Entre espectros e fantasmas

Entre espectros e fantasmas

Aquela voz aguda e seca era inconfundível. Era Mademoiselle Lautrec.

-“Eu pensei que tivesse sido bem clara com vocês da última vez! EU NÃO GOSTO QUE INVADAM MEUS DOMÍNIOS!”

As garotas se assustaram, mas recuperaram-se depressa.

-“Desculpe, mas nós só estamos de passagem.” – começou Érika, descendo do colchão – “Agora se nos der licença...”

-“Vocês não vão passar!” – gritou Mlle. Lautrec, bloqueando a passagem.

-“Por favor.” – disse Érika, fazendo cara de coitadinha.

-“Essa não é a mesma Mlle. Lautrec que encontramos da outra vez.” – murmurou Nicole – “Vejam os olhos dela, estão vermelhos.”

-“Sim, e daí?” – perguntou Érika.

-“E daí que fantasmas não costumam ter olhos vermelhos!” – explicou Nicole – “Ela está sendo controlada por alguém.”

-“Mas quem? Henry?” – arriscou Alice.

-“Eu acho que não.”

-“VÃO EMBORA!” – gritou a fantasma, avançando para cima das garotas.

-“Corram!” – gritou Érika, ao que as outras obedeceram prontamente.

As três conseguiram desviar por pouco da fantasma, escondendo-se atrás de duas grandes colunas de pedra.

-“Apareçam mocinhas! Vamos conversar!”

-“Ela está louca?” – perguntou Érika.

-“Está sendo controlada, já disse.” – falou Nicole, irritada – “Estão vendo aquele colar no pescoço dela? Deve ser o que a prende a seu controlador.”

De fato, havia um pingente preto preso ao pescoço da fantasma por uma fina corrente prateada.

-“Não sabia que fantasmas usavam colares.” – começou Érika – “E que modelito mais feio!”

-“Precisamos removê-lo!” – disse Nicole, com urgência.

-“PEGUEI VOCÊS!” – gritou Mlle. Lautrec, surgindo em frente às garotas.

-“Depressa!” – gritou Alice, e as três correram novamente.

-“Eu vou acabar com isso agora!” – disse Nicole, parando no meio do caminho e invocando seu talismã da Lua.

Mademoiselle Lautrec parou por um momento, encarando a menina a sua frente. A Lua de Eliot agora iluminava praticamente todo o lugar sozinha. Com um movimento rápido, Nicole segurou o talismã, que se transformou em um enorme machado.

-“Acabou para você.” – disse Nicole, com uma expressão confiante no rosto.

Avançando em direção à fantasma, ela a golpeou com força.

-“O quê?” – fez Alice, se entender.

Nicole havia atravessado a fantasma, sem lhe causar o menor dano.

-“Isso pode ser útil contra espectros, mas com certeza não funciona contra uma fantasma.” – disse uma voz diferente, vinda de trás de uma das colunas.

-“Quem está aí?” – perguntou Nicole, olhando na direção em que a voz vinha.

Luísa de la Paje saiu rindo de trás da coluna.

-“Pensaram que só vocês tinham talismãs?” – disse ela, que segurava um boneco marionete com cabeça de abóbora e corpo de pano – “Este,” – e mostrou o boneco – “é Pumpkin! Como já viram, ele controla fantasmas.”

O boneco tinha os olhos vermelhos e no pescoço um colar exatamente igual ao de Mlle. Lautrec.

Nicole, que parecia extremamente irritada, partiu para cima de Luísa. Porém, antes que pudesse alcança-la, Mlle. Lautrec surgiu em sua frente e a derrubou com um soco. Com a queda, o machado voltou a ser apenas uma pequena lua de prata.

-“Você está bem?” – perguntou Alice, aproximando-se da garota.

-“Vou ficar.” – respondeu Nicole, levantando-se.

-“Como se atreve a controlar uma alma que já morreu!” – gritou Érika – “Deixe-a descansar!”

Luísa riu, jogando os cabelos castanhos para trás.

-“Acho que não!” – e moveu mais uma vez a marionete que segurava.

Obedecendo os comandos do boneco, a fantasma avançou novamente sobre as garotas. Mais uma vez, a única escolha das três foi correr e se esconderem.

-“Érika, o talismã!” – gritou Alice, quando haviam despistado Mlle. Lautrec.

-“Não vai funcionar! Você não viu o que aconteceu com Nicole?” – protestou a garota.

-“Você tem que tentar!” – insistiu Alice.

-“Eu não sei usar um machado!”

-“Não será um machado.” – disse Nicole – “Tente!”

Érika concentrou-se. Logo, a Estrela de Órion estava à sua frente. Imitando o gesto de Nicole, a loirinha tentou pegá-la. Para sua surpresa, o talismã se transformou em um pêndulo.

 -“O que eu faço com isso? Hipnose?” – perguntou ela, balançando o pêndulo de um lado para o outro.

-“É claro que não!” - disse Nicole – “Com ele você será mais ágil do que eu. Use-o para chegar até Luísa e desarmá-la.”

-“Depressa!” – falou Alice, vendo Mlle. Lautrec se aproximar.

-“Agora vocês não me escapam!” – gritou a fantasma.

As garotas correram na direção contrária, rumo ao corredor que Mlle. Lautrec anteriormente bloqueara.

-“Não as deixe passar!” – gritou Luísa, manipulando a marionete em suas mãos.

Mas era tarde demais, as três já haviam entrado no corredor e avançavam cada vez mais.

-“Eu vou dete-la.” – alertou Érika – “Sigam sempre em frente e encontrem o talismã.”

-“Cuide-se.” – recomendou Alice.

-“Vão!”

Nicole puxou Alice e as duas continuaram correndo. De repente, Érika virou-se e encarou a fantasma, que parou de chofre ao vê-la.

-“Certo, Luísa,” – disse a garota – “somos só você e eu agora!”

Luísa de la Paje sorriu perversamente. O boneco e Mlle. Lautrec fizeram o mesmo.

 

            *   *   *

 

-“Esse não é o corredor em que estivemos da outra vez?” – perguntou Alice, enquanto corria.

-“Exato.” – concordou Nicole, diminuindo o passo – “Dessa vez, porém, Mlle. Lautrec não está causando o feitiço que nos confundiu naquela noite.”

-“Muito útil para Henry ter uma amiga que controla fantasmas...”

-“Por aqui!”

As duas andaram mais alguns metros, até que encontraram uma porta.

-“Não está trancada!” – falou Alice, adiantando-se para abri-la.

-“Espere!” – murmurou Nicole – “Não sabemos quantos amigos mais Henry tem. Se ele não estiver aqui, quero que você siga em frente, eu enfrento quem quer que seja.”

Alice confirmou com a cabeça e abriu a porta com cautela.

Diante delas surgiu um corredor iluminado por archotes e completamente deserto. Ainda relutantes, Nicole e Alice começaram a atravessa-lo.

-“Aonde pensam que vão?” – perguntou uma voz masculina.

As duas pararam no meio do caminho. Diante delas, onde o corredor fazia uma curva para a esquerda, surgiu Pedro Almeida.

-“Eu deveria ter imaginado.” – disse Nicole, pouco surpresa.

-“Ah, é claro.” – disse o garoto – “Eu também deveria. Como boa traidora, eu deveria saber que você voltaria aqui para tentar derrubar Monfort.”

-“Monfort? Você o chama de Monfort?” – riu Nicole – “Pensei que a esta altura você já o estaria chamando de Mestre. Você já lambe o chão que ele pisa, não lambe?”

-“Quieta! Vou fazer você ter mais respeito!”

-“Quero vê-lo tentar!”

Com um movimento preciso, já vermelho de raiva, Pedro tirou de dentro do bolso um colar com um pingente em forma de cabeça de hiena.

-“Diga olá” – começou ele – “para Crawler, a hiena!”

Em sua frente, surgiu, rindo esganiçadamente, um animal parecido com uma hiena, mas bípede e com uma postura que lembrava a de um humano.

-“Isso não é uma hiena, seu idiota!” – zombou Nicole – “Felizmente para mim, é um espectro!”

 E dizendo isso, invocou seu talismã e o transformou em um machado novamente.

-“Você eu posso pegar!” – ela sorriu maliciosamente, pouco antes de sussurrar para Alice – “Prepare-se para correr.”

-“Certo.” – murmurou a outra de volta.

-“Pegue-as!” – gritou Pedro.

Crawler avançou para cima das garotas, as presas à mostra. Na direção dele, correu Nicole, machado em punho. Quando os dois se encontraram, a garota golpeou com força o animal, mas este defendeu-se com suas poderosas garras.

-“Alice, agora!” – gritou Nicole, enquanto segurava o espectro.

Alice correu o mais depressa que pode.

-“Volte, seu idiota!” – gritou Pedro à hiena.

O animal largou o machado de Nicole e correu em direção à Alice. Mas James foi mais rápida e bloqueou-lhe a passagem. Irritado, Pedro viu Alice aproximar-se a toda velocidade. Preparando-se para dete-la com suas próprias mãos, o garoto ficou no caminho.

-“Sai da frente, Almeida!” – gritou Alice, em tom de ordem.

-“De jeito nenhum!”

Sem desacelerar, Alice aproximou-se do garoto e o acertou com um soco, que o fez cambalear para trás. Aproveitando a vantagem, a garota dobrou à esquerda e seguiu veloz pelo corredor.

 

*   *   *

 

Sem olhar para trás, Alice continuou correndo. Não demorou muito para que uma incômoda dor no abdome começasse a irritá-la. Cada vez mais sem fôlego, ainda assim ela continuou. Precisava encontrar o talismã do Sol antes que Henry o fizesse. Mas o que ela faria, se ele tivesse um fantasma sob o seu comando, ou uma hiena como aquela de Pedro? Sem dúvidas, ela não teria a menor chance. Mas de uma coisa Alice tinha certeza: ela tinha que tentar.

Um pouco mais adiante, ela viu uma porta surgir à sua esquerda. Assim como a porta anterior, esta estava entreaberta. Espiando pela fresta, Alice viu uma ampla sala com paredes de madeira. Havia uma luz azulada vinda do canto esquerdo do aposento. Com cautela, ela abriu a porta devagar.

-“Entre, não seja tímida.” – disse uma voz que ela reconheceu como sendo de Henry Monfort.

Ganhando confiança, ela abriu rapidamente a porta e entrou na sala, a varinha em punho.

-“Apareça, Henry!” – falou – “Não é mais hora de brincar de esconder.”

O garoto riu.

-“Tem razão,” – disse ele, surgindo de trás de um velho baú – “porque não tornar tudo mais claro?”

Naquele momento, os archotes presos às paredes da enorme sala se acenderam, iluminando ainda mais o lugar. Ao olhar para Henry, Alice notou que era do baú que vinha aquela luz azulada.

-“Deixe-me adivinhar,” – começou o garoto – “você veio aqui tentar me impedir de pegar o talismã do Sol, certo? Muito bem, pegue-o!” – apontou para o baú – “Você venceu, está aí dentro.”

-“Que tipo de brincadeira você está tentando fazer comigo? Não confio em você!”

Ele riu. Sua risada era ainda mais perversa do que a de Luísa e ainda mais aguda e fria do que a da hiena de Pedro.

-“Muito bem. Acontece que sua amiguinha James esqueceu-se de lhe contar que o talismã só pode pertencer a uma pessoa, a verdadeira herdeira de Griffindor: você.”

Alice sentiu seus olhos se arregalarem. Então aquela briga toda era completamente desnecessária? Se ela era a única que poderia possuir o talismã, porque Henry não desistia e ia embora?

-“Mas,” – começou ele, novamente – “se você me entrega-lo, assim, digamos... como um presente, eu poderei controlá-lo.”

-“Você sabe que eu jamais faria isso!”

-“Por mim tudo bem, não precisa ser um ato voluntário. Estupefaça!”

Alice desviou por pouco do feitiço, que bateu na parede atrás dela deixando-a negra. Num ato reflexo, a garota pegou a varinha para se defender, mas sabia que seria inútil, já que ela não conhecia os mesmos feitiços que Henry. O jeito seria imitá-lo.

-“Estupefaça!” – gritou ela.

-“Protego” – defendeu-se Henry, fazendo com que o feitiço ricocheteasse e quase acertasse a própria Alice – “Não adianta, eu sou mais forte do que você!”

-“É mesmo?” – indagou a menina, se não podia ganhar dele com feitiços, ganharia com palavras – “Então porque você não tem um talismã?”

-“Estupefaça!” – gritou ele, novamente.

Mais uma vez, Alice desviou por pouco do ataque.

-“Os seus dois amiguinhos, que você desprezou o ano inteiro, tem talismãs.” – provocou a garota – “Porque você não tem, se é tão poderoso?”

-“Cale-se! Impedimenta”!

-“Protego!”

Infelizmente, o escudo de Alice não foi forte o suficiente contra o feitiço de Henry, fazendo com que a garota fosse empurrada para trás e batesse contra a parede. Rindo, o garoto agora caminhava até ela.

-“Ainda não tenho nenhum talismã, minha cara, porque você vai me dar de presente o mais poderoso de todos.”

Tonta pela pancada, Alice esforçou-se para responder.

-“Não sei o que o faz pensar que isso pode acontecer...”

Ainda rindo, Henry aproximou-se dela, segurando-a pelos cabelos, com força. Rudemente, ele a fez se levantar e ir até o baú. Alice tentava reagir, mas sentia-se completamente sem forças. Largando-a em frente ao baú, Henry deu a volta e ficou atrás do objeto. Abaixando-se para ficar cara a cara com a adversária, ele falou:

-“Agora, abra essa caixinha e me entregue o talismã.”

-“Você... é tão incompetente... ao ponto de não conseguir nem abrir um baú?”

-“Sua...” – em um segundo acesso de raiva, ele agarrou os cabelos de Alice novamente, com toda a força que conseguiu reunir – “Abra, agora!”

-“Imperius!” – disse uma terceira voz, vinda das costas de Alice.

Antes que pudesse ver quem lançara o feitiço, a garota sentiu-se tonta. Henry largou-lhe os cabelos, uma voz agora falava dentro da cabeça de Alice.

-“Pegue o talismã... entregue-o a Henry Monfort... pegue-o, agora.”

Devagar, mas decidida, ela pousou as mãos sobre a tampa do baú e começou a erguê-la.

 

 

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