O Ninho
O NINHO
O pânico impulsionou Harry para cima. mais tarde, não conseguiu se lembrar de que escalara a árvore para salvar a vida, enquanto o imenso corpo de Wennbar se chocava contra o tronco e suas mandíbulas cruéis tentavam morder-lhes os calcanhares. Ele não teve tempo para puxar a espada. Ele não teve tempo para nada, só para escapar.
Quando deu por si, viu que estava agarrado a um galho alto, com Jasmine e Rony a seu lado. O hálito fétido de Wennbar enchia o ar, e seus urros, os ouvidos deles.
Finalmente, encontravam-se fora de seu alcance, mesmo que ele esticasse totalmente o pescoço. Mas ele não desistia. Jogava-se de encontro à árvore, arranhava a casca com as garras e tentava fazê-los cair.
A escuridão ainda não era completa, mas estava ficando muito frio. A capa de Harry mantinha-o aquecido, mas as mãos, agarradas à árvore, estavam entorpecidas. Ao seu lado, Rony batia os dentes e tremia violentamente.
"Se isso continuar, nós vamos cair", pensou Harry. Ele se aproximou o máximo que pôde de Rony e Jasmine. Com os dedos frios e desajeitados, jogou a capa e sobre eles para que também pudessem se aquecer.
Por alguns instantes, eles ficaram juntos, encolhidos. E, então, Harry percebeu que algo tinha mudado.
A besta tinha desistido de investir contra a árvore. Seus rugidos deram lugar a um grunhido baixo e grave. Harry sentiu um movimento e viu Jasmine espiando por entre as pregas da capa para ver o que estava acontecendo.
— Ele está indo embora — ela sussurrou, intrigada. -É como se não pudesse mais nos ver e achasse que, de alguma forma, conseguimos escapar. Mas como?
— A capa — Rony sussurrou debilmente. — A capa... deve estar nos escondendo.
O coração de Harry acelerou quando ele se lembrou das palavras da mãe ao lhe entregar a capa. "Isso também irá protegê-lo em qualquer lugar que vá... O tecido é... especial.” "Como assim, especial?"
Ele ouviu Jasmine respirar fundo.
— O que foi? — ele perguntou.
— Os Wenn estão vindo — ela informou. — Vejo os olhos deles. Eles perceberam que os rugidos pararam e acham que Wennbar já está satisfeito. Eles vieram atrás dos restos.
Harry estremeceu. Com cuidado, puxou a capa para o lado e espiou a clareira embaixo.
Olhos vermelhos brilhavam nos arbustos perto de onde Wennbar ficara à espreita. A criatura ergueu a cabeça, lançou um olhar furioso e emitiu um chamado alto e agudo, semelhante a um latido, como se estivesse dando uma ordem.
Os arbustos farfalharam e Wennbar rugiu novamente, ainda mais alto. Finalmente, duas figuras pálidas e curvadas arrastaram-se, trêmulas, até a clareira, para ajoelhar-se diante dele.
Wennbar grunhiu e, com indiferença, apanhou os vultos ajoelhados, jogou-os no ar, apanhou-os nas abomináveis mandíbulas e engoliu-os inteiros.
Enjoado, Harry desviou o olhar da visão aterradora.
Jasmine empurrou a capa e levantou-se.
— Agora estamos seguros — ela informou. — Viu? Os Wenn fugiram, e a criatura está voltando para sua caverna.
Harry e Rony trocaram olhares.
— A caverna deve ser o esconderijo da criatura — Rony deduziu em voz baixa. — Vamos explorá-la amanhã à noite, quando ela sair para comer.
— Não há nada na caverna de Wennbar além de ossos e mau cheiro — Jasmine resmungou. — O que vocês estão procurando?
— Não podemos contar — disse Rony, pondo-se de pé com dificuldade. — Mas sabemos que está escondido no lugar mais secreto das Florestas do Silêncio e que é vigiado por um guarda terrível. Onde mais poderia estar a não ser lá?
Para a surpresa de ambos, Jasmine explodiu em risos.
— Vocês não sabem de nada! — ela gritou. — Este é apenas um cantinho na extremidade desta Floresta aqui. Há outras três além dela, e cada uma possui uma centena de lugares mais perigosos e mais secretos do que este!
Harry e Rony olharam-se novamente, enquanto o riso dela se espalhou pela clareira. Então, de repente, o som parou. Quando eles se voltaram para Jasmine, a expressão dela era séria.
— O que foi? — indagou Harry.
— É que... — Jasmine se interrompeu e sacudiu a cabeça. — Não vamos falar disso agora. Vou levá-los ao meu ninho. Lá ficaremos em segurança e poderemos conversar.
Eles caminharam o mais depressa que Harry e Rony conseguiram. Como a floresta havia ficado mais densa, eles se mantiveram no topo das árvores quase o tempo todo, passando de um ramo a outro com a ajuda de trepadeiras. Acima deles, havia trechos de céu estrelado. Abaixo, a silenciosa escuridão. Kree voava à frente e parava para esperá-los quando ficavam para trás. Filli estava agarrado ao ombro de Jasmine, os olhos arregalados e brilhantes.
A cada momento que passava, Harry sentia suas forças voltando, mas, mesmo assim, ficou satisfeito quando finalmente chegaram à casa de Jasmine. Era realmente uma espécie de ninho, em forma de pires, feito de galhos entrelaçados e ramos colocados no alto de uma imensa árvore retorcida que crescera numa clareira cheia de musgos. A lua brilhava por entre as folhas e inundava o ninho com uma luz branca e suave.
Jasmine não falou de imediato. Ela fez Harry e Rony se sentarem, enquanto buscava framboesas, frutas, nozes e a casca dura de uma espécie de melão, cheia até a borda com uma deliciosa água fresca.
Harry descansou, olhando, surpreso, ao redor. Jasmine não tinha muitas posses. Algumas delas, como um pente de dentes quebrados, um cobertor em farrapos, um velho xale, duas pequenas garrafas e uma pequena boneca entalhada em madeira, eram as tristes lembranças dos pais que perdera. Outras — um cinto, duas adagas, várias pedras para fazer fogo e muitas moedas de ouro e prata — tinham vindo dos corpos de Comensais que haviam sido sacrificados para Wennbar.
Jasmine dividiu cuidadosamente a comida e a bebida em cinco partes iguais, arrumando os lugares de Filli e Kree, como se realmente fizessem parte da família. Ao observá-la, Harry percebeu, estarrecido, que suas roupas esfarrapadas também tinham pertencido a Comensais. Ela cortara e amarrara o tecido para que as roupas coubessem nela.
Sentiu um mal-estar ao imaginá-la roubando vítimas indefesas e abandonando-as à morte. Tentou considerar o fato de os Comensais terem capturado, provavelmente matado ou, pelo menos, escravizado os pais de Jasmine, deixando-a sozinha naquela floresta inóspita. Mas, mesmo assim, sua crueldade provocou-lhe calafrios.
— Comam!
A voz de Jasmine interrompeu-lhe os pensamentos. Harry ergueu o olhar quando ela sentou-se ao seu lado.
— A comida vai ajudá-lo a se recuperar — ela disse. — E essa comida é boa. — Ela serviu-se de uma estranha fruta cor-de-rosa e mordeu-a com voracidade, deixando o sumo escorrer pelo queixo.
"Sou um tolo por julgá-la", Harry pensou. "Ela vive da melhor forma que pode. E é graças a ela que estamos vivos. Enfrentou um grande perigo por nós quando poderia nos ter dado as costas. Agora, nos trouxe até sua casa e está dividindo sua comida e água conosco.”
Harry notou que Rony havia começado a comer e imitou-o. Nunca experimentara refeição mais estranha. Não somente porque a comida era diferente do que estava acostumado a comer em casa, mas porque estava comendo num local tão acima do solo, sob o luar branco, numa plataforma que balançava suavemente ao soprar da brisa. E porque um pássaro preto, chamado Kree, e uma pequena criatura peluda, de nome Filli, dividiam a comida com ele.
— Há quanto tempo vive aqui sozinha, Jasmine? — ele indagou por fim.
— Eu tinha sete anos quando os Comensais vieram — a garota respondeu, lambendo os dedos e apanhando outra fruta. — Eles devem ter vindo de Del pelo caminho mais longo, pois os Wenn não os capturaram. Eu estava apanhando água no regato. Meus pais estavam procurando comida, que levariam para nossa casa no topo das árvores. Os Comensais os viram e os prenderam, queimaram a casa e os levaram.
— Mas os Comensais não encontraram você? — Rony perguntou. — Como foi possível?
— Minha mãe olhou para trás, em minha direção, e fez um sinal para que eu me escondesse entre as samambaias e ficasse quieta — Jasmine esclareceu. — E eu obedeci. Pensei que, se o fizesse, se fosse boazinha, meus pais voltariam. Mas eles nunca voltaram.
Sua boca endureceu, os lábios se enrijeceram, mas ela não chorou. "Jasmine provavelmente não chora há muito tempo", pensou Harry.
— Então você cresceu sozinha nesta floresta? — ele quis saber.
— As árvores generosas e os pássaros me ajudaram — ela assentiu, como se fosse a coisa mais natural do mundo. — E eu me lembrei das coisas que meus pais me ensinaram. Apanhei o que pude de nossa velha casa, o que não tinha sido queimado. Fiz este ninho e durmo nele à noite. Assim, fico a salvo de tudo que vagueia pelo chão da floresta na escuridão. E assim tenho vivido desde então.
— Aquela poção que nos deu para nos movimentarmos outra vez — disse Rony, fazendo uma careta. — O que era?
— Minha mãe a preparou há muito tempo, com folhas como as que crescem ao longo do caminho de Wenn — Jasmine contou. — Ela curou meu pai quando ele foi picado. Eu também a usei em Filli, quando o achei depois de apanhado pelos Wenn, ainda bebê. Foi assim que ele passou a morar comigo, não é, Filli?
A pequena criatura que beliscava frutas silvestres ao seu lado concordou com alguns sons inarticulados. Jasmine sorriu, mas o sorriso rapidamente desapareceu, quando ela voltou a atenção para Rony e Harry.
— Restavam apenas alguma gotas quando os encontrei — ela disse baixinho. — Agora, a garrafa está vazia.
— Você não pode fazer mais? — Rony perguntou.
— O incêndio provocado pelos Comensais queimou as folhas que cresciam aqui na Floresta. As únicas que restam são as que estão no caminho de Wenn.
"Pois então", Harry pensou. "Agora ela está desprotegida por nossa causa. "
— Nós lhe somos profundamente gratos, Jasmine — ele murmurou.
— Nós lhe devemos a vida.
Jasmine deu de ombros, livrando-se dos últimos caroços de frutas que se encontravam em seu colo.
— E Deltora tem uma grande dívida para com você — Rony acrescentou. — Pois agora podemos continuar nossa busca.
— Se sua busca nas Florestas os levarem ao lugar que imagino, vocês não vão mesmo sobreviver — ela disse bruscamente, fitando-os.
— Eu podia muito bem tê-los deixado para o Wennbar.
Seguiu-se um silêncio breve e desagradável. Então, a garota deu de ombros outra vez.
— Mas acho que vocês vão continuar, não importa o que eu diga
— ela suspirou, erguendo-se. — Portanto, vou mostrar-lhes o caminho. Vocês estão prontos?
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