Capitulo V
Ela aproximou-se da porta e teve certa dificuldade em lidar com a tranca e os pesados trincos, depois girou a enorme chave na fechadura e abriu-a.
- Eu dificilmente faria tal coisa – disse, procurando manter os olhos baixos conforme lhe dava passagem para entrar. – Não tem uma chave daqui?
- Olhe, não diga nada a ninguém, mas ainda não inventaram uma chave capaz de abrir uma tranca e os trincos internos – ele brincou, fazendo-a imaginar se tal ironia seria um modo de disfarçar sua surpresa por vê-la ali.
Sacudia-se todo, procurando livrar-se dos inúmeros flocos de neve que trazia sobre a cabeça e os ombros. Sua jaqueta de couro e os seus cabelos estavam úmidos. Então, respirando propositadamente mais forte, indagou:
- Que cheiro ruim é esse?
- Leite queimado. Deixei cair um pouco sobre o fogão quando ele ferveu. – Gina ainda não o olhava diretamente. Trancou a porta, passou a tranca e fechou os trincos, voltando para a cozinha. Sabia que sua aparência não deveria ser das melhores, com a camisola e o roupão velhos, os cabelos um tanto desalinhados e os olhos vermelhos por ter chorado a morte do pai. estava muito longe da imagem que gostaria de apresentar ao irmão de criação que não via desde seu casamento com Draco. Perguntou, em um pretexto apenas: - Sua mãe sabia que você viria ainda esta noite?
- Imaginei que sim. – Harry a acompanhava de volta à cozinha. Ao chegarem lá, apontou para o fogão antigo e indagou: - Não acha que deveria fazer alguma coisa quanto a esse leite queimado antes que alguém desça até aqui achando que tentou colocar fogo na casa?
- Quem? Sua mãe, talvez? – Gina fazia o que ele indicara, colocando a panela dentro da água e providenciando um pano para limpar o queimador. Faria qualquer coisa para evitar olhá-lo de frente, mesmo sabendo quanto Harry era atraente.
- Possivelmente – ouviu-o concordar e, de repente, teve um sobressalto. Muitas vezes dissera a si mesma que, ao encontrar Harry novamente, não se comportaria como uma criança tola e tentaria esquecer tudo o que acontecera no passado. Além do mais, não queria, de maneira alguma, fazer com que ele se recordasse da adolescente ingênua que fora.
Ele colocou a mala de lona que trazia a um canto e uma outra sobre a velha cadeira de balanço que ficava em outra extremidade da cozinha e que também era parte da mobília havia muito tempo.
- Bem, sinto muito pelo que aconteceu a seu pai – disse. – Deve ter sido um choque para você.
- É. De fato, foi.
Ela ainda não o olhava, continuando a limpeza do fogão.
- Também foi um choque para mim – Harry prosseguiu falando, em um tom suave. – Seu pai e eu às vezes não concordávamos em algumas coisas, mas recentemente acredito que tenhamos conseguido respeitar os pontos de vista um do outro.
Gina endireitou a espinha e forçou-se a encará-lo.
- Recentemente – repetiu, pela primeira vez reparando na aparência física de Harry. Ele parecia mais encorpado do que se lembrava. No entanto, os músculos que pareciam estar por toda a parte de seu corpo agora serviam apenas para dar-lhe um equilíbrio maior de formas, para fazê-lo parecer ainda mais alto e forte em sua beleza. – Eu não sabia que vinha a Penmadoc com tanta freqüência assim para que pudesse ter um relacionamento melhor com meu pai...
- Bem, na verdade não venho. Mas você estava nos Estados Unidos enquanto eu estava, digamos, bem mais perto. Ele costumava ir até Londres, com menos freqüência, é claro, do que eu vinha até aqui.
Gina tentava não se ressentir. Afinal seu pai jamais deixara transparecer que não quisesse sua presença em Penmadoc. No entanto, depois que seu casamento com Draco não deu certo, ela mesma passara a ver-se como uma grande fracassada. E tal pensamento deixara-a amarga. Além do mais, Lilian, ela sabia, sempre faria de tudo para que se sentisse ainda pior.
- Papai nunca me falou sobre isso – conseguiu murmurar, voltando a limpar o fogão, consciente dos passos de Harry em direção à geladeira.
- E por que ele lhe contaria? – Harry espiava, em busca de alguma coisa para comer. – Imagino que devesse achar que você não estaria interessada. Ei, não há nada que se possa comer por aqui?
Gina voltou-se mais uma vez, olhando detalhadamente as longas costas dele.
- Não jantou? – perguntou, enquanto Harry fechava a geladeira com certa impaciência.
- Jantar? – perguntou irônico. – Tinha acabado de chegar de Singapura, quando soube que minha mãe tinha telefonado sem parar, tentando entrar em contato comigo. Fiquei em casa tempo suficiente para um banho e um pequeno lanche, nada mais.
- Singapura? – Gina estava curiosa, mas tentou disfarçar dizendo: - Então, não comeu quase nada.
Ele tornou a abrir a geladeira.
- Exato – confirmou. – Não se come mais carne hoje em dia? – criticou logo em seguida.
- Bem, talvez tia Nell tenha alguma coisa no freezer. Ela sempre faz compras semanais no supermercado em Rhosmawr.
- Verdade? – Ele olhou-a se esguelha. – Bem, acho que vou ter que me contentar com outro sanduíche... – E, prestando atenção ao que Gina vestia, seus lábios formaram um estranho sorriso antes de perguntar: - Isso aí é novo?
Gina ergueu o queixo.
- Não reconhece? – perguntou fria, e teve a duvidosa satisfação de ver que Harry corava um pouco. O fato de que seu próprio rosto estava bem mais corado do que o normal, porém, oferecia-lhe pouco ou nenhum consolo... Era como se traísse o que estava pensando e estivesse aberta à observação dele.
No entanto, ao invés de fazer algum comentário sarcástico, Harry apenas tornou a fechar a geladeira e recostou-se nela, cruzando os braços.
- Muito bem – disse calmo. – Vamos recomeçar? – Seus olhos estavam um pouco mais fechados, como se quisesse esconder o que poderia ser revelado por eles. – Não quero discutir, Gina. Sei que não deve ser fácil para você e...
- Você é muito convencido, sabia?
Harry parou e encarou-a.
- Estou me referindo à perda de seu pai – explicou. – Será que não pode pensar em mais ninguém a não ser em si mesma? Sei que não gosta de mim, mas achei que esta seria uma ocasião em que poderia colocar os sentimentos alheios antes dos seus!
Ela estremeceu e não soube ao certo sede irritação ou de mágoa.
- Está tarde... – começou e logo ele a interrompeu:
- Está sim! Mas não tarde demais, espero. – Parecia impaciente. – Como eu disse, vamos tentar chegar a algum tipo de acordo, certo? Talvez... por sua tia Nell, pelo menos.
Gina deixou o pano úmido com que limpara o fogão dentro da pia e apertou o cinto de seu roupão.
- Está certo – concordou, ouvindo Harry respirar, como que aliviado.
- Muito bem – repetiu ele seco. – Olhe, não tente deixar tudo muito fácil para mim, está bem?
- Eu disse que...
- Sei muito bem o que disse. – E, estendendo a mão direita em sua direção, ofereceu: - Amigos?
Gina passou a língua pelos lábios, sentindo-os repentinamente secos. Não queria tocá-lo. Faria qualquer coisa para evitar colocar sua mão na dele, mas sabia que tal atitude era estúpida. Não queria que Harry pensasse que sentia medo dele, que ainda não conseguira superar a paixão infantil que quase arruinara toda sua vida.
Continua (...)
Gah Aluada - Obrigado pela capa ;DD
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