Capitulo XIX
Ginaa ajeitou-se melhor na cadeira ao lado da lareira da biblioteca. Era tarde, mas não tinha vontade de ir para cama. Aquela podia ser a última noite que passaria em Penmadoc e queria desfrutá-la ao máximo.
Era difícil crer que tudo acabara. O funeral transcorrera tranqüilo, e, apesar de suas diferenças, apreciara o apoio de Harry durante o serviço fúnebre. Qualquer fantasia, porém, fora extinta com a presença do caixão ornamentado de flores, que parecia segredar-lhe que, daquele momento em diante, estaria, de fato, sozinha no mundo.
Lilian não estivera presente. Continuara a insistir que seu estado de depressão não lhe permitia acompanhar o cortejo e que Arthur entenderia sua atitude... Amargurada, Gina imaginou que ele, de fato, entenderia. Arthur sempre fora um joguete nas mãos de Lilian. Gina soubera disso desde o princípio e, embora tentasse colocar seu ressentimento à parte, Lilian jamais agira de modo a tornar seu relacionamento com a enteada mais suave. Tinha ciúme do entendimento que havia entre Gina e o pai, e esse fora um dos principais motivos pelos quais Gina preferira permanecer em Nova York depois do divórcio.
Entretanto, como Lilian permanecia em seu quarto durante todo o dia, o testamento não fora aberto, e isso fizera com que Gina atrasasse sua viagem de volta a Londres. Marcus Venning insistira no fato de que ela precisava estar presente quando da leitura do testamento e, mesmo achando que sua presença seria uma mera formalidade, Gina decidira ficar para honrar um último desejo do pai.
Último desejo... jamais veria seu pai... As lágrimas, que pensara já estarem esgotadas, vieram-lhe mais uma vez aos olhos.
Ouviu a porta atrás de si sendo aberta e depressa passou as mãos pelos olhos, para secá-los. Voltou-se, na sala iluminada apenas pelas chamas da lareira, e surpreendeu-se por ver que era Lilian quem entrava. Continuou na poltrona em que se encontrava e que, por ser grande, praticamente encobria sua presença. Nada disse, observando conforme a madrasta adiantava-se biblioteca adentro.
Não sabia como agir. Não queria assustar Lilian, já que ela dizia estar tão abalada, e sabia que devia mostrar-se para, mais tarde, não ser acusada de estar espionando...
No entanto, antes que pudesse se decidir quanto só que fazer, Lilian alcançou a mesa ao lado da janela, onde estava o telefone e, erguendo o fone, discou um número. Parecia impaciente, pois tamborilou com as unhas longas sobre a mesa enquanto aguardava que a atendessem.
Gina encolheu-se ainda mais na poltrona, sentindo-se muito mal naquela situação. Se, pelo menos, Lilian houvesse acendido as luzes...
- Jaz?
Gina ouviu-a falando.
- É você? Oh, graças a Deus! Pensei que alguém mais pudesse atender!
Houve um breve silêncio, como se a pessoa do outro lado da linha falasse, e depois Lilian respondeu:
- Eu sei, mas ainda não pude fazer nada... A casa ficou cheia de pessoas hoje, depois do funeral. Quis ligar para você, mas tive medo de que alguém ouvisse. É por isso que estou ligando da biblioteca agora. Assim, tenho certeza de que não há ninguém em extensão alguma.
Mais uma pausa.
- Quem? Gina? Acho que não. Ela é arrogante demais para rebaixar-se a ouvir meus telefonemas.
Gina franziu as sobrancelhas. Quem seria aquele tal Jaz? O nome não era masculino nem feminino...
Lilian falava ainda:
- Não, receio que não. Não consigo. Não pude fazer nada hoje!
Mais uma pausa, na qual Gina fazia-se mil perguntas, sem entender do que se tratava aquela conversa.
- Não faço idéia. Eu não estava olhando por cima dos ombros dele quando escreveu... Sim, sim, é o que espero. O que mais posso fazer?
Gina fazia uma idéia do assunto agora. Deviam estar falando sobre o testamento. Era isso. Tinha de ser! E, de repente, quando a porta tornou a se abrir, não soube quem estava mais surpresa: ela própria ou Lilian, que se voltou de pronto. No entanto, quando Harry acendeu as luzes e entrou, não houve dúvidas quanto ao espanto que apareceu no rosto de sua madrasta.
- Preciso desligar – disse ela apenas, recolocando o fone no gancho. E, encarando o filho, passou a agir com naturalidade.
Gina imaginava que Harry a houvesse visto, agora que o lustre espalhava claridade pelo aposento inteiro. No entanto, ele parecia unicamente preocupado com sua indignação por ver a mãe ali, quando supostamente devia estar recolhida ao leito, fazendo um telefonema que poderia muito bem ter feito de seu próprio quarto... Assim sua atenção estava apenas nela.
- O que está havendo aqui? – indagou muito sério.
Lilian por sua vez, enfiou as mãos pelas largas mangas do roupão acetinado, como para ocultar sua reação do filho.
- Ora, acabei de fazer um telefonema. – Ela tentava manter a calma. – Há algo de errado nisso?
- Talvez... Por que não me diz?
- Dizer o que? Pensei que estivesse dormindo, Harry!
- Pensou ou desejou?
- Você estava me espionando? Por quanto tempo esteve aguardando no hall? – Aos poucos Lilian recuperava seu autocontrole.
- Não muito. Para quem estava ligando a esta hora da noite?
- Isto é assunto meu.
- É? E por que não fez a ligação de seu quarto?
- Porque meu telefone não está bom. E devo lembrá-lo de que, até que o conteúdo do testamento seja lido, esta ainda é minha casa? E, se eu decidir ligar para alguém do telefone da biblioteca para não incomodar ninguém lá de cima, você não tem nada haver com isso!
Gina franziu as sobrancelhas mais uma vez. Então, era, de fato, sobre o testamento que ela falara ao telefone. Estaria Lilian imaginando que seu pai deixara a casa para outra pessoa?
- Pois ainda estou interessado em saber para quem você ligava – Harry insistiu. – Para alguém que, há poucas horas, mal podia deixar a cama, você me parece bastante bem.
- Isso não é verdade! – Lilian rebateu irritada. – E é uma pena que você não possa confiar em sua própria mãe!
- É mesmo, não?
Harry passou os olhos pela sala, e Gina teve vontade de fazer um buraco no chão e enfiar-se nele. Encolheu-se mais, à espera de ser denunciada. Mas isso não aconteceu, e Lilian estava ansiosa demais para sair dali para prestar atenção em qualquer coisa.
- Posso ir agora? – indagou em tom autoritário, ao chegar junto do filho.
Gina temia que ele insistisse em conseguir uma resposta da mãe, mas, como se soubesse que isso seria impossível no momento, Harry afastou-se, dando-lhe passagem.
- Por que não? – disse, enquanto ela já saía. – Posso apertar a tecla de rediscagem e saber para quem ligou, não?
Lilian arregalou os olhos.
- Não faria tal coisa! – protestou.
- Não? Por quê? É algum segredo?
- Ora, você é insuportável, Harry! Não sei porque ainda o suporto!
- Você não me suporta, esqueceu, mãe? – Ele dava-lhe o tratamento que, sabia, ela detestava. Depois, parecendo mais calmo, disse apenas: - Fique tranqüila, não farei isso. – Mas, quando o rosto dela se tranqüilizou, acrescentou com um sorriso maldoso: - Vou descobrir de algum outro modo.
- Que outro modo?
Gina, mais uma vez, sentiu o coração se acelerar, no receio de que Harry denunciasse sua presença. Mas tudo que ele fez foi observar:
- Essas coisas se descobrem. E depois, você nunca foi muito boa em manter segredos...
Mais do que ele poderia imaginar, Gina pensou, com amargura, mas Lilian estava falando outra vez:
- Está bem, eu digo: estava falando com Dilys. Lembra-se? Dilys James.
- Sei quem é – Harry replicou, seco.
Mas Gina sabia que James dificilmente poderia ser transformado em “Jaz”...
- Bem, agora, se me permite, vou me deitar. E, sugiro que faça o mesmo, Harry. – Lilian passou pelo filho com ar altivo e deixou a biblioteca.
Instantes depois, ele disse com suavidade:
- Muito bem, pode sair agora. Ela já se foi. E, por favor, poderia me dizer o que está fazendo aí?
Gina moveu-se. Mal conseguia falar:
- Sabia... sabia que eu... estava aqui?
- Não, no início. Não imaginei que agisse assim.
Ela inclinou a cabeça para o lado da poltrona, para vê-lo.
- Assim... como?
- Espionando.
Ela se levantou, encarando-o.
- Está imaginando que preparei isto?
- E não o fez?
- Não. Eu estava aqui, em meu canto, cuidando de minha própria vida, quando sua mãe entrou.
- No escuro? – Ele lançou-lhe um olhar sardônico que a irritou ainda mais.
- É. No escuro. Estava pensando e não sabia que havia mais alguém acordado na casa.
- Estava pensando... No quê?
- Em nada que possa interessá-lo. – Depois, pensando melhor, acrescentou: - Estava pensando no enterro. E queria agradecer-lhe por seu apoio e presença.
- E onde mais eu poderia estar? Ele era meu padrasto, afinal...
- Bem, ele era também o marido de sua mãe, e ela não estava lá. – E, fazendo menção de sair dali, dirigiu-se a ele. – Acho que também vou me deitar.
- Espere. – Harry bloqueou-lhe o caminho e, quando Gina o encarou com olhos cheios de irritação, acrescentou: - Sabe com quem minha mãe falou?
- Ela lhe disse, não?
- Sei muito bem o que ela disse. Mas imagino por que ela iria ligar para uma amiga a esta hora da noite.
- Não acreditou nela, então...
- Digamos que eu esteja aberto a sugestões.
- Pois não serão as minhas. – Gina fez nova menção de sair, mas, dessa vez, ele a segurou pelo pulso. – Solte-me. Eu não posso ajudá-lo.
- Talvez possa. – Escorregou os dedos pelo braço dela, que estremeceu. – Tem medo de mim, Gina?
- Medo? Não estamos falando de mim, lembra-se?
- Lembro, sim. Eu me lembro de tudo. E, como você, gostaria de não me lembrar.
Gina sabia a que ele se referia. Ergueu mais a cabeça, altiva, e respondeu:
- Acho que está dando crédito demais a minha pessoa, Harry. E depois, vir até aqui e revê-lo foi bom para mim. Consegui colocar minhas perspectivas no lugar, se é que entende o que quero dizer.
- Sim, sim, mas não acredito.
Ele estava brincando com seus sentimentos. Não conseguira brincar com os da mãe, então voltara suas baterias contra ela. Gina se enfurecia por perceber tal coisa.
- Por que... Por que não estava dormindo? – perguntou, procurando um assunto diferente para fugir da tensão que sentia crescendo em torno de si. – Você saiu?
Harry franziu o cenho, achando estranha a pergunta.
- E aonde eu iria?
- Poderia ter ido à aldeia. Costumava freqüentar o barzinho local, lembra-se? E, se estivesse aborrecido aqui...
Ele se aproximou mais. Sua voz, agora, estava rouca.
- E quem disse que eu estava aborrecido?
- Deve estar, já que ficou reduzido a opção de me atormentar. Qual é o problema? Está sentindo falta de sua namorada? Como é mesmo o nome dela? Cho?
Harry sorriu de leve.
- Se não a conhecesse tão bem, poderia jurar que há uma pontinha de ciúme nessas palavras, sabe?
- Mas conhece-me muito bem. Meu Deus, eu, às vezes, pergunto-me o que poderia ter visto em você?
Não era isso que queria dizer, mas a arrogância dele a irritava demais, em especial porque o espaço que os separava estava ficando cada vez mais reduzido.
- Quer que eu a faça lembrar? – Harry insistiu na arrogância.
- Não! – De repente, Gina percebia que ele estivera bebendo e, sabendo que ela partiria pela manhã, antecipara aquela brincadeira sem graça. Levou a mão livre aos dedos dele, que ainda a seguravam, mas, para sua surpresa, Harry segurou essa mão também.
- E se eu não a deixar escapar? – perguntou, quase sem voz.
- Posso gritar. E tenho certeza de que sua mãe seria a primeira a vir em meu socorro. E não quer se indispor com ela... Pelo menos, não agora, eu suponho.
- Não agora? – Harry encarou-a, parecendo não compreender.
- Agora... já que ela, finalmente, será uma mulher rica. – Gina estava sendo severa e percebeu o choque que se estampou no rosto dele.
Não fora uma observação agradável, já que sabia que Harry jamais usufruíra do casamento de sua mãe, a não ser pelas coisas simples que um menino pode receber de seu padrasto. Todo seu sucesso na vida dependera única e exclusivamente dele próprio.
- Sinto muito. Não foi isso que eu quis dizer – desculpou-se logo.
- Não? Mas foi o que disse... Acha que estou aqui porque pretendo ter algum proveito no que minha mãe vai receber. Que bom saber que pensa em mim tão bem, Gina! – E, puxando-a mais para si, completou: - E, já que é assim que pensa, bem que posso tirar alguma vantagem disso, não?
Gina sentia-se presa. Seus seios estavam apertados contra o peito dele. Suas pernas forçadas para trás pelas de Harry, revivendo recordações que a deixavam cada vez mais fraca, embora quisesse resistir àquela proximidade.
- Por favor, Harry, me solte – pediu, em um sussurro.
No entanto, havia algo nele que o impulsionava. Talvez uma mistura de frustração, de raiva e ressentimento. E, quando a beijou, ele o fez com força, com grosseria até. Não era um beijo como aqueles com que a beijara anos antes, mas naquela época não tinha a experiência de agora e nem quisera feri-la, como queria agora.
No entanto, alguma coisa fraquejava em Harry. Tinha pendido as mãos dela as suas costas, mas soltava-as, desviando as mãos para as costas de Gina, em um carinho que a deixou em brasa.
Ele não fazia questão de esconder quanto a desejava, pressionando seu corpo contra o dela, aprofundando o beijo, como se sentisse que Gina também sentia a paixão dominando-a mais e mais.
Ela se esquecera de como era sentir aquele abandono. Dois namoros sem amor e um casamento que fora mais um acordo tinham deixado marcas profundas em sua alma. Apenas com Harry ela sentira esse tormento de emoções, essa sensação de entrega.
Os beijos dele eram muito mais suaves agora, mas famintos da mesma forma. E Gina correspondeu porque cada músculo de seu corpo se retesava no desejo por ele, forte como fora no passado, ardente, pulsante.
Sem resistir mais, escorregou as mãos pelo peito dele, acariciando-lhe a nuca e correspondendo àqueles beijos.
Harry desceu os lábios por seu pescoço, gemendo e murmurando:
- Deus me ajude! – E foi a angústia em sua voz que trouxe Gina de volta à realidade.
- Não! Ele não vai ajudar a nenhum de nós se continuarmos com está loucura, Harry! – E afastou-se, as mãos afastando o peito dele. – Não quero fazer algo de que nós dois nos arrependeremos depois.
- E por que acha que vou me arrepender? – ele rebateu, os olhos incendiados.
- Pense... pense em Cho. Não acha que lhe deve fidelidade?
- Deixe Cho fora disso.
- Não. Ou será que você é tão indiferente aos sentimentos dela quanto é em relação aos meus?
Harry encarou-a. Seus dedos se afrouxaram ao redor da cintura esguia conforme murmurava:
- Por que se importa com os sentimentos dela?
- Não me importo. Mas achei que seria um bom argumento para detê-lo. Não quero que me toque. Nunca mais.
Ele apenas a olhava agora, como se estivesse desconcertado, absurdamente surpreso com o que ouvira. E soltou-a, vendo-a afastar-se em direção á porta.
Continua...
NOOSSA como eu tava com saudades dessa fic *-* tbm dpois de seis meses sem postar :S Admito que eu fui muito má ^^
Espero que tenham gostado do cap. :D
Beijo galerinha e não esqueçam de comentar ;**
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