A Escuridão
Eles viajaram durante a noite, sempre pelo topo das árvores, enquanto abaixo deles coisas invisíveis farfalhavam, rosnavam e sibilavam. Seguiram um caminho sinuoso, pois Jasmine somente passava por determinadas árvores — as boas árvores, como as chamava.
De vez em quando, ela inclinava a cabeça na direção de uma determinada árvore e ficava prestando atenção.
— Elas me dizem o que há adiante — contou, quando Rony perguntou por que agia assim. — Elas me alertam sobre o perigo. — E, quando eles demostraram surpresa, ela os fitou como se não entendesse por que não deveriam acreditar no que dizia. Jasmine pouco lhes contou sobre o lugar para o qual os estava levando. Segundo ela, não havia muito a dizer.
— Só sei que fica no centro da Floresta do meio, a menor — informou. — Os pássaros não se arriscam a entrar nela, mas dizem que, em seu interior, há um lugar maligno e proibido. Eles o chamam de "As trevas", e há um guarda terrível lá. Os que vão nunca voltam, e até as árvores o temem.
Ela voltou-se para Harry com um sorriso fraco.
— Não parece ser o lugar que vocês procuram?
Ele assentiu e tocou a espada em busca de conforto.
O dia nascia quando cruzaram uma pequena clareira e entraram na Floresta do meio.
Ali, as árvores ocultavam quase todos os raios de sol e não se ouvia nenhum ruído. Nenhum pássaro cantava, nenhum inseto se movia. Até mesmo as árvores e trepadeiras estavam imóveis, como se a brisa não ousasse perturbar a atmosfera sombria e úmida.
Jasmine começara a se mover mais devagar e com cuidado. Filli estava encolhido perto de seu pescoço e escondia a cabeça nos cabelos da garota. Kree não mais voava à frente, saltava e pairava junto deles de um galho a outro.
— As árvores nos dizem para voltar — Jasmine sussurrou. — Elas dizem que nós vamos morrer.
Havia medo em sua voz, mas ela não parou. Harry e Rony a seguiram pela Floresta cada vez mais densa, olhos e ouvidos atentos a qualquer som ou sinal de perigo. No entanto, eles não viam nada além do verde ao seu redor, e o silêncio era quebrado apenas pelos sons dos seus próprios movimentos.
Finalmente, alcançaram um local que não podiam ultrapassar. Trepadeiras pesadas e retorcidas se entrecruzavam e se emaranhavam, ocultando árvores imensas e formando uma barreira como se fosse uma gigantesca rede viva. Os três companheiros examinaram o local à esquerda e à direita e constataram que a rede de trepadeiras formava um círculo completo, fechando tudo o que estivesse em seu interior.
— Este é o centro — Jasmine explicou em voz baixa. Ela estendeu o braço para Kree, que voou até ela de imediato.
— Precisamos descer até o chão — Rony disse.
— Há terríveis perigos aqui — Jasmine murmurou. — As árvores são silenciosas e não querem me responder.
— Talvez elas tenham sido mortas, estranguladas pelas trepadeiras — Lief sussurrou.
Jasmine balançou a cabeça. Seu olhar expressava desgosto, piedade e raiva.
— Elas não estão mortas, mas podem morrer. Elas são prisioneiras. Elas estão... atormentadas.
— Harry, precisamos descer — Rony insistiu. Na verdade, aquela conversa sobre árvores com sentimentos o deixava constrangido. Ele achava que Jasmine estava louca. Ele virou-se para ela. — Nós lhe agradecemos tudo o que fez por nós — tornou ele, educado. — Mas não há mais nada que possa fazer. Precisamos continuar sozinhos.
Deixando a garota agachada no topo da árvore, eles começaram a descer. Harry olhou para cima uma vez e a viu de relance. Ela ainda os observava, o corvo pousado em seu braço. Com a outra mão, acariciava Filli, escondido sob seus cabelos.
Eles deslizavam cada vez mais para baixo. De repente, Harry sentiu algo que fez seu coração acelerar com um entusiasmo receoso. O Cinturão de aço, escondido sob suas roupas, estava ficando quente e fazia sua pele formigar.
— Estamos no lugar certo — ele sussurrou para Rony. — O Cinturão sente que uma das pedras está próxima.
Harry percebeu os lábios de Rony ficarem tensos. Ele achava que sabia no que o companheiro estava pensando: se a pedra estivesse próxima, um inimigo terrível também estaria. Seria muito mais fácil, Rony deveria estar pensando, se estivesse sozinho, sem ninguém mais com quem se preocupar.
— Não se preocupe comigo — Harry sussurrou, tentando manter a voz calma e uniforme. — Pegar a pedra é tudo o que importa. Se eu morrer na tentativa, não será culpa sua. Você deve tirar o Cinturão de meu corpo e continuar sozinho, como sempre quis.
Rony lançou-lhe um olhar rápido e parecia prestes a responder, mas então cerrou os lábios e concordou com um movimento de cabeça.
Os dois alcançaram o chão da floresta e mergulharam quase até os joelhos nas folhas mortas. Ali estava bastante escuro, e o silêncio era completo. Teias de aranha cobriam os troncos das árvores e fungos se acumulavam em todos os lugares, formando horrendas massas disformes. O ar era denso, devido ao cheiro de umidade e decomposição.
Harry e Rony desembainharam as espadas e começaram a se mover lentamente ao redor do muro circular, formado por trepadeiras.
O Cinturão ficou mais quente ao redor da cintura de Harry. Cada vez mais quente... até ficar bem quente.
— Logo... — ele murmurou.
E, então, sentiu Rony agarrar-lhe o braço.
Diante deles, havia uma abertura no muro de trepadeiras. Parada em seu centro, encontrava-se uma figura volumosa e aterradora.
Tratava-se de um cavaleiro vestido com uma armadura de batalha dourada. O peitoral cintilava na escuridão. O capacete era coroado por chifres dourados. Ele estava em pé, imóvel, em guarda, e carregava uma enorme espada na mão. Harry respirou fundo quando viu o que havia incrustado no punho da espada.
Uma pedra amarela enorme. O topázio.
— QUEM VEM LÁ?
Harry e Rony gelaram ao ouvirem a voz cavernosa e ressonante. O cavaleiro não virará a cabeça e não se movera. No entanto, eles sabiam que fora ele que os interpelara. Eles sabiam também que era inútil não responder ou tentar se esconder agora.
— Somos viajantes da cidade de Del — informou Rony. — Quem quer saber?
— Eu sou Gorl, guarda deste local e proprietário de seu tesouro — respondeu a voz cavernosa. — Vocês estão invadindo. Vão embora agora e poderão viver. Se ficarem, irão morrer.
— Somos dois contra um — Harry sussurrou ao ouvido de Rony.
— Certamente, podemos dominá-lo se o pegarmos de surpresa. Podemos fingir que estamos indo e, então...
Gorl voltou a cabeça lentamente para eles. Pela fenda do capacete, tudo que conseguiam ver era a escuridão. Harry sentiu um calafrio na espinha.
— Então, vocês estão tramando contra mim — a voz retumbou. — Muito bem. A escolha foi feita.
O braço coberto pela armadura ergueu-se e acenou, e, para seu horror, Harry viu-se tropeçando para a frente, como se estivesse sendo arrastado por uma corda invisível. Desesperadamente, tentou segurar-se, mas a força que o puxava era intensa demais. Ele ouviu Rony praguejando, enquanto também era arrastado na direção do braço erguido.
Finalmente, estavam diante do cavaleiro, que parecia uma torre diante deles.
— Ladrões! Tolos! — ele rugiu. — Vocês ousam tentar roubar meu tesouro. Agora, irão reunir-se aos outros que tentaram, e seus corpos irão alimentar minhas trepadeiras, como os deles fizeram.
Ele deu um passo para o lado, e Harry olhou com fascinado horror o espaço aberto nas trepadeiras.
O muro de troncos retorcidos, muito mais espesso do que imaginara, era formado por centenas de trepadeiras separadas e presas umas às outras. Inúmeras árvores eram mantidas dentro da rede de trepadeiras. O muro deve ter ficado cada vez mais espesso com o passar dos séculos e se espalhou para fora a partir do centro, à medida que cresciam mais trepadeiras, e cada vez mais árvores eram capturadas.
Muito acima do solo, as trepadeiras se espalhavam do topo de uma árvore a outra, juntando-se para formar um teto sobre o espaço redondo e pequeno que protegiam. Somente um pedacinho de céu azul ainda podia ser visto entre a folhagem espessa. Somente alguns raios de sol conseguiam atingir o fundo, para proporcionar uma tênue visão do que havia no interior do círculo.
Rodeando os muros, cobertos por raízes retorcidas, havia corpos e ossos velhos e fragmentados de inúmeros mortos, vítimas do cavaleiro que alimentavam as trepadeiras. No centro do círculo, havia uma poça redonda de lama negra e espessa, da qual se erguiam três objetos brilhantes, semelhantes a flechas douradas.
— O que é aquilo? — Harry perguntou, abafando um grito.
— Você sabe muito bem o que é, ladrão — trovejou o cavaleiro. — Eles são os Lírios da Vida, os tesouros que vocês vieram roubar.
— Não viemos roubá-los! — Rony exclamou.
O cavaleiro virou a terrível cabeça para fitá-lo.
— Mentira! — acusou. — Vocês os querem para si, como eu os quis há muito tempo. Vocês querem seu néctar para poder viver para sempre. Mas não o terão! Eu protegi meu prêmio muito bem.
Ele ergueu o punho coberto pela armadura.
— Quando os Lírios finalmente florescerem e o néctar fluir, somente eu o tomarei. E, então, serei o soberano de todas as sete tribos, pois ninguém será capaz de me enfrentar, e viverei para sempre.
— Ele é louco — murmurou Rony. — Ele fala como se Adin nunca tivesse unido as sete tribos. Como se o reinado de Deltora nunca tivesse existido.
— Eu acho... eu acho que ele veio para cá antes de isso acontecer — Harry sussurrou, abatido. — Ele veio para cá a fim de encontrar esses... esses lírios de que ele fala. E eles o enfeitiçaram. Ele está aqui desde então.
— Entrem no círculo — Gorl ordenou, erguendo a espada. — Devo matá-los ali, para que seu sangue alimente as trepadeiras.
Mais uma vez, eles constataram que suas pernas obedeciam somente ao cavaleiro e cambalearam pela abertura que havia entre as trepadeiras. Gorl os seguiu e levantou a espada.
N/A: Mais um capitulo postado...
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