A Estrela de Órion



A Estrela de Órion


O olhar da garota ia de Alice a Esgaroth, de Carlos a Nicole e desta para Smaug. Por que todos a estavam encarando daquela maneira? Érika estava confusa.


-“O que foi?” – perguntou, por fim.


-“O talismã da estrela, também chamado de Estrela de Órion, representa, em uma única estrela, todas as constelações do céu.” – explicou Nicole – “Foi criado por Ana Amélia Souza James pouco depois de Griffindor ter criado o seu talismã do sol.”


-“Exato!”-  concordou Carlos, passando a mão pelos cabelos antes de prosseguir – “E a mais notável habilidade de Ana Amélia era a de falar com gatos.”


-“Que nem eu!” – empolgou-se Érika, ao que os outros riram – “Esperem aí, vocês não estão dizendo que eu...”


-“Sem dúvidas.” – concluiu Carlos.


Érika sentiu seu queixo cair. Olhou para Alice, que sorria de modo compreensivo.


-“Não pode ser verdade...”


-“Acredite, é verdade.” – disse Esgaroth.


-“Você já sabia?” – perguntou Érika.


-“Não, mas compreendi tudo ao ver a Lua de Eliot.” – respondeu o gato.


-“Smaug...” – disse a garota, já não tendo mais a quem recorrer – “você sabe que não é verdade, não sabe? Diga à eles!”


Solenemente, o gato negro negou com a cabeça.


-“Vocês só podem estar brincando...”


-“Porque é tão difícil acreditar?” – perguntou Carlos.


-“Eu... eu não sei! Parece tão surreal.” – respondeu Érika.


Era visível que ela estava alterada. Algo a impedia de acreditar no que lhe diziam, mas ela não sabia exatamente o que. Provavelmente a impressão que tinha de que não era uma bruxa poderosa o suficiente para ser herdeira de alguém como Ana Amélia James.


-“Você precisa ter confiança!” – disse Nicole, segurando seu talismã.


-“EU NÃO ACREDITO!” – Érika gritou com todas as suas forças.


Naquele instante, uma aura azul a envolveu, fazendo seu cabelo esvoaçar como se uma brisa invisível soprasse. A atmosfera tornou-se densa de poder e todos prenderam a respiração sem perceberem. De repente, uma estrela prateada de seis pontas surgiu em frente à Érika, presa a seu pescoço por um fino cordão de prata.


-“O...o quê?” – disse a garota, confusa, quando tudo cessou.


-“Esta é a Estrela de Órion.” – explicou Smaug.


-“Impossível.” – murmurou a menina.


-“É tão possível que agora, graças ao seu poder, todos nós entendemos seus gatos.” – disse Carlos.


-“Meu poder os fez felinoglotas?”


-“Algo assim, não sei, ainda não compreendi perfeitamente o fenômeno.” – explicou o garoto.


-“Tudo isso é tão... confuso.”


-“Eu sei, me sinto assim também.” – falou Alice, aproximando-se da amiga.


Nicole olhou para a duas de maneira inexpressiva. Num gesto rápido, puxou um pedaço do cabelo e começou a trançá-lo.


-“Acho que você receberam informações demais hoje. Estão confusas, o que é normal. Eu também estou.” – prendeu a ponta da trança e continuou – “Admito que preciso de um tempo para reorganizar as idéias. Amanhã conversaremos novamente.”


Com um gesto de despedida, a garota virou-se em direção à porta.


-“Nicole!” – chamou Alice, antes que ela saísse.


-“O que foi?” – virou-se a outra, num tom quase agressivo.


-“De quem é a águia?”


Nicole sentiu seus olhos se arregalarem, mas sorriu.


-“Pergunte ao McLean.” – disse, e saiu da sala.


Alice olhou para Carlos, que tinha no rosto um sorriso maroto.


 


*      *      *


 


-“Então, a águia era sua?”


-“Ainda é minha, Alice.” – disse Carlos, enquanto os dois caminhavam pelos gramados da escola – “O que vocês devem ter visto foi Nicole respondendo uma de minhas mensagens.”


-“Entendo.”


Os dois haviam se despedido de Érika, Esgaroth e Smaug há poucos minutos e agora conversavam sobre os recentes acontecimentos. De repente, o garoto parou, olhou para o céu e assoviou. Logo em seguida uma enorme águia marrom surgiu no horizonte. Ela vinha em um vôo rápido e ágil, como é característica dos animais de sua espécie. Ao avistar o dono, o animal diminuiu a velocidade e planou devagar, até pousar no braço de Carlos.


-“Alice, está é Háthor.” – disse ele.


-“É linda!” – falou a garota, impressionada com a magnitude do animal.


-“Háthor, Alice é minha amiga, por isso, se ela precisar de alguma coisa, você deve ajudá-la, está bem?”


Como resposta, a águia deu um bicadinha de leve na orelha do garoto.


-“Você fala com águias, como Érika fala com gatos?” – perguntou Alice, sorrindo.


-“Não.” – Carlos também sorriu. – “Mas Háthor é muito inteligente. Você ficaria surpresa.”


Alice observou os olhos atentos da ave, sua bonita plumagem marrom, seu bico afiado e suas garras ameaçadoras.


-“Quer tocar nela?”


-“Eu posso?”


-“Sim. Não tenha medo, ela já entendeu que você é uma amiga.”


Devagar, Alice estendeu os dedos até encostar nas penas atrás do pescoço da águia. Sentiu a maciez e o calor do corpo dela entre seus dedos. Pouco tempo depois, retirou a mão.


-“Excelente, Háthor, pode ir.” – disse Carlos, ao que ela obedeceu prontamente.


-“Ela é muito obediente!” – observou Alice, ao que o garoto sorriu – “Você usou magia para treiná-la?”


-“Mais ou menos...” – ele respondeu, em meio a um sorriso.


Os dois recomeçaram a andar, tomando a direção do campo de quadribol.


-“Alice, eu vi que você ficou bem impressionada quando soube que Nicole e eu estávamos trabalhando juntos para encontrar os outros talismãs dos astros e seus herdeiros.”


-“Tem razão.” – falou a menina – “Depois de todos os seus avisos e conselhos! Você já percebeu que poderia ter nos contado toda a verdade desde o início?”


-“Eu não poderia ter lhe contado nada sem ter certeza de que você tinha alguma relação com os talismãs.” – explicou Carlos.


-“Mas Nicole mostrou a Lua de Eliot a Henry sem ter certeza se ele era herdeiro ou não de Griffindor!” – exaltou-se Alice.


-“Você não entende! Ela sentiu em Henry uma força muito poderosa, por isso pensou que ele tivesse o talismã do Sol.”


-“Mas ela estava enganada!”


-“Você tem razão, ela se enganou. Você também, se estivesse bem treinada no uso de seus poderes, teria sentido em Monfort uma imensa força mágica e poderia ter se confundido.”


Alice o encarou com uma expressão incrédula, ao que Carlos continuou:


-“Achamos que Henry possui outro tipo de talismã.”


-“Outro tipo? Existem outros talismãs?”


-“Existem muitos.” – ele suspirou, seu olhar varreu os terrenos de Amgis – “Vamos voltar?”


Alice fez um sinal afirmativo com a cabeça e os dois deram meia volta em direção ao casarão.


-“Quando os primeiros bruxos começaram a criar talismãs para controlar pequenos elementos da natureza, a prática virou moda e logo todos queriam ter seus próprios talismãs.” – explicou Carlos, olhando fixamente para as janelas da escola, que agora iluminavam-se por dentro. O sol estava se pondo do outro lado.


-“Mas... quantos existem?” – perguntou Alice, ao que ele virou-se para encará-la.


-“Ninguém sabe ao certo.”


 


*      *      *


 


Acompanhada por Esgaroth e Smaug, Érika andava pelos corredores de Amgis em direção aos dormitórios da casa de Safira. Ainda muito atordoada com tudo o que havia visto e ouvido, a garota não parava de mexer na Estrela de Órion, que continuava presa a seu pescoço.


-“Agora você terá que cuidar muito bem desse talismã.” – dizia-lhe Esgaroth, enquanto os três subiam a escadaria principal – “Apesar de aumentar seus poderes mágicos, ele poderá lhe trazer problemas.”


-“Você não vai contar isso para a mamãe, ou vai?” – perguntou Érika, parando de repente para encarar o gato.


-“Se a senhorita não o fizer, será minha obrigação.” – afirmou ele, categórico.


A menina suspirou, trocou com Smaug um olhar cúmplice e tornou a galgar os degraus.


-“Não entendo como uma coisa dessas pôde parar nas minhas mãos.” – comentou, olhando para o talismã, mas escondendo-o depressa ao ouvir passos se aproximarem pelo corredor.


O velho Tobias vinha no sentido contrário, com seu toc-toc característico perseguindo-o e o papagaio ao ombro. Lançando um olhar desconfiado, ele perguntou à garota com sua voz rouca de pirata:


-“Aonde a senhorita vai?”


-“Vou ao meu dormitório.” – respondeu ela, segurando-se para não dar uma resposta malcriada.


-“Espero que não esteja planejando soltar nenhuma bomba de bosta essa noite.”


-“Nenhuma bomba de bosta essa noite! Nenhuma bomba de bosta! Crááa!” – fez o papagaio.


-“Não, senhor.”


-“Muito bem,” – começou ele, já dando as costas à garota e retomando seu caminho – “porque se eu sentir o mais leve cheiro de bombas de bosta essa noite, a senhorita e sua amiga estarão encrencadas, muito encrencadas!”


-“Muito encrencadas! Muito encrencadas!”


-“Muito encrencadas!” – fez Érika, imitando a voz do papagaio quando o velho Tobias já estava longe.


-“Posso comer aquele saco de penas, lourinha? Posso?” – perguntou Smaug, malicioso.


-“Se não deixar pistas, pode.”


-“De jeito nenhum!” – protestou Esgaroth.


-“Ora, eu só estava brincando, Esgaroth! Relaxe!” – disse Érika.


Procurando o talismã com os dedos, ela notou que ele não estava mais lá.


-“A Estrela!”


-“O que foi?” – perguntou Smaug.


-“Estava aqui quando o velho Tobias apareceu, mas agora... sumiu!”


-“Não se assuste.” – começou Esgaroth – “Deve ser preciso muita energia mágica para mante-la presente. Você se cansou, então ela sumiu.”


-“Mas não me sinto cansada!” – protestou Érika.


-“Deve estar.” – disse o gato, num tom de quem encerra o assunto.


Nesse momento, os três chegaram aos dormitórios de Safira. A garota havia acabado de entrar quando Álvaro a interpelou.


-“Teremos treino de quadribol amanhã.” – disse ele, parecendo animado – “Nossas últimas partidas do ano estão cada vez mais próximas e precisamos vencê-las.”


-“Ah... é... sim, quer dizer, certo.” – gaguejou Érika, assustada por ter sido pega de surpresa.


-“Dez horas da manhã em ponto, no campo de quadribol.” – completou Álvaro, saindo da sala comunal em direção ao corredor.


-“Dez horas, certo.” – repetiu a garota, afim de se lembrar.


A sala comunal de safira estava praticamente vazia. Exceto pela equipe de quadribol, apenas alguns primeiranistas e veteranos tinham decidido passar as férias na escola.


-“Amgis está tão vazia que desanima qualquer um!” – comentou Érika, caminhando em direção ao dormitório feminino – “Escutem,” – disse para os gatos – “vou tomar um bom banho demorado para ver se assimilo melhor essa história. Vejo vocês depois. Só lembrem-se de, por favor, não sumirem.”


-“Falou, chefia.” – disse Smaug, virando-se para sair do aposento.


-“Procure dormir depois. Nada melhor do que uma boa noite de sono.” – aconselhou Esgaroth, também saindo.


Érika sorriu e entrou no dormitório. No amplo e azul banheiro feminino, ela trancou a porta e caminhou até a banheira. Durante alguns segundos, ficou examinando com o olhar as torneiras, como se estivesse tentando decidir qual deveria experimentar, atitude completamente desnecessária, já que ela conhecia aquelas torneiras de cor.


Acordando de uma espécie de transe, ela sacudiu a cabeça e abriu as três torneiras de sempre. Enquanto esperava a banheira encher, sentou-se na borda e começou a escovar os cabelos, pensativa. Não era a primeira vez que ela recorria a um longo banho de banheira para relaxar. Fizera isso depois das desastrosas partidas de quadribol que jogara e depois de receber o primeiro e o segundo boletim. Agora que acabara de descobrir ser uma espécie de reencarnação de Ana Amélia James, ela esperava que o método funcionasse uma vez mais.


Após provar a temperatura da água com a pontinha dos dedos, ela passou as pernas para dentro e mergulhou na banheira. Debaixo da água quente, sentindo a espuma em volta de seu corpo, ela suspirou. Nunca imaginara que seu primeiro ano em Amgis seria tão cansativo. Primeiro, todo o estresse do quadribol; depois as notas baixas e toda aquela investigação maluca ( sim, agora ela percebia o quão insano fora aquilo tudo ) sobre Nicole e Henry e agora... bem, agora ela possuía um talismã com influência sobre as estrelas.


- Sobre todas as constelações do céu


Perdendo o fôlego, ela emergiu.


- O que eu vou fazer agora? - pensou ela - Não tenho a menor idéia de como controlar isso... essa estrela... esse talismã, ou seja lá o que for.


Érika suspirou novamente.


-“E o pior,” – disse para as paredes azuis que a cercavam – “é que Henry não desistiu de ter o talismã do Sol e virá atrás de Alice.” – ela mordeu o dedão, pensativa – “Temos que encontrá-lo antes que Monfort o faça! Mas onde estará?”


Respirando fundo, ela mergulhou de novo. Porém, voltou à tona mais depressa do que na vez anterior.


-“Já sei!” – gritou, e sua voz ecoou diversas vezes pelo banheiro.


 


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