Capitulo XV




- Bem, não preciso de uma bola de cristal para saber o que ela fará assim que souber do testamento. E você precisa me ajudar, Harry. Estou contando com seu apoio!

- Farei o que puder, é claro, mas...

- Mas... o quê? – ela se alarmava. – Está dizendo que não vai me ajudar?

- Não, não é isso, mas não posso imaginar como quer que eu a ajude!

Lilian fingiu secar uma lágrima e respondeu, com voz cansada:

- Acha que aquele testamento é legal?

- Não acho que seja essa a questão. Você acha?

- Mas eu era a esposa dele! Achei que, quando um marido morresse, sua esposa, automaticamente, herdasse seus bens!

- Isso acontece apenas quando o falecido não deixa um testamento, mãe. E, mesmo assim, às vezes acontecem complicações...

Lilian estalou a língua, nos dentes, aborrecida.

- Eu nem sabia que Arthur tinha feito um testamento! – reclamou. – Não me disse nada a respeito... Não acha que ele deveria ter dito algo?

- Talvez, mas, por suas próprias razões, ele decidiu manter tudo em segredo, mãe. Talvez achasse que você não entenderia...

- Se pensou assim, estava certo. Porque não entendo, de fato! Foi a coisa mais estúpida que ele poderia ter feito! Deixar aquela desavergonhada como sua herdeira!

Harry maneou a cabeça antes de responder. Não gostava de ouvir a mãe referir-se a Gina daquela forma.

- Esta casa pertence à família de Gina desde muito antes de Arthur ter se casado com a mãe dela. Talvez ele tenha achado que havia justiça em deixá-la para ela.

- Mas este é o meu lar!

- E foi o dela também. Como foi o de Molly Weasley, muito antes.

- Ah, entendo. Você está do lado dela! Não se importa com o que possa acontecer a mim!

- Não estou do lado de ninguém, mãe. – Ele não se comovia com as lágrimas que via nos olhos dela. Sabia que Lilian podia produzi-las quando bem entendesse. Sempre fora assim. – Acho apenas que você deveria ser mais prática quanto a este assunto.

- Prática? Sabe que posso ser mandada embora de minha casa a qualquer minuto?

Ele respirou fundo, impaciente.

- Como já disse antes, você não sabe se isso irá acontecer.

- Não?

- Bem, se não houvesse encontrado o testamento, não estaria preocupada agora. E, se há algo ilegal nisso tudo, é o fato de você ter aberto um envelope que não lhe estava endereçado. Se houvesse esperado...

- Até depois do funeral? Suponho que vá dizer que eu devia deixar aquele porco do Marcus Venning contar-me a sujeira que Arthur fez comigo! Aposto que ele teria muito prazer em fazê-lo, aquele miserável!

- Está exagerando, mãe. A propósito, quando encontrou o testamento? Estava na escrivaninha de Arthur?

Ela deu de ombros antes de responder com desdém:

- Pois sim! Ele sempre mantinha tudo que era importante trancado no cofre!

- E ele tinha lhe dado uma chave do cofre?

- É claro que não. Deixava-a em uma das gavetas da escrivaninha.

Harry estava estupefato.

- Quer dizer que vasculhou a escrivaninha antes de chamar a ambulância?

- Não, eu sempre soube onde ela estava. Sempre achei que deveria saber para... bem, para qualquer emergência...

- Como morte súbita? – Harry estava sendo cínico mais uma vez.

- Pode deixar de lado esse tom, mocinho! – sua mãe o repreendeu. – Eu não sabia que ele ia sofrer um ataque cardíaco! Parecia estar muito bem de saúde quando saiu de casa na quarta pela manhã.

- E você o viu antes que saísse?

- Bem... não. Você sabe que as caçadas começam muito cedo e depois, com toda aquela neve caindo... Mas imagino que ele tenha saído às oito e trinta, aproximadamente.

- Então, como pode saber?

- Como posso saber que ele estava bem? Porque Nell disse que estava. Ela sempre acorda com o nascer do sol, você sabe.

Harry franziu a testa pensativo.

- E Arthur não teria dito nada sobre estar sentindo alguma coisa antes... na noite anterior, por exemplo?

- Não. Como deve saber, Harry, eu e Arthur já não dormíamos no mesmo quarto havia, pelo menos, dois anos. Sabe como são os velhos. Roncam... Bem, eu achei melhor ficarmos separados, pelo menos à noite.

Harry negou com a cabeça e acrescentou:

- Arthur não era assim tão velho.

- Eu sei, querido, mas muitos casais têm quartos separados hoje em dia. Além do mais, ele também achou melhor assim.

- Achou?

- O que quer dizer com isso? Não está achando que foi por isso que Arthur decidiu fazer aquele testamento, está?

- Não sei... – Como Lilian dissera que o testamento fora feito recentemente, tudo era possível, imaginava. – Nunca se sabe. Ele pode ter começado a achar que você não o amava...

- Harry, como pode dizer tal coisa? Eu o amava muito!

- É. Suponho que sim.

- “Supõe”?! – Ela parecia indignar-se agora, mas Harry ainda se lembrava do que Lilian dissera na primeira vez em que Arthur a convidara para sair. O fato de Arthur possuir Penmadoc e uma clínica veterinária em Rhosmawr, deviam ter contado muito para ela, que vinha lutando já havia algum tempo, como mãe solteira que era, para sustentar-se e ao filho.

Lilian não gostava de Rhoswawr. Harry nasceu em Londres, mas logo depois Lilian se envolvera com um trabalhador norueguês de poços de petróleo e seguira com ele para Cardiff. Harry jamais conhecera seu pai, e o relacionamento de Lilian com o tal norueguês não durara muito tempo. Quando Arthur Weasley aparecera, ela trabalhava como garçonete e agora Harry via que ela devia ter encarado Arthur como sua última chance para ter algo na vida.

E, pelo que se lembrava, não houvera nada de romântico naquela época. Vivera com Lilian em um quartinho pequeno, o que, muitas vezes, dificultava as coisas para ela quando queria trazer algum namorado para casa. Além do mais, houvera dois ou três outros namorados antes de Arthur aparecer. Ele fora, de fato, a salvação de sua vida.

Agora, lembrando-se do passado, Harry imaginava que o destino era, muitas vezes, estranho. Se Lilian não houvesse se oferecido para levar o gatinho da sra. Weaver ao veterinário, provavelmente jamais teria visto Arthur, e jamais teria percebido as chances que se abriam em seu caminho. Ela sempre fora ambiciosa, mas nunca tivera a oportunidade de valorizar sua vida.



Continua...

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