The Witch's House
The Witch's House
Alice demorou para se recuperar do choque. Caída ali, no chão frio da cafeteria, sem que ninguém parecesse notá-la, ela prometeu para si mesma que nunca mais duvidaria dos poderes dos bruxos.
Levantou-se e olhou ao redor. A toda a sua volta havia mesinhas redondas em que muitos de bruxos e bruxas apinhados de sacolas sentavam-se para beber uma xícara de café. Atrás dela havia, um do lado do outro, vinte enormes espelhos, exatamente iguais ao do quarto da Sra. Mattos. A todo o momento, pessoas entravam ou saíam dos espelhos. Alice reparou que havia espelhos só para a saída de bruxos, outros só para a chegada, e na frente destes, havia um grande espaço livre para quedas como a minha - pensou a menina.
De fato, ela não era a primeira nem a única a “aterrisar” daquele modo pouco suave no chão da cafeteria. Praticamente no mesmo momento em olhou novamente para o espelho do qual saíra viu uma figura vestida de azul, com os cabelos muito louros e compridos, cair estatelada no lugar em que Alice estivera poucos minutos antes.
-“Você está bem?” – perguntou Alice, ajudando a figura de azul a se levantar.
-“Estou sim, muito obrigada!” – agradeceu a figura de azul que, agora que estava de pé, demonstrava ser uma garota com mais ou menos a mesma idade que Alice. – “Nunca tive jeito para Mirflu!”
Alice sorriu. Naquele momento, um gato siamês apareceu miando, seguido por um gato persa e uma mulher que aparentava ser a mãe da menina loura.
-“Érika, você está bem?”
-“Estou sim, mãe.” – e virando-se para Alice – “Muito obrigada pela ajuda! A gente se vê err..”
-“Alice, Alice Elsea.”
-“Érika Marinho, muito prazer em conhecê-la! Até mais ver!” – e se foi com a mãe e os gatos.
Alice os acompanhou com o olhar até que saíssem da cafeteria, então virou-se ansiosamente para os espelhos, esperando ver a figura de Helena sair de algum deles. Ela já estava começando a se sentir amedrontada, sozinha em um mundo que não conhecia, há quilômetros de casa. As pessoas a sua volta já começavam a olhá-la de modo estranho, algumas até, de modo hostil, o que fazia com que ela se sentisse muito pouco à vontade.
Então, finalmente, Helena surgiu de um dos espelhos. Parecia um tanto mais séria do que antes, mas Alice, de tão feliz em revê-la, nada notou.
-“Aí está você! Porque demorou tanto?” – disse para a bruxa.
-“Passagens congestionadas, mas vamos, temos muito o que fazer!”
Alice seguiu Helena, que agora andava a um passo demasiado mais rápido do que o habitual, até a saída da cafeteria. As duas dobraram à direta, andaram até o fim do corredor e entraram em uma loja chamada: “O Velho Carvalho”.
Mal entraram e Helena já foi pedindo:
-“Um Quite completo de preparo de poções para o primeiro ano e meio quilo de pó de mirflu!”
-“Um momento” – disse o velho bruxo, que deveria ser o dono da loja, desaparecendo por uma portinha atrás do balcão.
-“Helena, eu não entendi o funcionamento desse pó de mirflu será que..”
-“Os bruxos europeus utilizam o pó de flu para viajar através de lareiras, mas como no Brasil ninguém tem lareiras em casa, desenvolvemos o mirflu para viajar através de espelhos.” – interrompeu a bruxa, falando muito depressa.
-“Então é só jogar o pó no espelho, e dizer aonde quero ir?”
-“Não é tão simples assim, antes de fazer isso, você tem que ter certeza de que o espelho está conectado à rede de mirflu.”
Helena falava sem olhar diretamente para Alice. A menina, notando o estranho comportamento da bruxa, desistiu de conversar e começou a vagar pela loja.
O lugar, apesar de espaçoso, estava abarrotado de ervas e pós que ela nunca tinha visto antes. Havia caixotes de madeira com ovas de fada mordente, maços de ararambóia, frascos com bile de tatu... Uma placa anunciava a promoção do dia: “veneno de acromântula por apenas 95 galeões o meio litro!”
Mas que diabos seriam Galões?
-“Huum, Helena?”
-“Diga?”
-“O que são Galões?”
-“Galeão.” – ela corrigiu – “É uma moeda bruxa. Temos também os sicles e os nuques.” – estava claro que ela não queria conversa, batucava impacientemente os dedos no balcão (os ingredientes que ela pedira ainda não haviam chegado) e fazia de tudo para não olhar Alice nos olhos.
-“Eu não trouxe nenhum dinheiro comigo. Como vou pagar por tudo o que comprarmos?”
-“Não se preocupe, eu vou pagar tudo em nome de Amgis, depois seu pai acerta comigo.” – e dizendo isso, Helena virou-se novamente de frente para o balcão.
-“Aqui está: um quite completo de preparo de poções para o primeiro ano e meio quilo de pó de mirflu! São trinta e cinco Galeões e sete sicles.” – disse o velho bruxo, finalmente voltando de trás do balcão com uma caixa de madeira e um saquinho de couro, que ele colocou em uma sacola parda.
Alice pegou o pacote em cima do balcão enquanto Helena pagava a conta.
-“Agora vamos, temos que comprar sua varinha!”
O rosto de Alice se iluminou. Uma varinha! Agora finalmente serei um bruxa de verdade! É claro que ainda tenho que aprender os feitiços, mas não vejo a hora de começar a praticá-los! - Com aquele pensamento animador, esqueceu-se da súbita má-vontade de Helena e saiu sorrindo d’O Velho Carvalho.
As duas seguiram pelo corredor passando por uma loja de vestes, que estava lotada, uma loja cheia de vassouras na vitrine e outra cujo nome era: “Chuddley Cannons – a loja oficial”. Mas antes que Alice pudesse perguntar para que serviam “Chuddley Cannons”, Helena anunciou que haviam chegado à “Vieira e Valente: Varinhas”.
A “Vieira e Valente: Varinhas” era uma das maiores lojas do The Witch’s House, tinha dois andares, um carpete bege cobrindo todo o chão, armários de carvalho polido em todas as paredes e uma enorme bancada de mármore ao centro, mas só dois atendentes.
-“Bom dia!” – disseram os dois ao mesmo tempo, assim que Helena e Alice entraram na loja.
-“Sou o Sr. Vieira!” – disse um homem de meia idade, baixinho e careca, mas com um ar muito simpático.
-“E eu, o Sr. Valente!” – disse o outro, um homem um pouco mais alto e com muito mais cabelo, aparentando ter algo entre 30 e 35 anos.
–“Sejam bem vindas à Vieira e Valente! Como posso ajudá-las? Troca de varinhas defeituosas, conserto, manutenção, polimento..?” – começou o Sr. Vieira.
-“Queremos adquirir uma varinha.” – interrompeu-o Helena.
-“Oh, sim! É claro! O ano letivo em Amgis está prestes a começar e essa mocinha não poderia estar querendo outra coisa! Acompanhem-me, por favor.” – disse o Sr. Vieira, atravessando a loja em direção a um dos imensos armários.
-“Mogno ou Carvalho?” – perguntou o Sr. Valente.
-“Mogno!” – respondeu o Sr. Vieira. –“Pêlo de unicórnio ou pena de hipogrifo?”
O Sr. Valente parou um segundo, olhou para Alice com a expressão concentrada.
-“Pena de hipogrifo!” – disse por fim.
-“Perfeito!” – exclamou o Sr. Vieira, tinham finalmente chegado à frente de um dos armários.
Só então Alice reparou que eles não tinham portas; eram feitos com várias gavetinhas, cada uma com uma etiqueta na frente. O Sr. Vieira abriu uma delas e tirou uma caixinha fina e comprida lá de dentro. Na verdade, aquelas caixinhas eram a única coisa que cabia nas gavetas. Só uma caixinha por gaveta.
-“Mogno, vinte e cinco centímetros, pena de hipogrifo, experimente!” – disse o Sr. Vieira, entregando uma varinha para a menina.
Alice tomou a varinha da mão do Sr. Vieira. Ela não tinha a menor idéia do que deveria fazer. Olhou para o pedaço de madeira e teve a mesma sensação de quando Helena a mandou jogar o pó de mirflu no espelho. Mesmo acreditando que era bruxa, aquela varinha parecia, para ela, apenas um pedaço de madeira polida, assim como o pó de mirflu lhe parecera ser apenas pó de giz. Então ela lembrou-se do que sentira quando aterrisara de cara no chão, na cafeteria do The Witch’s House – e da promessa que fizera para sim mesma: nunca mais duvidar dos poderes dos bruxos.
Ainda meio sem jeito, ela agitou a varinha no ar. No mesmo instante, fagulhas vermelhas voaram da ponta da varinha, parecendo fogos de artifício.
-“Não, decididamente não é esta.” – disse o Sr. Valente sacudindo a cabeça. Tirou a varinha da mão da garota enquanto seu colega apanhava outra, três gavetas mais abaixo de onde tirara a primeira.
Alice não entendeu o que poderia estar errado com a varinha que testara, mas não questionou. O Sr. Vieira abriu a segunda caixa, anunciando:
-“Mogno, vinte e um centímetros, pena de hipogrifo.”
-“Apesar de muito parecida com a anterior, está é mais rígida.” – acrescentou o Sr. Valente.
Alice fez o mesmo movimento com a varinha, obtendo o mesmo efeito de fagulhas vermelhas. O Sr. Valente abanou a cabeça mais uma vez.
-“Desculpem senhores, mas o que há de errado com essas varinhas? Porque não posso ficar com nenhuma delas?” – a menina perguntou, intrigada.
-“Por uma razão muito simples, minha cara, não é o bruxo que escolhe a varinha!” – disse o Sr. Valente.
-“Exato! Na verdade, jovem bruxa, é a varinha que escolhe o bruxo, e nenhuma das varinhas que testamos até agora a escolheu!” – completou o Sr. Vieira, estendendo mais uma varinha para que a garota experimentasse. – “Vinte e quatro centímetros, freixo, com cerne de pêlo de unicórnio. Sacuda devagar, esta é muito mais flexível do que as anteriores!”
De fato, ao sacudir a varinha, esta lhe pareceu ser feita de gelatina, e Alice a recusou antes mesmo que qualquer faísca fosse disparada.
Alice sentiu-se desapontada. Quantas varinhas ainda teria que experimentar até encontrar a apropriada? Olhou ao redor, havia vários armários na loja, com incontáveis gavetinhas. E se eu tiver que experimentar todas? - pensou, desanimada.
-“Tente esta.” – ofereceu o Sr. Valente.
Alice estendeu a mão para apanhar a quarta varinha, com a sensação de que seria mais um desperdício de tempo. Porém, quando sentiu em sua mão a textura suave da madeira, algo queimou dentro dela. A garota agitou a varinha com um movimento preciso, que impressionou a todos os presentes, fazendo com que faíscas douradas saltassem de sua ponta.
O Sr. Valente olhou-a diretamente nos olhos naquele momento e viu neles um brilho dourado. O Sr. Vieira disse animado:
-“Muito bem! Acho que encontramos a sua varinha, Srta?”
-“Alice Elsea.”
-“Elsea! Muito bem! Deixe-me embrulhá-la, já que os bruxos menores de idade não têm permissão de usarem varinhas fora da escola!” – dizendo isso, ele foi até a bancada de mármore.
-“Vinícius!” – gritou-lhe o Sr. Valente – “São quatorze galeões e sete sicles!”
Helena seguiu o Sr. Vieira até a bancada para, novamente, pagar a conta.
Quando os dois já estavam longe, o Sr. Valente aproximou-se de Alice e lhe entregou um bilhete, dizendo:
-“A Composição da sua varinha, Srta.” – piscou um olho, girou nos calcanhares e subiu as escadas para o segundo andar da loja.
Cinco minutos depois, após despedirem-se do Sr. Vieira, ela e Helena estavam descendo as escadas do The Witch’s House rumo à loja de livros. Aproveitando que a bruxa não estava prestando atenção alguma a ela, Alice desdobrou o papel que o Sr. Valente lhe entregara.
Vinte e seis centímetros, carvalho, cerne de pena de fênix.
Para a garota dos olhos de ouro.
C.C.S.
A garota sentiu seus olhos se arregalarem.
* * *
-“Quem era aquela menina, Érika?”
-“Alice Elsea, mãe! Ela me ajudou quando eu caí.”
-“Você caiu de novo saindo do espelho, minha filha? Temos que melhorar isso, não fica bem para uma bruxa se espatifar no chão toda a vez que faz uma viagem pela rede de mirflu!”
A menina corou.
-“Sua mãe tem toda a razão!” – disse Esgaroth – “Se você quer ser uma grande bruxa, tem que começar a ter mais estilo e elegância!”
-“Não seja tão rude! Você sabe que ela não fez de propósito!” – interveio o gato siamês – “Não fique assim, lourinha, você ainda terá muitos anos de viagens com mirflu pela frente!”
Érika sorriu, mas sua mãe disse:
-“Smaug, Esgaroth têm razão, Érika já passou da idade de ficar caindo toda a vez que sai de um espelho!” – passou a mão pelos cabelos loiros, ajeitando-os – “Veja querida, a loja de vestes! Vamos comprar seu uniforme.”
Os quatro entraram, mas quando a Sra. Marinho não estava ouvindo, Smaug sussurrou para a dona:
-“Sorria lourinha! Para mim você é a maior bruxa de todas!”
Ela pegou o gato no colo e o beijou atrás da orelha.
-“E você é o maior gato de todos!”
A loja estava cheia de bruxos jovens com seus pais, todos procurando uniformes escolares. Por todo o lugar, atendentes corriam de um lado para outro, pessoas esbarravam e se perdiam em meio às inúmeras araras espalhadas pela loja. A fila para os provadores estava enorme, e Érika teve a péssima sensação de que perderiam, no mínimo, uma hora e meia naquela loja. Suspirou e iniciou a difícil tarefa de procurar a mãe no meio de toda aquela algazarra.
Cinco minutos depois a encontrou a um canto do balcão, segurando Esgaroth no colo e olhando algumas vestes.
-“Oh, Érika, finalmente! Venha cá, experimente estas!”
Atirou uma braçada de vestes nas mãos da filha, que teve que deixar Smaug no chão para poder segurar tudo. O gato saiu andando pela loja e a garota entrou no provador.
O uniforme de Amgis era composto por uma saia pregueada cor verde escuro (calça comprida para os meninos), uma camisa branca de mangas curtas ou compridas com um enorme laço verde no colarinho ( gravata para os meninos), sapatinhos pretos com meias brancas ¾, e por cima de tudo, uma veste de bruxo verde escura, quase preta, com o símbolo da escola no lado direito do peito: o sol, a lua e a estrela. Completando tudo isso, estava o chapéu de bruxo de abas largas, também verde.
Foi vestida assim, que Érika saiu do provador, minutos depois.
-“Minha querida, você está linda! No meu tempo eu detestava essas vestes verdes, mas em você elas caem bem, destacam seus olhos!”
Érika esboçou um sorriso, sentia-se ridícula: nunca usara roupas de bruxa antes.
-“Aqui, experimente essa camisa de mangas compridas! Depois vamos até a seção de sapatos.”
A garota voltou ao provador suspirando, calculara mal, iriam perder a tarde toda naquela loja.
Finalmente, após três horas de muitas provas e intensa procura entre as centenas de araras da loja, a Sra. Marinho declarou-se satisfeita e eles deixaram a loja de vestes.
-“Certo, agora que já resolvemos o problema das vestes, vamos solucionar outro, muito mais complicado.” – disse ela, enquanto os quatro passavam em frente à loja oficial dos Chuddley Cannons.
-“Mais complicado? O que pode ser mais complicado do que passar três horas provando vestes?” – exclamou Érika.
-“Comprar uma varinha!” – respondeu-lhe a mãe.
Érika sorriu, e assim os quatro entraram na Vieira e Valente.
-“Bom dia!” – disse um homem baixinho, careca e muito simpático. – “Suponho que estejam procurando uma varinha para esta jovem bruxa?”
-“Exatamente!” – disse a Sra. Marinho. – “Minha filha Érika vai para Amgis e precisa de uma excelente varinha!”
-“Então veio ao lugar certo, senhora?”
-“Marinho, e o Sr.?”
-“Sr. Vieira! É um prazer conhece-las! Mas venham, vamos descobrir qual varinha se encaixa melhor ao perfil desta bela jovem!”
Com passos enérgicos o Sr. Vieira atravessou a ampla loja - que para Érika lembrava muito uma joalharia trouxa - e parou em frente a um dos vários armários.
-“Aqui está, vinte e oito centímetros, azevinho, pêlo da cauda de uma esfinge.”
Érika estava nervosa, finalmente estava comprando sua varinha de bruxa. Segurou-a com tanta força que os nós de seus dedos ficaram brancos. Ela sacudiu a varinha tentando imitar os gestos que sua mãe fazia ao realizar algum feitiço, porém nada aconteceu.
-“Não, minha filha, esta ainda não é a sua varinha!”
Desapontada, ela devolveu a varinha ao Sr. Vieira, que logo lhe ofereceu outra para uma segunda tentativa.
Faíscas azuis saíram da ponta desta, mas o Sr. Vieira balançou a cabeça, alegando que ainda não era a varinha certa.
Varinha após varinha, Érika experimentava de todas as configurações possíveis. Algumas, ao serem agitadas, não demonstravam efeito algum. Outras disparavam faíscas azuis. Mas o Sr. Vieira sempre balançava a cabeça e oferecia outra caixa à garota, que já estava começando a ficar cansada.
Com o passar do tempo, uma pilha de caixas contendo varinhas já testadas foi se formando aos pés do armário. A Sra. Marinho conjurou uma poltrona para sentar-se e o Sr. Vieira começou a falar sozinho, murmurando coisas que, para Érika, não faziam o menor sentido.
-“Com sua licença, Sra. Marinho,” – disse, finalmente, em voz alta - “eu nunca vi uma bruxa que demorasse tanto para encontrar sua varinha!” – suspirou – “Pouco antes que vocês chegassem, esteve aqui uma outra menina que experimentou quatro varinhas diferentes e eu já achei muito, veja bem. Geralmente eu não demoro tanto para descobrir qual é o tipo de varinha que vai melhor com qual bruxo, mas meu colega, o Sr. Valente, teve que sair por um momento, mas tenho certeza de que, se ele estivesse aqui, nós dois já teríamos encontrado a varinha que sua filha procura!”
-“Eu entendo o que quer dizer, Sr. Vieira. Eu mesma encontrei minha varinha na primeira tentativa. Mas tenho certeza que há uma varinha ideal para minha filha em algum lugar desta loja e nós vamos encontrá-la!”
-“Certamente, madame, certamente!”
Érika, que já estava prestes a desistir, sentiu-se mais aliviada ao ouvir as palavras da mãe e ganhou novo ânimo. Sim, havia uma varinha perfeita para ela em algum lugar daquela loja e ela a encontraria, nem que levasse o dia todo. Então, de repente, o Sr. Vieira deu um pulo e saiu correndo escada acima, voltando alguns minutos depois com mais uma caixa nas mãos.
-“Experimente essa, Srta. Marinho!” – disse ele, ofegante, estendendo a caixa para a garota. – “Vinte e dois centímetros, Ipê Amarelo, com cerne de pêlo de unicórnio, curta e flexível!”
Érika segurou a varinha, desta vez com menos força. Passou os dedos da mão esquerda por toda a sua extensão, sentindo-lhe a textura. Ao sacudir a varinha, foi como se uma brisa suave batesse em seu rosto, uma sensação de contentamento. Seu gesto fez com que fagulhas prateadas voassem da ponta da varinha.
-“Excelente! Excelente!” – animou-se o Sr. Vieira – “Aí está a sua varinha, Srta. Marinho!”
-“Eu sabia que encontraríamos!” – disse a Sra. Marinho, levantando-se e fazendo com que a poltrona sumisse. – “Ótimo trabalho, Sr. Vieira, quanto lhe devo?”
-“Apenas doze galeões, madame, apenas doze galeões!”
Enquanto o Sr. Vieira conduzia a Sra. Marinho até o balcão, Érika manuseava a varinha, sorridente. Ela sentira-se mal ao experimentar tantas varinhas diferentes, tentando encontrar a apropriada. Sentira novamente o antigo medo de ser uma bruxa abortada. Mas, tal como a carta de Amgis, aqueles vinte e dois centímetros de Ipê Amarelo tiveram o poder de elevar o ânimo da garota para acima das nuvens.
Pouco tempo depois, mãe e filha saíam da loja, acompanhadas pelos gatos. O sorriso de Érika se estendia de orelha a orelha, ela girava a varinha nova entre os dedos – não deixara o Sr. Vieira embrulhá-la nem por nada – e cantarolava alegre.
Em um segundo de distração, ela deixou a varinha escapar de seus dedos e cair no chão. Érika abaixou-se para pegá-la e, ao levantar-se, esbarrou em uma outra garota que estava entrando na loja.
-“Desculpe!” – murmurou ela.
-“Tudo bem.” – disse a outra garota, que tinha os cabelos muito escuros e lisos, era alta e seus olhos eram como duas safiras, mas fitavam Érika com frieza.
Érika corou quando seu olhos verdes encontraram os da garota. Esta parecia, de alguma forma, a estar avaliando. Mostrava, ao mesmo tempo, interesse e desprezo. Intimidada por aquele olhar, Érika procurou Smaug, o colocou no colo e saiu.
A estranha garota entrou na loja de varinhas, acompanhada por um senhor alto e distinto, com os mesmos cabelos negros da menina.
-“Bom dia!” – saudou-os os Sr. Vieira.
-“Bom dia. Meu nome é Nicole James e eu estou precisando de uma varinha.”
-“James, a Srta. disse?” – falou o Sr. Valente, que vinha descendo as escadas, com uma caixa de varinha na mão.
Nicole acenou afirmativamente com a cabeça. O Sr. James nada dizia.
-“Vinte e oito centímetros, Mogno e corda de coração de dragão, bastante rígida.”- disse o Sr. Valente, entregando a caixa à menina.
Ela abriu o pacote e retirou a varinha. Segurá-la entre os dedos a fez sentir-se como se estivesse mergulhando no mar. A garota sacudiu a varinha e disse:
-“Orchideous!” – fazendo com que um ramo de flores saísse da ponta da varinha.
-“Encaixam-se perfeitamente!” – disse o Sr. Valente. – “Apesar de eu nunca ter visto nenhum bruxo menor de idade realizar um feitiço ao encontrar sua varinha...”
Nicole apenas sorriu, apanhando as flores com a mão esquerda.
Cinco minutos depois, Nicole e o pai entravam na loja de livros do The Witch’s House, que era a maior loja do lugar. Assim como a loja de varinhas, tinha dois andares e muitas estantes abarrotadas de livros. Naquele dia, estava tão ou mais lotada do que a loja de vestes, cheia de pais e alunos de Amgis comprando livros, pergaminhos e penas.
-“Você têm recebido alguma notícia positiva ultimamente, Nicole?” – perguntou o Sr. James, enquanto os dois andavam entre as estantes.
-“Não, senhor. A última coruja que chegou para mim foi a que trouxe a carta da escola.”
-“Mas você continua lendo a respeito, não é mesmo?”
-“Sim, já revirei ‘Amgis: uma história’ mais de cinco vezes e não achei mais nada.”
-“ ‘Amgis: uma história’? Nicole, você espera mesmo encontrar as pistas que procuramos em um livro tão superficial?” – disse o Sr. James, irritando-se com a filha.
-“Desculpe, papai...” – murmurou a garota, sem jeito.
O Sr. James parou de andar e encarou-a.
-“Não quero mais desculpas! Vamos procurar aqui algum livro que seja realmente útil, embora eu duvide que vamos achar algo que sirva numa loja como essa.” – então ele reparou em algo – “O que é isso, Nicole?” – disse ele, apontando para um pingente em forma de meia-lua, que a garota usava.
Ela corou.
-“Esconda-o, imediatamente!”
Ela colocou o cordão para dentro da blusa. Os dois continuaram a andar, em silêncio, sem saber que uma garota de cabelos castanhos observara a cena.
Que homem rude! - pensava Alice, que escutara tudo, a alguns metros de distância da cena. - Mas bem que eu queria ter visto o que ele a mandou esconder...
Do outro lado do corredor, um gato Siamês também intrigava-se com o ocorrido.
Um pingente prateado em forma de lua? Por que esconde-lo? Será que a Lourinha sabe algo sobre isso?
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