela estalagem

Bufei com raiva e deitei-me com as mãos atrás da cabeça.

Era a última oportunidade que iria ter para caçar aquela maldita criatura e estava a desperdiçá-la ali, à espera de um sinal de Jack. Era a última oportunidade pois duvidava que voltássemos ali, por norma não voltávamos aos locais onde havíamos feito uma caçada, a não ser que esse local fosse uma cidade, (o que não era o caso). Além disso iria só ficar mais um dia naquela terra, antes de voltar para Hogwarts. Duvidava seriamente que pudéssemos matar aquele bicho durante o dia, logo durante o dia seguinte não o poderíamos caçar, e durante a noite eu iria ter que descansar, pois o dia que se seguiria iria ser bastante cansativo. Iria voltar para Hogwarts. Por tanto ou era aquela noite que o caçava ou então bem poderia dizer adeus e resmungar pelas horas de pesquisa que aquilo me levara.

A memória de Hogwarts entristeceu-me. Detestava aquilo. Desde os meus onze anos fora obrigada a ir para aquele inferno. Tive que fazer um corte na caça das criaturas negras, o que eu penso ter alegrado o meu pai. É claro que continue a caçar, sem o conhecimento do meu pai, mas as criaturas do bosque são muito banais, fáceis de matar. Não há criaturas misteriosas, raras, como aquela. O meu pai prometera-me que quase todos os fins de semana iria encontrar-me com ele para caçar. Algo que me deixava feliz e aliviada. Desde que entrara em Hogwarts os únicos momentos em que poderia caçar com eles era nas férias, nas férias de Natal, nas férias da Páscoa e claro, nas férias grandes.

Não sabia ao certo como me encontraram, como souberam onde me encontrava para enviarem a maldita da carta. Só sabia que foi a pior notícia que recebi em toda a minha vida.

Levantei-me.

Não tinha sono, e tentar adormecer não me serviria de nada, só iria conseguir enrolar ainda mais os lençóis.

Comecei a verificar a segurança do quarto pela centésima vez.

Fazia aquilo todas as noites, umas cem vezes seguidas, até sentir uma ligeira segurança e tranquilidade, o que nunca iria conseguir pela totalidade. Jack deveria ter razão, eu deveria estar a ficar louca. Mas esse era um dos riscos que tinha ao exercer esta "profissão". Uma pessoa pode ficar louca ao saber o que nós sabemos, ficar obcecada com a sua segurança e com a daqueles que ama (por isso é que muitos caçadores são solteiros) essa obsessão pode levar à loucura. Mesmo quando uma pessoa deixa de ser caçadora, as memórias das caçadas horripilantes e mesmo o conhecimento que têm sobre o que assombra a escuridão, é suficiente para lhe retirar a sanidade independentemente de ser fraco ou forte, mas é claro que os mais fracos estão em maior risco de tal acontecer. Eu sabia disso, mas tal não me impedia de fazer o que mais gostava. Caçar. Era até egoísta ter esse conhecimento e não usá-lo para proteger quem precisava. Por isso, contra a vontade do meu pai (que apesar de não querer que eu caçasse, sabia que era das melhores) caçava com todas as armas que tinha. Era o nosso negócio. O negócio de família. Fomos treinados, eu e o meu irmão, pelo melhor para sermos os melhores, e assim o éramos. Tiraram-nos a ingenuidade ainda em pequenos, e aproveitávamos essa falta para matar tudo aquilo que assombrava este mundo. E apesar de eu e o meu irmão sermos muito diferentes, tínhamos algo em comum, algo que nos unia, a caça. Sabíamos dos riscos desta, mas para ser sincera, acho que nunca pensávamos muito neles.

Lembrava-me diversas vezes do que acontecera com Billy John, um caçador nosso conhecido, que muito bom, mas que não aguentara e enlouquecera. Começou por dizer que algo o seguia. Nós não estranhámos, no inicio, mas depois começou a piorar, tinha medo de tudo, andava sempre a olhar para todo o lado com desconfiança, suspeitava de tudo e de todos. Começou a fechar-se no quarto, sempre que alguém lhe falava deitava-lhe água benta por cima, certificando-se que era humano. Começamos a achar aquilo esquisito, mesmo dentro dos nossos parâmetros de esquisitês. Ele estava louco, todos diziam, até mesmo caçadores. Billy dizia sempre que algo o seguia, mas ninguém acreditava. Até que um dia foi parar ao hospício. Ironia das ironias, duas semanas depois, Billy foi encontrado morto, na sua cama, todo esquartejado, por algo que parecia ser sobrenatural. Algumas questões sobre a morte de Billy John formaram-se entre os caçadores. Estaria mesmo Billy louco ou foi apenas uma artimanha para o levar a tal estado, para depois a tal coisa o poder apanhar?

A segunda hipótese era a mais favorável. Billy, como havia dito, era sem qualquer dúvida, um excelente caçador, e caçadores bons são algo que atrai bastantes criaturas negras. Especialmente demónios e vampiros, que têm um especial “carinho” por nós. Este é o grande problema dos caçadores, estão sempre tramados, se são muito bons têm todas as criaturas a persegui-los se não são lá grande coisa, são mortos em uma caçada banal qualquer. Mal por mal, acho que é preferível ser-se bom.

Jack costumava-me falar muito do Billy, dizia que se eu não me cuidava iria acabar como ele, num hospício. “ Não sejas tão paranóica Rose, se não ainda viras a Billy John”- Costumava dizer-me.

Vampiros…

Lembrei-me então do livro que havia comprado. Fui até à mala e retirei-o de lá.

Deitei-me de novo na cama e abri o livro na primeira página.

Anjos Negros - Vampiros
Por Luc Povor

Virei para a segunda página.

O que são vampiros?

Vampiros. Muito se fala de vampiros, mas pouco se sabe sobre eles. Diz-se apenas serem belas criaturas das trevas. As mais negras a seguir aos demónios. Fala-se que bebem sangue, mas na verdade não se sabe bem porque.
Existem muitas lendas sobre vampiros, maioritariamente não são verdadeiras.
Algumas falam que estes não têm reflexo, ou que só podem atacar à noite pois a luz sol mata-os. Todas essas lendas não passam disso, de lendas.
A verdade sobre os vampiros é bem mais complexa e melancólica. Estudei até a encontrar, e agora cito-a aqui, neste livro, que espero que muitos caçadores o leiam e utilizem aquilo que lhes expresso para poderem destruir este mal.

De inicio os vampiros foram considerados uma espécie de zombies, criaturas que saiam à noite para matar. Depois começaram a sair dos túmulos para beber o sangue dos humanos e mais tarde tornaram-se os clichés da actualidade. Criaturas belas que bebem sangue sem razão especial aparente.

Para vos poder responder à pergunta que inicia este livro, preciso de vos contar algo extraordinário que descobri ao fim de uma vida de pesquisas. Preciso de vos contar a verdadeira história dos vampiros, preciso de vos contar a sua origem.

A história dos vampiros

Tudo começou há milénios de anos atrás, no inicio dos tempos quando o mundo era completamente dominado por guerras entre humanos que cobiçavam o poder e a imortalidade. Existia um grupo de homens, homens maus e cruéis, que tinham uma enorme cobiça por esse poder e sobretudo pela imortalidade. Fariam tudo para obter isso, pagariam qualquer preço para tal. Esse grupo era formado por homens muito poderosos, dados a grandes conhecimentos de magia.

Procuraram durante anos formas de obterem a imortalidade. Formas perigosas mas sem um elevado preço. Até que houve uma altura em que se fartaram de procurar, queriam o poder sem qualquer que fosse o seu custo. Não se importavam. Como não acharam a imortalidade pelas formas mais morais, decidiram ir por outro caminho. Investigaram durante meses até que encontraram o que procuravam.

Numa noite negra, a noite mais negra desse século, e talvez milénio, uniram-se todos num círculo, cantaram canções negras e por fim fizeram um corte nas suas mãos e espremeram o sangue para que este escorresse para um cálice preto exposto no centro do círculo.

O escuro que existia naquela sala, tornou-se ainda mais negro e assombroso, as velas que rodeavam os homens apagaram-se, deixando-os na total escuridão. Muitos gritaram com medo e terror, tentando voltar atrás no mal que haviam feito. Algo impossível. Gritaram e invocaram o nome de Deus, mas este não os foi acudir.

Uma voz proveniente das sombras falou, aterrando ainda os presentes. Os demónios olharam-nos satisfeitos com a vitória que haviam acabado de ganhar.

Ficaram fechados durante dias. Adormecidos. Quando acordaram, acordaram satisfeitos, pensando-se invencíveis. As suas roupas ainda estavam cobertas pelo sangue que haviam bebido do cálice.

Saíram da sala. Ao depararem-se com um espelho ficaram admirados e satisfeitos com a beleza que havia aparecido nos seus rostos e corpos. Eram os humanos mais belos do mundo. Humanos, pensam eles. Ao saírem ficaram a admirar a bela paisagem. A sua visão, o seu olfacto e até a sua audição haviam-se tornado cem vezes melhor. Um deles sentindo-se forte e com energia, arrancou uma árvore das raízes e jogou-a quilómetros de distância deles. Todos olharam-no surpreendido, mas logo perceberam que todos tinham essa capacidade. Um começou a correr, surpreendeu-se ao a ver distância que havia percorrido e os minutos que havia demorado a percorrê-la. Mais uma vez todos ficaram satisfeitos. Eram invencíveis, umas autênticas máquinas de matar.

Esqueceram-se apenas de algo muito importante, esqueceram-se que os demónios são muito traiçoeiros e enganam as pessoas nos seus pactos. Esqueceram-se que os demónios só jogam se souberem que a vitória vai ser deles.

Começaram a andar satisfeitos durante a noite, mas ao amanhecer o sol bateu-lhes no rosto, sentiram-no a queimar-lhes o rosto e o corpo. Sentiram-se a arder. Fugiram para locais escuros, os mais lentos acabaram por morrer queimados com a luz do sol.

Foi aí que começaram a preocupar-se com o seu pacto, perceberam que só poderiam andar de noite nas ruas e isso não lhes agradou. Ficaram alguns dias fechados nas grutas. As suas tréguas começaram a desaparecer e os laços de ódio voltaram a estender-se entre eles.

À terceira noite saíram das cavernas, por grupos, clãs. Sabiam que não sobreviveriam sozinhos, mas não tencionavam ficar todos juntos, o desejo de domínio ainda existia nos seus corações negros, só que agora ainda se tornara mais obcecante que dantes.

Todos foram para suas casas e famílias, esperando serem bem acolhidos. E assim o foram. Tentaram comer e beber, mas ao porem os alimentos na boca, estes desfizeram-se e tornaram-se fogo, que lhes queimou a boca e as gargantas. Os seus familiares ficaram horrorizados ao verificarem que os olhos destes se haviam tornado cor de sangue.

A sede tornou-se tão grande que não conseguiram reconhecer suas mulheres e filhos, e sem se controlarem mataram-nos cruelmente, causando-lhes dor. No final bebiam o sangue dos seus filhos e suas mulheres, satisfazendo-se com estes. A sede por mortes e sangue dominava-lhes o corpo.

No dia seguinte ao acordarem e verem os corpos de quem amaram no chão, sem uma pinga de sangue, só com os olhos demonstrando terror, gritaram com dor e agonia. Sedentos por vingança e ódio, voltaram a estabelecer tréguas e começaram à procura dos demónios para se vingarem.

Ao beberem o sangue das vítimas, por vezes por descuido, os homens deixavam as vítimas vivas, estas passados três dias, eram consumidas pelo veneno que os demónios haviam posto nos dentes dos vampiros, tornando-se elas mesmas vampiros, e unindo-se aos já existentes. Ao verificarem isto os vampiros mais velhos começaram a morder-lhes de propósito para arranjarem um exército maior.

Os demónios que já esperavam tal reacção criaram uma arma que pudesse matar aquelas criaturas. Criaram então a estaca de prata, deram-na a alguns homens dando-lhe indicações de como a utilizar, e de como matar aquela criatura. Verificaram que apesar de ter efeito, era difícil para um homem mesmo assim matar um vampiro, então decidiram arranjar outra forma.

Os demónios só têm grandes poderes quando estes são utilizados em pactos, fora destes são muito limitados.

Os demónios procuraram diversas formas e criaturas para matar os vampiros, mas não os encontravam. Até que em uma noite de Lua Cheia, quando se encontravam nos bosques repararam numa alcateia de lobos.

Os lobos eram em parte parecidos com os vampiros, fortes, velozes, com boa audição, olfacto e visão.

Satisfeitos, verificaram também que havia por ali perto um grupo de caçadores.

Os lobos não eram tão fortes quanto os vampiros, mas os demónios sabiam que ao unirem estes com os humanos ir-se-iam tornar quase tão fortes como os outros. Por isso os demónios fizeram aparecer o veneno dos vampiros naquela alcateia de lobos, e depois atiçaram-nos contra os caçadores.

Na manhã seguinte os caçadores acordaram, mas não notaram grandes diferenças em si. Passado um mês, na altura de Lua Cheia, começaram as suas transformações. Tinham a capacidade dos lobos, só que ampliada cem vezes. Eram criaturas gigantescas, que apesar de não terem sede por mortes, se vissem um humano atacavam-no e então matavam-no ou transformavam-no num dos seus. Todas as noites de Lua Cheia deixavam de ser homens para se tornarem lobos gigantes que andavam sob duas patas. Os demónios também não confiavam muito neles, e portanto, criaram balas de prata, que deram igualmente aos humanos, acompanhadas com instruções para estes utilizarem-na caso fosse necessário. As populações chamaram-lhes de lobisomens.

Apesar de não serem tão poderosos quanto os vampiros, os lobisomens eram em maior número, o que tornava a balança equilibrada.

Ao encontrarem-se pela primeira vez, vampiros e lobisomens sentiram ódio e desprezo cada um pela outra espécie, e começaram uma guerra que dura até hoje. Esta guerra fez os vampiros esquecerem-se por completo da vingança que tinham pelos demónios, e mais uma vez estes festejaram triunfantes com a sua grande vitória.”


Os meus olhos começaram a fechar-se. O livro escorregou das minhas mãos e pude ouvi-lo cair no chão.

Senti frio. Ouvia ao longe uma voz familiar a cantar uma canção que me pareceu ser de embalar, não soube a quem pertencia. Ouvia gritos, mas sentia-me impotente para poder salvar esse alguém. Sentia-me confusa. Queria gritar, mas não tinha forças para tal. Os gritos tornavam-se cada vez maiores. Gritavam o meu nome, mas eu não conseguia ir ter com eles.

-Rose! Rose!- Ouvia.

- Rose.- Senti um safanão que me fez acordar.

Olhei confusa para o meu irmão.

- O que se passa?- Perguntei irritada.

- Está na hora da caça.- Murmurou com um sorriso no rosto.




Obrigada pelos comentários.

Posto o capitulo todo até ao final desta semana, mas só com comentários.

Faziam quase duas horas que estávamos dentro do carro à espera que algo de “sobrenatural” acontecesse, mas até agora nada.

Bufei de raiva, Jack olhou-me irritado.

- Isto não é só enfadonho para ti.- Disse.- Por isso escusas de soprar.

- Para fazer o que estou a fazer agora, tinha ficado em casa a dormir.- Murmurei.

Jack revirou os olhos.

- Como se tu dormisses…- Comentou.

- Antes de me teres ido acordar eu estava a dormir muito bem.- Respondi-lhe zangada.

Jack sorriu.

- Algo raro, maninha.- Murmurou.

Pousei o meu cotovelo no apoio de braço que a Chevy tinha na porta, depois comecei a observar o escuro. Podia ver as árvores baloiçarem-se ao sabor do vento. Ervas impediram-me ver o que havia para além delas. A lua, cheia, brilhava intensamente, podendo ser vista por trás das árvores agitadas.

Arrepiei-me.

- Pareceu-me ver qualquer coisa ali.- Disse a Jack, apontando para o local onde pareceu-me ter visto algo mexer-se.

Jack riu-se.

- Possivelmente era algum coelho ou coisa assim.- Disse Jack rindo-se.- Costumam haver muitos nos bosques, sabias?

De novo bufei com raiva e revirei os olhos.

- Pareceu-me ser outra coisa.- Disse-lhe.

- E lá começamos nós outra vez. Rose, tens que parar de ser tão paranóica senão…

- …Acabas como o Billy John.- Continuei a frase que já conhecia desde os meus dez anos. Jack nunca se enjoava dela, ao contrário de mim, que já não a suportava.

- Por acaso ia dizer que acabas como o louco do Billy, mas essa também serve.- Piscou-me o olho, eu olhei-o com mais raiva.

Olhei de novo para a noite, não valeria a pena tentar fazer Jack sair do assento.

Lua Cheia. Lembrei-me então do livro que tinha estado a ler.

- Jack.- Comecei, o meu irmão voltou-se para mim.- Tu por acaso sabes algo sobre…

- Sobre?- Jack ergueu a sobrancelha.

- Sobre… vampiros e lobisomens.

Jack franziu o sobrolho.

- Sei o básico. Como matá-los e essas coisas.- Respondeu-me.- Mas porquê?

- Numa batalha entre os dois quem achas que venceria?- Perguntei-lhe.

Jack pareceu pensar por algum tempo.

- Sabes que isso depende da idade e treino de cada um.- Eu anui a cabeça.- Mas creio que os vampiros têm mais hipóteses, quero dizer, por vezes são necessários uns três lobisomens para matar um vampiro fraco.

- Mas como é que eles os matam? Há mais formas de matar um lobisomem?- Perguntei.

Jack sorriu.

- Para nós não, mas para criaturas sobrenaturais sim. Basta a um vampiro dar uma mordidela a um lobisomem que, caso este não esprema o veneno a tempo, morre.

- E um lobisomem, como mata um vampiro. Quer dizer não o pode apunhalar com uma estaca de prata…

- Pois mas eles também têm as suas técnicas. Segundo o que o pai me contou, primeiro têm que lhe arrancar o coração e depois a cabeça, algo que não é fácil diga-se de partida.

Anui com a cabeça em sinal de compreensão.

- Mas porquê esse interessa particular em vampiros e lobisomens?- Perguntou Jack com curiosidade.- Nunca te interessaste muito por esse tipo de criaturas.

- Pois… Só que tive um sonho em que havia uma batalha entre os dois.- Fiz um ar pensativo.- Foi sinistro.

Jack olhou-me como se estivesse a avaliar-me.

- Hum…- Disse por fim.- Foi por isso que estavas estranha esta tarde?

Olhei-o espantada.

- Não.- Balbuciei.

- Então porque estavas tão estranha esta tarde?

Olhei-o aborrecida, não queria que ele também começasse com aquelas perguntas.

Um grito despertou a nossa atenção para o exterior, para o bosque.

Eu saí apressada do carro assim como Jack.

Olhei em meu redor procurando quem havia gritado.

Jack aproximou-se.

- Vês alguma coisa?- Perguntou.

Havia retirado a revólver dele, fiz o mesmo, retirando uma que estava numa das frechas das minhas calças.

Comecei a andar lentamente, dirigindo-me até à entrada do bosque.

Arrepios percorreram-me o corpo por inteiro, erguendo todos os pêlos existentes no meu corpo. Senti frio no estômago. A minha respiração tornou-se pesada. Não conseguia sentir os maus batimentos cardíacos, tal era concentração que eu fazia ao tentar ver algo para além de árvores e escuridão.

Fechei os olhos. Jack estava mesmo atrás de mim.

Senti arrepios. Dei mais um passo. Algo se partiu de baixo dos meus pés.

Baxei-me e apanhei o objecto. Pude ver, mesmo com a pouca luz que havia, que eram uns óculos castanhos.

Senti o meu coração a dar um enorme baque, para depois voltar a ficar em silêncio.

- Caroline.- Murmurei.

- Quem?- Perguntou Jack confuso. Tinha abaixado a arma ao ver-me a pegar em algo.

- Caroline Smith. A bibliotecária, o semi-demónio tem a bibliotecária.- Expliquei.

Sei saber porque, comecei a correr para o meio do bosque. Sei saber para onde me dirigia, corri, como se a minha vida dependesse disso. Os meus pés levaram-me por uma zona, sem que eu consentisse.

Por mais que tentasse obrigá-los a voltar atrás não conseguia, haviam tomado controlo da situação.

- Rose! Rose! Volta para trás é perigoso.- Ouvi Jack gritar, mas naquele momento, não me interessou.

Cheguei a uma espécie de clareira.

O meu corpo gelou, eu conhecia aquele lugar. Eu estivera ali, em sonhos, mas estivera ali.

Fechei os olhos.

Não ouvi lobos, nem pude ver vampiros.

Olhei para a minha roupa. Usava uma roupa normal, não o vestido branco do sonho.

Inspirei fundo.

Ouvi gritinhos vindos da zona este do bosque, comecei a dirigir-se a esta.

Corri o mais rápido que pude. Tinha que salvá-la. Tinha que salvá-la.

Ouvia Jack a correr, mas ainda permanecia afastado de mim.

- Rose.- Ouviu gritar.

Atravessei aquela que deveria ser a vigésima árvore.

Paralisei.

Caroline estava caída no chão, possivelmente desmaiada. Ao seu lado pude ver um vulto que deveria pertencer à criatura.

Senti todo o meu sangue gelar. O meu coração voltou a dar sinais de vida.

A criatura sentiu a minha presença e voltou-se. Olhei-o horrorizada. Possuía sem dúvida o corpo de um homem bonito, mas os seus olhos eram aterradores, e mais uma vez tive a certeza que não circulava sangue no meu corpo. Olhou-me surpreso. Largou Caroline que continuava desmaiada.

Observou-me com curiosidade, depois sorriu.

Os seus olhos estavam pretos, e quando digo os seus olhos não me refiro só às suas íris mas sim aos seus olhos por inteiro.

Arrepiei-me. Estava como qualquer humano possuído.

Peguei no meu revólver. A criatura aproximou-se.

Paralisei. Sabia que ele não seria morto por uma bala, mas sim pelo fogo.

Senti a minha respiração falhar.

A criatura avançou sobre mim.

O ruído proveniente de um tiro, perfurou-me os ouvidos. Não caí, não me baixei, continuei erguida, paralisada como uma pedra de gelo. O bicho recuou com a bala, apesar desta não o poder matar.

Senti-me enfraquecer.

- Rose! Rose!- Jack gritava pelo meu nome.

Os olhos da criatura brilharam com fascínio e antes desta desaparecer do meu campo de visão, fugindo pelos bosques negros, pude ver um sorriso malicioso formar-se nos seus lábios.

- Rose.- Jack agarrou-me impedindo que eu caísse.- Para a próxima espera por mim.

Pude notar a preocupação e o medo na sua voz.

- Caroline.- Foi a única coisa que consegui dizer.

Jack apressou-se a correr até à mulher desmaiada. Debruçou-se sobre ela e começou a ver a sua pulsação. Eu caminhei, amparada por algumas árvores, até ele.

Fora fraca. Nunca me deixava afectar assim por uma criatura, nunca permitira ter medo no meu corpo, e de uma certa forma temi que ele desta vez se tivesse apoderado de mim.

Jack pegou em Caroline e fez um gesto com a cabeça para que eu o seguisse.

- Desta vez segue-me.- Murmurou. Eu assim o fiz.

Lembrei-me do sonho. Estava desprotegida, quase como me encontrava aqui.

Como poderá deixar que o medo se apoderasse de mim? Como me poderá tornar tão inocente? Eu não era assim, eu nunca tinha medo, era por isso que era uma das melhores.

Atravessamos as últimas árvores do bosque.

Jack aproximou-se do carro e pousou Caroline nos bancos detrás do carro. Os olhos desta começaram a abrir-se.

- O que aconteceu?- Perguntou. Observou-me e depois pareceu lembrar-se começou a dar gritos histéricos e a espernear-se o meu irmão tentou acalmá-la.- Quem são vocês? O que querem? Larguem-me ou eu chamo a polícia!

Os seus olhos pararam nos meus.

- Tu! Tu!- Disse apontando para mim.- Era por isso que querias falar comigo.

- Sim era. Queria saber sobre aquela criatura que quase a matou.- A mulher olhou-me confusa, depois os seus olhos começaram a brilhar, ao lembrar-se do que havia acontecido. Começou a tremer e a soluçar, uniu as suas pernas ao corpo e começou a baloiçar-se sobre si mesma.- Quem são vocês.- Perguntou entre soluços?

- Somos caçadores de criaturas das trevas.- Respondeu Jack calorosamente.- Sei que é difícil de acreditar mas…

- Eu não sabia que ele existia, não sabia. Pensava que era uma lenda.- Caroline pôs a mão na cara escondendo as lágrimas. Jack abraçou-a.

- Não teve culpa. Era algo inacreditável.- Sussurrou.- Ajudou-nos muito, acredite. Rose.- Jack voltou-se para mim.- Entra no carro, temos que a levar para longe daqui.

Jack sussurrou algo ao ouvido da melhor que anuiu com a cabeça e limpou as lágrimas, depois Jack afastou-se dela, fechou a porta do carro e dirigiu-se até à sua.

- Despacha-te Rose.- Disse-me antes de entrar no carro.

Inspirei fundo. Abri a porta do carro. Comecei por me sentar, mas antes de entrar no carro por completo dei uma espreitadela ao bosque.

O meu sangue gelou de novo. Pude ver os seus olhos as espreitarem por entre as folhas das árvores. Observava-me, esperando ansioso pela altura ideal para atacar.

Pela primeira vez senti-me como uma presa. Uma fraca e indefesa presa.








-.-

Dei mais uma volta na cama. Aquilo já se havia tornado rotineiro. Estava enervada. Havia passado um dia desde que quase apanhamos o bicho, agora bem podia esquecer apanhá-lo, no dia seguinte iria estar de volta para o meu “doce” inferno.

Bufei com raiva, dando uma outra volta.

Os olhos negros voltaram a surgir-me na mente, surgiam-me sempre que tentava adormecer, sempre que fechava os olhos, como uma maldição.

Sempre que os via o meu coração começava a palpitar como um louco pela sensação que o olhar do terror lhe trazia.

Presa.

O fascínio com que me olhava. O fascínio pela minha morte.

Lembrei-me do vampiro do sonho. Teria alguma ligação?

Os olhos do vampiro eram sedentos pelo desejo do meu sangue, não eram iguais aos deste, este parecia apenas ter-me visto como um meio para alcançar os seus objectivos. O vampiro queria algo mais, queria prazer por algo mais que sangue, talvez visse o meu sangue como uma essência rara. Muitas outras criaturas viram-no.

Abanei a cabeça furiosamente. Estava a levar aquele sonho longe de mais, ele não passava disso, de um sonho.

Aquele vampiro era-me tão familiar…

Fechei os olhos com força. Má decisão, o sorriso maníaco da criatura voltou a perturbar-me.

Empurrei a minha cara contra a almofada, tentando abafar esta horrorosa memória nela.

Inspirei fundo, fechei os olhos de novo. Senti-me feliz ao constatar que ele não se lembrara de me importunar de novo.

Gritos. Cheiro a Sangue. Manchas de sangue na escuridão.

Abri os olhos.

Inspirei fundo, tentando encher os pulmões, como que tivesse estado debaixo de água durante muito tempo.

Arrepios percorreram o meu corpo.

Procurei pelas minhas adagas de prata, fiquei satisfeita ao constatar que elas estavam onde deviam, na cinta que estava enrolada à minha perna esquerda, por de baixo de uma camisa de dormir que me ia um pouco a cima dos joelhos.

Suspirei aliviada ao sentir as minhas armas junto de mim, procurei no meu peito o crucifixo e mais uma vez suspirei aliviada ao senti-lo.

Fechei os olhos de novo. Adormecer havia-se tornado sem dúvida, uma ideia repelente.

Procurei por um relógio em cima da mesa-de-cabeceira. Eram onze horas. Deveria estar mesmo mal para me estar a deitar tão cedo, lembrei-me então o motivo para tal. As minhas férias haviam acabado e no dia seguinte iria estar de volta a Hogwarts.

Maldição. Antes ser comida por um lobisomem, ou algo assim.

Fechei os olhos, só ao pensar em Hogwarts acho que espantava qualquer pesadelo que pudesse existir, que pesadelo poderia ser maior do que aquele?

De novo a escuridão foi a única bela visão a que tive direito.

Perdi a consciência, em poucos segundos não sentia ou lembrava-me de nada

O meu corpo encontrava-se dormente. Senti-me envolta por uma densa neblina, cinzento, era tudo o que conseguia ver, cinzento. Há medida que o tempo, se é que o havia, foi passando comecei a ouvir vozes e espécies de imagens a atravessarem à frente dos meus olhos como flechas.

Havia algumas que conseguia apanhar, mas logo se desfaziam, impedindo-me de vê-las.

As vozes sumiram para serem substituídas por um denso ruído, algo como um irritante zumbido.

Se sentisse as minhas mãos, tê-las-ia levado aos ouvidos, mas não as sentia.

Apetecia-me gritar com a agonia que o ruído, que começava a aumentar, me trazia., mas não tinha e muito menos voz.

Passei assim, tempo indeterminado, até que a neblina deu lugar ao escuro e o zumbido ao vazio sonoro, qual dos dois era pior, sinceramente não sei.

Vi-me então deparada com um corredor, que me pareceu familiar. Era largo e fundo, com um aspecto medieval, paredes altas, tectos altos, chão de mosaico. Do lado esquerdo havia algumas arcadas que permitiam a passagem para um amplo jardim. Do lado direito, preso às paredes, havia diversos quadros, Quadros em que as suas figuras se mexiam, quadros em que as suas figuras falavam. Estava em Hogwarts. Agora sim, o meu sonho era sem dúvida um grande pesadelo.

Caminhava apressada sem saber o rumo.

O corredor estava deserto, tive um estranho Déja Vu. Caminhei por este, alheia ao que nele se passava. Não sabia para onde me dirigia, mas os meus pés guiavam-me pelo desconhecido.

Sentia-me estranha, tinha mesmo a enorme sensação de conhecer aquele lugar, de conhecer tudo aquilo que fazia naquele momento, como de facto já o tivesse feito.

Andava apressada, sem eu mesma o querer, e por mais que tentasse mandar os meus pés abrandarem ou pararem, não conseguia.

Fechei os olhos, um cheiro doce e cortante, inundou as minhas narinas.

Em pouco mais de um centésimo de segundo, sem sequer ter me apercebido da sua presença, choquei contra alguém, o portador do tão raro e distinto perfume.

Continuei com os meus olhos fechados, senti o meu corpo cair lentamente, e eu não tinha a possibilidade de me erguer.

Tentei inspirar, mas o perfume veio com uma intensidade maior e mais perturbadora, ferindo-me as narinas, mas ao mesmo tempo, sedutor, como algo concebido para atrair-me.

Não conseguia sentir o meu coração, mal sentia o meu corpo e os movimentos que este fazia.

Uma mão, possivelmente pertencia a quem eu havia dado um encontrão, segurou-me no pulso, com força suficiente para impedir que caísse e para conseguir erguer-me.

Desta vez não consegui inspirar, as batidas cardíacas voltaram a surgir. Os pêlos de todo o meu corpo ergueram-se arrepiados.

Os meus olhos foram abrindo-se lentamente, tentando focar a imagem à minha frente.

Senti um aperto no peito que me impossibilitou a respiração. À minha frente encontrava-se um rapaz que deveria ter uns dezassete/dezoito anos, um rapaz com uma beleza enorme, uma beleza sobrenatural. Cabelos negros, olhos negros, pele branca, lábios carnudos e cleros, quase pálidos. Olhava-me estupefacto, como se a raridade fosse eu e não ele.

Tentei inspirar, mas não consegui. O rapaz exercia demasiada força no meu braço, quase que partindo este. Uma força demasiado grande para ser normal.

De novo senti o meu corpo a arrepiar-se.

Não deve ter passado mais de dois ou três segundos, até ele largar-me, até eu conseguir respirar. Mas entre esse meio tempo, algo nele não me agradou, algo nele fez-me sentir em frente ao perigo, fez-me sentir insegura, e nisso o meu instinto raramente falhava.

Para aumentar a minha desconfiança e insegurança, nesse mesmo meio tempo ainda pude ver algo não…muito comum. Os olhos negros e gélidos do rapaz brilhavam intensamente, e pude ver algo como desejo, desejo que vira em muitas criaturas, desejo por mortes e por sangue.

Estava a imaginar, só podia.

Um brilho vermelho e sádico atravessou os seus olhos como um relâmpago, pondo-me em dúvida se de facto o vira ou fora imaginação criada pela insegurança que as reacções do rapaz me causaram.

O rapaz observou-me com curiosidade, enquanto me largava aos poucos.

Ergui-me, peguei nas coisas, sem mesmo saber que trazia algumas comigo, observei o rapaz, que ainda me olhava petrificado. Senti os meus lábios moverem-se, a pedir-lhe desculpa.

Os meus pés guiaram-me, apressados, seguindo o caminho que seguiam antes de terem sido interrompidos.

Senti os seus olhos pregos em mim, enquanto caminhava sem saber o rumo.

As luzes dos corredores começaram a apagar-se, deixando-me na escuridão. Temi que ele se tornasse aquilo que temia que ele fosse. Temi que ele me mordesse, temi sentir os seus dentes cravarem-se na minha garganta. Temi a dor que os seus doces lábios gélidos me trariam.

Um barulho de algo a movimentar-se próximo de mim trouxe-me para uma outra escuridão. Senti ar a encher-me os pulmões, um ar diferente, um ar que me parecia real. A dormência do meu corpo começou a desaparecer e eu pude começar a sentir e manejar os membros do meu corpo.

Aos poucos aproximei a minha mão de uma das duas adagas que tinha guardado na cinta de baixo da minha camisa de noite. Empurrei os cobertores para longe de mim. Abri os olhos lentamente, tentando adaptá-los à pouca luz que havia no quarto. Luzes vindas da janela contribuíram para a minha adaptação.

Levantei-me lentamente, caminhei, procurei quem poderia estar a fazer tal barulho.

Um ruído despertou de novo a minha atenção, vinha de fora do meu quarto. Inspirei fundo. Segurei a minha adaga firmemente e aproximei-me da porta.

Abri-a.

Observei o corredor estreito e escuro. Estava deserto. Algo de estranho se passava ali.

Dei um passo em frente. Sustive a respiração.

Virei-me para o lado esquerdo.

Um ruído de tábuas a rangerem vindo de trás de mim fez-me virar bruscamente nessa direcção, ninguém. Dei um passo em frente.

Arrepios atravessaram por todo o meu corpo. Senti que o meu coração se encontrava aos pulos e que o ar se havia tornado novamente demasiado denso para ser respirável.

Dei um outro passo em frente.

Fechei os olhos por um milésimo de segundo.

Senti uma mão a tapar-me a boca. Tentai gritar. Inspirei, um cheiro horroroso, de algo como remédio, queimou-me as narinas. Os meus olhos começaram a lacrimejar, e aos poucos começaram a ficas turvos.

A imagem escura dos corredores tornou-se desfocada.

Tentei debater-me, mas de novo o meu corpo estava dormente. Perdera todas as forças e senti-me a desfalecer. Ainda pude ouvir o tilintar que a adaga fez ao embater no chão.

Senti o meu corpo cair sobre outro, um corpo forte.

Droga. Deram-me droga. - Foi a última coisa que me lembro de ter pensado.

A escuridão dominou, de novo, o meu campo de visão.



-.-

Escuro. Escuridão.

Não abri os olhos, tentei descobrir onde estava pelos sentidos que me foram dados.

Inspirei. Um cheiro suave, um cheiro a plantas e a ervas, entrou-me pelas narinas misturado com o ar.

Arrepiei-me.

Encolhi os dedos dos meus pés. Algo debaixo deles cortou-os e picou-os. Estava descalça. Pude sentir ainda, que misturado a esses materiais cortantes, havia algo húmido, frio, macio, suave e pegajoso, algo que se agarrou, em parte, aos meus pés.

Tentei abrir os olhos, mas percebi que ainda não tinha forças para tal. Continuei, então, a tentar desvendar o local onde me encontrava, usando simplesmente os meios que havia adquirido.

Pude ouvir o vento soprar, pude ouvir o chocalhar de materiais pequenos, uns nos outros, a uns bons metros acima de mim.

- Folhas. - Pensei, ao conseguir perceber o seu som e ao lembrar-me que tipo de matérias exerciam tal. - Árvores. O bosque.

O bosque. Estava no bosque.

Senti o meu sangue gelar.

Abri os olhos abruptamente.

Estava escuro, mas pode perceber as silhuetas das árvores e das suas folhas, no meio da escuridão, e as sombras que estas faziam quando a luz do luar embatia nelas.

Vi os reflexos da lua inscritos no chão de terra.

De início senti-me tonta, ligeiramente inconsciente, alheia ao perigo que me espreitava por entre as assombrosas árvores daquele bosque.

Fechei os olhos de novo. Ouvi o zumbido proveniente do vento e do agitar de algumas árvores, como que a quererem-me despertar para a realidade, como que a quererem que eu saísse o mais depressa possível dali.

A dormência do meu corpo foi desaparecendo aos poucos e eu comecei a sentir o frio da noite gelar-me, gelar o meu corpo que se encontrava apenas coberto por uma fina camisa de dormir, que nem me chegava aos joelhos.

Tremi.

Os pequenos cortes, que as pequenas pedras misturadas na terra gelada e macia me fizeram, começaram a arder, fazendo-me gemer interiormente e a lacrimejar com a dor que começava a sentir.

Abri de novo os olhos. Vi as imagens turvas das árvores começarem a dançar sobre elas próprias.

Abanei a cabeça violentamente, tentando ver se despertava.

Devia ser algum tipo de ressaca derivada da droga que me haviam dado para deixar-me inconsciente.

A consciência e a compreensão começaram a dominar-me.

O vento soprou com fúria, agitando os meus cabelos soltos. Comecei a debater-me para sair dali, percebi que estava amarrada contra algo, possivelmente contra uma árvore, com os braços colados ao tronco. As cordas que me amarravam à árvore estavam atadas envolvendo a minha cintura e dando uma ligeira liberdade aos movimentos dos meus braços.

Debati-me de novo.

Nada aconteceu. As cordas apesar de não estarem muito apertadas não estavam soltas o suficiente para poderem-se soltar só com os meus puxões furiosos.

Suspirei derrotada.

- Quero acordar agora! - Choraminguei interiormente. - É uma excelente altura para acordar deste pesadelo.

Fechei os olhos. Continuava a sentir-me um pouco zonza e sabia que mesmo que me conseguisse soltar das cordas não conseguiria correr suficientemente rápido para fugir ao perigo que azoava o bosque. As minhas pernas ainda estavam fracas devido à droga que me fora dada.

O vento suplicava para que eu fugisse, assim como as árvores que tremiam com o medo que o bicho lhes causava.

Senti-o mais próximo apesar de saber que ainda se encontrava distante.

Abri de novo os olhos sem a intenção de os voltar a fechar.

A luz do luar havia-se aproximado ligeiramente do local onde me encontrava.

Lembrei-me então, para ligeira satisfação minha, que o bicho só havia atacado Caroline Smith por volta da meia-noite, tal como todas as mulheres. Pela posição da lua e pela escuridão da noite, sabia que ainda faltava um pouco para a meia-noite, a escuridão ainda não havia atingido o seu pico máximo, tal como acontecia a essas horas.

Suspirei aliviada.

Pude sentir um êxtase e euforia invadiu o meu corpo, assim como uma pequena esperança de poder sair dali com vida.

Olhei fixamente para uma árvore situada à minha frente. Comecei a "puxar" a concentração - como dizia Jack - de modo a tentar arranjar uma boa ideia que me levasse a conseguir fugir dali com sucesso.

Ocorreram-me ideias diversas, uma foi até, a mais desesperada, de gritar a pedir ajuda a alguém que pudesse passar ali perto. Desisti logo que constatei que isso só serviria para acelerar a minha morte.

Morte.

O meu coração de um grande solavanco.

"Mata onze, à décima segunda..."

Podia ouvir a voz de Caroline sussurrar ao meu ouvido.

Contei interiormente o número de mulheres que haviam desaparecido, rezando para que eu fosse a décima primeira, mas nunca a décima segunda.

Arrepiei-me,

Tentei respirar, mas os meus pulmões impediram-me, tentando assim matar-me de uma forma mais doce.

Soltei um soluço mudo.

Caroline ia ser a décima segunda, mas eu impediu-o, e agora, como castigo, iria ficar no seu lugar.

Eu era agora a décima segunda. Eu seria a sua décima segunda.

Arrepiei-me de novo.

- Jack.- Sussurrei suplicante, esperando que o meu irmão aparecesse das profundezas do bosque para me resgatar.

Nada de novo aconteceu. Jack não apareceu.

Naquela altura deveria estar dormir, nem deveria ter dado conta da minha ausência.

Estava sozinha. Por minha própria conta.

Num dia normal teria ficado felicíssima, mas aquele dia estava longe de ser normal, até para mim, uma caçadora habituada a lidar com seres das trevas.

Contra a minha própria vontade e juízo, o meu corpo debateu-se novamente contra as cordas que o prendiam ao tronco da árvore, tentando soltar-se deste, mas logo parou exausto, ao verificar o que a consciência já havia verificado, que esse esforço, era em vão.

Se tivesse forças teria gritado. Se tivesse lágrimas teria chorado. Se não tivesse orgulho teria suplicado.

Havia perdido todas as minhas forças. As esperanças, tal como as forças, extinguiram-se, e consigo levaram o êxtase e a euforia que o meu corpo atrevera-se a sentir.

Fechei os olhos, sem esperanças de os voltar a abrir.

Inspirei, pensando que seria a última vez que iria fazer tal.

Como iria ficar Jack? E o meu pai?

Uma súbita energia despertou o meu corpo, e partes que ainda se permaneciam dormentes. Eu não iria desistir assim, eu não era fraca a esse ponto, eu detestava pessoas fracas, não iria virar a uma delas.

A pouca dormência que existia no meu corpo, como efeito da droga desapareceu, e eu senti algo que pela primeira vez me agradou bastante.

Senti que algo, como uma cinta, estava envolto na minha perna, apertando esta.

Sorri pela primeira vez.

A liga onde eu tinha as minhas adagas de prata. Talvez ainda tivesse lá alguma. Talvez eles não se tivessem dado conta e não a tivessem tirado.

Apesar da onda de felicidade que invadiu o meu corpo, não me atrevi a aumentar muito as esperanças não fosse ter que voltar a perdê-las de novo, dando-me assim um enorme choque.

Estiquei o meu braço esquerdo, o máximo que pude. Fiquei com ele alguns segundos estendido, até puder tocar na zona da minha perna um pouco abaixo da liga.

Inspirei fundo nervosa.

Faltava pouco para a meia-noite. Faltava pouco para ele aparecer.

Subi a minha mão esquerda, ergui um pouco a camisa de dormir. Cheguei até à cinta. Apalpei esta, procurando por algo que me pudesse salvar naquele momento.

Senti as minhas mãos tocarem na pequena adaga de prata. A minha preferida.

Não pude deixar de mostrar a euforia que voltara a invadir o meu corpo, se não tivesse amarrada conta uma árvore provavelmente teria dado pulinhos de alegria.

Comecei a girar a adaga lentamente, tentando voltar o bico para cima, na direcção das cordas que me amarravam.

Quando ia a meio do movimento, a adaga escorregou-me da mão e caiu no chão feito de terra e pedras. Olhei-a assustada, não poderia perder agora aquela oportunidade.

A adaga havia-me feito um corte na mão, que começou a fazer sangue. Algo que só ajudaria a trazer mais problemas.

Estava poucos centímetros dos meus pés, por isso ergui o meu pé esquerdo com cuidado e fui na sua direcção. Envolvi os meus dedos na sua lâmina, fazendo ainda mais cortes nestes.

Gemi de dor novamente.

Comecei a erguer a minha perna com cuidado, para não voltar a deixar a adaga cair no chão novamente. Não tinha tempo para repetir a acção.

Olhei-a nervosa. O meu coração encontrava-se aos pulos, devido ao suspence que sentia naquele momento.

A adaga escorregou, fazendo um corte ligeiro no meu dedo grande do pé.

Aproximei da minha mão solta. Esta mal sentiu o bico da adaga pegou nela.

Girei-a rapidamente, não lhe dando hipóteses de queda.

As cordas estavam um pouco acima das minhas mãos, por isso dobrei o meu punho esquerdo, coloquei a faca no meio das cordas, e dobrando e estendendo o punho, comecei a cortas as cordas uma a uma., cada vez com mais eficácia.

Ao fim de seis minutos tinha-me livrado das cordas principais e pude sair sem grandes dificuldades.

Sorri satisfeita.

- Toscos. Esqueceram-se de me tirar as facas.- Pensei.

Comecei a caminhar para um lado do bosque, mas o tremer das árvores e o som de passos que não os meus, fizeram-me recuar e esconder atrás de uma árvore nua.

O bicho andou até uma certa área e depois parou.

Escorreguei pela árvore, sem me atrever a olhar para trás desta, temendo o que lá se poderia encontrar.

Senti que todo o sangue abandonara o meu corpo, que o meu coração parara assim como a minha respiração. Todo o meu corpo tremeu com terror.

Fechei os olhos.

Nenhum dos meus órgãos trabalhou, com o medo que tinham em serem descobertos.

A criatura começou a movimentar-se de novo. Na direcção à árvore onde me encontrava, na minha direcção.

- O sangue.- Lembrei-me.

Deveria tê-lo cheirado.

Num movimento, passei a minha mão no tronco da árvore, arranhando-me e deixando que as pequenas ranhuras se espetassem na ferida sempre que passava por estas.

Por pouco não gemi ou gritem, mas mesmo assim não consegui conter as lágrimas.

Arrastei-me pelo chão coberto de folhas das árvores e por pequenas pedrinhas que arranhavam o meu corpo sempre que tinham oportunidade.

Mais uma vez o terror de ser descoberta pela criatura abafou o som dos meus gemidos.

- Talvez se fascine com o cheiro do meu sangue e nem repare na minha presença.- Pensei com alguma esperança.

- É um demónio não um vampiro.- Murmurou uma voz com censura.

Arrastei-me mais um pouco. Uma brisa soprou arrepiando-me.

Ele estava ali. Atrás de mim. Não precisei de me virar para saber tal.

Ao tentar respirar o pouco ar que havia naquela atmosfera, acabei por sentir apenas pedras de gelo entrarem-me pelos pulmões. Lágrimas de dor voltaram a formar-se nos meus olhos. Só tive tempo para fazer uma coisa: guardar a minha adaga de prata na minha liga e rezar para que ele não a tivesse visto.

Se soubesse rezar haveria rezado a esse que dizem chamar-se de Deus, a esse que dizem ser o nosso criador e o nosso pai, e apesar de não saber rezar, pedi-lhe auxílio, sabia que só ele me poderia ajudar naquela situação.

Só uma força divina me poderia ajudar quando não tinha as armas para combater o mal.

Quis que aquilo não passasse de um sonho, como aquele que tivera com o vampiro e o lobisomem.

Olhei para cima.

Lua Cheia.

Passos a aproximarem-se.

- Que seja um lobisomem, que seja um vampiro, que seja uma luta entre os dois. Mas tudo menos isto, matem-me de todas as formas mais horrorosas, mas não isto. Não isto.- Supliquei interiormente. Mas pareceu que ninguém me ouvira.

- Rose.- O ar falhou-me, o meu coração congelou. Senti gelo a circular-me nas veias em vez de sangue. Senti frio, muito frio, mas mesmo assim não me arrepiei.

Voltei-me lentamente, os meus olhos depararam-se com um rapaz, um rapaz que eu já havia visto, o rapaz da noite passada. O semi-demónio.

- Rose.- Voltou a murmurar.

Os seus olhos eram aterradores, mortíferos só com um leve olhar. Eram os olhos da pura perdição.

Deparara-me com muitos demónios em muitas ocasiões, mas nunca assim, nunca naquelas circunstâncias. Nunca estando sozinha. Nunca sendo eu a presa.

Aquilo trouxe-me as memórias à mente e de novo tive-me que arrepiar mesmo não sendo de frio.

“Dirigi-me lentamente até ao centro da clareira e sentei-me lá, esperado pela minha morte.

Fui com a mão ao peito verificando que o meu coração ainda se encontrava lá presente.

Pela primeira vez desde que chegara ali observei o que tinha vestido. Não era o que tinha quando fui dormir, era um vestido branco, que me chegava aos pés, era bonito, mas para meu terror fez-me lembrar aquelas raparigas que fogem nas florestas dos monstros, aquelas dos filmes. Isso aterrorizou-me, eu não era como elas. Eu não fugia dos monstros, eu enfrentava-os, só que ali estava desarmada. E como raios chegara ali com aquele vestido? Pelo que me lembrava a última vez que estivera lúcida foi quando me fui deitar e adormeci, mas não foi ali, foi na estalagem onde passava as noites, e estava vestida com a minha camisa de dormir, não com aquele vestido. A minha cabeça começou a dar imensas voltas.

Levantei-me, eu iria enfrentá-lo, tinha coragem para isso, não precisava das armas para nada.

Passos a aproximarem-se e a pararem. Era ele.

O cheiro da minha mãe, as canções que a minha mãe cantava, o meu pai, o meu irmão, o sorriso de todos eles, todos os momentos que passamos juntos. Estas recordações atravessaram-me a cabeça como flechas no momento em que ouvi os passos dele a abrandarem e a pararem.

Como ficariam o meu pai e o meu irmão?

Queria dizer o quanto os amava. O quanto os queria felizes. Mas sabia que não o poderia dizer.

A minha mãe. Em breve iria estar com ela. Essa ideia fez-me sorrir e acalmou-me a alma e o coração.

- Rose.- A voz veio por de trás de mim, uma voz sedutora, calma, fria, cruel e ao mesmo tempo doce. O vampiro pronunciou o meu nome com desejo na voz. Como saberia ele o meu nome?

Virei-me lentamente, com objectivo a apreciar os meus últimos momentos de vida.

Observei-o. Estava lindo e aterrador.

O cabelo negro continha pingos de sangue, que escorriam e pingavam o chão. As mãos estavam lavadas em sangue, o que contrastava com a pele branca. Os olhos vermelhos, sedentos de sangue, nunca tinha visto uns olhos tão sedentos como os dele, e esse facto não me assustou. E por fim os dentes caninos, brancos, compridos e com as pontas também sujas com o sangue do lobisomem.

O meu coração começou a abrandar, passando a bater ao ritmo normal, as tonturas e dores de cabeça passaram, o cansaço tornou-se em energia, assim como a fraqueza, a minha respiração voltou ao ritmo normal e as minhas faces voltaram a rosar e a ficar quentes. Toda a insegurança havia agora desaparecido.”

Naquele momento preferia o vampiro ao demónio, preferia o das íris vermelhas do que o dos olhos completamente negros. Preferia a morte à perdição.

- Rose Vernot.- Voltou a dizer o meu nome. Olhei-o com ódio, sem medo. Ele riu-se.- Ouvi falar de ti. Os ventos falam de ti.- Disse erguendo os braços para o céu, enquanto um vento soprava furiosamente.- Mais do teu pai, mas também se referem bastante a ti. Tenho que admitir que só ontem é que me pude aperceber quem realmente eras. Tenho que admitir que me desapontaste um pouco…esperava mais acção vinda da tua parte.

Riu-se. Olhei-o com mais ódio.

- Creio que sabes o que eu sou.- Disse aproximando-se, lentamente, de mim. Eu tentei erguer-me mas ele empurrou-me para baixo impedindo-me de tal. Surpreendi-me com a sua força.

- És um monstro.- Respondi-lhe com desprezo.

Voltou a rir-se.

- És sem dúvida muito insolente e louca, devo dizer, porque só um louco diria tal neste momento.- Abaixou-se aproximando-se mais de mim.

- Não temo a morte.- Disse sem medo, porque naquele momento todo o medo que tinha havia sido substituído por puro ódio e desprezo.

- Vejo.- Respondeu-me com um sorriso. Aproximou-se do meu cabelo e cheirou-o, eu tentei-o afastar mas não teve efeito. Tinha que distraí-lo para poder chegar à adaga sem ser apanhada no meio.- Mas eu não tenciono matar-te Rose, tenho outros planos para ti.

Arrepiei-me. O meu coração começou a bater com mais força devido ao terror que estas palavras lhe causaram.

O ser observou o terror nos meus olhos e riu-se.

- Sei o que temes Rose, sou demónio sei o que te afecta.- Disse com um sorriso orgulhoso.

- Meio demónio. – Respondi-lhe com um sorriso de troça. Os seus olhos brilharam com fúria.- Sei tudo sobre ti.

- Então surpreende-me.- Respondeu com ódio por ter-lhe tocado na sua mais profunda ferida. Aproximou-se de novo dos meus cabelos.- Talvez te poupe no final.- Murmurou. As suas mãos pousaram na minha cintura. Se o meu coração pudesse bater com mais força, tê-lo ia feito. Senti o meu corpo tremer com o nojo e a repugnância que sentia.

Riu-se de novo, depois retirou as mãos da minha cintura e ergueu-se.

- És um meio demónio, nasceste de um ser humano e de um demónio, logo só por nascença és repugnante.- Disse-lhe com desprezo. Os seus olhos faiscaram com ódio ao ouvir o que dissera.- Quando morreste na tua vida humana transformaste-te nisto.- Disse apontado para ele.- Matas onze mulheres num ano para te poderes alimentar, sobreviver e ficares mais forte. Há décima segunda…- a minha voz falhou – poupa-la durante um tempo, nove meses, o tempo suficiente para te dar uma cria igual a ti. Depois voltas à estaca zero e ficas dez anos adormecido até puderes voltar a atacar.

Sorriu.

- Então sabes o que te vai acontecer. A décima segunda…- Fez um sorriso malicioso.- Achei que a bibliotecária iria ser a mulher apropriada, para além de ter aqueles requisitos, que tu deves conhecer, era culta o suficiente para saber tudo sobre nós. Ia fazer-lhe aquilo que te vou fazer a ti, mas depois tu apareceste.- Arrepiei-me, um sorriso formou-se nos seus lábios.- Bela, uma humana completamente apelativa e tal como a bibliotecária, sabia sobre nós, além disso já ouvira falar de ti, quando estava fraco. Ouvi falar sobre ti, sobre o teu pai e o teu irmão.- Olhei-o com ódio.- Creio que seja aquele que me tentou matar com uma bala.

Começou a rir-se. O meu ódio aumentou. Não o deixaria fazer nada comigo, iria sair dali viva e sã e salva, custe o que custasse. A minha mão direita tocou na minha adaga de prata, o ser nem reparou no meu gesto. Tinha que distraí-lo.

- Alguma pergunta antes de começarmos?

- Sim, só uma.- O bicho mostrou-se surpreendido.- Quantos anos de morte tens?

- Por volta dos quinhentos. Cinquenta crias, se é isso que queres saber.- Fez um sorriso e aproximou-se. Apertei a adaga na minha mão.

- Eles morrem se eu te matar.- Sussurrei.

De novo ele mostrou-se surpreendido.

- Como tencionas matar-me?- Perguntou com um sorriso de troça, e uma voz sedutora.

- Assim.- Espetei-lhe com a faca numa das pernas, depois rasguei-lhe um pouco do músculo desta. Retirei a faca. Empurrei-o para trás e ergui-me. O bicho gritava de dor. Fumo saia da sua perna, e dos seus olhos, que brilhavam de surpresa.

Sem dar tempo comecei a correr para dentro dos bosques, esquecendo-me que o objectivo era sair dele e não entrar ainda mais nestes. Podia ouvir os gritos do bicho ao longe. Não tardaria para ele recuperar, tinha que arranjar alguma maneira para matá-lo.

O corte da adaga podia não matá-lo, mas o facto de esta ser banhada em água benta, era o suficiente para deixá-lo magoado durante algum tempo, tempo suficiente para eu arranjar fogo.

Sorri. Era isso, ia fazer fogo, o pai ensinara-me a fazê-lo.

Os meus pés magoados guiaram-me por uma zona que eu não conhecia, mas que pelos vistos eles conheciam.

Senti que mais cortes se formarem neles, mas não liguei, a dor e a fraqueza eram abafadas pela adrenalina que o medo e o pânico me traziam.

Sabia que ele não tardaria a recuperar.

O meu coração começou a palpitar cada vez mais depressa, cada vez que pressentia que ele recuperava.

Caí num tronco, mas não tinha tempo para me queixar, tinha que me erguer depressa e continuar à procura de algo que me ajudasse, nem que fosse a espera pela manhã que ainda faltava.

Ergui-me. Os reflexos da lua eram menos vistos naquela parte escura do bosque, mas mesmo assim ainda me permitia distinguir as diversas coisas existentes no chão do bosque.

Olhei com ódio para o tronco que me fizera perder tempo e que ainda me esfolara os joelhos, que agora jorravam um pouco de sangue e ardiam. Olhei-o até que percebi que aquilo talvez fosse a minha salvação.

Sorri, um tronco, um pau de madeira e umas folhas, eram os únicos materiais que eu necessitava para fazer fogo.

Peguei no pequeno tronco de árvore e comecei a correr à procura dos outros materiais.

Talvez Deus existisse mesmo. Sorri de novo.

Tropecei e caí de novo.

“Descobrimos os cadáveres”

A voz do meu irmão sussurrou ao meu ouvido.

Larguei o tronco e tapei o nariz.

O odor dos cadáveres era agoniante, pouco faltou para não vomitar. Todos estavam em carne viva, a apodrecerem. Com roupas rasgadas e cabelos sujos pela terra. Sangue envolvia-lhes. Podia-se ainda ver caveiras negras pela terra, pertencentes a mortes passadas. Surpreendi-me por aquilo estar ali descoberto, por o covil do monstro ser ao ar livre.

Senti o meu estômago dar voltas. O meu coração havia parado de palpitar violentamente com o susto

Havia insectos e larvas em cima dos cadáveres, comendo-lhes a carne podre. Nunca havia visto nada tão repugnante.

Tive vómitos. Fiquei enojada com tudo aquilo.

Não iria deixar que algo me acontecesse.

Saí dali, levando o tronco comigo.

Os olhos abertos com o terror, atravessaram-me a cabeça. Então era por isso que eles não queriam que eu os visse, porque sabiam o quão agonizante seria, o quão chocada eu ficaria. Por quanto tempo iria ficar com aqueles cadáveres a atormentar-me, agora que eu os havia visto.

Os lábios abertos, cortados, comidos, com larvas a sair pela boca. A boca aberta como que a gritar de terror. Teria mesmo gritado? Quanto haveria suplicado.

Facadas, mordidas de lobos e de animais, umas por asfixia.

Senti os meus pés mais pegajosos. Observei-os, estavam sujos pelo sangue delas, havia pisado o sangue delas.

Observei as minhas mãos, estavam igualmente sujas por sangue pegajosos que não era meu e que não tinha sido eu a derramar.

Tremi.

Caí no chão largando o tronco da árvore de novo.

Não conseguia caminhar. A imagem delas aterrorizava-me a cabeça como se tivesse sido eu a matá-las.

Lágrimas escorreram-me pela face.

Não conseguiria prosseguir com aquilo.

As árvores balouçaram as suas folhas.

Ele estava recuperado, bastava agora encontrar-me.

Inspirei. O cheiro do sangue das vítimas veio-me ao nariz. Senti-me enojada.

Não iria ser como elas. Iria morrer com dignidade.

As imagens dos olhos com terror, das larvas a comerem-lhes os restos dos seus corpos.

- Não vai acontecer-me o mesmo que elas.- Pensei.- Eu sei defender-me.

Ergui-me. Peguei algumas folhas que estava no chão. Vi também um pequeno pau de madeira.

Sorri, estava com sorte.

Peguei no pau, depois na minha adaga. Cortei as pontas desta de forma a tornar esta aguçada.

Coloquei o tronco no chão e peguei no pequeno pau, friccionei-o contra o tronco, rodando este até fazer algumas faíscas que saltaram em várias direcções. Quando estava suficientemente quente peguei nas folhas e soprei, de modo a fazer fogo, este ateou.

Um movimento atrás de mim retirou a minha atenção da pequena chama. Escondi-a atrás de mim, afastando-a da roupa mas protegendo-a do vento.

O meu coração palpitou furiosamente, devido à insegurança que sentia.

- Pensavas que me matavas com uma faca?- Perguntou-me o bicho. Sorri.

Aproximou-se de mim. Ergueu o meu rosto.

- Para bens maiores é necessário fazer pequenos sacrifícios.- Murmurou uma voz na minha cabeça.

- Tenho que admitir que estou impressionado.- Murmurou com um sorriso no rosto. Aproximou-se de mim. Tentou passar com umas das suas mãos no meu rosto mas eu afastei-me.- Pensa Rose, eu refiro-me a poder, eu posso dar-te grande poder. Tu és diferente das outras, poderosa, não precisa das ordens do teu pai ou do teu irmão, tu não precisas deles.- Olhei-o incrédula, como é que ele se atrevia a pensar que me enganaria com tal façanha já feita por outro demónios. Ele sorriu pensando que eu pensava no assunto.- É verdade Rose, tu és poderosa, muito mais que todos eles juntos. Nós- disse apontando para mim e para ele- podemos ser as criaturas mais poderosas da terra e dos céus.

- Ambicioso.- Pensei.- Acabo contigo pela tua ambição, então.

Senti as folhas a queimarem, não tardaria ele daria por elas, tinha que despachar o assunto.

Sorri. Ou menos que tivesse arranjado uma frase não tão tirada dos filmes ou dos demónios, até me senti ofendida.

- Para bens maiores é preciso fazer pequenos sacrifícios.- Murmurou de novo a voz dentro da minha cabeça.

- É...- Sussurrei, próximo dos seus lábios, sedutoramente. (Por muito pouco não vomitei).-...Para que precisarei deles se posso ser poderosa.

- Vês Rose é exactamente a isso que eu me refiro.- Mais uma vez fiquei surpresa. Como é que ele acreditou naquela tão facilmente. Não deveria mesmo ser experiente com caçadores.

- Podes ver viver para sempre...- O bicho sorriu.

Senti a minha mão queimar com o fogo. Os meus olhos brilharam com ódio.

-...No inferno.

O ser olhou-me espantado, sem esperar um segundo peguei-lhe fogo.

De início pude perceber incompreensão no seu olhar, mas depois quando sentiu o fogo queimar-lhe a pele do humano que possuía começou a berrar de dor e agonia.

Levantei-me o mais rápido que pude e corri dali para fora.

Os meus pés guiaram-me para longe e por mais incrível que pareça, para a zona certa, para fora do horroroso bosque.

Podia ouvir os gritos ao longe, mas não soube se o bicho havia ardido por completo. Naquele momento nada disso me importava só queria sair dali, tratar das minha feridas, e esquecer o que acontecera ali, isso era o mais importante.

Lágrimas escorreram-me dos olhos.

Senti-me cair na estrada de alcatrão.

O meu corpo tremia como nunca havia tremido. Estava suja e cheia de feridas, não que isso me importasse, pois pior que isso estava com marcas interiores. Agora sabia o que era estar do outro lado do cenário, sabia o que era ser...

- Rose!- Ergui os meus olhos Jack correu para erguer-me, os seus olhos estavam vermelhos, cheios de lágrimas. Assustei-me, nunca vira Jack assim.

- Jack.- Arfei, enquanto me erguia.- Peguei-lhe fogo, mas não sei se morreu.

Jack pegou-me ao colo.

- Isso agora não interessa.- Murmurou frio.- O que interessa é que estejas bem.

- Eu estou bem.- Jack abriu a porta do carro e colocou-me dentro deste.- Agora só preciso de saber se ele morreu mesmo.

Jack olhou-me tristemente, notei algo nos seus olhos que não me agradou nada. Estavam em sofrimento. Estivera-se a culpar.

Pensou durante uns segundos e depois anuiu com a cabeça. Fechou o carro pegou na arma e entrou no bosque.

Pousei o meu braço no apoio de braço da por ta do carro. Encostei a minha cabeça à janela.

Lágrimas escorreram-me pelos olhos. O corpo doía-me cada vez mais, agora que a adrenalina passara só me restava a dor.

Choraminguei baixinho. Não queria que nada nem ninguém me visse naquele estado tão lastimável, não suportaria ver os olhares de pena de alguém , eu não era de merecer pena , eu era forte.

Tentava respirar normalmente, mas o bosque também deixara marcas aí. O meu coração também não havia recuperado o ritmo cardíaco normal.

Fechei os olhos. Doía-me a cabeça. Devia estar a começar a ficar constipada.

Arrepiei-me de frio.

Estaria ele morto.

Abri os olhos abruptamente.

As minhas mãos foram parar ao porta luvas, procurei por entre os diversos objectos, até encontrar o que queria. Uma pequena garrafa que continha água, mas não uma água qualquer, era água benta.

Um movimento proveniente da entrada do bosque.

Apertei a garrafa com mais força. Escondi-a, ao meu lado.

Jack saiu por entre os ramos das árvores, dirigiu-se com um olhar vazio até ao carro, abriu a porta e entrou.

Fechou a porta.

O meu coração começou a palpitar com uma enorme velocidade, não sei se ele não pode ouvir. Cerrei as mãos com mais força, em torno da garrafa. Abri a tampa desta.

A respiração falhou-me.

- Mataste-o Rose, parabéns.- Murmurou com uma leve frieza.

Fechei os olhos, lágrimas voltaram a escorrer destes.

O volante do carro começou a trabalhar.

Inspirei fundo, mas o oxigénio não me saciou a necessidade que tinha.

- Espero bem que sejas tu, Jack.- Pensei.

Abri os olhos, completamente marejados.

Sem esperar por mais um segundo que fosse lancei a água sobre o corpo de Jack.

De inicio Jack ficou paralisado, depois olhou-me.

Os seus olhos azuis-esverdeados olharam-me com incompreensão e fúria.

- O que raios estás a fazer, Rose, compreendo que estejas chateada comigo, mas eu também estou. Escusavas-me de ter molhado, está frio lá fora, queres que me constipe?- Calou-se quando começou a perceber o que eu fizera. Primeiro a sua expressão suavizou depois abriu-se num largo sorriso.- Boa Rose!- Exclamou.- Fico orgulhoso por saber que ainda tomas esses cuidados.

Abraçou-me.

Aquele abraço conseguia fazer sentir-me, pela primeira vez naquela noite, humana, amada, viva e sobretudo forte e confiante. Foi sem qualquer dúvida o melhor abraço que alguma vez recebera.

Jack largou-me e começou a conduzir. Fiquei a viagem toda a olhar para o céu através da janela da Chevy.

- Tu não tens culpa de nada.- Murmurei por fim, quando Jack estacionava o carro em frente da maldita estalagem. Vi um sorriso triste formar-se nos seus lábios. Não acreditava no que eu dissera.

Olhou em frente. Os seus olhos brilharam, segui o seu olhar.

O meu coração deu um enorme solavanco, senti-me engasgar.

Um homem alto, elegante, com cabelo grisalho, muito bonito, estava parado em frente de nós, em pé a observar-nos com atenção.

- Oh não!- Sussurrei, Jack partilhou a mesma expressão comigo.




Postei :D. Estou muito boazinha.
Obrigada pelos comentários Cher e Gaby, espero que tenham gostado do capitulo.

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