Capitulo XII
alvez sua consciência não o tenha deixado dormir – arriscou-se e arrependeu-se de imediato do que disse. A última coisa que queria recordar era o passado, por isso acrescentou depressa: - Quero dizer...Porque não estava aqui quando sua mãe precisou de você.
Ele encarou-a, os olhos um tanto mais cerrados.
- O que sabe sobre isso? – indagou.
- Sobre o quê? – Ela desviou os olhos da janela, com a súbita e inquietante sensação de que poderia ver as feições do pai mais uma vez. Um frio passou por sua espinha, fazendo-a estremecer.
- Sobre a tarde em que seu pai morreu – Harry esclareceu. E, percebendo que ela tremia, acrescentou: - Está gelada...Quer um café quente?
Gina chegou a pensar em recusar, mas a idéia era agradável demais. Assentiu, então, aceitando:
- Obrigada.
Harry pegou a chaleira, encheu-a de água e colocou-a no fogão. Depois caminhou até o armário, tirou dele o café instantâneo e pegou duas canecas, que colocou sobre a mesa. Então, enquanto esperavam que a água fervesse, cruzou os braços e indagou:
- O que sua tia lhe contou sobre...sobre o ocorrido?
- Não muito. – Gina olhou ao redor e, vendo a cadeira de balanço, foi até ela, sentando-se como fazia quando criança, com as pernas dobradas sob o corpo. – Acho que a mesma coisa que sua mãe contou a você.
Ele assentiu, mas não estava convencido.
- Pensei que soubesse de mais alguma coisa, já que está aqui há dois dias...
- Cheguei um dia antes de você – ela esclareceu. – Além do mais, o que há para saber? Papai teve um ataque do coração, sua mãe o encontrou... Ponto final.
A água ferveu, a chaleira apitou, e Harry preparou o café nas canecas, depois prosseguiu:
- Então não sabe sobre o que ela estava falando?
Gina não entendeu.
- Não sei sobre o que está falando. – Aceitou a caneca que ele lhe oferecia. Bebeu, então, e exclamou: - Puxa, isto está muito bom!
Depois de beber também, Harry continuou:
- Sua tia lhe disse que Lilian estava sozinha em casa quando tudo aconteceu?
A pergunta provocou certo espanto em Gina.
- Bem... acho que sim. – Ela apertava a caneca entre as mãos, para aquecê-las. – Por quê? O que ela disse a você? Que havia outra pessoa na casa?
Ele negou com a cabeça.
- Você conhece tia Nell – explicou. – Não “disse” nada propriamente.
- Então...
- É que ela passou-me uma impressão estranha... Insinuou que era estranho o fato de Arthur estar morto havia duas horas quando minha mãe o encontrou.
Os olhos de Gina se abriram mais.
- E ele estava?
- Ela não lhe disse isso também?
- Não. Pelo menos, não que eu me lembre. De qualquer maneira, em que isso poderia ser importante?
Harry apenas deu de ombros, pensativo. Gina, porém, insistiu:
- Acha que sua mãe possa ter mentido?
- Bem... não seria a primeira vez... – E então, vendo a expressão preocupada no rosto dela, acrescentou depressa: - Deus, por favor, eu não sei! Provavelmente, não.
Um silêncio pesado caiu entre ambos. Harry puxou uma cadeira e a fez girar, sentando-se ao contrário, muito próximo a Gina. Apoiou os braços no encosto e o queixo sobre eles para perguntar, em voz calma:
- Qual é o problema?
A mudança de assunto foi repentina e surpreendeu Gina, fazendo-a olhar para a janela de imediato. Tal reação nada significava para Harry e, tentando manter a calma e esquecer o que acontecera quando ela estava entrando na casa, respondeu:
- Problema? Bem, meu pai está morto... Esse é o problema.
Harry assentiu.
- Está certo. Tem razão. Mas... sabe de uma coisa, você parecia ter acabado de ver um fantasma quando entrou. E fiquei imaginando se alguém lhe teria dito algo que a houvesse perturbado.
- Quem? – Gina ressentiu-se da estranha percepção dele e não conseguia esconder isso. Estava tentando esconder o que sentia, e Harry continuava com aquela sua mania de saber exatamente o que lhe ia à alma. E, mesmo querendo ignorar sua presença, estava consciente demais da proximidade dele.
- Não sei... Alguém na aldeia, talvez... Bem, mas quanto tempo fazia desde que viu seu pai pela última vez?
- Seis meses, mais ou menos. Vim para Londres no ano passado, para uma conferência, e papai foi até lá para nos encontrarmos.
- E ele estava bem?
- Achei que sim. – Ela se mexeu na cadeira, desconfortável com a proximidade ainda maior agora. – Isso importa?
- Acho que não. Ele deve ter ficado muito feliz em revê-la.
- Da mesma forma que sua mãe está sempre satisfeita por revê-lo. – Ela percebera o leve tom de crítica na observação de Harry e o devolvia. – Tem estado com ela com freqüência ultimamente?
- Quando posso, sim. Ou quando ela quer alguma coisa... Parece que fiquei muito mais popular em sua opinião desde que percebeu que posso ser útil... Em especial no que diz respeito a dinheiro...
- E por que ela não pedia a meu pai?
Harry deu de ombros e tentou explicar:
- Acho que porque ela nunca tinha dinheiro suficiente... E não vai aí uma crítica a seu pai, de forma alguma. O que estou dizendo é que Lilian sempre foi descuidada quanto a dinheiro. Nunca teve o suficiente porque nunca soube se controlar.
- Bem, acho que foi por isso mesmo que se casou com meu pai, se é o que está querendo dizer. Pelo menos, ela não terá mais problemas financeiros agora...
- Gina...
- Não, não estou ressentida com isso. Meu pai sempre foi muito preocupado com o pagamento de seguros. E acredito que deve ter feito um muito bom para sua própria vida. Além do mais, há esta casa... – De repente, seu estomago se apertou diante do pensamento vago de que Lilian viesse a vender Penmadoc. – Se ela quiser, poderá se desfazer de muitas coisas, até da casa...
- Não acredito que faça isso – Harry rebateu.
- Por que não? Porque precisa de um lugar para viver?
- É. – Ele parecia distraído, e o assunto acabou por si. Olhava para a janela e, de repente, observou: - Fico imaginando como ela não viu seu pai entrar...
Gina compreendeu de imediato do que ele falava e opinou:
- Acha que ela poderia estar fora?
- Talvez. Mas, se estava, porque não me contou? E por que não contou a ninguém? Já tinha avisado Nell de que estaria fazendo comprar... – Harry deu de ombros, sem entender, com outra mudança repentina de assunto, perguntou: - Já falou com os advogados de seu pai?
- Não. Você já?
- E como poderia, se só soube do que aconteceu ontem à noite?
Gina desviou os olhos para o fogareiro, que também era observado com atenção por Harry. Mas nenhum dos dois o estava vendo de fato. Instantes depois, ela comentou:
- Pena papai não ter percebido que sua mãe estava em casa quando voltou. Nunca se sabe, não é? Talvez houvesse algo que ela pudesse ter feito para ajudá-lo...
Ele assentiu e concordou.
- É. Também pensei nisso.
- Se houvesse qualquer pessoa por perto... – ela continuava conjeturando. – O que sua mãe lhe disse ontem à noite?
- Pouco.
Pela resposta dele, Gina percebia que sua madrasta, como sempre, devia ter estado preocupada apenas consigo mesma. Talvez fosse por isso que Harry indagara se já havia conversado com os advogados, porque Lilian não queria empecilho nenhum entre ela e o dinheiro que viria a receber...
- Eu não sabia que ela tinha conseguido falar com você – comentou. – Sei que ficou telefonando para você ontem o dia inteiro, mas seu mordomo insistia que você não estava em casa.
- Thomas é um mordomo muito eficiente – Harry fez questão de frisar, notando um certo tom de desprezo quando ela se referira ao serviçal. – E, como eu já lhe disse ontem, eu tinha acabado de chegar de Singapura quando soube de tudo.
- Seja como for, ele realmente deixa sua mãe irritada. – Gina parou por instantes, depois perguntou: - O que estava fazendo em Singapura, afinal? Fotografando o primeiro-ministro ou outro dignatário qualquer?
- Bem, na verdade, eu estive na Malásia. Fui convidado por alguns naturalistas a participar de uma expedição a uma região quase inexpugnável para fotografar plantas e flores exóticas.
- E suponho que isso lhe garantiu material suficiente para um novo livro.
- Esse comentário está me parecendo um tanto invejoso, sabia? – As palavras, mesmo ditas em tom de brincadeira, deixaram Gina indignada. – Bem, que tal eu dar à Nell e O´Roake a primeira leitura quando o manuscrito estiver pronto? – provocou.
- Você é quem sabe. – Gina fingiu descaso, mesmo sabendo que o tio de Draco, dono da editora, jamais deixaria passar a oportunidade de publicar um provável best seller. Além do mais, jamais sentira inveja de Harry ou de seu sucesso, apesar de tudo o que acontecera. Não alardeara o fato de ele ser parte de sua família, é claro, mas isso nada tinha a ver com o trabalho de ambos.
- Fiquei feliz por você ter vindo – Harry disse, em mais uma daquelas mudanças abruptas de assunto. – Cheguei a imaginar que não o fizesse, sabe? O clima tem estado péssimo. O que minha mãe lhe disse quando deu a notícia?
- Não foi ela quem me deu a notícia. Foi tia Nell quem telefonou. – Gina preferiu omitir sua dúvida inicial de que a tia teria telefonado com o seu o consentimento de Lilian. A julgar pela recepção fria que tivera da madrasta, era claro que ainda era uma pessoa não indesejada naquela casa.
- Entendo... – Ele parecia aborrecido, e Gina sentiu que desaprovava o tratamento que sua mãe ainda dava a ela. – Bem, mas você está aqui, e é isso que importa agora. Lilian vai ter que superar o fato.
- Ela vai ter que superar o quê? – Ela não entendeu bem o sentido daquelas palavras, mas com outra de suas mudanças repentinas, Harry tocou em outro assunto: - Você está mais cheinha – comentou, olhando-a por completo e espalhando um calor insuportável por todo o seu corpo. – É. Você, definitivamente, mudou bastante desde que nos vimos pela última vez.
- Se está dizendo que engordei, isso está muito longe de ser um elogio, fique sabendo. – Ela usava a raiva para encobrir suas outras sensações. Já não tinha dezesseis anos, nem vinte e um, que era a idade com que se casara, na última vez em que se haviam encontrado. – O que lhe dá o direito de fazer observações pessoais sobre mim?
- Bem, eu pensei em fazer um elogio. Afinal, quando se casou, estava mais magra do que um palito.
- Puxa, obrigada! Estou me sentindo infinitamente melhor agora – ela ironizou.
Harry sorriu.
- É verdade! – E fitava-a novamente. – Você está muito bem... Não é mais minha irmãzinha.
- Nunca fui sua irmãzinha. – Gina não estava gostando do rumo da conversa e decidiu mudar seu tom: - Bem, mas onde está tia Nell? Não é de seu feitio deixar que outras pessoas ocupem sua cozinha...
- E isso importa? – Harry levantou-se, levando a cadeira consigo para o lugar de onde a tirara. – Fale-me sobre você, sobre o que tem feito depois do divórcio. Ainda não sei o que aconteceu entre vocês dois. – Ele parou e voltou-se, com certo ar de preocupação no rosto: - Havia outra pessoa?
Gina ajeitou-se melhor na cadeira, que balançou com seu movimento. Não se sentia a vontade diante de Harry, ainda mais depois da maneira como ela a olhara.
- Tenho certeza de que não está interessado em mim – rebateu. – Pelo menos, não mais do que estou em você ou em suas namoradas.
- Bem, eu não tenho “namoradas” – ele acentuou o plural. – Tenho uma só, e seu nome é Cho Chang. Talvez tenha ouvido falar. Ela é modelo.
- Puxa, que surpresa! – Gina não conseguiu evitar o sarcasmo, mas logo se arrependeu e voltou a olhar o café que ainda restava em sua caneca. Sabia que Harry a encarava agora com certo aborrecimento, e não ousava erguer o olhos outras vez.
Continua....
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