Anjo Negro [100%]



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Narrado por:Rose Vernot

Uma leve brisa percorreu o meu corpo fazendo-me abrir os olhos. Encontrava-me num sítio que me era desconhecido. Era uma clareira, pelo menos supus que fosse. Estava escura, deveria ser noite. As árvores balançavam quando a brisa passava, era uma brisa não muito agradável, era gelada e trazia-me sensações muito desagradáveis.

Dei diversas voltas sobre mim mesma, tentando descobrir que lugar era aquele, onde eu me encontrava. Olha para cima, para o céu escuro e negro, não encontrei a Lua, deveria haver nuvens a cobri-la.

Comecei a caminhar, sem saber por onde. Aquele lugar não me agradava nada, queria sair dali o quanto antes. Fui por um caminho sombrio, todos os caminhos ali eram sombrios, mas algo me chamou para ir dirigir por aquele.
Vários arrepios percorriam-me a espinha, mas eu tentei não prestar-lhes atenção. Fechei os olhos diversas vezes para faze-los desaparecer. O meu coração começou a acelerar e a minha respiração tornou-se descontínua, tentei controlá-los, acalmar-me, mas foi em vão.

Tudo ali me era desconhecido e ao mesmo tempo estranhamente familiar.
A brisa soprava por detrás das folhas das árvores, parecendo transformar-se em vozes.

Fechei de novo os olhos, não gostava nada daquela sensação.
Já tinha ido a muitas caçadas, conhecia bem os perigos do escuro. Familiarizei-me com os seus perigos, com os terrores que ele trás, com as criaturas que o assombram.

Criaturas.

Como eu as detestava. Monstros que me roubaram a infância, a mim, ao meu irmão e a muitos outros como nós. Odiava-os, queria que eles desaparecessem todos. Que morressem, se é que já não estavam mortos, que fossem para o inferno, o lugar deles, o lugar de onde eles nunca deveriam ter saído.

Monstros, todos os que assombravam a escuridão não passavam de monstros. Monstros que me levaram a minha mãe, quando eu ainda era miúda. Monstros que ainda me assombram, monstros cujos os horrores que fizeram me iram acompanhar até à campa.

Eles não eram monstros por simplesmente matarem pessoas, como homens, mulheres, crianças e até bebés. Não, eles não eram monstros só por isso, eles eram monstros pela forma como matavam. Eles queriam ver o horror, o terror nas presas, só isso lhes dava prazer, o horror e depois o sangue a escorrer pelos corpos moribundos, e depois ver estes a caírem com no chão, imóveis, sem vida, mas com a mesma expressão de horror que tinham enquanto que ainda vivos. Era isso que lhes dava prazer, e era isso que os tornava uns enormes monstros.

Um frio percorreu o meu corpo, que se arrepiou, tento exterior como interiormente.

A brisa continuava a emalar vozes sinistras, e isso contribuía ainda mais para eu querer sair dali rapidamente.

Dei enormes voltas, mas acabava sempre por voltar à maldita clareira. Estava perdida, eu odiava isso. Odiava não saber o que fazer, não saber por onde ir ou o que poderia vir a seguir.

O meu corpo continuava a dar sinais de uma enorme insegurança, sinais completamente horrorosos para mim. Odiava sentir aquela insegurança toda.
Sentei-me no chão, tinha esperanças de assim poder sair daquele maldito bosque. De que alguém me encontrasse e me fosse buscar, como fazem quando os meninos estão perdidos. Queria sair dali, mas não sabia como, nem sabia como ali tinha chegado, sentia-me perdida e isso assustou-me, pela primeira vez em muito tempo tive medo, medo de estar sozinha na escuridão, medo de não estar com o meu pai e o meu irmão, medo daquilo que desconhecia.

Uma lágrima quente percorreu o meu rosto gelado.

A noite ia ficando cada vez mais escura, não tardaria nada aquela clareira iria ficar repleta de monstros sedentos pelo desejo do meu sangue, de o beberem ou de simplesmente verem a escorrer pelo meu corpo imóvel. Talvez ainda houvesse aqueles que iriam querer provar o sabor da minha carne.

Um nojo apoderou-se do meu corpo. Eu não iria deixar aquelas criaturas me matarem, beberem o meu sangue e comerem a minha carne. Não. Eu era uma caçadora, uma das melhores. Eu iria lutar contra tudo o que me aparecesse à frente. Levar todos aqueles que eu conseguisse comigo, se morresse.

Levantei-me e percorri com a minha mão uma das minhas pernas. Estava vazia. Percorria a outra. Também o estava.

O meu coração deu um enorme salto.

Estava sozinha naquele bosque sem sequer ter uma arma para me defender. O que é que eu iria fazer agora?

Fui com as mãos ao peito. O meu rosário? Não o tinha no peito. Eu estava completamente desprotegida contra o mal. Eu era uma presa fácil.
Um leve soluço soltou-se da minha garganta, mas logo calou-se. Um barulho vindo de uma parte do bosque substituiu-o.

Atrás de mim a Lua, que até então tinha estado coberta, apareceu, iluminando grande parte da sombria clareira.


Olhei para a imensa escuridão assustada, não tinha hipóteses iria morrer da maneira que sempre temi. Iria morrer nas garras daqueles que caçara durante anos.

O meu coração palpitava cada vez mais depressa, a vontade de fugir dali para qualquer parte do bosque era enorme, mas as minhas pernas não deixavam, tremiam levemente, de maneira descontrolada. E sem ordem nenhuma estas foram avançando, mas não para longe do perigo, não, pelo contrário, elas foram para a zona de onde provinha o intimidante barulho.

Aproximei-me lentamente de uma árvore onde me agarrei, tentando assim ter a capacidade de não cair chamando a atenção do interceptor do ruído.

O meu coração ia batendo cada vez mais depressa, podendo-o ouvir e sentir sem sequer tocar com a mão no peito. Mal conseguia ingerir o oxigénio existente no ar tal era a força das palpitadas que o meu coração dava.

Estava tudo escuro, e o barulho havia desaparecido. Um enorme alívio percorreu todo o meu corpo. Estava safa. O mal havia-se ido embora. Agora restava-me esperar. Forcei-me a abrir um sorriso com as poucas forças que me restavam.

Se tivesse força e equilíbrio teria dado pulos e gritos de alegria, mas não os tinha. A insegurança contudo não havia desaparecido, cansando-me e enfraquecendo-me ainda mais. Senti-me zonza e tive que me encostar à árvore e tentar manter uma respiração calma e contínua.

Fechei os olhos lentamente. Tudo iria dar certo agora. Pelo menos pensava.

Fiquei alguns segundos com os olhos fechados, tentando recuperar o folgo e as energias. Mas algo me fez despertar do meu pequeno descanso. Um som forte e tenebroso que assombrou toda a sombria e sinistra clareira.

Senti que não fui a única a arrepiar-me, senti que todos os seres vivos ali presentes se arrepiaram e intimidaram-se à sua maneira.

Um uivar de um lobo, só que muito mais forte e rouco, muito mais arrepiante, um som que era capaz de trazer consigo o aviso de morte a quem o enfrentasse.

O efeito dele foi como o de um líder bastante temido quando se dirige aos seus súbditos, todo o bosque perdeu a pouca vida que tinha ao ouvir aquele enorme e ameaçador uivar, todos tiveram curiosidade em ver o que se iria passar ali, e estranhamente até eu a tive.
Olhei para a Lua que iluminava a clareira. Lua Cheia.

O medo e a insegurança voltaram a apoderar-se do meu corpo, e eu instintivamente voltei a procurar as minhas armas nas minhas pernas. Como já sabia estas não se encontravam lá. O meu coração voltou a palpitar extremamente rápido e a minha respiração tornou-se quase inexistente.

Ao observar a lua as minhas enormes suspeitas confirmaram-se, para grande infelicidade a minha. Não era lobo, era muito, mas muito pior, era um lobisomem.

Fechei os olhos com maior intensidade, não os queria abrir, não queria deparar-me com a tremenda realidade de estar sozinha naquele bosque, de estar sozinha e desarmada com uma criatura daquelas à solta.

Não conseguia sentir o meu coração, tal era a força das batidas deste.

Tentei fugir, correr dali para fora, visto que não devia estar a muitos metros de distância da tremenda criatura, tentei fugir mas as minhas pernas não o deixaram. O motivo para a qual elas não me deixaram salvar-me, não foi por medo ou muito menos por cansaço e fraqueza, o motivo que as fez assinar a minha pena de morte foi a curiosidade. Curiosidade. O meu cérebro obrigara as minhas pernas a ficarem ali por ter curiosidade em ver o que iria decorrer naquele local.

Eu não lhe supliquei, não chorei, eu não fiz nada para além de observar atentamente.
Lembrei-me então de todas as formas, que aprendi, para matar um lobisomem. Na verdade só existe uma, que é bastante simples, lançar uma bala de prata no coração do lobisomem, mas isso não me iria servir de nada visto que me encontrava sozinha no bosque, sem nenhum revólver com balas de prata.

O meu corpo arrepiou-se, os rugidos do lobisomem eram cada vez mais fortes e audíveis, podia notar raiva nestes.

Amaldiçoei-me naquele momento, amaldiçoei-me por estar completamente desprotegida e desarmada, amaldiçoei-me - pela primeira vez- por ter um cheiro tão apelativo que atraía tudo o que era mal, amaldiçoei o facto de não ter controlo nas minhas pernas, o facto de apesar de tudo o que me estaria prestes a acontecer eu não estar completamente cheia de medo, de eu ainda sentir muita curiosidade em ver o que se iria passar, em ver como seria a minha morte.

A criatura aproximou-se, dava passadas fortes e pesadas, impossíveis de não se ouvir, empurrei-me mais contra a árvore, na esperança de me poder esconder dentro desta.

Fechei os olhos com força, não queria ver a minha morte através dos seus olhos.
Desejei que ele me matasse logo, de um só golpe, de uma maneira rápida e não muito dolorosa, que acabasse com aquilo de uma vez por todas.

Um rugido intimidante soltou-se da sua garganta. Um rugido que não tinha destino intimidar-me a mim, mas mesmo assim conseguiu-o.

Leves segundos passaram-se e eu contorci-me contra a árvore, queria que ele acabasse com aquilo, com aquela tortura, queria que me matasse logo e não me angustiasse com isso.

Os segundos de silêncio foram interrompidos por um segundo rugido, mas este não era do lobisomem, era igualmente intimidador, mas era sanguinário, e mesmo assim parecia vir de algo mais humano.

Foi então que eu percebi que o motivo de todos aqueles rugidos não eram por minha causa mas sim por causa de um outra criatura, uma criatura que o lobisomem detestava e ansiava por matar.

O meu coração parou, mal o senti, mas tive a certeza que havia parado. O ar tornou-se pesado e gelado, repleto de cheiro de sangue e de morte, não conseguia respirar, e por pouco não desfaleci, arranjei todas as forças que ainda tinha reservado para não o fazer. O meu sangue gelou, e eu senti a minha face a empalidecer. Uma dor nos olhos e uma enorme tontura fez perceber que se não me agarrasse a algo iria acabar por desmaiar.
Empurrei-me contra a árvore tentando assim não caiar, mas o efeito foi negativo, as minhas costas acabaram por se raspar na casca da árvore ferindo-se e fazendo sangue.

Sangue.

Não era nada bom que isso me acontecesse naquele momento, no momento em que tinha duas criaturas a começarem a defrontar-se, tinha a certeza que elas já haviam notado a minha presença, agora restava esperar que elas me atacassem.

Fui abrindo os olhos lentamente. Estava escuro mas os meus olhos adaptaram-se facilmente à escuridão e pude ver quem nela habitava.

Um lobisomem já adulto, com pelo castanho escuro- talvez devido à escuridão- encontrava-se a pouco mais de dez metros de mim, e observava um ponto fixo com um olhar feroz. Estava apoiado nas duas patas traseiras, mas com o corpo inclinado para a frente, numa posição de ataque. Tinha os dentes completamente à mostra, ameaçando a outra criatura, mas mesmo assim, algo me disse que esta não se encontrava intimidada.

Os meus olhos começaram a mover-se lentamente na direcção onde o lobisomem tinha os olhos fixos. A cada centímetro que se moviam mais eram as certezas de que não iria sair dali viva, nem sequer iria ter a satisfação de “saborear” uma morte rápida e indolor.

A zona para onde o lobisomem olhava era escura e tive que fixar o meu olhar firmemente para poder ver algo.

De início continuava tudo envolto numa escuridão, sem nada lá presente para além de árvores que se abanavam com o vento, até que se pode ver algo a aproximar, um vulto, um vulto humano.

O meu corpo arrepiou-se, e eu tive reacção suficiente para me esconder atrás da árvore, algo extremamente ridículo, visto que aquele local devia tresandar com o cheiro do meu sangue já descoberto. Mesmo atrás daquela árvore não pude deixar de olhar para o local, onde a criatura começava a aparecer. Agarrei-me às partes laterais do tronco da árvore, para não cair, mas mesmo assim continuei a observar o vulto que se aproximava. A minha respiração tornou-se regular e o meu coração começou a dar batidelas extremamente rápidas, mal deixando espaço entre elas, dando-me a entender que ainda me encontrava viva.

O lobisomem soltava rugidos cada vez mais furiosos e eu pude ver que não faltaria muito para ele saltar em cima do vulto humano. Apesar de ter quase a certeza absoluta de que aquele vulto não passava de uma das criaturas mais negras e terríveis que assombram a noite e a escuridão, não pude deixar de ter esperanças que fosse um caçador que tivesse ali para me resgatar. Voltei a observar o vulto que se havia aproximado, observei- ou tentei observar- todos os seus pormenores, mas houve um que me saltou à vista, o que estava mais em evidência, um pormenor que tirou todas as esperanças que haviam começado a nascer em todo o meu corpo. Os olhos. Os olhos estavam vermelhos vivos, cor de sangue.

Arrepiei-me, e senti os meus olhos a arderem, prontos para derramarem lágrimas, mas eu contive-as, era suficientemente forte para conseguir contê-las. Engoli um seco e depois soltei um soluço surdo, mas que não duvidei que eles tivessem conseguido ouvir.

O meu suposto salvador não passava da criatura que eu mais devia temer, logo a seguir aos demónios. O lobisomem, que até então me tinha posto a tremer de medo, não era nada comparado com esta criatura, a níveis de crueldade e frieza, aliás, o lobisomem era sem dúvida a criatura menos sanguinária que existia, era mais ele a vítima do que as suas vítimas. Ele agia sem consciência ou conhecimento do que fazia, era como se estivesse em transe, sem controlo nele próprio, e ele também não matava muito, de vez em quando. Para ser sincera nunca fui muito adepta a matar lobisomens mas era trabalho que tinha que ser feito, era caçadora e como tal a minha única função era matar aquelas criaturas que poderiam fazer mal aos inocentes. O lobisomem também poderia ser considerado inocente, foi mordido por um lobisomem, que também tinha sido mordido por outro, e por aí fora, era como uma maldição. Os vampiros também sofriam disso, serem mordidos por outro vampiro, mas ao contrário dos lobisomens, estes tinham plena consciência no que faziam, e quando matavam, não se limitavam a matar e beber sangue, eles entretinham-se em torturar e brincar com as vítimas, matá-las de forma lenta e bastante dolorosa, fazendo jogos psicológicos com elas

Os olhos vermelhos dele brilhavam, de modo a mostrar o quão sedento estava. O seu olhar desviou-se na direcção onde eu me encontrava, mas logo voltou a fixar-se no seu arqui-inimigo.

Numa batalha de vampiro contra lobisomem, o mais provável era ser o vampiro a ganhar, mas tudo dependia da experiência e técnica de cada um, que naquele caso parecia pôr o vampiro em vantagem.

O lobisomem soltou mais um forte rugido e pôs-se numa posição pronta para saltar, o vampiro limitou-se a gargalhar e aproximar-se, saindo da escuridão e deixando-se ser eliminado pela lua.

Não lhe vi o rosto, só pode perceber que era branco quase como o giz, e que os cabelos negros lhe caiam elegantemente sobre estes cobrindo os tremendos olhos vermelhos vivos. Tinha vestido um longo manto preto, mas que mesmo assim deixava notar-se as definições musculares. Não lhe o rosto, mas soube logo que era belo, talvez o mais belo de todos os vampiros.

Nunca tinha assistido a uma batalha entre vampiros e lobisomens. Diziam que quem havia assistido não saia vivo, e os poucos que saiam vivos contavam a tremenda experiência que tiveram com o terror de observar algo tão incrível como aquilo, alguns deixavam de ser caçadores. Queria ser uma dessas poucas pessoas a poder assistir e contar a história- sem deixar de ser caçadora é claro- queria poder contar o que viria para o Jack, que iria se passar só de imaginar o que havia perdido.

A recordação do meu irmão fez-me sentir extremamente mal, mesmo para o momento em que me encontrava, nunca mais o voltaria a ver, nem a ele nem ao meu pai. Como ficariam eles?

O lobisomem observou o vampiro por uns segundos, depois abaixou as patas dianteiras, empurrando-as para trás, ganhando balanço suficiente para poder saltar na direcção do vampiro. A velocidade do salto foi surpreendente, era impossível escapar a um salto daqueles. O lobisomem iria apanhar de certeza o vampiro e dar cabo dele num só golpe. Pelo menos era o que eu pensava. Para meu tremendo espanto, o vampiro foi mais rápido e deu um salto que o fez sair do meu campo de visão, soube apenas que deveria estar em cima de alguma das árvores que se encontraram segundos a baloiçar atrás de si.

O lobisomem olhou furioso para cima, depois começou ir contra as árvores, fazendo estas quase derrubarem sobre si. O vampiro não se encontrava ali, suspirei aliviada, mas logo substituí o alívio por preocupação. O lobisomem começou a dirigir-se apressadamente até ao lado onde eu me encontrava.

Não tive muito tempo de reacção e de acção, em poucos segundos o lobisomem iria estar ao meu lado para me poder devorar, ou então atirar com a árvore para cima de mim.

O meu cérebro não teve tempo de reagir. Iria morrer no meio de uma batalha à qual eu não fazia parte. O lobo aproximou-se, estava a pouco mais de cinco metros de distância, pude ver que tinha o dobro do meu tamanho. Sem saber porquê os meus olhos foram ao encontro dos dele, e então pude observar que por detrás de todo o seu corpo monstruoso e aterrador, ele tinha um olhar humano, carregado com sentimentos, e acreditei que o seu olhar era muito mais humana que o do vampiro. Os olhos do lobo eram até dóceis e afáveis, dum tom cor de mel, era como um cordeiro com pele de lobo.

O lobo deu uma enorme patada na árvore onde eu me encontrava, e naquele momento a única coisa que eu pude ouvir foi o enorme estrondo que a colisão entre eles fez.

O meu corpo fez aquilo que o meu cérebro não conseguiu fazer, tomou controlo da situação, obrigando-me a cair e a rebolar até uns arbustos ali presentes, fazendo com que me escondesse atrás deles.
Ao rebolar no chão feri-me ainda mais, largando sangue pelo meu corpo e deixando-o marcado na terra. Não tardaria nada até eles notarem a presença dele, e depois o vencedor iria ficar comigo como prémio.

Procurei o vampiro por todo o lado, por vezes olhava para trás à espera que ele salta-se e me devora-se de uma vez. Estava a ser torturada psicologicamente. Estavam a mostrar-me a face da morte, ma não me deixavam encará-la.

O lobisomem começou a observar todos os cantos, caminhando lentamente sobre as duas patas traseiras, tal como eu, esperava que o vampiro saltasse por detrás de alguma árvore ou arbusto.

O seu receio não podia estar mais perto da verdade. Quando o lobo observava uma parte do bosque cuidadosamente o vampiro salta de uma árvore colocando-se atrás do lobisomem, que não o viu, e com as mãos arranha-lhe as costas, marcando estas com três distintas marcas que lhe iam do ombro à anca. Estas marcas começaram por ganhar um tom de castanho avermelhado, mas logo este ganhou um tom vivo, e começou a derramar-se pelo pêlo escuro do lobisomem. O vampiro sorriu satisfeito.

O lobo lançou um uivar de dor, espanto e raiva. Depois virou-se completamente enfurecido para o vampiro e atirou-se contra este, que não teve tempo de reagir e foi lançado contra a árvore onde eu estivera segundos antes, o impacto do vampiro contra a árvore fez com que esta se dobrasse sobre si própria, quase sendo arrancada do chão.

Ao vampiro não foi dada a possibilidade de manifestar a sua dor, pois centésimos de segundo depois de ter sido lançado contra a árvore, já o lobo se havia atirado sobre ele começando a arranhá-lo furiosamente, ferindo-o gravemente. O vampiro fez caras de dor e de agonia, mas não fez nenhum som, limitando-se a fechar os olhos e a contorcer-se levemente no ar enquanto o lobisomem quase o despedaçava. Nas roupas do vampiro também não foi possível ver-se sangue, algo completamente óbvio visto que estes não têm sangue a escorrer nas veias. Mas apesar de não haver sangue nas suas roupas, foi possível ver que este estava a ficar gravemente ferido.

Os olhos do vampiro fecharam-se violentamente, para voltarem-se a abrir e observarem o local onde eu me encontrava. Um sorriso cruel formou-se nos seus lábios, pude ver os seus dentes a caninos a crescerem. Os olhos brilharam intensamente e depois com um só golpe ele feriu o braço do lobo que o segurava contra a árvore. Este ganiu e cambaleou para trás apoiando-se com as patas traseiras e uma dianteira. Foi até um canto e lambeu a ferido que ficou em carne viva.

Os olhos do vampiro voltaram a dirigir-se na minha direcção, e apesar de eu estar atrás dos arbustos soube que era para mim que ele olhava. Os seus olhos estavam sedentos, e eu soube que não era o sangue do lobisomem que ele desejava, mas sim o meu. Eu olhei-o horrorizada e ele esboçou um sorriso ainda mais cruel depois aproximou-se lentamente do lobisomem que ergueu o olhar da sua ferida para o vampiro e rosnou-lhe, mostrando os seus enormes dentes.

O vampiro tinha metade do tamanho do lobisomem, mas mesmo assim a sua força era tanta, ou mais que a deste. Era surpreendente. Apesar de o lobisomem não o querer transparecer, notava-se que o vampiro o intimidava, enquanto o contrário não se podia dizer.

O lobo atirou-se de novo ao vampiro, mas desta vez este já se encontrava preparado, deu um salto, para parar atrás do lobisomem dando-lhe mais um golpe nas costas, ferindo-as ainda mais. O lobo voltou a ganir de dor, enquanto o vampiro se limitou a virar com uma enorme elegância, todos os seus movimentos demonstravam uma tremenda elegância. As unhas deste estavam sujas do sangue do lobisomem, o sangue deste ia até à cabeça dos dedos do vampiro. O vampiro olhou o sangue com admiração, e depois constatando que o lobisomem o observava, foi com as mãos à boca lambendo o sangue que lá se encontrava. Percebi que aquele gesto não passava de uma forma de provocar e humilhar o lobisomem, demonstrando que ele, vampiro, era de tal forma poderoso que bebia o sangue de todos aqueles que o enfrentassem. A provocação resultou perfeitamente, pois no segundo seguinte o vampiro já tinha sido lançado ao chão, e o lobisomem começou a ir com as suas presas ao braço do vampiro. O vampiro começou a debater-se contra o lobo, arranhando-o e ferindo-o, mas nada o parou, foi então que o vampiro foi com os dentes a um dos ombros do lobo, que ganiu baixinho, mas logo arranjou forças suficientes para se libertar dos dentes do vampiro e de ir com as suas garras à boca do vampiro, abrindo esta, numa forma de lhe partir os maxilares. O vampiro debateu-se, mas não conseguiu se soltar.

O meu coração começou a dar enormes pulos e comecei a sentir medo. Algo estranho e invulgar, visto que se o vampiro vencesse, eu iria ter uma morte terrível e dolorosa.

Nos últimos segundos o vampiro conseguiu libertar-se do lobo dando um murro no focinho deste. O lobo furioso dá um enorme golpe no peito do vampiro rasgando o seu manto. O vampiro observa-o com ódio no olhar, ergue a sua mão esquerda e com um golpe rasga o braço do lobo que lança um enorme uivar de dor e cai para o lado contorcendo-se.

O vampiro observava o lobisomem com o olhar carregado de ódio e fúria e então aproxima-se deste. O lobo olha-o aterrorizado, e pela primeira vez eu vejo ele substituir o seu ar superior por um de súplica, ganindo, como que pedindo misericórdia. O vampiro não lhe presta atenção. Começa por passar a mão no peito do lobo, agarrando o tronco imóvel deste, puxando-o para si. Os olhos do lobo continuavam a manifestar terror. Não percebi porque não fez nada, até que reparei no seu estado em relação ao vampiro, estava bastante ferido, e repleto de sangue, a zona onde ocorreu aquela pequena batalha estava repleta de sangue dele. Tinha perdido imenso, e também já não deveria ter forças para poder lutar. O vampiro ergueu a mão, e eu olhei-o intrigada. A mão do vampiro desceu rapidamente, numa linha diagonal, até ao peito do lobisomem.

O grito que eu ia lançar, nunca chegou a sair da minha garganta, ficou lá preso, e eu agradeci por isso. Naquele momento observava um cenário horripilante, e a única coisa que me ocorria na cabeça era qual a maneira ideal para sair dali, e eu simplesmente limitei-me a arrastar-me até chega a uma zona onde tinha a certeza que ele não tinha campo de visão aí levantei-me desajeitadamente e comecei a tentar correr. Corri um pouco, mas tive que parar para me segurar a uma árvore, não tinha forças, o meu corpo estava demasiado horripilado com a cena que acabara de ver.

A mão do vampiro atravessou o peito do lobisomem que ganiu de dor depois calou-se observando horrorizado o vampiro. A mão deste estava do outro lado do peito banhada em sangue.

O vampiro observou o cenário com um enorme prazer nos olhos, depois foi retirando a mão lentamente do corpo do lobisomem trazendo consigo o coração deste. Ergueu-o e ficou a admirá-lo glorioso, com uma enorme satisfação.

Senti-me desfalecer, encontrava-me de novo na clareira, mas eu sabia que não havia saída dali.

Fechei os olhos com força, agora bastava-me ter esperanças que ele não fosse tão cruel comigo e que me desse uma morte rápida e indolor.

Estava a ser ridícula. Ele era um vampiro, não iria ter misericórdia de mim. Ele era naturalmente mau, cruel e sanguinário nada me restava para além da última esperança. Da esperança, que mesmo lentamente e dolorosamente, ele me matasse, e não me transformasse na criatura que eu mais odiava e detestava em todo o inferno.

Observei a lua. Esta encontrava-se sem brilho, perdera-o quando o lobisomem deu o seu último suspiro. Quem me dera poder voltar a vê-la brilhar.

Dirigi-me lentamente até ao centro da clareira e sentei-me lá, esperado pela minha morte.

Fui com a mão ao peito verificando que o meu coração ainda se encontrava lá presente.

Pela primeira vez desde que chegara ali observei o que tinha vestido. Não era o que tinha quando fui dormir, era um vestido brando, que me chegava aos pés, era bonito, mas para meu terror fez-me lembrar aquelas raparigas que fogem nas florestas dos monstros, aquelas dos filmes. Isso aterrorizou-me, eu não era como elas. Eu não fugia dos monstros, eu enfrentava-os, só que ali estava desarmada. E como raios chegara ali com aquele vestido? Pelo que me lembrava a última vez que estivera lúcida foi quando me fui deitar e adormeci, mas não foi ali, foi na estalagem onde estava passava as noites, e estava vestida com a minha camisa de dormir, não com aquele vestido. A minha cabeça começou a dar imensas voltas.

Levantei-me, eu iria enfrentá-lo, tinha coragem para isso, não precisava das armas para nada.

Passos a aproximarem-se e a pararem. Era ele.

O cheiro da minha mãe, as canções que a minha mãe cantava, o meu pai, o meu irmão, o sorriso de todos eles, todos os momentos que passamos juntos. Estas recordações atravessaram-me a cabeça como flechas no momento em que ouvi os passos dele a abrandarem e a pararem.

Como ficariam o meu pai e o meu irmão?

Queria dizer o quanto os amava. O quanto os queria felizes. Mas sabia que não o poderia dizer.

A minha mãe. Em breve iria estar com ela. Essa ideia fez-me sorrir e acalmou-me a alma e o coração.

- Rose.- A voz veio por de trás de mim, uma voz sedutora, calma, fria, cruel e ao mesmo tempo doce. O vampiro pronunciou o meu nome com desejo na voz. Como saberia ele o meu nome.

Virei-me lentamente, com objectivo a apreciar os meus últimos momentos de vida.

Observei-o. Estava lindo e aterrador.

O cabelo negro continha pingos de sangue, que escorriam e pingavam o chão. As mãos estavam lavadas em sangue, o que contrastava com a pele branca. Os olhos vermelhos, sedentos de sangue, nunca tinha visto uns olhos tão sedentos como os dele, e esse facto não me assustou. E por fim os dentes caninos brancos, compridos e com as pontas também sujas com o sangue do lobisomem.

O meu coração começou a abrandar, passando a bater ao ritmo normal, as tonturas e dores de cabeça passaram, o cansaço tornou-se em energia, assim como a fraqueza, a minha respiração voltou ao ritmo normal e as minhas faces voltaram a rosar e a ficar quentes. Toda a insegurança havia agora desaparecido.


Tudo ficou escuro. Senti-me a afundar para depois sentir que voltava à superfície.

Não sentia nada, nem o meu próprio corpo. Estaria morta? Não me tinha doído nada. Será que ele fora tão rápido e tivera tamanha compaixão para me matar sem eu sentir qualquer dor?

Ainda estava embrenhada na escuridão, mas à medida que o tempo ia passando, começava a sentir o meu corpo e a sentir a superfície onde me encontrava.

Eu estava deitada de bruços, mas a superfície onde me encontrava deitada era estranhamente confortável e macia para ser o chão de um bosque.

Aos poucos foi começando a tentar descodificar o sitio onde me encontrava. A minha cabeça estava pousado em algo fofo e muito confortável, tinha algo macio e quente que cobria o meu corpo. Depois comecei a sentir algo que batia na minha cara, algo que tinha uma enorme claridade que quase me impedia de estar com os olhos abertos.

Aos poucos fui ganhando coragem para abrir os olhos, e à medida que o fazia estes foram-se começando a adaptar à claridade que existia dando-me a hipótese de ver o local onde me encontrava.. De início vi tudo branco, tecido branco, mas à medida que fui me virando e esfregando os olhos pude ver onde me encontrava.

Era um quarto, paredes brancas, uma cómoda ao lado da cama, onde eu me encontrava deitada, um pequeno armário de pinho, um espelho velho, uma poltrona e uma única janela que continha cortinas brancas.

Onde estava?

Fui-me levantando lentamente e as recordações começaram a surgir na minha cabeça.

O meu coração continuava aos pulos e eu notei o quão transpirada estava. Reparei também que já não tinha um vestido branco, e sim uma camisa de dormir, a que tinha usado na última vez em que me lembro de me ter deitado numa cama.

Compreendi então, para grande alívio meu, que não passara tudo de um sonho, um sonho terrivelmente realista.

Encontrava-me no local que tinha abandonado a noite passado, quando não conseguia adormecer. Encontrava-me no local certo.

Um arrepio atravessou-me pelo corpo inteiro ao lembrar-me do horripilante sonho que tivera, muito pior do que aqueles que tivera com o wendigo e com outras criaturas. A imagem do vampiro a arrancar o coração do lobisomem causou-me náuseas e tive que arranjar algo que substituísse essas recordações.

Aquele vampiro...Eu conhecia aqueles olhos de algum lado, mas de onde? Eu sabia que já o tinha visto. A forma como sorria, apesar de nem sequer lhe poder ter visto o rosto, ou se o vira nem me lembrava, eu sabia que o conhecia de alguma parte.

Mais um arrepio apoderou-se do meu corpo que foi forçado a sentar-se na cama.

Ele dissera o meu nome, como saberia ele o meu nome se nunca me foi apresentado?

- Sonho Rose, sonho., vindo da tua cabeça, logo sabe o teu nome.- Censurei-me por perguntar tal coisa, e fui forçada a sorrir. Levantei-me e comecei a procurar umas roupas para vestir no pequeno armário que se encontrava no quarto.

Sem saber bem porque, aquele sonho estava a perturbar-me mais do que deveria. Não é que não devesse perturbar-me, o facto das cenas que lá se decorreram eram mesmo para perturbar, mas mesmo assim, já deveria estar habituada a tais cenas, não era algo com que me devesse estar a preocupar.

Vesti umas calças pretas e um top de igual cor, justo com um decote quadrado, que me realçava o peito. Peguei num casaco preto, simples e fresco, mas que me cobria até um pouco abaixo das ancas, apesar de não sentir frio, era sempre necessário ter um casaco comprido para poder esconder as armas que transportava. Seria bonito se as pessoas me vissem carregada de adagas e revólveres.

Observei o quarto tristemente. Iria ficar ali por mais dois dias, dois dias, porque dali a dois dias iria voltar para Hogwarts, e isso entristecia-me. Dia 1 de Setembro, era sem dúvida o pior dia do ano.

O único motivo que ainda me fazia pôr lá os pés- para além de o meu pai me obrigar- era o de ser o último ano que iria ficar lá, e que o meu pai havia prometido que todos, ou quase todos, os fins-de-semana poderia sair para vir caçar com eles.

Também podia ser aquele motivo de haver lá uma mina de ouro de criaturas mágicas e ainda o facto de ter assuntos pendentes por tratar.

Comecei a escovar as ondas negras do meu cabelo.

Assuntos pendentes. Isso fez-me lembrar de algo.

O rapaz com quem dera um encontrão. Tinha me lembrado do seu nome segundos antes de adormecer, mas qual seria?

Odiava quando isso me acontecia, lembrar-me de algo importante e depois esquecer-me.

Suspirei frustrada. Não é que ele fosse muito importante. Era apenas uma paranóia minha, o rapaz não deveria de passar de um garoto normal, talvez invulgarmente bonito, mas mesmo assim normal.

Levantei-me. Estava a ficar cada vez mais insegura. Tinha que parar de desconfiar de tudo e de todos. Isso estava a começar a deixar-me louca.

Suspirei de novo. A vida tinha-me ensinado a ser assim, se não desconfiasse poderia acabar morta da forma mais horrorosa. Abanei a cabeça violentamente. Tinha que parar, se isto continuasse assim ainda iria acabar internada num hospício.

O rapaz voltou a aparecer na minha cabeça, causando-me arrepios de insegurança por todo o corpo.

Era extremamente bonito, demasiado até, era tremendamente belo. Era alto, tinha um corpo atlético com definições musculares não exageradas, cabelo negro que lhe caía elegantemente sob uma pele branca, muito branca, mas linda, e sob uns olhos pretos. Ao lembrar-me dos seus olhos o meu corpo voltou a arrepiar-se. Tinha uns lábios carnudos, mas não muito vermelhos, até eram um pouco sem cor, mas isso ainda lhe ficava melhor.

A imagem dos seus olhos voltou a passar-me pela cabeça, arrepiando-me ainda mais. Pretos, mas quando os vi por milésimos de segundo pareceram ganhar um brilho vermelho.- Impressão minha, voltei a abanar a cabeça violentamente.- Os seus olhos pareceram demonstrar desejo- algo que eu já deveria estar habituada- mas não foi um deseje de homem, pareceu-me ser outro tipo de desejo, desejo de sangue. Desejo pelo meu sangue.

Fechei os olhos. Comecei a sentir-me tonta, sentei-me na cama apoiando a cabeça nas mãos. O meu coração começou a acelerar de novo.

Aqueles olhos lembraram-me os do vampiro do sonho. Sedentos. Sedentos de uma forma que nunca havia visto.

Ele não era vampiro. Não poderia ser. Os vampiros não eram estúpidos, por isso não iriam para uma zona repleta de humanos, uma zona onde poderiam ser facilmente apanhados. Não. Ele não era vampiro. Não tinha havido mortes em Hogwarts, mortes sobrenaturais, e se ele fosse vampiro não iria aguentar não beber sangue. O cheiro tornar-se-ia cada vez mais forte e insuportável, seria demasiado tentador para ele, tão tentador que ele acabaria por não resistir a tal tentação e iria acabar por beber o sangue a alguém. Não tinham havido mortes em Hogwarts, não havia vampiros em Hogwarts e ele também não o era.

Observei as armas expostas na minha mesa-de-cabeceira.

Peguei em duas revólveres, uma de balas de prata e outra de balas de sal- balas criadas por nós- e guardei-as em umas rachas que tinha no interior do casaco. Depois peguei em uma adaga de prata e guardei-a em uma fenda encoberta nas calças, escondendo esta. Olhei de novo para as minhas armas ainda depositadas na mesa. Adagas de prata, óptimas para ferir criaturas, mas não para matá-las. Todas as adagas e balas de prata eram banhadas em água benta, de modo a poderem ferir e deixar marcas em quase todas as criaturas.

As minhas mãos foram até ao pescoço e procurarão por um fio, ao encontrarem-no desceram até sentirem uma cruz. O meu rosário estava comigo. Suspirei de alívio.

Não é que o rosário me servisse de muito em caso de perigo.

Observei o quarto em meu redor, verificando que não se encontrava ninguém para além de mim.

Fui até à minha cama, abaixei-me e puxei de lá uma pesada mala de viagem. Observei-a, tinha um cadeado que me impedia de abri-la.

Levantei-me e dirigi-me até à minha mesa-de-cabeceira. Abri a gaveta e procurei algo por entre as folhas.

Remexi nesta até encontrar algo. Retirei um pequeno objecto de prata. Uma chave. Depois dirigi-me de novo até à minha mala de viagens. E abri o cadeado.

Estava carregada de roupa até ao topo. Comecei a tirar as roupas dobradas atirando-as para o chão, para poder assim ver o fundo da mala.

No fundo desta encontravam-se alguns livros, frascos de poções, uma varinha e uma bolsa. Não reparei nos outros objectos para além da bolsa. Abri esta e procurei, por entre os livros e cadernos velhos, que falavam de criaturas negras, algo que me trazia uma enorme necessidade naquele momento.

Procurei até sentir as minhas mãos a tocarem num objecto diferente dos outros, algo cilíndrico mas não muito grosso.

Retirei-o. Era pequeno, com cerca de uns quinze centímetros de comprimento, simples, o seu topo era plano, em forma de um pequeno circulo com três centímetros de diâmetro, tinha uma enorme frecha, que o dividia em dois. O objecto era de prata, com pequenas gravuras ilegíveis inscritas nele. Estas iam da ponta, que continha uma espera de prata, até ao topo, não incluindo este. No corpo do objecto havia um pequeno botão. Carreguei nele, e da frecha saiu uma lâmina igualmente de prata com uns dez centímetros de comprimento e um milímetro de espessura.

Era uma estaca de prata. A única arma que pode matar vampiros.

Coloquei-a em uma outra fenda que tinha nas calças. Perto das minhas ancas. A estaca ainda estava completamente nova, sem marcas de desgaste, visto que eu nunca a usava, pois raramente matava vampiros. Estes eram criaturas difíceis de se encontrar e difíceis de se matar, além disso não era as criaturas que eu mais gostava de matar, pois essas eram os demónios.

Fui até ao espelho para ver se estava tudo bem.

Olhei para o meu reflexo neste. O casaco e as calças apesar de definirem as curvas do meu corpo não mostravam as armas que eu tinha guardadas, algo extremamente útil.

Peguei num elástico preto que tinha no meu pulso, e prendi com este as ondas do meu cabelo, deixando apenas algumas soltas.

Olhei para o chão do meu quarto. Este continha roupas espalhadas por todo o lado. Apanhei-as e guardei-as ma minha mala, fechando esta de novo a cadeado e guardando a chave no bolso das minhas calças. Nunca se sabia quem entrava nos nossos quartos.

Guardei a minha mala por debaixo da cama, e abandonei o quarto.

Passei por um corredor longo e escuro com duas filas de três quartos cada.

Ao fim do corredor havia umas escadas que levavam à recepção/bar. Nós estávamos instalados numa espécie de estalagem, situada numa pequena vila, a uns cem quilómetros de Londres. O nome da vila era algo como Gutensberg.

Não sabia muito bem o motivo de estarmos numa vila não localizada no mapa e sem interesse algum aparente. Apercebi-me que deveria ser algo que o meu pai e o meu irmão haviam descoberto sem quererem-me contar- algo comum neles.

Desci as escadas e fui ter ao bar.

Estava quase vazio, só tinha a empregada do bar com o homem que eu pensava ser o dono da estalagem, e numa das mesas do canto, junto a uma lareira de lenha, o meu irmão, a beber o seu típico café e a comer uma enorme sandes de manteiga. No que se referia a comida o meu irmão era o campeão entre os campeões, era surpreendente o facto de se conseguir manter tão atlético comendo tanto- suponho que se devia ao facto de praticar tanto exercício indo atrás de criaturas negras.

Aproximei-me da mesa em que se encontrava e sentei-me num dos bancos que se encontravam.

Observei, pela primeira vez, a estalagem. Tinha um enorme balcão feito de madeira, com luzes expostas por cima deste, as únicas luzes do bar, as bebidas e máquinas deveriam encontrar-se escondidas por trás deste. Havia umas cinco mesas também de madeira, cada uma com dois bancos grandes igualmente de madeira, aliás tudo nesta estalagem era de madeira ou de pedra, a estalagem tinha um estilo rústico e sombrio, até arrepiante.

Os meus olhos pararam na mulher e no homem que se encontravam por trás do balcão e que nos observavam com um olhar estranho.

A mulher era de estatura média, magra, cabelos castanhos com madeixas pintadas de loiro, olhos castanhos, extremamente vulgar. O homem tinha a mesma altura só que tinha barriga, era careca com uma barba cinzenta e tinha um ar carrancudo. Olhando-os bem daria para perceber que eram familiares devido às suas expressões similares e ao olhar cauteloso que exerciam sobre nós.

A mulher aproximou-se de nós, esboçou-nos um sorriso- mais ao meu irmão- e perguntou com um tom falsamente doce.

- Deseja alguma comer algo?- Perguntou-me, mas notei que o seu olhar se direccionava para Jack, este limitou-se a retribuir o sorriso.

- Um leite morno.- Respondi sem tirar os olhos do meu irmão, tentando não me rir. Ela afastou-se com um ar superior. Ao chegar ao balcão disse algo ao homem carrancudo, algo que não me pareceu ter nada a ver com comida, e sim connosco, comigo e com o meu irmão. Este olhou para nós com um olhar curioso e ao mesmo tempo sinistro.

O meu irmão apercebeu-se da enorme desconfiança que começava a ter sobre eles os dois e falou-me com a sua grande despreocupação, tão comum nele.

- Rose, tens que deixar de ser tão desconfiada.- Disse-me com um pouco de censura na sua voz, mas mesmo assim com grande descontracção.- Não podes ver mal em todos os que te aparecem à frente.

- Não gosto da forma como estão a olhar para nós, parece que sabem de algo.- Disse demonstrando o desagrado que essa ideia me causava.

- Oh. Não te preocupes com o facto de estarem a olhar. Devem estar simplesmente admirados com a grandiosidade da nossa beleza.- Disse com um ar convencido. Olhei-o irritada. Odiava quando ele dava justificações parvas para factos em que eu tinha a certeza de estar correcta. Não é que fosse duvidoso de que eles nos olhassem pela nossa beleza. Pelo menos a mulher. Ela olhava para o meu irmão com um certo desejo- a que eu já me habituara a ver nos homens e mulheres quando eu e o meu irmão passávamos. Mas algo neles, talvez o seu olhar sinistro, me intrigavam muito.

A mulher aproximou-se trazendo consigo o meu leite. Vi os seus olhos dirigirem-se aos do meu irmão com esperança de que o seu olhar de desejo fosse retribuído, algo que não foi completamente satisfeito, limitou-se a levar o sorriso encantador do Jack, algo que pelos vistos lhe chegou. Afastou-se satisfeita, sem sequer me olhar.

Suspirei aliviada e depois olhei para o meu irmão, este olhava para o ar, pensativo. Muito se enganava a mulher se pensava que iria arranjar namoro dali, o máximo que conseguiria arranjar seria uma boa noite escaldante, mas mais nada. O meu irmão era assim, sexo sem compromisso, era a frase que mais o poderia definir. Nunca se havia apaixonado, mas andava sempre com um bom número de mulheres atrás, as quais levava para passar a noite, mas nada mais. Fazia-lhes promessas mas nada de telefonemas. Não me admiraria nada de um dia ele ter um espírito de alguma delas a persegui-lo. Jack era sem dúvida muito atraente. Corpo altamente atlético, cabelos castanhos aloirados, e olhos azuis esverdeados, como os meus. Era quase a fotocópia do meu pai, enquanto eu era a da minha mãe. Era o melhor irmão que alguém poderia ter, apesar de parvo, e por vezes inconveniente, sabia que poderia contar com ele sempre que necessitasse.

Jack voltou a direccionar o seu olhar sobre mim e sorriu.

- Então o que pretendes fazer para despidida?- Perguntou.- Fantasmas ou uma caçada um pouco mais interessante?

- O que achas? Estou farta dos teus supostos fantasmas.- Respondi secamente. Estava a começar a provocar-me com um assunto que eu não gostava. Olhei em meu redor e lembrei-me de algo.- O pai não está?

- Não foi fazer as suas “pesquisas”.- Disse a última palavra com um tom irónico.

- Então ele não vem para me ver ser levada para a forca?- Perguntei igualmente irónica mas com amargura destacada na voz.

- Não sei. Ele disse que ligava. Pois é. Obrigada por me lembrares Rosinha.- Fez um sorriso maroto e cruel.- Como te sentes por voltares à tua tão amada escola?

Fez a pergunta à qual sabia perfeitamente a resposta. Odiava quando fazia isso.

- Não podia estar mais feliz.- A ironia voltou a dominar a minha voz, mas reparei que mesmo assim a amargura ainda persistia nesta.- Nada melhor que ver fantasmas a fazerem-se de palhaços enquanto jantamos.

- Pois é.- Disse Jack, como que se tivesse lembrado de algo extremamente importante.- Não te esqueças de mandar os meus comprimentos ao Nicky.

Olhei-o angustiada, e ele limitou-se a lançar um sorriso carinhoso.

- Ri-te da minha miséria.- Disse com amargura.- Quase que morro lá, a sorte é que este ano venho cá quase todos os fins-de-semana, senão acho que ia direita para o hospício.

- Se fosse a ti não tinha tantas certezas Rose.- O tom sincero da sua voz assustou-me. O meu pai havia me prometido, ele não iria desrespeitar a sua promessa.

- O pai prometeu-me Jack, e ele cumpre sempre as suas promessas. Além disso ele já falou com o Dumblodore sobre esse assunto.

- Pois, mas ele é óptimo a arranjar desculpas de última hora. Se fosse a ti não teria tantas esperanças, Rose.

Remexi-me inquieta no banco, a ideia de passar um ano inteiro em Hogwarts, sem saídas, abalava-me.

- Pelo menos sempre tenho uma floresta para caçar.- Tentei parecer mais animada, para tirar aquele olhar sincero, tão raro de se ver no meu irmão. Mas essa ideia ainda me deprimiu mais. A floresta não tinha criaturas nada de interessantes, lobisomens, e era só na altura de lua cheia.

O meu irmão olhou-me com um olhar severo, e depois suspirou descontraído inclinando a cabeça para trás.

- O pai não vai gostar nada de saber que andas a caçar sozinha, Rose.- Disse rindo-se.

- Pois mas ele não vai saber.- Lancei-lhe um olhar ameaçador que o fez rir-se ainda mais.

- Estou cheio de medo Rose.- Disse fingindo um ar assustado, arregalando os olhos e empurrando as mãos contra o peito, e depois começasse a rir em alto e bom som.

A mulher e o homem olharam-nos curiosos, o que fez com que Jack se recompusesse.

Ficamos alguns minutos em silêncio. Algumas pessoas começavam a chegar para o pequeno-almoço, ocupando algumas das mesas vazias.

Olhei para o meu leite, que deveria estar a arrefecer, peguei nele e comecei a bebê-lo. O meu irmão começou a olhar, de novo, para o ar com olhar pensativo, não muito característico dele. Isso não me agradou muito, sempre que se punha a pensar era porque algo o preocupava, e visto que pouca coisa o preocupava, era porque era algo muito grave. Comecei a pensar no que poderia ser. A ideia de poder ter algo a ver com as “pesquisas” do meu pai arrepiou-me. Não gostava quando ele desaparecia assim, poderia correr perigo e nós não estaríamos lá para o ajudar, e essa ideia era completamente insuportável. Além disso não gostava que o meu pai tivesse segredos para nós, mais nomeadamente para mim, visto que o meu irmão parecia saber desse segredo, ou pelo menos de grande parte dele. O que diabo andaria o meu pai a investigar, que tornasse a nossa presença desnecessária e até incomodativa?

Lembrei-me de perguntar ao meu irmão, talvez ele soubesse, mas no momento em que o ia fazer a empregada apareceu. Começava a detestá-la, conseguia ser bastante inoportuna.

- Deseja algo mais senhor Bond?- Perguntou delicadamente, enquanto retirava os pratos e copos que estavam dispostos na nossa mesa. Olhei para o meu irmão intrigada, franzindo o sobrolho e repetindo o nome em silêncio, fazendo apenas o movimento com os lábios, mas mesmo assim conseguindo com que Jack percebesse. Este limitou-se a sorrir e a piscar-me, discretamente, o olho.

- Não obrigado.- Disse amavelmente. A mulher afastou-se um pouco desiludida, de certeza que a sua frase tivera uma segunda intenção no contexto.

Ao vê-la a afastar-se virei-me para o meu irmão e perguntei-lhe o que era aquilo.

- Bond?- Repeti baixinho, só para que o meu irmão ouvisse.

- É que sabes Rose, sempre vi o 007 como um ídolo, alguém parecido comigo, e que eu queria seguir e ser igual.- Respondeu, lançando um sorriso matreiro. Sem dúvida que o James Bond e o meu irmão tinham muito em comum. Ambos tinham uma vida secreta e um charme e ego realmente grandes, sem tirar o facto que eram ambos tiro e queda no que se referia a mulheres, mas o facto de o meu irmão assumir a falsa identidade de Bond no B.I era extremamente irresponsável e estúpido. Não sabia como é que tinham acreditado em tal, talvez não tivessem acreditado, talvez soubessem perfeitamente quem nós éramos. Sacudi a cabeça ao ver que começava a desconfiar novamente deles.

Suspirei e depois disse secamente.

- Não acredito que tenhas posto isso no B.I.

- Pus.- Disse sorrindo e retirando o seu B.I. falso para me mostrar e deixar-me completamente incrédula.

O meu pai e o meu irmão, como quase todos os caçadores, faziam B.Is falsos de modo a não serem sempre reconhecidos quando iam nas caçadas. Os nossos nomes variavam imenso. Além disso também sacavam muitas vezes contas de outros, visto que a nossa profissão era não muito lucrativa, logo havia que arranjar dinheiro para sustentar. Quando não se arranjava algum dinheiro dos outros fabricávamos cartões falsos de modo a enganar os comerciantes. Acho que havia até caçadores que o faziam para outros caçadores, segundo o meu irmão o Bobby já o havia feito, mas eu não acreditara muito nisso. Os B.Is e cartões falsos também serviam para despistar os comerciantes e mesmo para podermos entrar em locais de crime sobrenatural e até para podermos enganar demónios caso eles tentassem descobrir quem nós éramos. Nunca fomos apanhados, e caso o fossemos arranjávamos sempre maneira de nos esquivarmos, havíamos aprendido isso com os anos. Se nos dedicássemos aos cartões e B.Is falsos em vez da caça sairíamos ricos. Mas isso não fazia parte dos nossos planos, nem de nenhuns dos caçadores que conhecia. Ao entrarmos nesta vida por vocação, ou até por obrigação, não sairíamos mais. Como um ciclo vicioso, ou então aquelas coisas da máfia.

- Não acredito que tenham acreditado em tal.- Disse por fim, o meu irmão limitou-se a sorrir. Depois acrescentei.- Não acredito que o pai te tenha deixado pôr esse nome.

- Deixou.- Disse calmamente. Depois fingiu um ar pensativo.- Aliás ele adorou a ideia. Achou piada a sermos a família Bond.

Fez um ar extremamente orgulhoso, eu limitei-me a bufar de raiva e a pensar.

- Calma aí! Se tu és Bond eu e o pai também temos que o ser.

- Exactamente maninha.- Disse irónico, batendo palmas de algria.- Aí está o nome de família Bond. Quando queres até consegues ser um pouco inteligente.

Olhei-o irada, isso fê-lo rir-se ainda mais da minha cara. Vários rostos se voltaram para nós, curiosos. Pareciam que nunca tinham visto uma família animada. Percebi que deveriam ser desta terra deprimente, todos ali tinham um ar carrancudo e zangado, olhares misteriosos e pouco amigáveis. Não havia ali famílias felizes, por isso nós devíamos ser uma novidade.

Nas mesas formavam-se grupos de homens de meia-idade, devia ser algo como o bar da vila. O lugar onde todos se reuniam. Todos eles tinham um olhar que me deixava intrigada. Não ia muito com a cara deles.

Os meus olhos pararam nos da empregada, ela e o patrão, olhavam-nos com uns olhos avaliadores e irritados, algo estranho, por vezes cochichavam algo entre eles, coisas que eu sabia serem sobre nós.

- Não te preocupes com eles Rose.- Disse o meu irmão seriamente, não parecia muito feliz com os olhares deles, mas ao contrário de mim não estava intrigado nem preocupado.- Dormi com a loira. Ela devia estar à espera de casamento. Se calhar é assim que as coisas funcionam aqui, não poderia estar mais enganada.- Jack deu de ombros e suspirou depois prosseguiu.- Aquele barrigudo deve ser o pai dela, deve estar pronto para me matar, mas duvido que tenha coragem para tal.

Olhei-os de novo. Era uma explicação plausível. Talvez fosse mesmo isso, mas mesmo assim parecia haver algo mais para além de uma noite escaldante com o meu irmão.

- Uma explicação.- Disse, por fim. O meu irmão olhou-me cuidadosamente.

- Rose.- Começou num tom de voz calma e serena.- Tens que deixar de ser assim tão desconfiada. Isso faz-te mal.

- A vida ensinou-me a ser assim. Disse secamente. Cruzei os braços e desviei os meus olhos dos dele. Não gostava ter que olhar para estes, quando estava a ter uma conversa séria, não gostava de ver severidade e preocupação nos seus olhos alegres.

- A tua vida foi praticamente igual à minha, Rose, e eu não encaro a vida com tanta amargura.- Apesar de não o estar a olhar, sabia perfeitamente que os seus olhos estavam fixos em mim, soube também que deveriam estar a sérios.- Tens que ser como eu Rose encarar a vida como se fosse o último dia, porque para nós pode ser. Tens que começar a divertir-te mais, eu por exemplo, estou neste preciso momento numa situação de quase morte e estou muito feliz e despreocupado, nada amargo.

Observei-o. Tinha aberto um enorme sorriso e estava a espreguiçar-se, algo característico nele. Revirei os olhos. Mesmo típico dele. Não poderia estar a ter uma conversa sincera sem a levar depois para a brincadeira.

Comecei a levantar-me ele apressou-se a sair da sua posição, desequilibrando-se e quase caindo.

- Hey Rose. Espera.- Disse quase correndo atrás de mim, que me encontrava a começar a subir as escadas. Vários rostos olharam-nos com curiosidade e severidade. A mulher perguntou algo a Jack que se limitou a anuir negativamente a cabeça.

Estava no cimo das escadas quando o meu irmão me conseguiu alcançar.

- Então Rose que foi isto?- Perguntou tentando perceber a minha reacção.

- Ainda tenho que ir a Londres, comprar material de caça. Além disso ainda estou para ver qual é a caçada tão interessante que me propuseste.

- Ah isso.- Disse lembrando-se da sua proposta para a minha despidida.- Olha eu levo-te a investigar sobre esse assunto da caçada. Acho que vais gostar. Há algum tempo que penso que não temos uma tão interessante.

Olhei-o curiosa.

- Aqui não.- Limitou-se a responder, olhando em seu redor.- Conto-te depois em Londres.

Eu smplesmente concordei depois lembrei-me de algo.

- Achas que a Chevy aguenta?- Perguntei. O meu irmão fez um ar falsamente zangado, ao ouvir-me perguntar tal coisa sobre o amado carro dele.

- A Chevy aguenta tudo.- Disse sorrindo confiante e orgulhoso.- Agora vai. Encontramo-nos lá em baixo daqui a cinco minutos.

Eu limitei-me a anuir com a cabeça e a entrar dentro do meu quarto para me arranjar.

Em menos de cinco minutos já me encontrava no parque de estacionamento, onde o meu irmão já se encontrava ao lado da sua tão amada Chevy Impala de 1967, preta. Um carro lindo, mas já com alguma idade.

Sorri para Jack que me retribuiu o sorriso.

- Vamos.- Disse calmamente.- Vou-te mostrar como a Chevy é a melhor.

Eu limitei-me a rir e a entrar no banco de passageiro da Chevy. Era sem dúvida um carro lindo.




Narrado por: Richard Conner

Uma aragem fresca com um doce aroma atravessou-me, fazendo com que os meus cabelos esvoaçassem ao seu doce sabor. Eu limitei-me a continuar de pé, a apreciar a beleza que o meu belo esconderijo me proporcionava.

O meu esconderijo.

Sorri com a ideia. Era o único lugar que eu conhecia e que sabia que ninguém alguma vez me encontraria. Um local que nem mesmo Andrey encontraria.

Olhei para o meu suposto esconderijo. Tinha ar de tudo, menos de esconderijo. Era mais uma casa moderna com dois andares, com paredes feitas de janelas, com pouco espaço para as paredes de pedra em si, e com um chão feito de azulejos brancos. Tinha a mobília que os humanos costumavam usar, desde sofás, mesas cadeiras e plasmas. Não me importava muito com isso. A única coisa que gostava era os giros discos e os discos em si. Fascinava-me com todo o tipo de música, apesar de haver umas que não tinham lógica nenhuma. Acho que o único estilo de música que não gostava era a pop e rap, a ópera também não era uma que me agradava muito.

A sala era grande e completamente mobilada de coisas inúteis, mais ara enfeitar. Tinha alguns vasos e estantes com livros que já havia lido umas boas quinhentas vezes quando não tinha mas nada que fazer.

A casa em si era igual à de todos os mortais. Apesar de não gostar destes gostava de certas coisas deles, como a literatura e a música, porque apesar de tudo eu fora um deles.

Tinha um quarto, com uma cama, que não me servia de nada para além de ocupar espaço. Algumas estantes cheias de CDs dos pés à cabeça. Uma guitarra e um piano. O meu quarto era extremamente grande.

Mas o que mais me fascinava naquele esconderijo não eram os objectos e a casa, mas sim a paisagem que a rodeava. Os altos pinheiros que ocupavam o grande bosque; as flores de diversas cores e cheiros e até mesmo as fontes de água que havia por este.

Era capaz de passar horas a apreciar a sua beleza. Costumava muitas vezes por uma música que condisse-se com o estado de espírito da natureza nessa altura.

O meu esconderijo era numa zona isolada de tudo e todos, onde o sol estava sempre encoberto por nuvens, mas que mesmo assim a chuva tornava-se rara em alturas de Verão.

Tornar-se-ia desagradável levar com o sol todos os dias, não que este me matasse, como diziam as velhas lendas vampirescas, mas este tornava-se um pouco incómodo, costumava desorientar-nos a visão e por vezes, se demasiado expostos a este, começava a queimar levemente a nossa pele. Além disso eu não gostava muito do sol. Como todos os da minha espécie, a escuridão era o nosso habitat, o nosso território, a área que nós dominávamos. Éramos os seres mais temidos desta.

Observei de novo as árvores que continuavam a esvoaçar ao sabor do vento. Apesar de não o dizerem sabia que se arrepiavam com a minha presença, tanto elas como todos os outros seres vivos. Naquela zona os únicos seres vivos existentes eram as plantas, que não podiam-se libertar do chão para fugirem. Todos os outros haviam escapado, mal viram que eu me havia instalado aqui. Por medo que eu os devorasse. Seres estúpidos, não eram eles que faziam parte da minha ementa.

Provavelmente quando eu não me encontrava cá eles voltavam. Essa ideia lembrou-me de uma outra muito má e triste.

Dali a dois dias iria voltar para Hogwarts. O meu maior inferno.

Andrey havia-me mandado para lá, perguntei-me diversas vezes porque, mas nunca obtive respostas. Talvez fizesse parte de algum dos seus planos, que ele tanto insistia em esconder de nós. Não me agradava isso. Desde o primeiro dia em que me juntara ao seu clã soube que ele planejara algo para mim. Soube que ele sabia que eu era um vampiro excepcional. Mas nunca imaginara que ele me fizesse algo assim. Obrigar-me a conviver todos os dias no meio de uma comunidade de humanos, viver no meio da tentação. Foi sem dúvida algo extremamente cruel até para um vampiro.

Ripostei diversas vezes, mas não consegui nada, e assim fui para o inferno. Entrei para lá no meu suposto quinto ano, com supostamente quinze anos. O Andrey conseguiu enganar de tal forma os directores dizendo que havia sido transferido. Arranjou os papéis não sei como, e disse ser meu pai, algo repugnante. Acho que para Andrey, era o que eu era, uma espécie de filho, mas para mim ele estava muito longe de ser meu pai. Nem meu tutor era, talvez fosse uma espécie de chefe ao qual eu não tinha grande respeito. Eu era o seu preferido entre todos os vampiros do clã, também era o melhor, a seguir a ele- uma ideia que não suportava, ter alguém melhor que eu- todos me respeitavam de igual modo, tal como Andrey era um dos melhores e mais perigosos vampiros que existia. Entrei para o clã de Andrey com uns trezentos anos, impressionei com as minhas tácticas e dons, com a minha perícia e com o facto de ter conseguido viver sozinho durante tantos séculos, algo que nem ele mesmo conseguira.

As folhas continuavam a balançar ao sabor do vento, ao longe pareceu-me ouvir algo como passos humanos.

Tentei escutar melhor para confirmar a minha ideia.

Impressão minha. Olhei decepcionado para o bosque. Ninguém ia ali, e aqueles que iam quando eu ali me encontrava, tinham uma morte lenta e dolorosamente saborosa.

Sorri ao lembrar-me do olhar de terror que todos esboçavam ao ver-me. Ao verem os meus dentes, ao verem os meu olhos ficarem vermelhos e ao verem a força e rapidez impressionantes que eu tinha. Costumava matá-los lentamente, fazendo jogos psicológicos com eles, torturando-os, dava-me prazer vê-los aterrorizados. Era assim por natureza.

Andrey correu um enorme risco ao pôr-me naquela maldita escola. Eu podia descontrolar-me e matar em frente de todos, mostrando quem eu era, revelando a nossa existência. Mas Andrey sabia perfeitamente, que eu conseguia controlar a minha sede, além disso todas as noites ia para o esconderijo de Andrey, o esconderijo, que nós todos conhecíamos, para poder caçar humanos livremente.

O esconderijo de Andrey era completamente o oposto do meu. Não era bem um esconderijo, visto que todos os membros do nosso clã o conheciam. Era mais como uma casa do nosso clã. Não era muito confortável. Era um castelo aterrorizante, um castelo que se poderia ser mesmo considerado castelo de vampiros. Se a minha casa demonstrava sossego e confronto a de Andrey demonstraria terror. Paredes de pedra escura, um autêntico labirinto. Tinha um aspecto medieval, com quadros nojentos, tapetes vermelhos, salas de tortura e quartos antiquíssimos. Era uma autêntica relíquia para historiadores. O castelo estava situado em alguma parte da Inglaterra do Norte, era envolto por um enorme bosque negro e por um rio igualmente negro em que, por diversas vezes, ficava lavado por sangue e por cadáveres dos mortos que nós fazíamos.

Hogwarts era uma espécie de abstinência para mim. Tinha que conter a minha sede, guardá-la para a noite. Costumava afastar-me das pessoas para conseguir conter a minha enorme sede por sangue e por mortes, não me eram necessários, pessoas fúteis e incultas, sem qualquer interesse. O seu cheiro era sempre o mesmo, o cheiro que revelava a sua maneira de ser, era repleto com os mesmos caracteres. À quem diga que os olhos revelam a verdadeira pessoa, para nós vampiros é o cheiro. Podemos notar no próprio cheiro o terror que as pessoas sentem por nós. O cheiro. De inicio todos os cheiros nos fascinam, de uma forma que nós começamos por matar aquelas criaturinhas de uma forma rápida e indolor. Todos os cheiros são especiais, conseguem nos causar uma enorme sede, mas com o passar do tempo essa espectacularidade desaparece, tornam-se todos iguais, porque todas as pessoas são iguais, porque todos são assombrados por problemas fúteis, porque todos não têm uma vida interessante. De vez em quando aparece um ou outro cheiro mais interessante, mas nada de fascinante, nada por que valha a pena ter esta vida.

Somos monstros a partir do preciso momento em que somos mordidos, monstros sem qualquer escapatória. Somos forçados a beber sangue humano, a matar humanos. Sangue animal não satisfaz a nossa sede, só a torna ainda maior. Eu sabia disso, eu mesmo já provara, esperando haver alguma forma de mudar aquilo que eu era, o sangue dos animais para nós é a mesma coisa que a água do mar para os humanos, em vez de acabar com a sede aumenta-a. Então como não há escapatória, e já nos deram o titulo de monstros, tiramos o proveito da situação e começamos a matar sem dó nem piedade. De início é tenebroso, se tivéssemos sido bons humanos ao sermos transformados em vampiros começamos a ter remorsos pelas mortes que fizemos, tentamos de tudo para com que aquilo acabe, mas nada feito. Com o passar do tempo os remorsos desaparecem e dão lugar à diversão. Admito que com quase quinhentos anos de vida, por vezes ainda sinto um pouco de remorso por aquilo que faço, mas mal vejo uma presa esse remorso desaparece.

De início matamos rapidamente, não queremos magoar as presas, as vitimas, por vezes até pedimos desculpa- ridículo, eu sei- mas com o passar do tempo o sangue já não nos satisfaz, já não nos dá prazer, então procuramos uma forma de tornar a nossa vida interessante. Arranjamos a caça aos humanos. Brincamos com eles, vemos os olhares aterrorizados, passamos horas atrás deles, e quando estamos completamente sedentos matamo-los lentamente e dolorosamente, sem qualquer piedade.

Nós devemos ser as criaturas mais terríveis neste mundo, tirando os malditos dos demónios. Não nos limitamos a matar humanos, matamos lobisomens- os nossos maiores inimigos- e por vezes fazemos guerras entre clãs, matando os outros da pior das formas. Torna-se extremamente delicioso. Somos as criaturas favoritas dos caçadores, à caçadores específicos para a nossa espécie, de todos os humanos esse são os mais fascinantes, os mais interessantes em matar.

Algumas criaturas começaram a correr pelo bosque, aterrorizadas com a minha presença. As árvores tremiam com o meu olhar.

Era um dos melhores vampiros existentes e tinha objectivos de me tornar o melhor entre todos eles. Não era como Andrey, obcecado com o poder, eu procurava-o, mas sabia arranjar os meios apropriados, conseguia esperar se fosse necessário, tinha a eternidade toda. Meios não justificam os fins.

Passei por um espelho, ao contrário do que as lendas idiotas dizem, temos reflexo. Cabelos negros, olhos negros, pele branca, extremamente belo para humanos e até mesmo no meio de vampiros.

Sorri. Usava a minha beleza para atrair fêmeas humanas, para depois matá-las. Tinha um falso ar em que se podia confiar.

Em Hogwarts ou inferno, tinham-me muitas vezes convidado para sair, todas me olhavam com desejo. Pensei diversas vezes em acompanhá-las para depois matá-las, mas não o podia fazer iria dar muito nas vistas e poderia andar algum caçador atento por aí. Por isso limitava-me a recusar, dando enormes desgostos àquelas cabecinhas ocas.

Sentei-me no sofá.

Hogwarts. Isso fez-me lembrar de algo. Algo terrivelmente inesquecível e delicioso.

Caminhava pelos corredores escuros e frios de Hogwarts. Estava sozinho, todos os outros estavam nas aulas. Caminhava calmamente pelos corredores, pensando em como era bom poder sair daquele inferno por três meses e em como iria vingar aquele ultimo ano mal caçado, ia bastante abstraído nos meus pensamentos, sem me concentrar no caminho que seguia e nos cheiros que me rodeavam.

Caminhei com o mesmo andar calmo durante os minutos, até que do nada algo vai contra mim, senti ser algo humano, por isso agarrei o braço, para não levantar suspeitas sofre a força com a pessoa devia ter sido repelida.

De início foi completamente normal, fiquei chateado com o facto dos meus pensamentos terem sido interrompidos, mas nada de especial.

Ficamos assim por segundos, até que eu voltei a respirar, e o cheiro da pessoa fez-se notar.

Doce, forte, sedutor, profundo, cativante, perigoso, muito mas muito misterioso e único. Foram as características que mais se notaram.

Um cheiro feminino.

Uma sede profunda e completamente desconhecida invadiu-me a boca.

Toda a saliva que humedecia-me a boca e os lábios desapareceu, a minha boca tornou-se completamente seca e começou a queimar-me, senti um enorme formigueiro na boca, os meus dentes iam começar a crescer. Apesar de ter comido à pouco tempo, aquele cheiro tirou-me anos de alimento, dando-me uma sede extremamente forte e insuportável. Senti-me a enfraquecer, senti o meu corpo a tremer, senti a minha cabeça a ficar zonza. Por momentos pensei que fosse desmaiar, apesar de isso nunca acontecer com vampiros. Fechei os olhos com força. Parei de respirar, mas mesmo assim não larguei o braço da garota.

-Mata-a.- Disse uma voz dentro de mim.- Mata-a agora que não está aqui ninguém.

Agarrei o braço da miúda com mais força.

- .Não.- Bradou outra voz.- Não o podes fazer vais ser descoberto!

Fechei os olhos com mais força, aos poucos fui soltando o braço da garota.

- Então leva-a para o bosque e mata-a aí.- Voltou a falar a primeira voz.- Não à que ter problemas já mataste vezes sem conta, vai ser fácil, ninguém vai descobrir o que és.

- Não. É demasiado arriscado.- Disse a segunda voz.- Além disso, se a matares agora não vais poder sentir mais o seu delicioso cheiro, e não sabes quando poderás voltar a sentir algo tão maravilhoso quanto este.

Respirei fundo. A segunda voz tinha razão. Quanto maior a espera melhor o sabor. Iria esperar, torturar-me a mim mesmo como nunca antes o fizera e depois quando provasse o delicioso sabor do sangue daquela fêmea, poderia sentir-me o vampiro mais sortudo do mundo por o ter provado, por ter sentido tamanho sabor e desejo, como o que senti naquele momento.

Virei-me lentamente. O cheiro ainda me afectava bastante. Como é que uma miúda poderia ter um cheiro tão cativante e tão misterioso, como é que ela podia demonstrar perigo?

Parei no momento em que sabia que me encontrava virado para a dona do delicioso cheiro. Fui abrindo os olhos lentamente. Olhei-a. Pensei que estava a ver uma miragem, por isso pisquei várias vezes os olhos.

- Impossível.- Pensei.

Estava a sonhar. Comecei a rir-me interiormente por tal ideia ter-me ocorrido. Vampiros não dormem, logo não sonham. Mas então se não era um sonho, era o que?

Olhei-a de novo, até então tinha ainda ponderado na ideia de matá-la logo devido ao facto de ter um cheiro tão tentador e irresistível. Essa ideia desapareceu completamente quando os meus olhos pousaram nela.

O seu físico era completamente compatível com o cheiro. Incrível, raro e tentador.

Pisquei os olhos várias vezes. A abstinência estava a afectar-me a vista. Só podia ser.

Nada mudou.

Era extremamente linda. Cabelos negros ondulados que lhe iam até à cintura, olhos azuis-esverdeados muito profundos- que tal como o seu cheiro, pareciam reservar imensos segredos, lábios vermelhos, carnudos e bem desenhados, pele branca e corada, tinha um rosto oval com expressões perfeitas e misteriosas, era alta e tinha um corpo com curvas excepcionais.

Durante toda a minha vida havia visto inúmeras mulheres belas, vampiras, humanas, mas nunca vira nenhuma com uma beleza tão misteriosa e perigosa. Parecia ter sido feita para atrair. O seu cheiro a sua beleza.

Os olhos eram tão profundos. Que segredos uma rapariga de dezassete poderia guardar?

As miúdas de dezassete anos, e mesmo adultas, só pensam em coisas fúteis e superficiais, raras as que não pensam, não têm nada de interessante nas suas vidas, nem mesmo as feiticeiras. Mas esta era diferente, era como se a sua vida fosse um mistério, um perigo, como se ela estivesse constantemente exposta ao perigo, era como se ela fosse o perigo- o seu cheiro dizia tal.

Sacudi a cabeça. Estava a ver perigo onde ele não existia. Como é que uma garota de dezassete anos constituiria perigo para um vampiro como eu?

Observei-a mais uma vez. Olhava-me com um olhar extremamente avaliador. As suas características tornavam-na demasiado bela para ser humana. Se calhar não era humana. Isso era ridículo, se não fosse humana como é que poderia cheirar a tal? Então era uma humana muito rara e bela.

Não a podia matar assim, tinha que poupá-la. Quanto maior a espera melhor é o sabor.

O desejo pelo seu sangue ainda me queimava quando comecei a sentir algo que me era estranho. Senti o meu rosto a aquecer e estranhei isso, senti o meu coração a bater lentamente, mas mais depressa que o habitual.- O nosso coração, quando somos mordidos, não para completamente, abranda sendo quase impossível de se sentir e ouvir, é muito, muito lento, pois não tem as funções de bombear o sangue para este circular. Estava extremamente lento para o ouvido humano, mas para mim, que me habituara a não senti-lo parecia-me rápido, demasiado rápido.

Pela primeira vez, desde que me lembro em ter-me tornado vampiro senti uma vontade tão forte, comparável á de beber-lhe o sangue, senti vontade de tê-la de...possui-la. Senti desejo carnal, desejo humano.

Sacudi a cabeça. Só podia ser a abstinência a falar mais alto, ou então era aquele inferno que me estava a deixar louco.

- Desejo humano...pff- A voz riu-se.- Mata-a logo, que isso acaba.

A garota fez um olhar assustado, algo em mim a assustara como era obvio, lembrei-me dos meus olhos, devem ter ganhado um reflexo vermelho, é claro. Com sorte ela pensaria que fora só imaginação sua.

A miúda levantou-se ajeitou-se, disse algo como um obrigado, e saiu sem sequer olhar para trás.

Foi a primeira a não tratar-me com admiração, e isso de uma certa maneira agradou-me.

O vento uivava ao longe. Tinha que sair um pouco, o céu estava nublado não havia nada com que me preocupar.

Como é que eu nunca vira a miúda? Perguntei-me diversas vezes. Ela era tão distinta.

Pensei durante algum tempo. Eu mal conhecia aquela escola, mal passeava por ela, ela também não me pareceu ser muito sociável, algo que até fazia sentido se ela era assim tão envolta em mistérios...

Mistérios.

Por momentos senti uma enorme curiosidade em saber em que mistérios ela poderia estar envolvida.

Nunca a deveria ter encontrado no corredor, distinguiria logo o seu cheiro. Tão raro, tão fascinante, tão misterioso.

Quem era aquela rapariga?

Fechei os olhos. Levantei-me bruscamente.

Tinha que saber.




Narrado por: Rose Vernot

- Então conta lá que caçada tão fascinante é essa. - Estávamos numa esplanada em Londres. Jack tomava o seu lanche da manhã enquanto eu bebia um café. - E secreta visto que não me pudeste contar lá na estalagem.

Jack que até então estava a comer uma sandes de queijo e fiambre parou de o fazer para observar-me. Ficou mais alguns a mastigar e depois falou.

- Hum…- Começou. - É algo extremamente interessante.

Revirei os olhos e inspirei, demonstrando a minha falta de paciência.

- Podes-te deixar de rodeios e dizer logo o que é. - Disse secamente.

- Calma Rosinha. - Odeio quando ele me trata assim. - Deixa-me acabar de comer.

Bufei de raiva.

- E tu sem comer…

Jack começou a gargalhar.

- Comer faz bem. Devias fazer isso mais vezes, senão ficas magrinha, maninha.

- Olha se vais demorar muito, eu vou dar uma volta. - Disse começando a arrastar a cadeira.

- Hey espera aí!- Jack segurou a cadeira impedindo-me de sair. - Sabes que a paciência é uma virtude, não sabes?

- Sei, mas eu não a tenho, e também não tenho paciência para a ter. - Disse sarcasticamente.

- Pois mas vais aprender a tê-la. - Jack fez um ar sério. Fui obrigada a sentar-me e a esperar pacientemente que ele acabasse o seu lanche da manhã. Cruzei os braços e bufei de raiva, o meu irmão nem reparou.

Passados longos e tediantes minutos, Jack acabou o seu lanche da manhã, e sorriu.

- Ah finalmente acabou o tédio, podes começar a contar? - Perguntei irritada. Jack riu-se.

- Rosinha, Rosinha, tens que ser mais paciente...- Revirei os olhos e bufei de raiva.

- Para começar podias parar de me chamar isso, não tenho dois anos, sabias? - Jack fez um ar falsamente surpreso.

- Ah, essa é novidade! – Exclamou, com o seu irritante sorriso parvo.- Podes não ter dois anos, mas por vezes ages como se os tivesses.

- Podes começar a contar?- Perguntei com uma grande irritação na voz.

Jack sorriu ao ver que estava a obter o pretendido.

- Então vamos começar.- Jack pôs a mão direita à frente da boca e fez uma tosse falsa, fingindo que estava a limpar a garganta.- Não sei se tens visto os jornais de Gutenberg?- Eu neguei com a cabeça.- Pois já calculava. Segundo ele, desapareceram onze raparigas, ao longo destes últimos onze meses, uma por cada mês. As pessoas dizem que a última zona onde foram vistas foi perto do bosque. Isto acontece sempre na mesma altura, na altura de lua cheia.

- Lobisomens?- Perguntei curiosa.

Jack sorriu, deveria calcular que fosse dizer tal.

- Não.- Respondeu convincente.- Parece-me algo muito mais complexo, algo muito mais cruel. Lobisomens não matam como um ritual. Aliás eles só matam se encontrarem alguém à frente, e estiverem mesmo muito descontrolados. Estas mortes parecem ser muito organizadas, algo como um ritual, e têm um padrão.

- Um padrão? Tens a certeza que é uma criatura? Se calhar estás à procura de um assassino em série.

- De início também pensei isso, mas tu sabes como é o pai, fomos investigar…- Bufei de raiva, como já suspeitava, tínhamos ido para aquela vila porque já sabiam que algo de errado ocorria lá. Punham-me sempre de fora das informações.

- Investigaram?- Perguntei irritada.- Porque é que não foram logo apanhar o bicho sem mim.

- Deixas-me acabar?- Perguntou Jack com raiva e impaciência por eu o ter interrompido. Eu anui com a cabeça e ele prosseguiu com a explicação.- Sim, maninha. Todas têm um padrão, são todas mulheres, com uma idade que ronda os dezasseis e vinte e cinco anos, todas bonitas e virgens. - Jack fez um sorriso malicioso e eu revirei os olhos, como ele conseguia ser perverso.

- Como sabes que são virgens?- Jack riu-se.

- Investigação, Rose, tudo está na arte de investigar.

- Sim eu sei como é que tu investigas.- Murmurei baixo, e Jack sorriu.

- Continuando, o curioso disto é que todas ou estavam de visita ou moravam em Gutenberg só que sem familiares por perto.

- Se elas não tinham lá familiares, como foram dadas como desaparecidas?- Perguntei.

- Amigos, Rose. Sabes o que são? – Perguntou sarcástico.- O que anda a fazer isto tem inteligência suficiente para escolher aquelas que são mais difíceis de serem dadas como desaparecidas…

- Continuo a achar que é um assassino psicopata.- Cantarolei.

- Deixas-me continuar?- Jack demonstrou que estava a começar a ficar irritado com as minhas constantes interrupções.- Esta coisa mora no bosque, pois as vitimas só desaparecem perto do bosque, possivelmente nem pode sair de lá.

- Então se ele não pode sair de lá, como é que ele arranja as vitimas. Duvido que em todas as noites de lua cheia apareça lá uma mulher com características tão definidas.- Disse.

- Pois. Por isso é que nós suspeitamos que ele tenha alguém a ajudá-lo cá de fora. Alguém humano.

Eu comecei a rir-me. Um arrepio percorreu a minha espinha. Humano. Lembrei-me dos donos da taberna.

- Porque haveria um humano de ajudar uma criatura das trevas?- Perguntei ainda rindo-me.

- Ajudaria, se recebesse algo em troca. Já reparaste nos grandes campos férteis que Gutenberg tem, não reparaste.- Eu assenti.- Pois, sabias que Gutenberg era uma terra muito, mas muito pouco fértil, e que do nada tornou-se de um dos territórios mais férteis da região. Do nada.

- Como é que é possível?- Perguntei curiosa.

- Não sei, parece algo sobrenatural.- Disse, dando um certo suspence à palavra.

- Pode ser aquela magia dos feiticeiros.- Disse calmamente.- Jack não crias suspence nenhum.

Jack riu-se.

- Tu achas que essa magiazinha tinha capacidade de dar fertilidade aos solos durante séculos, sim são séculos.- Perguntou secamente. Eu encolhi os ombros.- Eu acho que não, é magia muito forte, muito poderoso e antigo. Eu e o pai investigamos e descobrimos algo muito interessante.

Arquei as sobrancelhas.

- Não, a magia que aprendemos não tem nada de muito excepcional, dada a dimensão das coisas que nós vemos no nosso dia-a-dia - Disse por fim. - O que é que tu e o pai descobriram?

Jack fez um sorriso sedutor, eu franzi o sobrolho.

- Não era para ti.- Olhei para trás, encontrava-se a duas mesas de distância uma mulher morena de caracóis, elegante, sorria para Jack. Suspirei. Jack não tinha emenda.- Bem, existem umas lendas interessantes sobre seres com o nome de semi-deuses, seres que são muito poderosos, que ajudam as populações em troca de vidas humanas, sacrifícios de mulheres jovens, belas e virgens, como as nossas vítimas. Estes semi-deuses, são na verdade semi-demónios, criaturas filhas de demónios e humanos… Hey, não faças essa cara de nojo, eu sei que é repelente…Eles têm uma vida de humanos quando nascem, mas quando morrem ficam na terra enfraquecidos, tendo só poder ao alimentarem-se de vidas humanas que os fortalecem. Costumam ter poder para deixar os solos férteis, que costuma ser a recompensa que eles dão às populações.

- Porque e que só agora apareceram essas mortes nos jornais. Só agora é que ele começou a matar?

- Pois, não sei. Essa é a tua parte da investigação.- Disse piscando-me o olho.- Depois de ires fazer as tuas comprinhas, vamos voltar a Gutenberg, mais precisamente à Biblioteca de Gutenberg, há lá uma pessoa que pode responder a todas as nossas questões. Agora sai, tenho outro trabalho a fazer.- Disse sorrindo.

Levantei-me enraivecida, ele definitivamente não tinha emenda. Afastei-me, mas ainda o pude ver a atirar-se à miúda da esplanada.

Caminhei pelas ruas escuras de Londres, por vezes, quando a insegurança aparecia era obrigada a pegar nas armas que tinha escondidas pela minha roupa.

Ouvia vários assobios e piropos. Nojentos. O meu pai não gostava nada da ideia de eu passar por eles sozinha, como se eu não me soubesse defender.

Caminhei até encontrar o que procurava. Uma pequena loja escura, escondida de todos, ninguém que não a quisesse encontrar a encontraria. Era mesmo o local perfeito para se fazer uma loja para caçadores.

Tinha as paredes brancas sujas com manchas escuras e verdes. A porta de madeira velha estava danificada, e os vidros tinham cartões a cobri-los. Estava num péssimo estado.

Entrei. Um pequeno sino anunciou a minha entrada ao vendedor.

As condições interiores não eram muito melhores que as exteriores. Tinha um chão de azulejo preto, com diversas manchas de sujidade, as paredes eram cobertas com estantes velhas que continham todo o tipo de material, desde livros até armas. Ao fundo havia um balcão de madeira igualmente velha. Atrás do balcão podia ver-se uma porta que deveria da para o armazém onde continham todos os carregamentos de armas.

- Menina Rose Vernot!- Bobby exclamou ao ver-me entrar na loja. Era careca, com apenas alguns cabelos brancos. Tinha estatura média e tinha uma barriga grande. Tinha os olhos escuros, no seu rosto ainda se podiam ver algumas cicatrizes e marcas de algumas caçadas violentas que tivera.

- Bom dia Bobby.- Cumprimentei-o educadamente. Bobby abriu um largo sorriso, mostrando os seus dentes podres e gastos.- Vim buscar o carregamento que o meu pai pediu.

- Ah, claro.- Disse ainda sorrindo. Depois abriu a porta, que se encontrava atrás do seu balcão e entrou nesta.- Vou só procurá-lo.- Disse antes de a fechar atrás de si.

Bobby era um velho amigo do meu pai. Era também um excelente vendedor, apesar da loja em que se encontrava, conseguia todo o tipo de armamento necessário, o meu pai dizia que ele devia ser um dos melhores vendedores - se bem que também não existem muitos. O meu pai contara-me que em tempos Bobby fora um excelente caçador, um dos melhores, e que ele e meu pai haviam feito grandes caçadas juntos, só que Bobby acabou por desistir destas andanças e começou a dedicar-se à venda de material para caçadores- trabalho que nos dá jeito, por sinal.

Fui andando pela loja, gostava de observar o material de caça. Percorri a loja até que parei em frente a uma estante de livros velhos. Comecei a observá-los.

- Então como está o meu velho companheiro de caça?- Perguntou Bobby, deveria ter voltado já do armazém.

- Está bem.- Respondi sem tirar os olhos dos livros.

- Hum.- Senti que Bobby me observava curioso.- Manda-lhe comprimentos meus.

- Serão entregues.- Respondi docemente.

“Anjos negros - Vampiros”

Observei o livro de capa negra e letras vermelhas com curiosidade.

Procurei pelo nome do autor. Não queria um livro escrito por um humano qualquer, ainda iria estar a contar aqueles mitos estúpidos.

Luc Povor.

Luc Povor era romeno e era o melhor caçador de vampiros que alguma vez existira. Por isso era a pessoa que melhor poderia escrever um livro sobre vampiros.

- Quanto custa?- Perguntei virando-me para Bobby, que limpava armas até então. Este parou o que estava a fazer e observou o livro.

- Hum…Esse livro são umas quarenta libras.- Disse avaliando o livro.

- Quarenta libras?- Perguntei admirada.

- Sim. É que sabes Rose, é um livro antigo, escrito por Luc Povor.

- Sim compreendo.- Aproximei-me de Bobby com o livro na mão.- Bobby o armamento é para ficar na conta do meu pai. Este livro pago-o eu.

Pousei o livro na mesa.

- Com certeza, menina. – Disse pegando no saco que continha as armas e entregando-me. Enquanto eu lhe entregava as quarenta libras.- Quer ajuda para levar o saco?

- Não obrigada Bobby.- Comecei a dirigir-me para a porta. Abri-a mas antes de sair virei-me e disse.- E Bobby, não diga ao meu pai que comprei o livro, ele não gosta que eu leia este género.

- Com certeza menina.- Disse sorrindo.- Adeus Rose, boa sorte para as caçadas.

Sai da loja de Bobby e dirigi-me pelas ruas escuras de Londres.

Não sabia o motivo para ter comprado aquele livro. Aquela maldita insegurança estava a perseguir-me de tal forma que começava a fazer coisas disparatadas.

Nunca me interessara muito por vampiros, mas ultimamente andava a preocupar-me demasiado com aquele maldito assunto.

Jack tinha razão, tinha que deixar de ver o mal em tudo o que me rodeava. Isso ainda me iria pôr num asilo.

Caminhei por mais umas ruas sombrias até que cheguei à rua principal.

Diversas pessoas caminhavam por estas, pude reparar que algumas delas eram feiticeiras, pelas excêntricas roupas que vestiam.

Ouvia risos, choros, tudo, mas o meu cérebro não ia muito atento ao que nela se passava.

Caminhei durante alguns minutos. Com o saco pesado no meu ombro, e com o livro de baixo dos braços. Sentia olhares sob mim, mas continuei a caminhar.

Estava tão abstracta nos meus pensamentos, que não notei que havia alguém à minha frente e foi contra essa pessoa.

Fechei os olhos e respirei fundo, esperando cair com o encontrão que dera com a pessoa, mas a mão desta segurou-me.

O meu coração deu um solavanco, e depois começou a palpitar violentamente, com uma enorme força e rapidez, surpreendi-me por ninguém o ter ouvido.

A mão da pessoa era fria, suave e tinha uma enorme força, força suficiente para me aguentar.

O ar tornou-se incrivelmente pesado, impossível de respirar

Senti o meu corpo tremer interiormente.

Eu conhecia aquele sentimento. Era insegurança. Eu estava extremamente insegura.





N/A: Espero que tenham gostado do ínicio do primeiro capitulo. Tenciono postar o resto o mais depressa possivel, mas só com comentários.
Origada Gabby, yohanah e Lari, Thais e Pedrokas pelos comentários, ainda bem que gostaram.
Lari, já adicionei a Claire às personagens :D espero que tenhas gostado.

Esta é a primeira cena de batalha entre lobisomem e vampiro que escrevo, por isso é provável que não tenha ficado grande coisa, prometo fazer melhor para a próxima. :D

14/12/2008

Pensei em só actualizar quando tivesse tudo escrito, mas não consegui resistir à tentação :( sou péssima em resistir às tentações. Sorte a vossa, acho. Espero que tenham gostado desta parte do capitulo. Estou quase a terminá-lo, mas preciso que comentem para postá-lo. :P

28/12/08

1º capitulo inteiro!!! Finalmente, não é que alguém se importe :(

Obrigada Lari pelo comentário, sim vamos ver uma caçada da Rose muito brevemente (mais propriamente no proximo capitulo) :D.

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