Capitulo VII



Percebeu-se refletida no espelho da cômoda, e um arrepio estranho passou por seu corpo. Por instantes, tivera a impressão de que o rosto que devolvia seu olhar ali era o de sua mãe. Sabia, no entanto, que essa impressão se devia apenas ao fato de serem extremamente parecidas: rosto pálido, olhos de um azul quase cinzento, cabelos ruivos encaracolados e que agora estavam despenteados. Não fora à toa que Lilian a olhara com tamanho desdém, havia pouco. Comparada a sua madrasta, não tinha um pingo de sofisticação. Quanto a Harry, preferia nem pensar. Não se deixara enganar nem por um segundo quanto à tentativa dele para se acertarem. Não sabia que tipo de jogo ele estava fazendo, mas não tinha a menor intenção de deixar-se fazer de tola novamente.

Respirou fundo e, soltando o cinto do roupão, retirou-o e escorregou para debaixo das cobertas. Passou os olhos pelo teto, imaginando que era impossível retornar a Penmadoc sem voltar a ter lembranças. E, mesmo arrependida agora, sabia que Harry fora uma parte importante do seu passado.

As lágrimas caíram por seu rosto. Secou-as, aborrecida por não conseguir ser mais forte. Chegara a detestar sua madrasta por ocupar o lugar de sua mãe, mas jamais detestara Harry. Estava com dez anos, então, e ele com treze, e tentara pateticamente ser sua amiga naquela época. Nunca tivera irmãos e chegara a adorá-lo. Seguia-o pela casa como um discípulo cego, ansiosa por fazer qualquer coisa que ele pedisse, esperando qualquer palavra de seus lábios.

E não estivera sozinha nesse processo. Harry sempre fora um garoto muito popular na escola que ambos freqüentavam em Rhosmawr e nunca lhe faltaram amizades. Durante seis anos, Gina iludira-se com a idéia de que as garotas que passavam pela vida dele nada significavam. Seu amor por ele passara a ser tão profundo que chegara a imaginar que ele estivesse apenas passando o tempo com outras para esperá-la crescer.

Lilian percebera como ela se sentia, é claro. Sempre tivera muito mais experiência de vida do que Arthur e, a princípio, chegara a achar engraçado o apego da enteada por seu filho. Nada fizera para evitá-lo. Talvez tivesse achado que deveria deixar que o próprio Harry tratasse do assunto. Mas tivera uma surpresa bastante desagradável ao surpreendê-los juntos e, mesmo Harry tendo defendido Gina a todo custo, Lilian passara a desprezá-la desde então.

Ela agora revirava-se na enorme cama, incapaz de controlar as fortes emoções que a acometiam. Afinal, aquilo tudo era parte do passado, aconselhava a si mesma. Esquecera Harry quando se casara com Draco. A união não dera certo, mas isso era algo mais do que comum, dizia-se. Draco era jovem demais para suportar os deveres de um casamento e sempre procurava deixar as responsabilidades maiores sobre os ombros dela.

O que lhe roubava o sono não eram as lembranças do seu casamento falido, mas o fato de estar de volta a Penmadoc, passados quase dez anos, desde que partira para cursar a faculdade. Como Harry, ela preferira sair de casa assim que terminara o colegial. Ele, porém, interrompera os estudos por um ano, para viajar pela Europa.

Gina engoliu em seco. Pensando sobre isso agora, imaginava que sempre lhe parecera que Harry fora mais feliz do que ela própria. Era difícil não se ressentir, constando que sua vida não fora tão alegre quanto a dele. Suas fotos de um conflito que presenciara em um dos países pelo qual passara e que tinha enviado a um jornal londrino, garantiram-lhe um excelente emprego mesmo antes de se formar em jornalismo. E, desde então, Harry tornara-se famoso por suas fotografias. Mais recentemente, um livro com belíssimas fotos em preto-e-branco de uma região afastada do Alasca tinha estado na lista dos mais vendidos durante meses... Ele trabalhava como prestador de serviços atualmente, aceitando comissões quando e se lhe interessassem. Também dava palestras sobre como fotografar, e Gina estivera presente em uma delas, em Nova York.

E tudo isso era tão diferente de suas próprias experiências, pensava com certa frustração. Depois do que acontecera entre ela e Harry, achara muito difícil voltar a confiar em um homem. Além do mais, embora tivesse se formado em língua inglesa, sabia não ser um gênio no assunto. O fato de ter encontrado aquele emprego na editora devia-se mais à influência do pai de Draco junto a seu irmão, dono da firma, do que a qualquer maior habilidade que Gina pudesse ter, estava certa disso.

Os pais de Draco sempre tinham sido muito bons para ela. Eram americanos, como o filho, e tinham-no enviado à Inglaterra para que aprimorasse sua etiqueta social. Draco chegara a confessar a Gina, depois do casamento, que fora sua independência e auto-suficiência que lhe tinham chamado a atenção. Ela jamais lhe contara porque aprendera a depender apenas de si mesma...

Com mais um suspiro, Gina aconchegou-se melhor entre as cobertas, achando-as ainda mais frias do que quando decidira descer para tomar o leite quente. Como resumo de tudo que pensara, sua vida inteira lhe parecia ter sido apenas um estudo em retrospecto. E Harry era, nela, o centro de tudo...

~

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.