Algo sobre Gryffindor
Algo sobre Gryffindor
Misturando o torpor do sono com seus pensamentos confusos, Érika andou sem rumo durante alguns minutos. Quando saíra do salão, estava decidida a ir para o gramado e sentar debaixo da velha figueira. Agora, no entanto, não tinha mais certeza do que queria.
Quando parou de andar à esmo pelo casarão, viu-se nos porões, completamente sozinha. Tentando reorganizar as idéias, ela sentou-se na escada e lá ficou durante algum tempo. Cansada, adormeceu.
Sonhou que estava voando, mas não conseguiu distinguir o lugar. Tudo passava por ela como um borrão, mas aquilo não a incomodava. Ela estava voando em sua vassoura, estava livre.
De repente, porém, outras pessoas apareceram a seu lado. A primeira delas foi Alice, seguida por Alexandre. Érika não pôde deixar de se surpreender com a habilidade que os dois demonstravam sobre suas vassouras. Em seguida, vieram Carlos, Nicole e a professora Jacobs e os seis passaram a voar juntos.
Pouco tempo depois, surgiram Álvaro, Sarah e toda a equipe de quadribol de Safira. Não havia problema nenhum durante o vôo. Eles passavam uns pelos outro, faziam curvas, davam voltas. Érika sentia-se imensamente bem.
No entanto, outra aparição surpreendente a assustou. Eram Esgaroth e Smaug, que pilotavam juntos a mesma vassoura. Smaug dizia que viera obrigado pelo outro, e Esgaroth mandava a garota descer e ir estudar.
-“Seu teste sobre aicnamitiria tcheca será em poucos minutos!” – disse o gato, em tom de urgência.
-“Mas eu nem curso essa matéria!” – protestou Érika.
-“É claro que cursa! Se sua mãe viesse o tamanho de sua irresponsabilidade ficaria decepcionada! É um absurdo não conhecer todas as matérias que você cursa!”
A garota começou a se desesperar e distraí-se, o que a fez cair da vassoura.
-“Aaahh!”
Seu grito foi em sonho, mas a queda em seu subconsciente a fez despertar. Após se acalmar, ela se levantou para sair, mas ouviu vozes vindas do andar de cima – alguém estava descendo as escadas que levavam aos porões.
* * *
Nicole estava agitada. Apesar das noites maldormidas, das refeições cada vez mais rápidas e reduzidas e do cansaço latente que sentia em seu corpo, um resquício de energia ainda queimava em seu interior.
Após duas xícaras de café preto sem açúcar ela deixou o salão principal rumo ao terceiro andar. Com ela, somente seus pensamentos acelerados pela dose de cafeína. Na metade do caminho, encontrou-se com Paulo Fernandes.
-“Alguma novidade?” – perguntou ele, sério.
Nicole limitou-se a balançar negativamente a cabeça, ao que os dois seguiram andando na mesma direção.
-“Henry não está mais colaborando como deveria.” – começou a garota –“Talvez ele não seja realmente quem procuramos.”
-“Era o que...”
-“Eu sei!” – interrompeu ela, visivelmente irritada – “Eu sei que já me disseram isso antes, mas eu não levei a sério.”
-“Não acreditou?” – perguntou Paulo, parando para encará-la.
-“Acho que não tive coragem. Mas e você, acreditou?”
-“Não.” – admitiu ele.
-“Entendo...”
Os dois ficaram em silêncio durante algum tempo, até que Nicole suspirou e continuou a conversa.
-“Acho que ele está nos traindo.”
Paulo pareceu alarmado com a informação.
-“Traindo? Como?”
-“Passando informações para o lado errado.” – explicou a garota, parecendo cansada – “Ele vai comprometer tudo...”
-“Não podemos pará-lo?”
-“Você sabe que eu preciso de autorização para pô-lo contra a parede.”
-“Então peça a porcaria da autorização!”
Eles se encararam por um momento, avaliando-se mutuamente. No início do ano, Nicole pensara que Paulo Fernandes fosse apenas um oportunista com algumas informações a mais. No entanto, com o passar do tempo, mostrou-se uma pessoa muito astuta e inteligente, mesmo que enérgica de vez em quando.
Paulo considerava os olhos azuis de Nicole como os mais belos que ele já vira, mas também como os mais violentos. Na abertura do ano letivo, quando conversaram pela primeira vez sobre o ‘negócio’ dela, ele sentira que ela não o levara a sério, mas não se preocupou, já que teria o ano inteiro para lhe provar o contrário.
-“Vamos procurar a Marlon.” – disse Nicole, por fim.
Paulo sorriu ao ouvir as palavras dela.
* * *
Quando Alice chegou à biblioteca, esta estava aberta há apenas cinco minutos. Muito surpresa em ver uma estudante lá tão cedo, a bibliotecária seguiu os movimentos da garota com um olhar exageradamente curioso.
Procurando não se importar com a atitude da mulher, Alice adiantou-se para o balcão e pediu todos os livros da biblioteca sobre Griffindor.
-“Todos?” – assustou-se a bibliotecária – “Ora, a senhorita vai chegar ao sétimo ano e não vai conseguir ler todos, mesmo que não faça mais nada em sua vida! Mas vou lhe indicar os melhores.”
Ao conversar com Alexandre durante o café-da-manhã, ela se dera conta de que se esquecera completamente de pesquisar algo sobre Griffindor. Afinal, Henry não dissera que era Griffindor? Ela não sabia o que aquilo significava, mas com certeza significava algo.
Minutos depois, uma pilha com cerca de cinqüenta grossos volumes enchia a mesa em que a garota se instalara para pesquisar. Suspirando, Alice abriu o primeiro.
Pouco mais de meia hora e muito trabalho depois, nenhum resultado havia ainda aparecido. Começando a perder a paciência, Alice buscou forças para não desistir e ir curtir suas férias de inverno como todo mundo: nos gramados, não na biblioteca de Amgis.
-“Godric Griffindor?” – disse baixinho uma voz às suas costas.
-“Carlos! Você quase me matou de susto...”
-“Mesmo? Está escondendo algo, por acaso?”
-“Não de você.”
-“Bom para a senhorita.” – disse ele, sentando-se – “Porque não ia conseguir, se tentasse.”
-“E o que lhe dá tanta certeza?” – provocou ela.
-“Acredite, não vai querer saber...” – ele balançou a cabeça e mudou de assunto – “Não procure Godric, não vai ajudar.”
-“O que?” – falou Alice, sem entender.
Carlos fingiu não ouvir e puxou um dos livros da pilha.
-“Gabriela, George, Guilherme... não, isso definitivamente não vai ajudar. Por que você não procura Gabriel Griffindor?”
Ele puxou um dos últimos livros da pilha intitulado ‘A Lenda dos Três’ e começou a folhea-lo rapidamente.
-“Por que está me ajudando?”
-“Aqui, veja:” – recitou o garoto – “Gabriel Griffindor foi um dos três fundadores da Escola de Magia e Bruxaria de Amgis. Seu estudo sobre as Ervas do Sol é muito conhecido em todo o mundo, embora muitos bruxos não lhe dêem o devido crédito...”
-“Por que você está me ajudando?”
-“Foi a pedido dele que o sol foi inserido como um dos símbolos da escola...”
-“Por que você está me ajudando?” – Insistiu Alice, puxando o livro das mãos dele para impedi-lo de continuar lendo.
-“Porque eu estava certo, e Nicole errada.” – disse ele – “Porque você tem olhos dourados, não Henry. E céus, sua amiga conversa com gatos!”
-“Carlos, você está bem? Está delirando? Porque sinceramente, eu não estou entendendo nada...”
-“Vem comigo.” – interrompeu ele, puxando a garota pelo braço, mas sem machucá-la.
-“Para onde?” – perguntou Alice, cada vez mais confusa.
-“Ainda não sei.”
* * *
Henry corria pelo casarão esbarrando nas pessoas, empurrando-as para os lados e tirando do caminho qualquer um que lhe atrasasse a passagem.
-“Tontos! Não sei como podem andar tão lentamente!”
Estava irritado, inquieto, mas tinha uma decisão tomada. Precisava agir depressa porque tinha uma idéia muito clara sobre aonde procurar o que queria.
- “Não é somente algo que eu quero,” - pensava ele - “é algo que tenho o direito de possuir.”
E com um sorriso nos lábios, correu em direção à sala comunal de Ametista.
Quando entrou no aposento, encontrou exatamente o que esperava: Luísa e Pedro jogando xadrez de bruxo.
-“Quando vocês vão aprender a largar esse jogo idiota e fazer algo de útil?” – perguntou, ríspido.
Os dois limitaram-se a encará-lo.
-“O que você quer?” – disse Luísa, por fim.
-“Preciso da ajuda de vocês. Não passaram o ano inteiro querendo saber o que eu estava procurando? Bem, chegou a hora de descobrirem, venham comigo!” – falou Henry, mas acrescentou com um tom ameaçador – “Mas só se tiverem coragem.”
Luísa e Pedro se entreolharam indecisos, mas levantaram-se logo em seguida.
-“O que exatamente vamos procurar?” – perguntou Luísa, erguendo as sobrancelhas.
-“Eu explico no caminho.”
Pouco tempo depois, os três estavam chegando às escadas que levavam aos porões.
* * *
Érika apurou os ouvidos. Tinha a impressão de conhecer aquelas vozes, mas não tinha certeza de quem eram seus donos. Seria bom ser encontrada lá? Não seria nada anormal uma estudante ser encontrada em uma ala da escola, mesmo que fosse época de férias e essa ala fosse a dos porões. Será?
- “Pensa rápido, Érika, pensa rápido.” - disse para si mesma – “Ou você some, ou você encara quem quer que seja.”
-“Não lhe parece estranho que esteja nos porões?” – disse uma voz, que a garota reconheceu como sendo de Luísa de la Paje.
-“Eu sei que destoa um pouco das preferências de Griffindor, mas é exatamente o que ele gostaria que pensássemos.” – respondeu um garoto, que era, sem dúvidas, Henry Monfort.
-“Entendo o que quer dizer.” – disse, outra vez, a garota.
- “Então é Henry quem está descendo as escadas!” - pensou Érika – “Melhor não ser vista.
Assim, ela andou pelo corredor até encontrar a sala de Poções. Rezando para que a professora Fernandes não estivesse lá, ela arrombou a porta e entrou. À meia-luz de umas poucas velas acesas, a sala adquiria um aspecto assustador. Os vários frascos das prateleiras, contendo líquidos estranhos e coloridos, refratavam a luz e a refletiam nas paredes, deixando-as coloridas e brilhantes. Ao mesmo tempo em que era um belo espetáculo, era um tanto assustador. Érika sentiu-se como em uma catedral gótica, cheia de virais coloridos, mas, ao mesmo tempo, fria e assustadora.
Do lado de fora, vinham as vozes de Henry, Luísa e Pedro Almeida, mas a garota não pôde distinguir o que diziam. Arriscando-se, ela abriu a porta devagar e viu que o pequeno grupo estava de costas para ela. Os três pareciam examinar a parede do fundo do corredor tão absortamente, que Érika arriscou-se em sair da sala de Poções. Abriu a porta devagar, esgueirou-se para fora e correu o mais depressa que pôde.
* * *
Carlos guiou Alice até uma sala vazia no térreo, entre a sala de Transfiguração e a de Defesa Contra as artes das Trevas.
-“Você vai me explicar o que está acontecendo?” – perguntou a garota, assim que entraram.
-“Vou, mas não sozinho.” – respondeu Carlos, com um tom de urgência na voz – “Promete que vai me esperar aqui? Eu não demoro.”
-“Está bem.”
Assim, o garoto saiu da sala e disparou pelo corredor.
Confusa, Alice olhou ao seu redor e viu que a sala tinha duas portas, uma que dava para o corredor, outra que se abria para o pátio interno. Abrindo a última, ela viu a fonte dos astros e alguns alunos que passavam pelo lugar. Não querendo ser notada, ela fechou a porta depressa.
Após alguns segundos sozinha, a garota resolveu dar uma espiada no corredor, esperando encontrar algum sinal de que Carlos estivesse voltando. No entanto, ao abrir a porta, viu Érika correndo, com Esgaroth e Smaug em seus calcanhares.
-“Érika, aqui!”
-“Alice? O que você está fazendo aí?”
-“Depressa, entre!”
Assim que os três entraram, Alice bateu a porta e dirigiu-se a cadeira mais próxima.
-“Senta aí, tenho uma coisa para lhe contar.”
-“Não, eu tenho o que contar!” - insistiu Érika – “E quero que vocês prestem muita atenção.” – disse para os gatos – “Foi muita sorte eu os ter encontrado no corredor, porque talvez vocês possam me ajudar.”
Os dois lançaram olhares surpresos à dona. Alice também estava curiosa.
-“O que aconteceu de tão urgente?” – perguntou.
-“Eu estava nos porões. Não sei como fui parar lá, só se que acabei adormecendo na escada.” – começou Érika, ao que Esgaroth lhe lançou um longo olhar de censura –“Quando acordei, escutei a voz de Henry.”
-“Ele a viu lá?”
-“Não, Alice, eu arrombei a sala de Poções e me escondi lá. Depois de algum tempo, espiei e vi um grupinho ‘examinando’ a parede do fundo do corredor. Junto com Henry estavam Luísa de la Paje e Pedro Almeida.”
-“Estranho Nicole não estar com eles.” – comentou Alice.
As duas ficaram em silêncio durante algum tempo, até que Alice se lembrou.
-“Ei! Acho que isso está relacionado com a conversa entre Henry e o homem misterioso, na enfermaria. Monfort deve ter finalmente abandonado Nicole.”
-“Deve ser... sabe, escutei eles mencionarem que os porões não combinavam com o estilo de Griffindor, ou algo assim.”
-“Griffindor de novo...” – murmurou Alice.
-“O que tem?”
-“Eu estava na biblioteca, pesquisando sobre Griffindor, quando Carlos apareceu.” – explicou ela – “Ele me falou várias coisas estranhas, sobre Gabriel Griffindor, sobre Nicole estar errada e sobre sua habilidade de falar com gatos.”
-“Que estranho!” – disse Érika, coçando a cabeça.
-“Talvez nem tanto. Talvez nós só não estejamos conseguindo juntar as pistas certas, porque está tudo ligado aos fundadores, não tenha duvidas quanto a isso!”
-“Mas eles estão todos mortos há séculos! Não deixaram nenhum registro, nenhum deles virou um fantasma... como vamos chegar ao fundo disso sem ajuda?”
-“E quem disse que vocês não terão ajuda?” – disse uma terceira voz.
As duas viraram-se e encontraram Nicole James parada no limiar da porta. Carlos vinha logo atrás.
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