A Escola de Magia e Bruxaria d
A Escola de Magia e Bruxaria de Amgis
-“Smaug, por onde você andou?”
-“Eu estava eh... rodando por aí!”
Érika lançou um olhar desconfiado ao gato, que se apressou em mudar de assunto, já que Esgaroth vinha se aproximando. - Não é bom falar sobre isso perto do grande ‘Sabe – Tudo’, contarei a história toda para Érica quando chegarmos em Amgis e estivermos longe dessa bola de pêlos arrogante.
-“Não me olhe assim, lourinha! Eu juro que não fiz nada! Mas onde está sua mãe? Acho que já deve estar na hora de irmos para casa.” – desconversou Smaug.
-“Certamente que está na hora de irmos para casa.” – disse Esgaroth. – “Estávamos todos esperando que você aparecesse! Agora vamos, a Sra. Marinho nos espera na cafeteria.”
Os três saíram da loja de livros em direção à cafeteria, onde encontraram a Sra. Marinho, pegaram a rede de mirflu e chegaram em casa.
Érika correu para seu quarto, queria ver tudo o que tinham comprado uma vez mais antes de colocar na mala. Verificou se estava tudo em ordem com seus ingredientes para poções, folheou todos os livros que comprara e vestiu uma vez mais o uniforme de Amgis – ao qual ela duvidava seriamente que se acostumaria tão cedo.
Estava se olhando no espelho, tentando descobrir a melhor posição para o chapéu de bruxa, se caído para o lado direito ou para o esquerdo, quando sua mãe entrou no quarto.
-“Empolgada para o seu primeiro ano de escola?”
-“Estou!” – respondeu ela, sorridente. – “Mas não consigo me acostumar com estas vestes, são tão... bruxas!”
-“Com certeza que são muito bruxas!” – riu a Sra. Marinho – “Mas Érika, deixe-me lhe falar umas coisas, sente-se aqui.”
As duas sentaram-se na cama, a Sra. Marinho virou-se de frente para a filha:
-“Minha querida, o dia de sua ida até a escola está se aproximando, e como você sabe, Amgis é um colégio interno. Então, eu queria que você entendesse que, a partir do momento em que pisar naquela escola, você não é mais criança. O seu primeiro ano em Amgis é o primeiro passo para ser uma bruxa adulta, é o primeiro passo de uma estrada que nem sempre é fácil, mas que é necessária. Eu só queria que você soubesse que eu confio muito em você, e que você pode contar sempre comigo, está bem?”
-“Está bem, mãe.”
A Sra. Marinho sorriu.
-“Bom, chega de lorotas, seu pai lhe mandou uma carta, aqui está.” – e entregando um pacote para a filha, ela saiu do quarto.
Érika rasgou o pacote e descobriu um caderno com uma capa de couro azul em que estava escrito em letras prateadas: Érika Marinho. Junto com o caderno vinha uma carta, não digitada e impressa em papel sulfite como era costume de seu pai, mas manuscrita em pergaminho.
Intrigada com o presente não menos do que com a carta, a menina desdobrou o papel e começou a ler.
Querida filha,
Meus parabéns pelo seu ingresso na Escola de Magia e Bruxaria de Amgis! Soube por sua mãe, embora preferia ter recebido a notícia por você. Mas isso não importa, estou muito orgulhoso de você e sei que se sairá muito bem nessa nova fase da sua vida, e isso é o essencial.
Ora, o seu primeiro ano em Amgis é o primeiro passo para ser uma bruxa adulta, um processo nem sempre agradável, mas essencial. Assim sendo, lhe envio este caderno para que lhe sirva como diário, pelo tempo que você julgar necessário. Nele você poderá escrever suas idéias, experiências e emoções nesse novo mundo que está se abrindo para você agora, o mundo bruxo.
Espero que gostes.
Com amor,
Papai.
P.S.: Vovó manda lembranças. Ela quis saber se você vai continuar tendo aulas de Francês na nova escola, então eu lhe disse que sim. Se ela perguntar, diga que você tem Francês em Amgis, ok?
Érika riu das últimas linhas, mas ao revisar a carta sentiu-se mal por não ter escrito para contar ao pai sobre Amgis. Dobrou o pergaminho, analisou o presente e acabou concluindo que não seria má idéia ter um diário. Para ela, o que parecia mais incrível naquilo, era o modo assustador como seu pai e sua mãe eram parecidos. “Seu primeiro ano em Amgis é o primeiro passo para ser uma bruxa adulta, um processo nem sempre agradável, mas essencial.” - não foi exatamente aquilo que sua mãe dissera?
Cada vez entendo menos o motivo de eles terem se separado... - Foi com esse pensamento que ela despiu o uniforme de Amgis e entrou no chuveiro.
Cinco dias depois, o dia da viagem à Amgis finalmente despertara.
Era um dia claro de sol, como a maioria dos dias no Rio de Janeiro naquela época do ano. A praia de Copacabana, em frente à mansão Marinho, estava lotada como de costume, mas os moradores da casa não estavam nem um pouco interessados no mar naquele momento.
-“Depressa, Érika! Você já está atrasada, minha filha!”
-“To indo, mãe!”
Com uma bolsa estilo carteiro balançando ao lado e Smaug em seus calcanhares, Érika desceu as escadas até a sala de estar.
-“Tudo pronto?”
-“Sim, mãe, tudo em ordem.”
-“Ótimo, então vamos.” – disse a Sra. Marinho, adiantando-se para a frente de um enorme espelho com moldura dourada. –“Você vai na frente com Esgaroth, Smaug e eu iremos em seguida, levando sua mala.”
A menina acenou com a cabeça e pegou um punhado de pó de mirflu do pote que sua mãe lhe estendia. Ela atirou o pó no espelho, entrou e disse:
-“Estação Ana Amélia James!”
Alguns segundos depois, ela viu-se no chão de uma imensa estação rodoviária, cercada de bruxos e bruxas por todos os lados.
- Não acredito que cai de novo! Não entendo essas viagens de mirflu, eu nunca sei quando vou ser empurrada para frente! - pensou ela, enquanto se levantava.
-“Uau! Eu nunca tinha vindo aqui antes, este lugar é enorme!” – ela ouviu uma voz conhecida dizer. Olhou para baixo e viu que Esgaroth acabara de chegar, com sua costumeira leveza de gato.
-“Esgaroth, eu o invejo, como você nunca cai quando sai de um espelho?”
-“Minha cara, veja bem, nós gatos sempre caímos com as quatro patas no chão. Ou seja, por essa linha de raciocínio, nós nunca caímos! Estranho isso, não? Mas ainda assim, é uma característica que temos desde que o mundo é mundo e os gatos são gatos. Além disso...” – ele teria continuado se pudesse, mas foi interrompido pela chegada da Sra. Marinho e de Smaug.
-“Depressa,” - disse a bruxa – “o ônibus sairá em poucos minutos!”
Os quatro atravessaram a estação em direção às plataformas que estavam reservadas ao embarque dos alunos de Amgis. Enquanto caminhavam, Érika foi observando aquele estranho lugar no qual pisava pela primeira vez.
A estação rodoviária Ana Amélia James era como uma estação de ônibus trouxa. De um lado, havia um comprido balcão onde vários atendentes bruxos vendiam passagens para os mais diversos lugares do país; de outro, estavam as plataformas com os ônibus estacionados. Mas Érika reparou que não havia portas que levassem à saída da estação. Todos os bruxos que chegavam ou saíam utilizavam passagens de mirflu ou aparatavam.
Tão concentrada em acompanhar o vai-e-vem de bruxos pelo lugar, ela nem reparou nas últimas sete plataformas, as de número 11 a 17. Naquelas plataformas estavam os sete ônibus mais esquisitos que Érika já vira. Enquanto todos os outros veículos do lugar eram cinza prateado, aqueles sete eram verde-escuros, com o desenho de um sol, com uma lua à direita e uma estrela de seis pontas à esquerda.
-“Érika, aonde você está indo?”- ela ouviu sua mãe dizer.
-“O que?” – quando deu por si, ela já estava chegando à plataforma n° 16, mas sua mãe e os gatos ainda estavam parados na 11ª, onde uma aglomeração de bruxos e bruxas despedindo-se de seus filhos começava a se formar. Corando de vergonha, Érika refez seus passos até onde sua mãe estava.
-“Esse ano você embarca na plataforma 11, minha querida.” – explicou a Sra. Marinho. –“Cada um destes sete ônibus leva os alunos de uma das séries de Amgis.”
Érika fez um “Ah!” de entendimento, ao que a mãe continuou:
-“Já está na hora de você embarcar, suba que eu vou providenciar para que guardem sua mala.”
-“Certo, mãe.”
-“Cuide-se, minha filha, tenha uma boa viagem e preste muita atenção em tudo o que fizer na escola.”
As duas se abraçaram e a menina subiu para o ônibus, acompanhada por Smaug. Por sorte, encontrou um lugar vago em um dos últimos lugares. Ela espiou pela janela e viu que sua mãe lhe acenava, segurando Esgaroth no colo. O ônibus acelerou e começou a dar marcha ré para sair da plataforma.
-“Não se esqueça de escrever quando chegar!” – foi a última coisa que ela ouviu sua mãe gritar.
Mal ela havia se sentado no assento da janela ( já que o ônibus tinha três poltronas de cada lado do corredor ) e colocado Smaug em seu colo, uma garota de cabelos castanhos e curtos apareceu.
* * *
Alice tinha chegado em cima da hora para embarcar no ônibus e agora procurava um lugar vago para sentar-se. Já estava chegando ao final do corredor quando avistou uma garota loira sentada sozinha, teve a impressão de que já a conhecia, mas não conseguiu se lembrar de onde.
-“Posso me sentar aqui?” – perguntou ela.
-“Claro, sinta-se à vontade.” – Érika respondeu, mas olhando melhor para a garota ela teve a sensação de que não era a primeira vez que a via.
Alguns segundos depois, ela gritou:
-“Lembrei!”
A garota ao seu lado assustou-se. Mais da metade das pessoas que estavam no ônibus esticaram o pescoço para ver o que estava acontecendo. Rubra de vergonha, Érika afundou-se no banco.
-“Lembreideondeteconheço..” – ela murmurou baixinho, emendando as palavras.
-“O que disse?” – perguntou a outra.
-“Lembrei de onde te conheço.” – repetiu Érika. –“Nós nos encontramos no The Witch’s House, em São Paulo.”
-“Tem razão! Agora me lembro de você, é Érika Marinho, certo?”
-“Sim, e você é Alice Elsea?”
Ela confirmou com a cabeça. Naquele momento, um garoto apareceu.
-“Com licença,” - disse ele, sem jeito –“ posso me sentar com vocês? Todos os outros lugares estão ocupados.”
-“Sente-se” – falou Alice que ocupava a poltrona do meio
-“Obrigado. Sou Alexandre Marques, muito prazer em conhecê-las.” – disse ele, estendendo a mão para as meninas.
-“Muito prazer, Alice Elsea.”
-“Érika Marinho.” – ela se controlou para não rir do aspecto formal do garoto.
Smaug miou em protesto e a dona o apresentou.
-“Ah! Este é Smaug, meu gato siamês!”
O gato ronronou satisfeito, e Alice poderia jurar que, por uma fração de segundo, ele sorrira.
-“Então, ansiosas para chegar à Amgis?” – perguntou o garoto. – “Eu não vejo a hora de chegarmos! Sabem, minha família não é bruxa, então eu nunca estive no meio de bruxos antes. Deve ser demais, vocês não acham?”
-“Minha família também não é bruxa, então eu fico imaginando como deve ser fazer feitiços e tudo o mais.”
-“Vocês dois são nascidos trouxas, então.” – começou Érika. –“Isso é interessante! A família da minha mãe é toda do que os bruxos chamam de sangue puro, mas meu pai é nascido trouxa, então eu também não sou sangue puro.”
-“Quando eu estava vindo para a estação, a Srta. Jacobs me contou que hoje em dia quase não existem bruxos com sangue puro.”
-“Tem razão, Alice. Sabem, minha mãe diz que os sangues puros estão fadados a desaparecerem.” – disse Érika.
Naquele instante, uma cabeça surgiu acima do assento da frente. Um garoto de pele muito branca, cabelos castanho escuros e olhos cinzentos virara para trás e encarava Érika com um olhar penetrante. Logo em seguida, surgiram outro menino e uma menina, um de cada lado do garoto.
-“O que foi que você disse?”
-“Ela disse que os sangues puros estão fadados a desaparecerem.”- disse o garoto de cabelo ruivo à esquerda do menino pálido.
-“Eu sei, idiota, não precisava repetir!”- ralhou o garoto do meio, extremamente mal-humorado. E virando-se novamente para Érika, continuou. –“Escutem, não me interessa se vocês são nascidos trouxas, mas isso não justifica que fiquem predizendo o fim das verdadeiras famílias bruxas! Não quero mais ouvi-los falar dessa maneira, entenderam?”
Alexandre e Érika estavam perplexos, Alice fechou a cara.
-“E quem é você para nos proibir de dizer algo?” - falou a garota, começando a irritar-se. Naquele ponto, muitas pessoas sentadas nas poltronas mais próximas estavam prestando atenção à cena.
-“Quem sou eu? Só vou perdoá-la por não saber quem eu sou por você ser uma nascida trouxa! Eu, menina abusada, sou Henry Monfort, do nobilíssimo clã dos Monfort, uma das mais tradicionais famílias bruxas de toda a França!”
Alice deu um sorrisinho e disse:
-“E o que você está fazendo no Brasil?”
Por toda a volta, várias pessoas riram. Érika e Alexandre se descontraíram um pouco, mas Henry lançou um olhar frio e ameaçador pelo ônibus, o que fez com que as risadas cessassem.
-“Você me paga, Elsea, cuidado comigo!”
-“Ui! Estou me borrando de medo!”
Uma nova seção de risadas. Monfort se levantou e seus amigos o seguiram. Os três avançaram um pouco pelo corredor e roubaram as poltronas de três garotos, que saíram correndo para sentarem-se à frente de Alice, Érika e Alexandre.
-“Foi demais!” – sussurrou um dos garotos, antes de se sentar.
Alice sorriu e Érika também, mas Alexandre parecia preocupado.
-“O que foi?” – perguntou Érika.
-“Eu não sei, esse garoto me passou uma sensação tão ruim! Acho que não é uma boa idéia provocá-lo!”
-“Relaxa, Alexandre! Esse garoto não passa de um convencido de segunda categoria!” – disse Érika.
-“Eu concordo com o Alexandre, acho que esse menino merece um mínimo de crédito, melhor ficar de olho nele.” – falou Alice. –“Mas por enquanto, vamos esquecê-lo.”
Os outros concordaram, e assim os três passaram o resto da viagem conversando animadamente.
Em um determinado ponto da viagem, após o almoço, um murmúrio percorreu o corredor. As pessoas que estavam sentadas mais à frente começaram a avistar árvores no caminho, e aos poucos o ônibus estava atravessando uma verdadeira floresta. O veículo não desviava de árvore alguma, tampouco colidia com elas. Maravilhados, os passageiros espremiam-se contra as janelas para ver melhor o fenômeno. Logo, os palpites começaram a circular.
-“Será um ônibus fantasma?”
-“Será que as árvores são fantasmas?”
-“Podem ser frutos de algum feitiço ilusório...”
-“Mas quem lançaria um feitiço em uma floresta inteira?”
-“Eu li alguma coisa sobre isso em ‘Amgis: uma história’, mas agora não consigo lembrar qual era a explicação para o ônibus que atravessa árvores.” – Alexandre comentou com as colegas ao seu lado.
-“ ‘Amgis: uma história’? O que é isso?” – perguntou Érika.
-“É um livro que conta a história da escola, desde sua fundação até o início dos anos 1990.” – respondeu o garoto. – “Eu o li antes de vir para cá.”
-“Ah!” – fez a menina, Alice riu da expressão de espanto da amiga.
Logo a floresta deixou de ser uma novidade e, acostumados com a paisagem, todos voltaram às suas conversas com os colegas ao lado. Pouco tempo depois começou a anoitecer, e o crepúsculo tornou-se o novo espetáculo da viagem.
-“Acho que é o pôr-do-sol mais bonito que eu já vi!” – suspirou Érika, colando o rosto na janela.
-“Tem razão, mas está na hora de trocarmos de roupa, precisamos vestir o uniforme da escola!” – falou Alice.
Já estava escuro quando uma voz anunciou:
-“Atenção, alunos, estamos entrando nos terrenos da escola e dentro de pouco tempo iniciaremos o desembarque.”
Foi o bastante para fazer com que todos se empolgassem. Parecia que haviam dado um choque elétrico nos alunos. Até os que tinham se rendido ao cansaço e adormecido despertaram de um salto e começaram a conversar animadamente com os colegas mais próximos, tentando adivinhar o que aconteceria quando chegassem. Finalmente, o ônibus foi diminuindo a velocidade e parou em frente a um enorme casarão, que tinha as portas abertas e todas as luzes da frente acesas.
-“Senhoras e Senhores, bem-vindos à Escola de Magia e Bruxaria de Amgis!”
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