Meu doce inferno [100%]

Meu doce inferno [100%]



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Narrado por: Rose Vernot

Respirei pausadamente. Pude ouvir Jack a retirar o cinto, observei-o com a indecisão de fazer ou não o mesmo que ele.

- Fica aqui.- Murmurou, sem retirar os olhos no vulto masculino à nossa frente.

Olhei-o com alguma ânsia, senti o meu estômago dar algumas voltas. Mas fiz o que ele disse, e recostei-me no banco da Chevy.

Jack dirigiu-se até ao meu pai que o olhou fixamente, pude reparar nas suas expressões duras e enraivecidas, estremeci levemente com receio por Jack, tal como ele sabia o que viria dali.

Jack parou em frente ao meu pai, ambos pareceram inspirar fundo, pude ver o meu pai mover os lábios, dando uma ligeira espreitadela ao carro onde me encontrava, primeiro os seus lábios movia-se ligeira e rapidamente, como em sussurros, depois começaram a aumentar a sua abertura e a diminuir a velocidade dos seus movimentos. Podia ver os grandes movimentos duros dos maxilares do meu pai enquanto falava, as suas expressões faciais tornaram-se mais rígidas.

Encostei-me mais no assento do carro. Pude ver o meu irmão baixar a cabeça. Jack nunca se preocupava com as constantes críticas do meu pai, mas sempre que alguma delas me envolvia, Jack ficava banhado numa enorme mágoa. Sabia o quanto é que esta pequena “aventura” iria custar ao meu irmão em culpas, apesar desta pertencer à minha falta de alerta.

Suspirei tristemente. Jack e o meu pai eram extremamente parecidos em quase todos os pontos, por isso havia um enorme choque entre ambos. Jack encarava todos os assuntos com uma enorme descontracção, mesmo que este se referisse à caça. O meu pai detestava isso, detestava a falta de percepção em relação aos perigos que a nossa caça envolvia, e nisso eu tinha que concordar com ele, as brincadeiras de Jack eram muitas vezes o motivo das nossas pequenas brigas, pelo facto de eu achar que a maioria delas vinha no momento inoportuno. Jack era bastante irresponsável, mas conseguia safar-se sempre com êxito numa missão. Acho que nos aspectos que conhecia, as minhas semelhanças psicológicas eram mais próximas das do meu pai, talvez pela exigência e rigor que eu necessitava numa missão, Jack nesse ponto era o oposto de mim e do meu pai, para ele a brincadeira e a despreocupação vinham em primeiro lugar.

Podia ver o seu rosto cabisbaixo imerso no remorso, e isso magoou-me imenso. Sabia as preocupações que lhe causara, possivelmente a dor, sabia também que os seus remorsos se deviam todos à minha falta de responsabilidade e não à dele, Jack em nada era culpado naquilo que me havia acontecido naquela noite. Inspirei fundo, o seu remorso trouxera-me a mim remorsos.

Tirei o cinto, abri a porta do carro e levantei-me, podia ver o gestos duros que o meu pai fazia, muito deles apontando discretamente na minha direcção, a discussão estava forte e feia, pois mal saí do carro pode ouvir a voz alta do meu pai suprimir os ruídos que o próprio bosque por natureza fazia.

Ao pôr os pés fora do carro, lembrei-me que não tinha nada vestido para além da minha camisa de dormir. Senti o meu corpo ser envolto num gelo cortante, enquanto que nos meus pés a dor dos cortes começava a aumentar devido ao contacto das feridas com algumas pedras misturadas na terra. Apesar disso continuei a caminhar até chegar ao meu pai e a Jack, que ainda não haviam reparado na minha saída do carro.

- Pai.- Chamei-o num sussurro. Tanto Jack como o meu pai voltaram-se para mim num pulo.

- Rose o que é que...- O meu pai começou mas eu não o deixei continuar.

- Pai o Jack não tem culpa, eu é que me deixei apanhar.- Disse-lhe com a voz fraca.

O meu pai olhou-me com uma grande tristeza.

- Ele apanhou-te desprevenida querida, eu sei.- Disse com a voz fraca.- Volta para dentro do carro, Rose, não estás nada bem.

O meu pai retirou o seu casaco o cobriu o meu corpo quase totalmente despido. Jack observava-me com tristeza.

- Pai, assério Jack não teve culpa.- Repeti fracamente. As expressões do meu pai tornaram-se duras, ele encarou Jack com severidade.

- Nisso não posso concordar contigo, Rose. O Jack sabe perfeitamente que te tem que proteger, se ele tomasse mais atenção a certas coisas e não aos seus “divertimentos”, isto poderia não ter acontecido.

Jack baixou a cabeça num gesto de vergonha.

Os meus olhos pararam na entrada da estalagem. Senti um arrepio percorrer a minha espinha.

- Não. A culpa não é do Jack.- Disse olhando para a porta da estalagem. Tanto o meu pai como Jack voltaram-se para mim surpresos.

- Rose…- Começou o meu pai a falar.

- Quem me entregou à criatura- apontei para a estalagem, os olhos de Jack e do meu pai seguiram na direcção para aonde o meu braço apontava.- foram eles.

Vi uma faísca atravessar nos olhos de ambos. As expressões do meu pai enrijeceram-se enquanto que as de Jack foram substituídas por umas de ódio.

O meu pai segurou-me num dos meus braços enquanto que Jack se começou a encaminhar para a entrada da estalagem com um andar pesado.

- Jack.- Sussurrei com receio, nunca o havia visto assim.

O meu pai tentou puxar-me para dentro do carro, mas eu permaneci parada, estática a olhar para Jack que entrara na estalagem com um olhar fulminante.

- Anda Rose.- Pude ouvir a voz do meu pai chamar-me por entre os ruídos do bosque.- Eu e o teu irmão temos que...temos assuntos a tratar.

Arrepiei-me. O meu pai puxou-me para dentro do carro, abriu uma das portas de trás e empurrou-me para dentro deste.

- Pai!- Chamei-o revoltada antes que ele fechasse a porta do carro à chave, impedindo-me de sai.

- Não te preocupes Rose, o teu irmão safa-se.- Ainda o pude ouvir dizer antes de ele se ir embora e dirigir-se até à estalagem pelo mesmo caminha que Jack seguira.

Fechei os olhos. Ainda podia sentir os olhos mortos do monstro em cima de mim.

A imagem dos cadáveres- ou do que restava deles- das mulheres mortas invadiu a minha mente.

Arrepiei-me. Abri de novo os olhos.

Podia ver as folhas das árvores voarem ferozes em pequenos remoinhos. Por vezes ouvia estas arranharem as portas da Chevy.

O meu coração começou a palpitar com fúria.

Primeiro pingos, depois grossas gotas de água. Estas tornaram-se numa chuva torrencial que ensopou a terra que depressa se tornou lama.

De novo senti arrepios, só que de frio. O meu corpo começou a tremer com este que se fazia sentir cada vez com mais força. As minhas mãos geladas foram parar aos meus braços e friccionando-os numa tentativa desesperada de aquecê-los. Os meus dentes começaram a ranger levemente. Dobrei as minhas pernas, colocando-as assentes no banco virando o meu corpo e encostando-o à porta do carro observando a do outro lado.

Os meus braços envolveram as minhas pernas.

A entrada da estalagem havia sido encoberta com o nevoeiro que a chuva trouxera consigo.

Com os olhos fechados, encostei a minha cabeça à janela do carro e suspirei.

Tentei escutar alguma coisa, mas o único som audível foi o das gotas de água a salpicarem o chão lamacento.

Som agradável para alguns, para mim mais uma maneira de levar-me a tão próxima loucura.

O meu coração continuava à alerta, soltando solavancos a cada som da chuva que se assemelhava a um passo humano.

Por instinto natural, a cada solavanco que o meu coração dava, os meus olhos fechados abriam bruscamente e a minha mão direita ia até à minha perna direita procurando por uma arma que me pudesse salvar do extinto perigo, que tanto me perturbava.

Ao quinto passo falso os estímulos naturais, a que o meu o corpo acabara por se habituar, não intervieram no repouso deste, que permaneceu quieto tentando combater o poderoso frio que aos poucos o dominava.

Vários outros passos seguidos do quinto.

- Imaginação Rose, imaginação.- Uma voz tentava acalmar o meu corpo que começava a entrar em estado de alerta, procurando informações guardadas na minha memória, sobre o local onde Jack escondia as armas.

- Oh não.- Sussurrei.

As minhas mãos percorreram a parte debaixo do assento, puxando-o e procurando por algo que me pudesse auxiliar se o que temia fosse realidade.

A minha mão direita pousou em uma lâmina que a cortou levemente. O ardor da ferida era facilmente esquecido e ignorado pelo tremor que abalava as minhas mãos, tremor provocado tanto pelo frio como pelo receio.

Peguei também numa pequena garrafa que sabia que continha água benta. Apertei-a com uma ligeira força, fechando os olhos com intensidade.

- Rose.- Pude ouvir o meu nome ser chamado por entre as gotículas grossas da chuva.

Os meus olhos abriram-se com brusquidão.

Apertei tanto a adaga de prata como a garrafa com água benta.

Seria impressão minha?

A resposta foi dada alguns segundos depois.

- Rose!- Tornou a voz a chamar-me, mas desta vez mais audível. O interlocutor estava com certeza junto ao carro.

Num impulso fiz um movimento com o pulgar e abri a tampa da garrafa, enquanto me voltava para me colocar de joelhos de frente para a porta onde outrora me encontrara encostada.

A mão que continha a garrafa foi para trás das minhas costas escondendo-se, enquanto que a que continha a adaga foi erguida e afastada do meu corpo, com a lâmina estendida num gesto ofensivo, pronta para desferir um golpe mortal no pescoço daquilo que me tentasse atacar.

Passaram-se segundos em que a minha respiração pesada e descontrolada era o único som audível, segundos em que a única atenção que tinha era colocada sob a porta, segundos onde o som da chuva tornara-se o único ser vivo no ambiente exterior ao carro.

O som do trinco da porta a ser puxado fez a minha respiração tresloucada descontrolar-se ainda mais e o meu coração bater com uma enorme fúria, pronto para fazer qualquer ataque necessário.

A chuva encobriu o rosto humano da criatura, impossibilitando-me de o ver, apenas podendo apenas ser visível o vulto do seu corpo humano. Num outro impulso fui com a minha adaga ao pescoço da criatura.

O rosto de choque e de susto do meu pai começou a surgir aos poucos por entre as gotas de chuva, enquanto observava a minha mão que continha a adaga.

- Rose?- Perguntou com o ar chocado.

- Pai.- O alívio e a satisfação exprimiu-se na minha voz. Afastei a adaga do seu pescoço.- Pensei que fosse...

Calei-me, sem esperar mais um segundo lancei a água sobre o rosto da figura encharcada do meu pai.

Os olhos deste arregalaram-se para depois encararem-me intrigados.

Larguei a garrafa, deixando-a cair no chão e encharcar este, e a adaga.

- Pai!- Tornei a exclamar com mais alívio e com alguma euforia.

Este olhou-me avaliador e com uma ruga de preocupação.

- Às vezes preferia não te ter ensinado tão bem.- Resmungou. Sorri.

Passos atrás do meu pai, que ainda me olhava, despertaram-me a atenção deste.

Jack lançou uma mala para o banco de trás, fazendo-a por pouco não me acertar.

Os seus olhos estavam escuros, opacos, sem demonstrar qualquer tipo de emoção.

- Toma.- Disse atirando-me algo. Eu peguei no objecto e observei-o. O meu rosário.- Aquela cabra estava com ele no pescoço.

- Jack!- Reprimiu-o o meu pai.

- Desculpa pai...aquela doce e louvável dama trazia-o ao pescoço.- Disse com escárnio, encaminhando-se depois, com passos largos, para o lugar do condutor. O meu pai fechou a porta e foi para o lugar de piloto.

Ouvi o motor do carro começar a trabalhar.

Aos poucos a estalagem deu lugar ao desagradável bosque que se encontrava negro.

Inspirei fundo, voltando-me para observar o assento que se encontrava à minha frente. Não queria ter que voltar a ver aquelas árvores. Fechei os olhos esperando que alguns minutos passassem para poder me encontrar suficientemente longe daquela terra para que algo me ouvisse.

Passados minutos, e ao ver que parte da escuridão abandonara o bosque, arranjei folgo e coragem e comecei a falar.

- O que aconteceu?- Perguntei. Vi os olhos do meu pai moverem-se para captarem a minha imagem pelo espelho retrovisor.

Ouvi um suspiro lançado por Jack, este não tirou os olhos da estrada.

- Eu estava no meu quarto deitado a pensar em quem poderia ser a próxima vitima do semi-demónio quando me lembrei...

- Não era isso que te estava a perguntar.- Disse-lhe.- O que aconteceu aos tipos da estalagem.

- Tiveram aquilo que mereciam.- Respondeu Jack com frieza.

- Que lhes fizestes Jack.- Perguntei não escondendo a ligeira preocupação na minha voz, balouçando-me para a frente.- O que é que ele fez, pai?

O meu pai voltou a cabeça olhando para os bosques sem me responder.

- Como eu disse fiz o que eles mereciam que lhes acontecesse.- Respondeu-me Jack com a mesma frieza.

Olhei-o apreensiva.

- Jack eles são humanos nós não matamos humanos.- Os meus olhos tentaram procurar os dele que se encontravam estranhamente vazios, mas estes estavam pregados ao volante.

Depois de alguns segundos de silêncio e tensão pude ouvi-lo soltar uma gargalhada angustiada.

- Eles não eram humanos.- Murmurou indiferente.

- Não eram humanos?- Perguntei surpresa.- Algum tipo de demónios.

De novo Jack riu-se.

- Não Rose.- Disse rindo-se.- Eram humanos, mas com espíritos de monstros. Porque se humanos são daquele tipo, acho que prefiro viver no seio dos demónios.

Podia notar desgosto na sua voz. Senti um golpe no estômago, dando-me uma enorme dor e agonia, não suportava ver o meu irmão assim, nunca o vira de tal maneira mas mesmo assim era muito doloroso.

- Mataste-os?- Perguntei tentando manter a voz passível, mas deixando-a tremer ligeiramente. Depois brami com fúria misturada ao desgosto de o ver assim.- Tens noção dos problemas que nos podes trazer? Tens noção do quanto isso pode afectar as nossas caçadas?

- Ele não os matou.- Interrompeu-me o meu pai, com uma voz calma, mas sem nunca parar de olhar para o bosque.

Inspirei fundo mais aliviada, deixei-me encostar ao assento, tornando a dobrar a pernas e a encostar-me à porta.

- Apesar de eles merecerem.- Ouvi Jack dizer.

Pude notar uma enorme tensão num olhar que o meu pai lhe lançou.

Talvez tivesse lançado a água benta sobre a pessoa errada.

- Nós não matamos humanos, Jack, isso não é da nossa conta. Passa a ser da nossa conta a partir do momento em que eles fazem pactos e começam a transformar-se em monstros, porque até lá, como já disse, isso não é a nossa função.- Os olhos do meu pai voltaram-se para mim.- Necessitas de pensos, cálculo?

- Não.- Respondi secamente. Baixei-me abri a mala e peguei na varinha, murmurei um pequeno feitiço e todas as minhas feridas sararam.

Pude ver Jack e o meu pai olharem-me surpresos, o segundo sorriu.

- Vejo que começas a ganhar o gosto pela magia.- Disse sorrindo esperançoso.

Dei de ombros.

- Não. Foi uma vez sem exemplo.- Murmurei.- O meu amor é a caça.

O sorriso do meu pai desvaneceu-se.

- Ainda vais gostar.- Sussurrou.- Acho que o melhor que tens a fazer Rose é dormires.

Ao dizer isto tornou a olhar para a janela, eu encostei-me à porta e fechei os olhos. Ia ser uma longa viagem.




Narrado por: Richard Conner

Caminhei pelo corredor escuro, onde ainda se podia ver pequenos fios de sangue escorrerem pelas paredes negras. Por vezes via-se manchas que acabavam por marcar o chão com o prolongado escorrimento de sangue.

Senti-me agoniado com aquele cheiro a morte, mais intenso que o comum, tão intenso que se tornava agoniante até para um vampiro.

O rio estava mais vermelho do que costumava ficar quando havia uma enorme caçada, e para contrastar com o vermelho vivo do rio e das manchas das paredes, estas tornaram-se mais escuras dando um aspecto ainda mais aterrorizante ao castelo do terror.

Havia-me esquecido da sensação angustiante de permanecer fechado por entre aquelas paredes negras, paredes de pedra que já haviam assistido a infinidade de mortes.

O corredor era longo, longo o suficiente para não acabar.

As paredes conseguiam emitir o som dos batimentos cardíacos apressados dos que ainda permaneciam em corpos vivos. Batimentos que faziam eco ao chegarem àquele corredor.

Gritos de terror misturados com gritos de euforia, contraste dos contrastes, eram facilmente audíveis. Vinham do grande salão, onde ocorriam as nossas pequenas “festas” E pelos gritos o clã deveria estar a festejar.

Cheirei o pouco cheiro vivo presente no ar. Era comum, banal, insignificantes, carregado de insignificância, ignorância e súplica.

Soltei uma gargalhada.

- Novatos.- Pensei.- Contentam-se com pouco.

Cheiro e sabor insignificantes. Cheiro e sabor que se poderia encontrar em quase todos os humanos, capazes até de reduzir o apetite.

Humanos desinteressantes que por vezes nem na caça nos satisfaziam. Humanos.

Humanos eram sem dúvida as criaturas mais débeis que poderiam ter sido criados, até os animais, apesar de não me poderem alimentar, eram capazes de me captar mais interesse a nível da caça.

Uns braços envolveram a minha cintura. Voltei-me e deparei-me com Meredith com um sorriso macabro.

- Que queres?- Perguntei-lhe com desdém, tentando libertar-me dos seus braços.

- Ver-te é claro! Tinha tantas saudades tuas!- Os seus braços tornaram a correr para o meu pescoço. Afastei-me rugindo-lhe em tom de ameaça. A tonalidade rubra fez presença nos seus olhos negros.- Voltaste mal disposto. Já te alimentaste? Pareces-me com fome.

Aproximou-se com um sorriso presunçoso.

- Se quiseres podes vir caçar comigo.

Dei um passo para o lado e tornei a caminha, ela acompanhou-me.

- Não obrigado, já comi!- Lancei um pequeno sorriso fazendo os meus caninos crescerem e mostrarem o sangue que os cobria Além disso- sussurrei, mas sabendo que ela poderia ouvir-me- és capaz de me tirar o apetite.

Ouvi o bramido de fúria dela, acompanhado pelo acento da sua expressão raivosa e desapontada.

- Que assim seja. Ouvia-a dizer.

Não pude, nem quis, conter uma gargalhada.

Os corredores haviam perdido a morta vida que os cobria, possivelmente pelo facto de a segunda parte da festa se estar a começar a concretizar.

Pude ver através de uma das janelas os cabelos loiros ondulados de Meredith esvoaçarem atrás dela enquanto esta corria para o denso bosque negro que rodeava o bosque.

Como conseguia ser tão irritante... para além de péssima caçadora, era um desassossego para a minha pacifica imortalidade. Sempre com as suas malditas manias em “caçar-me”. Sim esse devia ser o único tipo de caça que aquela criatura sabia fazer. Criatura estúpida e incompetente, surpreendia-me o facto de ter entrado para o nosso clã.

“Planos. É boa a elaborar planos”. Pois está bem, sabia que o único plano que ela elaborava a Andrey era o de lhe dar uma noite carnalmente humana.

Aproximei-me de uma porta isolada e decorada com belos detalhes feitos a partir de talha dourada.

- Entra.- Pude ouvir antes sequer de bater à porta.

Entrei calmamente. A biblioteca continuava escura como eu me lembrava, e como sempre Andrey encontrava-se sentado na sua poltrona.

Observei calmamente a biblioteca, foi então que apercebi-me da presença de mais dois seres vivos. Uma humana, que se encontrava acorrentada com correntes que desciam do tecto, e uma outra figura de um homem que estava sentado em frente para Andrey. Este voltou-se lentamente, levantando-se.

O cheiro do homem entrou-me pelo nariz queimando-o e fazendo arderem-me os olhos, se pudesse criar lágrimas neste teria com toda a certeza chorado.

Enxofre. Destingui o forte cheiro a enxofre.

Vi os lábios do demónio erguerem-se num sorriso de satisfação ao ver-me espirrar por causa do seu intoxicante cheiro.

O meu corpo tremeu de ódio e furor, dei um passo atrás inclinando-me depois para a frente, enquanto lançava fortes rugidos, pronto para atacar. O meu corpo tornava-se quase dormente tanta era o tremor que o abalava. Os meus dentes cresceram numa forma ofensiva.

Antes que algo acontecesse Andrey levantou-se.

- Chega Richard!- Ordenou-me mas eu não mudei a minha posição de ataque.

Pude ver o sorriso vaidoso do demónio enquanto caminhava na minha direcção, os seus olhos completamente negros brilhavam intensamente. Passou por mim sem dizer nada, sendo suficientemente rápido para escapar a um golpe que eu tentara desferir-lhe. Fechou a porta, não levando consigo o seu maldito cheiro.

Avancei para Andrey com toda a minha fúria.

- O que faz um demónio aqui?- Berrei.- Tu sabes sobre a história dos vampiros? Sabes o que eles são para nós? O que diabo pensas que estás a fazer, Andrey.

Os meus gritos que eram com toda a certeza audíveis em todo o castelo. A mulher acordou com eles, encarando-nos assustada e começando a debater-se contra as correntes, lançando gritos abafados pelo lenço que cobria a sua boca. O barulho que esta fazia com as correntes ao contorcer-se foi o único som que se ouviu por alguns segundos.

Andrey girou levemente a sua poltrona balançando um sorriso. Fez um pequeno gesto indicando-me para sentar-me. Eu assim o fiz.

- O que estás a fazes Andrey?- Perguntei-lhe de novo, com mais calma.

A mulher continuava a lutar contra as correntes soltando pequenos gemidos.

- Responde-me!- Ordenei-lhe, ao ver a ausência de reposta.

- Creio que já sabes a resposta Richard.- Disse sorrindo. Os seus olhos pararam na mulher que se contorcia, esta ao vê-lo olhá-lo parou e ficou a observá-lo estática e apavorada.

- Se soubesse não te estaria a perguntar.- Disse impassível.

De novo Andrey riu-se recostando-se numa cadeira. Pegou num copo que continha um liquido vermelho, possivelmente sangue, e bebeu-o.

- A resposta é mesmo essa.- Disse sorrindo.- Não te posso contar os meus planos ainda.

Num movimento pus-me de novo de pé fazendo a cadeira cair. As minhas mãos pousaram na mesa com uma enorme força.

- Andas a fazer pactos com eles, Andrey?- Perguntei afastando-me da mesa, ouvi Andrey arrastar a cadeira e a levantar-se.- Queres que eles nos tornem a enganar? Queres arruinar este clã?

Vi que ele se encontrava parado junto a uma janela.

A sua gargalhada foi suficiente para atenuar o pavor no rosto da mulher.

- Os meus pactos são inteligentes, Richard.- Disse-me olhando para o exterior.- E desde quando é que te importas com este clã?

Os seus olhos pararam nos meus, podia ver que o tom azul destes se começava a enrubescer. O copo deslizava por entre os seus dedos.

- Não é isso que está em questão.- Murmurei.- O que se encontra em questão são os teus planos com os demónios.

- Isso também não se encontra em questão.- Respondeu-me calmamente.

- Não?- Perguntei-lhe rindo sarcástico.

- Não.- Andrey caminhou até à mulher que se começou a contorcer, os seus dedos passaram pelo corpo deste, não ligando aos movimentos bruscos que esta fazia.- Eu sou o chefe deste clã e como tal eu e eu decido o que fazer. Isto não é nenhuma democracia, Richard.

De novo a fúria dominou o meu corpo, e num passo aproximei-me dele.

- Então talvez esteja na altura de mudar de chefe.- Disse entre dentes.

Vi a mão de Andrey apertar com força a cintura da mulher fazendo-lhe sangue nesta. Os seus olhos completamente rubros olharam-me enquanto os gritos da mulher, já não cessados pelo peno, se fizeram ouvir na biblioteca. O copo foi jogado para uma das estantes desfazendo-se nesta.

Com os estilhaços do copo veio-me uma dor tremenda. Uma dor que me lembrou a queimadura do fogo, uma dor que se assemelhava à queimadura dos próprios ossos. Caí no chão de joelhos, controlando-me para não gritar.

Com o cesso dos gritos da mulher a minha pequena dor também cessou. Levantei-me lentamente observando Andrey com todo o ódio acumulado que sentia fazia tempo, este começou a caminhar lentamente indo de novo na direcção da poltrona e sentando-se nesta deixando a mulher estendida pelas correntes e inconsciente.

Soltou um longo suspiro pegou noutro copo e encheu-o a partir de uma garrafa cheia de sangue depois começou a bebê-lo.

- Dessa forma magoas-me Richard.- Disse falsamente triste.- Pensas que não tenho sentimentos?

Soltei uma gargalhada escarnecedora. Andrey fingiu um ar abatido.

- Sabes como detesto castigar-te, a ti a todos os outros. Mas a tua ousadia tem andado a ser muito pouco sensata ultimamente, muito insolente e chata para ser verdadeiro.- Bebeu mais um pouco.- Detestas-me tanto ao ponto de me quereres morto, Richard?

De novo não pude esconder o rancor no meu olhar.

Tinha motivos mais que suficientes para querer Andrey morto, e ele sabia disso.

- Sabes que só quero o bem deste clã, Richard, foi por isso que te mandei para aquela escola…

- Deixa-me rir Andrey, desde quando te preocupes connosco, tu mandas-nos para a morte se isso te convir.- Disse com ódio.- Pensas que eu não sei que é por isso que me puseste naquela escola e os andas a dar festas à toa. Preparas algo e esta história com os demónios só vem a acentuar a minha certeza.

As expressões serenas de Andrey ficaram subitamente rígidas.

- Alguma vez vos levei para a derrota? Não vos levei sempre à vitória?- Perguntou observando-me.- Sinto-me seriamente angustiado ao ver-te a ti, que considero quase um filho, a pensares tão mal de mim. Eu que até te preparei um jantar de honra pelo teu regresso, como qualquer pai faria a um filho.

Observei a mulher vendo a intenção que Andrey tinha com aquilo.

- A forma de paga pela minha abstinência.- Disse rindo-me e aproximando-me da moça inconsciente.

Andrey sorriu em forma de incentivo. Aproximei-me do pescoço da mulher e cheirei-o, depois afastei-me lentamente deste.

- Pena já me ter alimentado.- O sorriso de Andrey desfez-se para depois voltar a surgir.- E o cheiro dela não me é nada de especial.

Andrey riu-se.

- Não podes considerar um petisco só pelo cheiro, Richard.- Disse rindo-se, e depois observou a mulher.- Ela a mim parece-me apetitosa. Prova-a.

- Não obrigado.- Disse dirigindo-me à porta.- Calculo qual seja o seu sabor.

- Se tu não aproveitas.- Andrey levantou-se e começou a dirigir-se até à mulher ainda inconsciente.

- Pobre moça não teve sorte no seu destino.- Pensei rindo-me.- O Andrey com certeza não terá compaixão por ela.

- Contentas-te com pouco.- Disse rindo-me.

Abri a porta e dirigi-me para fora desta.

- Pelo contrário, meu caro Richard, pelo contrário.- Ainda o pude ouvir dizer.




Narrado por: Rose Vernot

- Rose.- A pouca doçura que existira na sua voz desaparecera ao tornar a pronunciar o meu nome, encontrava-se agora gélida e sádica com um pingo de sedução. Na sua voz podia ver todo o desejo que a criatura sentia pelo meu sangue.

Continuei a desfrutar da visão dos seus belos olhos escarlates, onde encontrava o meu rosto sem qualquer vestígio do medo que sentira outrora, medo que desaparecera mal ele pronunciara o meu nome pela primeira vez.

Os seus olhos brilhavam intensamente, aproximou-se lenta e calmamente, desfrutando ou tentando desfrutar do pavor que não me conseguia arrancar dos olhos.

Aos poucos a criatura saiu da escuridão do bosque revelando ainda mais a sua aterradora beleza, aos poucos eu pude vê-lo, pude ver que as minhas suspeitas eram confirmadas.

O belo e sádico vampiro que se encontrava à minha frente possuía o mesmo rosto do rapaz com quem eu dera dois encontrões.

Apesar dessa reveladora descoberta o medo que deveria ter começado a dominar-me nem sequer se aproximou, talvez ele mesmo com medo da criatura que se encontrava à minha frente.

Um sorriso formou-se nos lábios da criatura, sorriso capaz de iluminar toda a escuridão do bosque tamanha era a brancura dos seus dentes, nestes ainda se podia notar os vestígios do sangue do lobisomem.

Continuou a aproximar-se de mim com o mesmo grande sorriso, apesar de nos seus olhos eu pudesse notar a decepção por não encontrar medo em mim. Baixou-se calmamente, cheirando a minha essência, que eu notei que desnorteava-o, depois tornou a sorrir. Os seus dentes caninos cobertos por sangue cresceram enquanto que seu sorriso se abria e o vermelho dos seus olhos se intensificava.

Não fiz qualquer movimento para me afastar dele, deixando-o aproximar-se do meu pescoço e tocar com os seus frios lábios neste.

- Rose, minha doce rosa.- Pude ouvir a sua doce voz murmurar para o meu pescoço enquanto passava os seus lábios pelo meu pescoço, acompanhados pela língua.

As suas mãos agarraram fortemente nos meus punhos prendendo-os contra o chão, apesar de saber que eu não me atreveria a escapar-lhe.

- Minha doce essência.- Disse suavemente, parando agora de explorar o meu pescoço com os seus lábios e pousando os seus dentes neste.- Minha doce presa.

Num impulso o meu corpo jogou-se para trás, fazendo-me cair de costas no chão olhando com os olhos arregalados para a criatura que se encontrava à minha frente.

A sua voz doce e fria tornara-se sádica e cruel, sem qualquer requisito de humanidade, a sua voz ainda jovem tornara-se rouca e extremamente grave.

Assim como a sua voz, os seus olhos antes escarlates passaram a ser completamente negros, extinguindo qualquer tipo de sanidade que neles pudesse ter havido. O seu belo e jovem rosto tornara-se inexpressivo, apenas cruel, escondendo qualquer tipo de beleza que nele pudesse existir. Todos os registos de sangue vivo existentes nos dentes, mãos e cabelo do vampiro haviam desaparecido, tirando a vida à pouca vida que aquela imagem mórbida tinha. Tudo nele era sombrio e terrível, tudo nele me trazia mais medo que o medo que o vampiro me trouxera, tudo nele me fazia desejar a própria morte.

A minha voz havia ficado presa na minha garganta, impedindo-me de gritar, sentia o meu sangue começar a gelar, enquanto que o meu rosto se tornava mais branco que a face da lua, o meu coração acelerava o seu ritmo com alguns sobressaltos.

Se com o vampiro eu não tivera agora com aquela criatura eu estava simplesmente aterrorizada, só queria poder fugir dali indiferente à maneira que fosse.

O meu corpo foi projectado contra algo duro fazendo-me abrir os olhos com a ligeira dor que sentira nas costas.

Inspirei fundo, observando o meu redor, encontrava-me ainda viva, longe daquele bosque.

Demorei alguns segundos a perceber que me encontrava na segurança do carro de Jack, com ele e o meu pai nos bancos da frente.

A chuva batia fortemente no capô da Chevy, mas mesmo assim não abafava as vozes do meu pai e irmão que começaram a pronunciar-se no momento em que acordei.

Eu recostei-me no assento, com a cabeça encostada ao vidro do carro, escutando atenta o que eles falavam.

- Achas que ela está bem?- Perguntou o meu pai preocupado, era obvio que ainda não haviam reparado que eu havia acordado.

Fechei os olhos caso Jack desse uma espreitadela pelo espelho retrovisor.

- O que é que acha?- Perguntou Jack secamente.

Pude ouvir um longo suspiro pela parte do meu pai. Pude reparar que Jack se havia acalmado.

- Coitada.- O meu pai murmurou.- É a primeira vez que a Rose é a vitima, espero que isso não lhe custe muito a suportar.

O meu coração deu um pulo. Vitima? Eu era a vitima.

As imagens da caçada começaram a atravessar-me a cabeça, em todas elas eu via a imagem do meu rosto através dos seus olhos, a imagem de terror que eu encontrara em todas as pessoas que salvara de criaturas como aquela.

Eu corri e possivelmente gritei, como uma presa haveria feita, naquela caçada eu não fora a caçadora e muito menos a caça, naquela caçada eu fora o isco. Eu mesma me lançara como isco pensando que poderia ser eu a caçar a presa, como estava enganada, eu não passara de um isco, um isco que tivera sorte em viver, um pequeno isco numa arriscada caçada.

A imagem dos olhos do monstro percorreu-me a cabeça, magoando-me o peito como uma bala, a imagem das suas vitimas acompanhou-a. Era uma imagem que- como tantas outras- eu teria que suportar para o resto da minha vida, a imagem que me mostrava que de maneira alguma eu era menos frágil que as outras, a imagem que me mostrava que o que fizera encontrar-me ainda viva não passara de mera sorte.

Podia ser eu no lugar delas, podia ser eu a morta em vez da caçadora.

Aquele sonho quisera-me avisar disso, quisera-me mostrar que sem as minhas armas eu não passava de mais uma que estava por sua conta e sorte, que sem as minhas armas eu não tinha qualquer hipótese de me aclamar caçadora. O sonho fora como um alerta prévio de que eu iria ser a caça e não que havia um vampiro perto de mim- isso era simplesmente ridículo- mas mais uma vez a minha insegurança fizera-me crer nas coisas erradas.

Que caçadora se deixa ser isco? Que caçadora era eu afinal?

- Vitima?- Pude ouvir uma gargalhada rouca de Jack.- Acho que a criatura não havia de concordar contigo pai.

O meu pai também soltou uma gargalhada.

- Ela realmente portou-se muito bem para a primeira vez que caça sozinha. Fiquei muito satisfeito- Disse com um ligeiro orgulho. Pude sentir a tensão formar-se no corpo de Jack, abri os olhos e vi que este apertava firmemente o volante.

- Sim claro, a primeira vez que caça sozinha...- Os seus olhos observavam fixamente a estrada à sua frente enquanto que os do meu pai voltaram-se para observar a janela a seu lado.

Apesar das palavras de Jack e do meu pai eu não pude sentir-me mais reconfortada, sabia agora que eu não passava de mais um isco, e por vezes de uma presa, e a minha beleza e o meu cheiro só serviam para acentuar ainda mais essa condição.

Permaneceram alguns segundos em silêncio até que o meu pai decidiu interromper este.

- Talvez o melhor é não deixá-la vir caçar aos fins de semana.- Disse num sussurro quase abafado pelo som da chuva.

Nos meus olhos formaram-se pequenas lágrimas tamanha era a amargura que começava a sentir, mais uma vez ele ia quebrar uma das suas promessas- assim como Jack me avisara- uma promessa que me era muito importante. Talvez por achar, tal como eu, que eu não passava de uma vitima se não tivesse armas para me defender, mas eu não suportava ser tratada como uma vitima, porque ao contrário das outras vitimas eu lutava e como tal não podia ser tratada com qualquer tipo de pena. Eu não iria permitir tirarem-me uma coisa que eu amava só por ainda não ter alcançado todos os seus grandes limiares que esta envolvia.

Jack aumentou a velocidade do carro demonstrando a mesma revolta que eu sentia.

- Porque havia de fazer isso?- Perguntou ligeiramente enraivecido.- Algum castigo?

- Nada disso.- Respondeu o meu pai abruptamente.- Acho que ela ainda não está preparada para deixar assim a escola e vir caçar aos fins-de-semana.

- Não está preparada?- Jack soltou uma gargalhada rouca.- Tu mesmo disseste que ela te surpreendeu com esta última caçada, e tu sabes tão bem quanto eu que poucos são os caçadores que conseguiriam destruir uma criatura daquelas nas condições em que a Rose se encontrava. Como podes dizer que ela não está preparada quando por vezes eu chego a pensar que ela é melhor que eu. Pai ela não é nenhuma coitadinha que mereça piedade, não, pelo contrário, ela é uma mulher forte e muito inteligente com uma enorme aptidão para a caça e tu sabes isso.

Os meus olhos observaram Jack e depois o meu pai esperando ansiosa uma resposta, uma reacção da parte deste.

Por mais que me tentasse reconfortar com as palavras de Jack, a ideia de que eu mesma, uma caçadora das trevas, não podia estar completamente segura contra a hipótese de ser uma presa para as criaturas negras que habitavam por entre a sombras atormentava-me. Sempre me vira como alguém que se encontrava fora da vida da criatura e da sua presa, alguém que só servia para eliminar o mal existente na terra, enviá-los para o mundo à qual eles pertenciam, nunca os matara por necessidade especifica de sobrevivência, as vezes em que os matava para sobreviver era por me ter atirado para a frente de algum com a intenção de salvar alguém. Um isco por intenção própria, alguém que não era escolhido por uma criatura para ser o seu alimento, alguém que se diferenciava dos outros por saber dos males que por aí existiam, esquecia-me completamente de um pequeno pormenor: eu era humana, e como humana que era, a minha indefensibilidade era maior, esquecia-me que como humana era frágil e uma presa para as criaturas que me vissem.

Todas as caçadas me davam uma lição e aquela relembrara-me que mesmo sendo caçadora eu não passava de uma humana que não estava ilibada de ser uma vitima.

- Eu sei que ela está preparada.- O meu pai falou.- Mas tenho receio que alguma coisa semelhante a esta torne a acontecer-lhe, não imaginas a preocupação que me ocorreu, pensei mesmo que a tivesse perdido.

A sua voz demonstrava toda a aflição que sentira por minha causa, e isso irritou-me um pouco, por vezes parecia que ele se esquecia que eu já não era nenhuma criança de cinco anos.

- E pensa que é isso que vai fazer a Rose não caçar?- Perguntou-lhe Jack calmamente.

O meu pai pareceu ponderar um pouco na resposta.

- Não.- Respondeu por fim.

- Então porque não a deixa caçar aos fins-de-semana? É preferível que ela cace connosco do que comece a caçar sozinha.- A voz de Jack saiu calma e harmoniosa com um enorme tom de persuasão que era o que estava a fazer com o meu pai, mentalmente agradeci-lhe por isso.

De novo o meu pai ficou alguns segundos em silêncio parecendo pensar na proposta de Jack, depois falou.

- Talvez tenhas razão.- Disse por fim.

Não pude conter um pequeno sorriso e vi pelo espelho retrovisor, que Jack também não conteve-se e lançou um sorriso discreto.

De novo o silêncio reinou no carro, dando hipóteses à chuva de manifestar-se, podia sentir a velocidade do carro aumentar para depois tornar a diminuir.

Ficaram assim durante uns dez minutos até que Jack já cansado do silêncio manifestou-se.

- Porque a trata assim?- Perguntou.

Eu não pude deixar de o olhar surpreendida, assim como o meu pai.

- A que te referes?- Perguntou-lhe o meu pai.

- Porque continua a tratar a Rose como se ela ainda fosse uma criança?- O meu coração começou a acelerar, olhei para o meu pai ansiosa.

- Porque ela ainda o é.- Respondeu-lhe o meu pai calmamente.

Olhei-o irada.

- Por amor de Deus, pai, ambos sabemos que a Rose está longe de ser considerada uma criança.- De novo agradeci-lhe mentalmente.- Mas o senhor insiste em tratá-la como se ela tivesse cinco anos.

- É o meu dever como pai.- Respondeu-lhe, pude ver o seu olhar desviar-se para o espelho retrovisor obrigando-me a esconder o meu, quando tornei a olhar, os seus olhos já se encontravam fixos na janela a seu lado, pousados no grande bosque escuro que nós passávamos ao lado com uma ligeira velocidade.

- Como pai?- Jack soltou uma gargalhada seca.- Comigo a sua enorme preocupação passou mal...- Jack calou-se fechou os olhos com força, engoliu um seco enquanto que os nós dos seus dedos se tornavam rígidos devido à força com que ele apertou o volante do carro, pode ver as suas expressões tornarem-se duras, óbvio que a frase que iria dizer a seguir lhe era dura.- Desde que a mãe morreu.

A sua voz saiu num sufoco, sufoco que me magoou a mim também, raramente falávamos da minha mãe.

Os mesmos efeitos ocorreram no meu pai, as suas expressões serenas transbordaram a enorme dor que sentira quando Jack se referiu a ela depois, passados alguns segundos, as expressões serenas tornaram a ser emolduradas no seu rosto.

- Isso é alguma espécie de ciúme infantil, Jack? Creio que já tens idade suficiente para deixares de ter esse tipo de infantilidades.- Disse calmamente, na sua voz ainda podia notar pequenos vestígio s de angústia.

.- Estou apenas a constatar um facto.- Respondeu-lhe Jack ligeiramente irado.- Porque a trata com tanta protecção? Muito mais do que aquela com que me tratou a mim, não me diga que é por ela ser uma mulher pois eu sei que o pai não tem esse tipo de preconceitos.

- Porque...- O meu pai começou a olhar para as suas próprias mãos parecendo pensar numa boa resposta para dar a Jack.- porque tu és mais velho, é claro!

- Quando tinha dez o pai tratava-me da mesma maneira com que me trata agora.- Disse-lhe Jack friamente.

Eu inclinei-me ligeiramente para a frente procurando ouvir melhor a resposta à pergunta que me consumia desde à muito tempo.

- És mais forte.- A resposta do meu pai não foi muito convicta.

- Arranje outra, uma que seja verdadeira.- Jack não escondeu a sua frieza.

- Porque é que isso te interessa, Jack? Não achas que é uma tremenda falta de bom senso importunares-me com perguntas ridículas como essa, não passa de uma impressão tua.- Disse com a voz a tremer com a ligeira irritação que começava a sentir.

Jack pareceu não ouvir a segunda frase.

- O que sabe sobre a Rose que me esconde a mim e a ela?- Eu e o meu pai olhámo-lo surpresos.- O que pode ser tão importante para guardar assim tão secretamente? O que pode ser tão importante para a proteger de tudo e de todos, tornando-a quase uma louca com a mania da perseguição?

- A que te referes Jack?

Olhava tanto do meu pai como para Jack esperando que algum me dissesse o que se passava ali.

- Estava na esperança que o pai me dissesse.- Respondeu-lhe Jack calmamente.

- Não faço a menor ideia do que estás a falar.

- Sabe sim.- Jack demonstrou uma enorme irritação na voz.- É por isso que sai este tempo todo não é? Por causa do segredo sobre a Rose que tanto nos teima em contar!

- Estás a ficar louco?- Bradou o meu pai. Eu tornei a recostar-me no assento, ligeiramente assustada com a reacção do meu pai, era muito raro vê-lo assim.

- Porque não me conta o que se passa com a Rose, eu tenho o direito de saber, ela tem o direito de saber.- Eu olhava-o cada vez mais surpreendida e intrigada, desejando por tudo saber ao que ele se referia.

- Como já te disse não sei a que te referes.- Disse o meu pai calmamente tentando esconder a sua raiva.

- Sabe sim e eu vou descobrir o que é.- Disse-lhe Jack confiante, pude ver as expressões do meu pai contraírem-se ligeiramente.

- Não à nada para descobrires.- Disse num pequeno sussurro.

Pela terceira vez naquela noite o silêncio dominou o carro dando lugar ao manifesto da chuva, e pela terceira vez naquela noite passado alguns minutos este foi interrompido.

- Secalhar o melhor é falar com o director de Hogwarts para ver se a Rose pode ficar cá mais uns dias antes de voltar para a escola, acho que ela necessita de recuperar.- Disse o meu pai que até então parecia estar bastante pensativo.

- Não!- Exclamei erguendo-me e observando-os com raiva.

O meu pai e Jack voltaram-se num pulo observando-me espantados e fazendo o carro desviar-se para a outra faixa.

Passados alguns centésimos de segundo Jack tornou a voltar-se para a frente tomando de novo o controlo do carro, o meu pai continuou a observar-me, pelo espelho retrovisor pude ver Jack com os olhos fixos em mim.

- Estás acordada à muito tempo, Rose?- Perguntou o meu pai preocupado.

- Não.- Menti-lhe.- Acabei de acordar agora.

O meu pai voltou-se para a frente lançando um pequeno suspiro de alivio.

- Porque queres ir para Hogwarts? Pensava que detestavas aquilo.- Perguntou o meu pai por fim.

- E detesto.- Respondi bruscamente.- Só não quero ser tratada como uma vitima.

- Ninguém te está a tratar como uma vitima, Rose.- O meu pai respondeu-me docemente.

- Sim estão, ao tentarem não me levar já para Hogwarts por medo de uma má reacção minha a algo. Sou forte pai, espero que compreendas isso o mais cedo possível.

O meu pai lançou um sorriso fraco.

- Eu sei que és.- Disse lançando-me um olhar cansado seguido por um bocejo.- Se queres ir para Hogwarts podes ir ninguém te impede.

Retribui-lhe o sorriso.

- Obrigada pai.- Disse fracamente, recostando-me no assento do carro e fechando os olhos.

O silêncio tornou a dominar aos poucos deixando a chuva de novo ser ouvida. Soube que aquele silêncio, ao contrário dos outros, iria durar a noite toda.

Na minha mente questões começavam-se a fazer, impressionantemente nenhuma delas tinha haver com aquilo que Jack falara.

-.-


Highway to Hell, a música dos AC/DC que naquela altura tocava no pequeno rádio da Chevy e em que o seu titulo identificava-se bastante comigo naquele mórbido momento. "Auto-estrada para o Inferno" assim se chamava a música, para mim Hogwarts simbolizava mesmo isso, o meu Inferno.

Pude ouvir um resmungo do meu pai que se encontrava a ler um jornal que tinha comprado num quiosque em Londres, Jack continuava a cantar alegremente a música enquanto guiava pela auto-estrada caminho à estação King's Cross.

- Alguma noticia desagradável?- Perguntei desinteressada ao meu pai, enquanto afiava uma das minhas facas de prata.

O meu demorou alguns segundos a responder.

- Mortes.- Disse num murmúrio.- Demasiadas mortes.

- Assassino em série?- Perguntou Jack divertido.

O meu pai soltou uma pequena gargalhada.

- Começo a duvidar da existência desses. Não, estas parecem-me algo mais...sobrenatural.- Disse tristemente.

- Já têm trabalho.- Disse amarga.

- Creio que não.- Respondeu o meu pai.

- Porquê?- Jack parou de cantar e pegou numa ponta do jornal tentando ler.- Do que se trata?- Perguntou ao ver o meu pai fechar o jornal, eu parei de afiar as facas e olhei-os curiosa.

- Desaparecidos que são pouco tempo depois encontrados.- Respondeu o meu pai tristemente.

- Isso não de assassino em série?- Perguntei tornando a afiar a faca.

- Não. As mortes são, como já disse, demasiado sobrenaturais.

- Como são?- Perguntou Jack.

- As pessoas aparecem completamente desfiguradas, o engraçado é que apesar de desfiguradas vêm com pouco sangue, apenas em carne viva, e ainda mais: nos pescoços das vitimas podia-se encontrar dois furos.

Um arrepio atravessou a minha espinha.

- Qual era a justificação deles?- Perguntou Jack.

- Animais. Pensam que é um bando de morcegos, morcegos-vampiros.- Disse o meu pai soltando uma gargalhada abafada.

- Ridículo.- Disse observando-o atenta.- Morcegos-vampiros não matam as vitimas, muito menos destruem-nas, e nem sequer alimentam-se de sangue de humanos.

- Os especialistas dizem que pode ser uma nova espécie, vão estudar para tentar arranjar respostas. A verdade é que as vitimas foram encontradas em bosques.

Lancei um suspiro de resignação.

- Não há nada para estudar.- Murmurei.

- Então temos um vampiro?- Perguntou Jack alegre.

- Não. Temos um clã deles.- Respondeu-lhe o meu pai.

- Pensava que os vampiros andavam sozinhos.- Murmurei.

- Muito pelo contrário andam quase sempre em clã, ou pelo menos juntos. É muito difícil para um vampiro sobreviver durante muito tempo se estiver sozinho, especialmente aqui em Inglaterra, onde se encontra muitos vampiros e lobisomens, creio que somos o país onde os podemos encontrar mais, a seguir à Roménia é claro!- Explicou-me o meu pai.

- Assério?

- Sim. Como temos pouco sol durante o ano atraímos mais essas criaturas da noite.

- Pensava que os vampiros sobreviviam à luz do sol.- Disse secamente.

- E sobrevivem, só que a luz do sol confunde-os e dá-nos uma boa hipótese de caçarmo-los.

- Hum.

- Bem como eu estava a dizer isto a obra de um clã de vampiros com toda a certeza.- Disse o meu pai.

- Boa! Quantos mais melhor!- Respondeu Jack alegremente tornando a cantar agora You Shook Me All Night Long.

- Não Jack, não vamos caçar estes.- As expressões do meu pai tornaram-se rígidas.

Eu e Jack olhámo-lo surpreendidos.

- Não vão? Porquê? Nunca recusas uma caçada pai.- Perguntei estupefacta.

- São muitos e muito difíceis de matar, só um louco se meteria com eles e eu ainda não cheguei a esse estado.- Respondeu com alguma tristeza.

- Então vais deixá-los estar?- Perguntou Jack aborrecido.

- Eles quase chegam aos cinquenta vampiros, se é que não ultrapassam esse número, é o maior clã existente quase de certeza, se não é o maior deve ser um dos maiores. Eles têm testes para a entrada dos vampiros, pois só os melhores entram nesse clã.

- Como sabes que são os vampiros desse clã com quem estamos a lidar?- Perguntei olhando para a minha faca já afiada.

- Porque conheço o seu sadismo é único.- Respondeu-me.

- Conhece-los?- Perguntou-lhe Jack.

- Sim. Há uns anos, antes de vocês nascerem, matem um vampiro daquele clã e durante muito tempo fui perseguido por aquele clã. O seu chefe tinha um ódio especial por mim, pois eu tinha conseguido matar quinze dos seus, ele tem um amor enorme à caça de caçadores e eu creio que ainda sou um dos seus alvos preferidos.- Fez uma pequena pausa e depois tornou a falar.- Estas cicatrizes.- Disse erguendo a manga da camisola e mostrando uma cicatriz no seu braço e depois erguendo a sua camisa e mostrando uma cicatriz que ia do seu peito ao seu abdómen- foram feitas em combates com os melhores vampiros daquele clã, criaturas temíveis e diabólicas, mesmo dentro dos vampiros, por muita sorte que lhes sobrevivi, creio que foi a pior experiência que tive até agora. O seu chefe, Andrey...

- Andrey?- Perguntei-lhe olhando-o curiosa, um novo arrepio fez-se sentir na minha espinha.

- Sim, Andrey. Porquê?- Perguntou olhando-me curiosa.

- Por nada.- Respondi. Aquele nome era-me estranhamente familiar.

- O seu chefe é um louco dentro dos vampiros. Há muito tempo que não os vejo agir tão brutalmente, algo se deve estar a aproximar, algo de muito grave.- Disse num tom de voz sério.

- Que tipo de coisa grave se pode estar a passar?- Perguntei um pouco preocupada.

O meu pai olhou-me com gravidade, enquanto, tal como eu, Jack olhou-o curioso.

- O inicio de uma guerra.- Respondeu calmamente mas pude sentir o pânico começar a abalar o seu corpo, assim como o meu e o de Jack.

-.-


- Posso entrar?- Uma jovem de cabelos ruivos que aparentava ter a mesma idade que eu perguntou-me.

Eu lancei-lhe um sorriso em sinal afirmativo, enquanto fechava o livro sobre vampiros, onde tinha estado à procura de referências sobre esse tal vampiro Andrey, algo sem muito sucesso. A garota entrou e lançou-me um sorriso de agradecimento.

- Podes ler à vontade.- Disse, tinha os olhos verdes esmeraldinos, rapidamente percebi de quem se tratava.- Não tenciono incomodar-te.

Guardei o livro e olhei para a janela tentando procurar algum sossego para ponderar as novas informações que acabara de receber.

- Sou a Lilian Evans, Lily.- Disse estendendo a mão. Olhei para a sua mão e depois para os seus olhos brilhantes, logo pude perceber que não iria conseguir arranjar o sossego pretendido.

- Rose Vernot.- Disse estendendo a minha mão para apertar a sua.

- És do sétimo ano e estás na Grifinthor, não é? Vejo-te sempre sozinha.- Disse.

Lancei-lhe um pequeno sorriso rezando interiormente para que não começasse a tagarelar, o meu inferno só deveria começar em algumas horas não pretendia antecipá-lo.

- Gosto de estar sozinha.- Respondi ao ver que era o que ela queria.

- Não tens amigos?- Perguntou surpreendida.

Lancei-lhe um sorriso triste.

Amigos era algo que nunca tivera e que pretendia não ter, era algo que a minha carreira me impedia de fazer. Perigoso, demasiado perigoso. Os únicos amigos que tínhamos eram os outros caçadores e mesmo assim não nos eram muito chegados. A mim bastava-me o meu pai, Jack e a Chevy, não precisava de mais nada, de outros amigos ou até mesmo de marido, casar e ter filhos era algo que estava longe dos meus planos, como Jack dizia: éramos casados com a caça. O meu pai era o exemplo mais próximo que eu tinha de um caçador que se casara e de como a única coisa que isso lhe trouxe fora mais sofrimento. Ainda podia ver todo o sofrimento estampado nos olhos do meu pai, sofria mais que eu e Jack, talvez até sofresse em vez de nós. Isso fora um dos motivos que me fizera não querer ter qualquer relação de amizade ou amorosa, era muito arriscado quer para nós como para os outros.

- Podíamos ser amigas.- Disse meigamente com um sorriso doce no rosto.

Olhei-a estupefacta, que idade teria? A forma como falava e se exprimia lembrava-me uma criança de cinco anos ainda ingénua ao perigo e não uma adolescente de dezassete anos.

Podia-se notar ainda no seu rosto uma certa ingenuidade infantil que lhe trazia alguma doçura e mesmo bondade, algo que acabava por se tornar ridículo. Como poderia haver pessoas tão bondosas e ingénuas?

Lancei-lhe um sorriso esperando que este saísse igualmente doce, algo que duvidava. Não tencionava ser rude, intimamente rezei para que ela se apercebesse que eu não do tipo de pessoas com quem ela estava habituada a lidar no seu dia-à-dia, que eu era alguém que vivia num mundo complicado e cruel, onde as palavras amor e paz não existiam, queria que ela se apercebesse disso e fugisse como as presas fugiam aos caçadores, que fugisse e poupasse a sua bondade para outro alguém que a merecesse mais que eu.

Para minha enorme infelicidade, a garota assemelhava-se a uma ovelha que em vez de fugir do lobo, corria na direcção deste, não que eu fosse algo como o lobo, mas era alguém que a poderia levar a este.

- Talvez seja hippie.- Pensei.

Claro que não o era, pelo menos não se vestia como estes. Uma criança num corpo de mulher, só essas são ingénuas, ou então uma mulher com amor de criança, sim provavelmente era isso.

Falou comigo durante algo como duas horas, falou e falou, e a minha certeza que ela era louca aumentou. Eu fui obrigada a ouvi-la e aos poucos a tornar-me algo que ela considerava uma amiga, não podia ser rude porque apesar de matar monstros durante a noite, ainda tinha a educação me dada quando era criança de ser simpática e educada para as pessoas. De inicio por educação, mas depois por curiosidade, o que seria ter um amigo que não fosse alguém da minha família? Alguém como uma pessoa da mesma idade e sexo com quem eu pudesse desabafar certas coisas? Talvez ela me tivesse forçado a ser sua amiga, e aos poucos eu abri jogo, afinal era só mais um ano, e não era num ano que eu iria levar alguém à morte, quer quisesse ou não agora tinha uma amiga que eu sabia, porque ela me dissera, que raramente me deixaria ficar sozinha, para meu enorme desgosto. Definitivamente o Inferno havia começado.

A porta abriu-se e fechou-se, e aos poucos os amigos dela entraram, amigos que ela dizia que poderiam vir a ser meus também, eu rezei para que tal não acontecesse. Uma loira, Claire Smith e outras que calculei não serei tão chegadas a Lily pois mal entraram cumprimentaram e saíram. Claire era muito simpática, mas, para minha grande sorte, não tinha a ousadia de Lily em falar comigo, com uma estranha.

A porta abriu-se de novo, entraram quatro pessoas, pude ouvir pelos seus passos, quatro rapazes, não olhei para a entrada da cabine, continuei com os olhos submersos na paisagem já envolta pela escuridão.

- Olá Claire! Evans.- A voz de um rapaz que eu conhecia como sendo o Potter, um dos amigos de Lupin despertou a minha atenção para a entrada.

Eram três pois o quarto, Pettigrew, havia saído, todos desviaram os seus olhares na minha direcção quando eu olhei para eles. Dois de cabelo preto com a mesma altura, Black e Potter e um de cabelos claros e olhos cor de mel, a minha provável presa, Lupin. Pude ver os olhos cansados do último arregalarem-se ligeiramente, enquanto que a pele pálida empalidecia mais. Todos se manteram afastados temendo a minha solidão.

Virei o meu rosto na direcção do vidro desviando o meu olhar dos olhares hostis deles, mas escutando atentamente o que diziam.

- Não gosto dela.- Disse Potter friamente.- É muito misteriosa e sinistra.

- Uma beldade.- Ouvi Black dizer com alguma confiança.

- Mesmo assim estranha.- Contra-argumentou Potter.

- Só se for de beleza, é sem dúvida uma beleza invulgar.- Tornou Black a dizer.

- Ela parece...- Lupin começou a falar parecendo estar distante dos comentários dos amigos, tentei abstrair-me das outras conversas que ocorriam na cabine para ouvi-lo melhor- ela parece saber a verdade.

Não pode evitar um sorriso, aquilo era uma confirmação das certezas que eu já tinha.

- Não sejas paranóico, como é possível ela saber que tu...- Começou Black a falar.

- Tens um problemazinho peludo? Completou Potter.

Black aproximou-se e sentou-se ao meu lado pondo um dos seus braços em volta dos meus ombros. Fiz um ar de asgar disfarçado enquanto olhava para a janela, ainda tinha que aguentar algumas horas, pelo menos sempre tinha uma confirmação daquilo que à muito suspeitava, era só a ocasião perfeita para executar o serviço.

- Não creio que a Rachel vá gostar disse Sirius.- Claire falou. Sirius soltou um pequeno riso.

De novo a porta abriu-se e nesse mesmo instante senti os meus ombros serem libertados dos braços de Black, podendo finalmente respirar aliviada.

- Rachel!- Black levantou-se e foi ter com uma miúda de cabelos negros encaracolados e olhos azuis, esta lançou-lhe um olhar de esguia e sentou-se ao meu lado.

- Rachel.- Disse-me estendendo a mão.

- Rose.- Disse apertando-lhe a mão.

Os meus olhos passaram pela porta aberta da cabine, e de novo não consegui reprimir um arrepio. Conner encontrava-se parado em frente a esta, com os olhos negros brilhantes e as faces ainda mais pálidas do que me lembrava. Os cabelos caiam-lhe de uma forma elegante sobre os olhos, os olhos que pareciam estar a repelir a sede que ele começava a sentir. A minha mão foi na direcção da minha perna, procurando a minha estaca, mas logo parou.

Ele é um humano. Um humano.

- As pessoas aparecem completamente desfiguradas, o engraçado é que apesar de desfiguradas vêm com pouco sangue, apenas em carne viva, e ainda mais: nos pescoços das vitimas podia-se encontrar dois furos.

- Vampiros

Até que ponto mudaria a minha vida naquele ano?

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