Capitulo XXII



 


 


Enquanto chamava o serviço de quarto para pedir um copo de suco de laranja e o café, Gina se lastimava por ter feito parecer que se desculpara com Harry. Afinal, ele não merecia. Talvez tivesse ido procurá-la no hotel àquela hora esperando ainda encontrá-la na cama, cheio de más intenções, imaginava, andando de um lado para o outro no quarto. Estava apenas interessado em si mesmo e em seus interesses, concluiu.


 


 


Mas aceitara sua carona enquanto poderia ter pego um trem até Swansea... E não podia negar que isso era sinal de ainda sentir alguma coisa por Harry...


 


 


Aborrecida consigo mesma, começou a se vestir. Já estava amarrando as botas quando seu desjejum chegou. Tomou-o e depois arrumou alguns objetos de uso pessoal em uma mala pequena. Ficaria em Penmadoc por dois dias apenas, pois precisava para Nova York antes do fim de semana ou perderia o emprego. Estava no saguão, informando a recepcionista de que se ausentaria por alguns dias, mas que suas coisas permaneceriam no hotel, quando Harry entrou pelas portas duplas de vidro e aproximou-se. Um aperto de ansiedade passou pelo estomago de Gina, ao imaginar que em breve estariam viajando juntos.


 


 


- Está pronta? – indagou ele, parecendo frio.


 


 


- Quase. – Gina despediu-se da garota, reparando em como ela olhava com atenção e simpatia para Harry.


 


 


Voltou-se para a saída, irritada. Já lá fora, quando ele a alcançou e quis tirar a mala de suas mãos, ela protestou:


 


 


- Eu mesma levo.


 


 


Harry apenas sorriu resignado.


 


 


- É claro. Já deixou bem claro que pode fazer tudo sozinha – comentou com certo sarcasmo.


 


 


Sentada no banco do carro e à espera de que ele fizesse o mesmo, Gina respondeu, sem olhá-lo:


 


 


- O que esperava? Talvez eu não seja tão fácil de persuadir quanto as outras.


 


 


Harry sabia que ela notara a maneira como a recepcionista o tratara. Sempre lhe fora muito fácil usar seu charme para conseguir o que queria com as mulheres e fora exatamente assim que agira havia pouco. Era um hábito, estivesse ou não querendo alguma coisa...


 


 


- Bem, nada posso fazer se, além de independente, você é também ciumenta... – observou, recebendo um olhar fulminante como resposta.


 


 


- O que sinto não é ciúme – rebateu, com voz baixa e perigosa. – É desprezo.


 


 


 


- É. Eu sei. – Ele parecia aceitar o fato com casualidade. – Embora eu gostaria muito de saber por quê.


 


 


Gina chegou a entreabrir os lábios para responder, mas Harry já colocava o carro em movimento e, como estavam passando por ruas extremamente movimentadas e ele precisasse de toda a sua atenção, resolveu se calar até que atingissem a estrada e o fluxo de trânsito houvesse diminuído consideravelmente.


 


 


- Está tudo bem? – Foi ele quem recomeçou a conversa.


 


 


- E por que não estaria?


 


 


- É mesmo, não? – Ele continuava com a ironia. – Diga-me uma coisa: você geralmente fica feliz por tratar mal a todos ou é apenas comigo que sente algum prazer especial?


 


 


Gina respirou fundo ao responder:


 


 


- O que esperava? Tampouco me trata com respeito...


 


 


- Não?


 


 


- Não.


 


 


Harry franziu o cenho.


 


 


- Mas... do que estamos falando? – indagou. – Do erro que cometi há duas horas quando achei que poderia querer fazer amor comigo ou do que se passou há quinze anos e que ainda a faz se sentir tão amarga?


 


 


- No que aconteceu há quinze anos – ela esclareceu muito séria.


 


 


- Meu Deus, não posso acreditar! – Harry gostaria de poder encará-la melhor, mas a estrada era mais importante no momento. – E disse que havia superado tudo! Que tinha me perdoado! O quê, afinal, eu fiz para merecer tamanho ódio de você?


 


 


Gina voltou os olhos para a paisagem.


 


 


- Nada. – disse evasiva.


 


 


- Ah, agora vai começar com isso? Droga, Gina, fale comigo! No passado, conseguíamos conversar tanto!


 


 


- Quando éramos crianças, mas isso foi há muito tempo.


 


 


- Exato. O que torna esta conversa ainda mais inacreditável. Eu já lhe pedi desculpas, não? E, de fato, sinto muito por tudo. E, se soubesse que minhas ações tornariam nosso relacionamento... – Ele se interrompeu, depois acrescentou, em voz mais baixa: - Droga, Gina, se não fosse eu seria algum outro!


 


 


Mais uma vez ela o olhou espantada.


 


 


- Seria mais alguém? Do que está falado?


 


 


- Ora, sabe exatamente o que quero dizer. Naquele verão, você estava... desabrochando. E eu não era o único que não conseguia tirar os olhos de cima de você. Você estava tão sensual, tão pronta para... para ser amada...


 


 


- Ora, seu grande canalha! – Gina não pensou duas vezes ao erguer o punho cerrado e atingi-lo no braço. Sua reação inesperada fez com que Harry perdesse o controle do automóvel por alguns segundos, mas, ele logo conseguiu mantê-lo na faixa em que seguia e voltou-se para ela indignado.


 


 


- Você é louca – protestou extremamente aborrecido. E, olhando para o acostamento, notou que havia uma área de estacionamento a algumas centenas de metros adiante. Acionou a seta e saiu da estrada, então, parando ali.


 


 


Gina estava em silêncio, sabendo que agira errado, mas havia certa teimosia em sua atitude.


 


 


Ele massageava o braço onde fora atingido e olhou-a muito sério.


 


 


- Por quê fez isso? – perguntou, quase em uma exigência de resposta. – Não consegue ter uma conversa civilizada sem recorrer à violência?


 


 


- Com você, não.


 


 


- E por que não?


 


 


- Harry, não quero falar sobre isso, está bem?


 


 


- Pois eu quero! Ou conversamos agora ou vai continuar seu caminho sozinha!


 


 


- Ora, você não seria capaz de...


 


 


- Não? Continue provocando-me para ver até onde sou capaz de ir! Quero respostas, Gina, e você vai dá-las agora!


 


 


- Ora, não sei do que está falando!


 


 


- Sabe, sim. Estou falando sobre nós! Quero saber o que conseguiu nos tornar inimigos! Eu até poderia antecipar que há algo relacionado com minha mãe, mas.. Bem, o que ela lhe disse para fazê-la voltar-se dessa forma contra mim? Ela jurou para mim que você tinha entendido, que estava disposta a esquecer tudo que acontecera, não só por sua causa mas por causa de seu pai.


 


 


Gina sorriu com amargura ao comentar:


 


 


- Que conveniente para você, não?


 


 


- Como assim? Não é verdade? Está querendo me dizer que me culpou pelo que aconteceu?


 


 


- Não exatamente. Digamos, apenas, que eu e sua mãe nunca... nos entendemos muito bem. – Ela sabia que Lilian deveria ter dado uma versão muito diferente dos fatos a Harry.


 


 


- Então por que não me escreveu, dizendo tudo o que pensava?


 


 


- E o que esperava que eu dissesse?


 


 


- Como se sentia! Eu posso ter sido arrogante naquela época, mas jamais feriria seus sentimentos, e você sabe muito bem disso!


 


 


Gina encarou-o, sua voz estava mais suave agora:


 


 


- E o que teria feito? Voltado para casa?


 


 


- Talvez... se você quisesse...


 


 


- Sei, sei...


 


 


- É verdade! Eu faria qualquer coisa por você naquela época. Aliás, esse era o grande problema, pelo que me lembro. Eu estava louco por você, e sabe disso.


 


 


- Sei?


 


 


- Devia saber. Gina, você era jovem demais e quando Lilian sugeriu que eu devia dar-lhe mais oportunidade para crescer e formar sua personalidade e sua vida, eu... acreditei nela.


 


 


- Quer mesmo que eu acredite nessa história?


 


 


Harry respirou fundo. Olhou para fora, em busca de controle, e depois prosseguiu:


 


 


- Muito bem, eu acho que queria acreditar nela. Sabia também que nós dois não poderíamos continuar a nos ver sem... bem, sem estarmos juntos, e ambos sabemos a que isso poderia levar. E se você ficasse grávida e tivesse deixado os estudos? Sabe que isso poderia ter acontecido se continuássemos a nos encontrar. E não olhe para mim desse jeito, Gina! Tivemos sorte em sair daquela situação como saímos. Imagine o que seu pai teria sentido de descobrisse o que aconteceu!


 


 


Ela o encarou por longos momentos, antes de sussurrar:


 


 


- É. Imagine. Que sorte tivemos, não?


 


 


Um silêncio pesado caiu entre ambos nesse momento. E, depois de um certo tempo, Harry continuou:


 


 


- Parece que não ficou tão feliz com a minha partida quanto minha mãe me fez crer... É. Acho que, no íntimo, eu já imaginava.


 


 


- Mesmo? Então escondeu muito bem.


 


 


- De fato. Acho que eu queria acreditar que eu estava enganado. Mas, é claro que não estava. Você praticamente me ignorou quando voltei para casa e depois foi para a faculdade a se casou com aquele... idiota. Não faz idéia de como eu odiei aquele sujeito! E depois, eu estava um tanto aborrecido com você também, já que parecia fazer tudo para me ignorar. Eu sabia que estava cometendo um grande erro ao se casar com aquele imbecil.


 


 


- Para de dar nomes a ele.


 


 


- Desculpe, mas não consigo evitar. Eu quis tanto avisá-la do erro que estava prestes a cometer, quis tanto uma chance de voltar a ter sua amizade... Mas você me tratava muito mal... Eu não me orgulhava do que havia feito, Gina. Juro! E teria me explicado se você tivesse me dado uma chance. Quando a perdi, perdi a coisa mais importante de minha vida.


 


 


Gina ergueu os olhos incrédulos para ele.


 


 


- Pare com isso... – pediu, mas Harry a interrompeu:


 


 


- É verdade! Sabe, muitas vezes cheguei a desejar que você tivesse engravidado.


 


 


Gina entreabriu os lábios pasma.


 


 


- Juro, Gina! Parece loucura, não? E claro que há uma boa dose de egoísmo nisso, mas... teríamos de permanecer juntos... E eu... senti tanto a sua falta!


 


 


- Não diga isso. – Gina sentiu a garganta se apertar a voltou-se para a janela. – Acho melhor prosseguirmos viagem.


 


 


- Não. Ainda não. – Harry estendeu o braço e passou o nó dos dedos por seu rosto, percebendo, de repente, que havia lágrimas neles. Exclamou, então, quase sem voz: - Você está chorando! Não chore, minha querida! Isso foi... há tanto tempo! E agora, podemos recomeçar, não importa o que aconteceu.


 


 


- Não, não podemos. – Ela afastou-lhe a mão.


 


 


- Não acredito que esteja falando sério – Harry contestou, com um vago sorriso nos lábios. – Se fossemos indiferentes um ao outro, não estaríamos conversando sobre o assunto. – Tocou-lhe o queixo, fazendo-a encará-lo. Instigou: - Diga que estou errado.


 


 


- Está. Tia Nell me disse que sua namorada está fotografando em um lugar distante e você deve estar se sentindo muito solitário, mas não vou deixa-lo me usar como uma substituta para ela!


 


 


Harry entreabriu os lábios surpreso.


 


 


- É isso o que acha que estou fazendo? – indagou em tom suave. – Acha mesmo, que toda esta conversa está acontecendo porque estou querendo flertar com você? Poxa, você não sabe medir seus golpes...


 


 


- Vai dizer que estou enganada...


 


 


- Eu já disse! E saiba que Cho já voltou, que fui buscá-la no aeroporto ontem a noite. E, se eu estivesse tão desesperado assim por fazer amor com alguém como você imaginou, já teria tido muitas horas para ficar com ela, não acha? E sabe do que mais? Estou farto de ficar tentando me justificar com você. Não vai acreditar... Aliás, nunca acreditou em nada do que eu disse...


 


 


- Isso não é verdade...


 


 


- É, sim!


 


 


- Não, não é. Durante anos, acreditei no que você disse.


 


 


Ele voltou-se para encará-la.


 


 


- E por que não acredita agora? – indagou, penetrantes olhos verdes faiscando. – Porque, no passado, fiz algo que qualquer homem com sangue nas veias faria? Não sou nenhum santo, Gina.


 


 


- Você não pode entender.


 


 


- Não? Então por que não me explica? – Ele estava começando a se irritar outra vez.


 


 


- Não posso.


 


 


- Por que não?


 


 


- Porque não. Sinto muito.


 


 


Harry olhou-a longamente, depois assentiu. Engoliu em seco, então, e, reagindo a um impulso que não quis conter, tomou-a nos braços e beijou-a com força e paixão loucas. Gina teve um ímpeto de reação, mas ele logo se dissipou. O calor que seu corpo  recebia naquele beijo deixava-a totalmente entregue. Apegou-se a Harry, correspondendo ao beijo com loucura. Podia estar cometendo o mesmo erro do passado, mas não se importava.


 


 


No entanto, estavam em um local público e aquele idílio, por melhor que fosse, teve de terminar. Harry afastou-se, os olhos alucinados de paixão, e encarou-a por segundos.


 


 


- Continuaremos depois – murmurou apenas, voltando a ligar o carro para tomarem a estrada novamente.


 


 


 


 


 


(...)


 


 


 


 


:D


 


Comenteem ;**


 


 

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