Capitulo VIII
Harry acordou com uma terrível dor de cabeça. Ficou deitado, imóvel, por algum tempo, tentado imaginar onde estava e como tinha chegado até ali. Estranhava o frio, porque lhe parecia ainda estar ma Malásia. Também estranhava a falta dos ruídos que sempre vinham da rua muito movimentada...
Só então se lembrou. E lembrou-se também do motivo de sua dor de cabeça. Estava em Penmadoc, e a quantidade de uísque que ingerira antes de ir para cama pesava demais em seu cérebro...
Gemeu, irritado consigo mesmo por ter bebido, mas, depois de rever Gina e de conversar com sua mãe, sabia que beber era a única coisa que lhe restava fazer...
O testamento. Ergueu-se nos cotovelos e tentou fixar os olhos nos móveis do quarto sem se sentir tonto. Mas tudo parecia girar a seu redor, ainda mais quando se sentou e colocou os pés para fora do leito. Irritou-se ainda mais por ter bebido, por não ter sido maduro o suficiente para encarar a situação apenas com a companhia de uma garrafa de água mineral, ao invés daquele veneno...
Levantou-se devagar e, cambaleando e apoiando-se nos móveis, caminhou até o banheiro anexo. Procurou por analgésicos nas gavetas, mas não achou nada. Além do mais, a lâmpada que acendeu parecia estar trêmula, o que importunava sua vista sobremaneira. Não se lembrara de baixar as persianas na noite anterior, e o sol que incidia sobre a neve lá fora, criava reflexos que praticamente o cegavam. Podia apreciar muito a visão da neve, mas apenas por trás de suas objetivas, não na situação em que se encontrava agora.
Puxou a corda que movimentava as persianas mas, por algum motivo que não compreendeu, elas subiram ainda mais, expondo o aposento a uma luminosidade ainda maior. Harry praguejou e repetiu a operação, agora conseguindo um bom resultado.
Voltou-se para a pia, então, e entrou no box para tomar um banho. Ainda não consultara o relógio, mas tinha a vaga impressão de que passava um pouco das nove. Desejava um café forte, encorpado como o que Thomas sabia preparar tão bem, mas sabia que teria que se contentar com o descafeinado sem sabor que era o favorito da tia de Gina.
Quinze minutos depois, já vestido na calça preta, no suéter aconchegante e nas meias e sapatos forrados que mantinham seus pés bem quentes, desceu para o desjejum. Seus cabelos estavam úmidos e não tivera tempo para barbear-se, mas duvidava de que alguém fosse perceber. Se sua mãe ainda estivesse no mesmo estado em que se encontrava na noite anterior, sua aparência seria a última coisa com que teria de se preocupar. Além do mais, esperando contar com o apoio dele contra Gina, ela suportaria qualquer coisa...
Apesar do só sistema de calefação que Lilian mandara colocar na casa havia alguns anos e que ainda funcionava muito bem, os corredores da enorme casa estavam constantemente frios. Harry não entendia como sua mãe poderia querer continuar vivendo ali quando podia comprar um apartamento agradável em qualquer bairro elegante de Londres. Era difícil acreditar que ela tivesse tão apegada assim àquela mansão antiga. Devia haver outro motivo que a prendia ali.
Os degraus da escadaria rangeram conforme descia. A lareira, no hall, estava acesa, o que trazia certo calor ao ambiente. Anos antes, aquele devia ser o centro da casa, imaginou. De acordo com o que Arthur lhe contara em algumas oportunidades, as paredes de Penmadoc tinham sido erigidas no século dezesseis, mas tantos outros aposentos tinham sido erigidos depois, que era difícil precisar com exatidão sua origem.
Harry parara diante da lareira, para se aquecer melhor, quando notou a figura vestida de negro que apareceu, vinda da direção da cozinha. Era Eleonor Tenby, tia de Gina. Mesmo sabendo que ela deveria ter pouco mais de cinqüenta anos, Harry tinha a impressão de estar diante de uma mulher muito mais velha, porque seus cabelos lisos já estavam praticamente todos brancos.
Rígida, Eleonor mal tolerava a presença de Harry quando ele ainda era adolescente. No entanto, por perceber quanto Gina o adorava, ela sempre tratara Harry com mais deferência do que a sua mãe. E, quando da separação abrupta da família, Nell culpara-o pela partida de Gina, voltando a suavizar sua atitude apenas recentemente, quando percebera quanto Arthur gostava das visitas do rapaz.
- Parece que, afinal, levantou-se – comentou severa, mostrando, mais uma vez, que nada acontecia naquela casa sem seu conhecimento. – Ofereci-me para levar-lhe o desjejum no quarto, mas sua mãe insistiu para que o deixasse dormir. E, se espera que eu prepare alguma coisa agora, sinto informá-lo, mas é tarde.
- Só quero um pouco de café – Harry rebateu, enojado só em pensar em comer algo. – Bem, mas... como vai a senhora? – E, estendendo a mão direita, comentou sério: - Sinto muito pelo que houve. Sei quanto deve estar sofrendo.
- De fato. – Ela apertou os lábios finos um contra o outro antes de prosseguir: - Mas não acho que seja possível encontrar alguma espécie de consolo no fundo de uma garrafa. Ninguém jamais conseguiu melhorar uma situação através do consumo de álcool.
Harry decidiu aceitar a repreensão sem maiores controvérsias.
- Estou arrependido por ter bebido demais, acredite – disse sincero. – E sinto por saber que a senhora não tinha idéia de que Arthur estivesse doente.
- Bem... – Ela parecia subitamente suavizada pelas palavras dele. – Parece-me que você sempre teve mais sensibilidade do que todos podiam esperar... Imagino que saiba que Gina está aqui...
Ele assentiu, mas arrependeu-se de imediato. Sua cabeça parecia querer estourar e teve de levar as mãos a ela para ter a sensação de que poderia sentir-se um pouco melhor.
- Teria uma aspirina à mão? – pediu, em um fio de voz. – Preciso tomar alguma coisa antes que meu cérebro derreta...
- Venha comigo até a cozinha. – E sem esperar para ver se ele assim o faria, voltou-se e encaminhou-se para lá. – Precisa comer algo – disse, apesar da recusa de há pouco em preparar-lhe algo. – Sei que se sentirá bem melhor depois de comer uma tigela do meu mingau de aveia. Não vai querer estragar sua saúde tomando essas pílulas sem efeito, vai?
Harry apenas assentiu. Quando em Roma, devia-se agir como os romanos, imaginou resignado.
A cozinha tinha um aspecto bem diferente do que na noite anterior. Como no hall, o fogareiro estava aceso, e o cheiro de lenha queimada era agradável. Outros cheiros permeavam o ambiente, não tão agradáveis as narinas de ressaca de Harry, mas achou melhor não prestar atenção a eles. Além do mais, eles estavam misturados ao cheiro de pão fresco e de carne colocada para assar na brasa.
Harry sentou-se a mesa enquanto tia Nell colocava um pouco de leite em uma panela pequena. Era a mesma panela em que Gina queimara o leite na noite anterior, pensou ele, distraidamente. Mas ela estava limpa agora e brilhava como se fosse nova.
A idéia de comer o mingau preparado com o leite produzido ali mesmo na região fez seu estomago virar por segundos. Preferia café puro, mas não havia nenhum pronto e imaginou que se quisesse, teria de preparar um pouco do descafeinado instantâneo que sabia haver sempre na casa.
Para se distrair, olhou pela janela. Parara de nevar, mas tudo estava coberto de branco e apenas os esqueletos escuros das árvores sem folhas sobressaíam na paisagem.
- Conversou com Gina? – ouviu e voltou os olhos de imediato para tia Nell. A pergunta fora inesperada.
Harry demorou a responder e, como ela se voltasse e mantivesse no rosto uma expressão incrivelmente séria e, ainda assim, amena, ele achou melhor não criar problemas.
- Sim, conversamos ontem à noite. Ela estava acordada quando cheguei.
Tia Nell assentiu e trouxe para a mesa o chá que preparara.
- É. Eu imaginei por que ela estava tão calada antes de sair... – comentou.
- Sair? – Harry alarmou-se. Consultou o relógio e indagou: - A que horas ela saiu?
- Ela disse que precisava respirar. – Não era propriamente uma resposta, mas foi apenas o que Eleonor explicou, trazendo também uma xícara e um pouco de leite. – Sirva-se. Isso vai lhe fazer muito melhor do que pílulas.
Harry poderia reclamar, tornar a pedir o café, mas estava com muita dor de cabeça para se envolver em uma discussão. Além do mais, sabia que havia cafeína no chá também e, pelo menos por enquanto, ficaria apenas com ele.
O mingau veio logo depois do chá.
- Coma tudo – recomendou tia Nell, ainda muito sisuda. – Eu sempre digo que o café da manhã é a principal refeição do dia.
Mesmo certo de que seu estomago protestaria, Harry forçou-se a engolir várias colheradas do mingau. Afinal, comera coisas muito piores na Malásia.
- Então... para onde ela foi? – perguntou por fim, percebendo, contrariado, que estava, de fato, sentindo-se melhor.
- Para a aldeia. Mas, como eu já disse, ela não tinha muito a dizer... – Eleonor voltou-se para encará-lo mais uma vez. – O que aconteceu ontem à noite, afinal? Vocês dois brigaram?
Continua...
Antes do Natal tem mais!
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