DESCULPAS
Capítulo 10
– Desculpas –
O dia seguinte amanheceu numa rajada de luz do sol, pois resquícios do verão ainda habitavam o tempo. Os olhos de Harry se abriram tão lentamente quanto possível, e com muita força de vontade, ele se botou para fora da cama. Sua mão direita estava rígida, pois ele havia dormido sobre ela.
Apanhou suas roupas e rumou para o banheiro. Depois de tomar banho, ele deu três violentas batidas no batente da porta. Não tinha vontade de gritar, como fazia todas as manhãs. Hermione estava brava com ele, o quê significava que até que ela o perdoasse, seu dia estava completamente perdido.
Enfiado no uniforme de Hogwarts, desceu as escadas e, não sabendo se ela já descera ou não, abriu o retrato que guardava o Salão Comunal da Grifinória. Seus pés se dirigiam sozinhos para o Salão Principal, onde os alunos tomavam café. Se ele estivesse concentrado no quê fazia, teria rido daquilo.
No ano anterior, Harry conseguia se perder em Hogwarts tão facilmente como podia limpar os óculos. Agora se esgueirava por pequenas passagens secretas, descia por escadas e pátios sem nem prestar atenção. Em poucos minutos já estava no grande refeitório.
Suas mãos apanharam mecanicamente um prato e ele passou geléia nas torradas sem vê-las. Todos os seus sentidos estavam em seu nariz, e em sua magia. Foi por esta concentração que ele sentiu a magia que cercava Hermione entrar no Salão, e sentiu seu cheiro de pergaminho, tinta, madeira e algo adocicado, suave e feminino, vagando pelo ar. Ele estava de costas para a porta, mas sabia que ela o tinha visto. E sentiu-se quebrar quando o cheiro rapidamente abandonou o lugar, assim como sua dona que saia sem tomar café.
Hermione se escondera dele o dia inteiro. Ele a vira na aula de poções, onde ele acabara destruindo totalmente sua poção, por não prestar atenção no quê fazia. A castanha sentou longe dele em Transfiguração, aula quê Harry deveria ter transformado um graveto numa barrinha de ferro, e quê ele incrivelmente transfigurara sua mesa num barril. E ele a viu, ao longe, enquanto matava distraidamente as plantas que deveria estar apenas podando, em Herbologia.
O dia continuou assim nas outras aulas, onde ele deixou um rastro de destruição, perguntas sem resposta e pontos perdidos. Rony lhe socara e chutara diversas vezes durante aquele dia, mas o moreno não conseguia sair daquele estado letárgico que entrara.
O dia seguinte amanheceu da mesma forma. O Vampiro estava desatento e desinteressado, e a castanha continuava distante. Rony parecia ligeiramente enlouquecido com a situação, e vendo que Harry não conseguia prestar atenção à suas perguntas, decidiu atacar Hermione. Infelizmente, esta o mandou de volta com uma ameaça de azaração.
A situação estava se tornando a cada instante mais desesperadora. E tudo realmente ficou complicado quando Harry descobriu que teria de começar a cumprir sua detenção naquela tarde.
Às cinco horas ele estava diante das portas da Biblioteca, sem a mochila. Havia trocado o uniforme por calças jeans meio largas, uma camiseta de mangas curtas, e os cabelos ligeiramente úmidos. Seu olhar estava distante, e ele se apoiara na porta enquanto esperava. Alguns grupos de meninas passaram por ele, e uma ou outra começou a reparar na beleza que se desenvolvia no corpo que deixava de ser tão desnutrido e sofrido, pra se tornar magro, leve, ágil e com prováveis músculos futuros.
Harry seria um rapaz muito bonito nos próximos anos, era o quê pensavam. E uma das garotas do terceiro ano já apostava suas fichas no moreno, mesmo que ela ainda nada pudesse fazer para encantá-lo.
Harry Potter estava extremamente infeliz, e ligeiramente perdido. Metade dele queria sair dali, ir procurar Hermione, e mandar a detenção para o inferno. Normalmente esta era a parte que a voz da castanha mandava calar a boca. Mas a outra metade dele, a parte que tentava ser responsável, dizia que ele devia ficar ali, pois assim fora mandado.
A única coisa que as duas partes concordavam era que se ele ignorasse a detenção e fosse procurá-la, Hermione ficaria ainda mais brava com ele.
Por fim a porta se abriu, e ele entrou. Foi até a hemeroteca, que ficava bem ao fim da Biblioteca, que era tão grande que subia por dois pisos de Hogwarts.
A hemeroteca era um gigantesco amontoado de arquivos de aço, meio enferrujados, que continham algumas dezenas de séculos de edições diárias dos maiores jornais vampiros. Teoricamente os jornais deviam estar organizados por datas, e por empresas. Mas todos os anos, centenas de alunos faziam pesquisas neles, e punham tudo fora de ordem.
Um setimoanista que fora encarregado de vigiá-lo. O garoto parecia ligeiramente tenso, talvez tivesse avisado que Harry poderia atacá-lo e que ele deveria parar o moreno caso tentasse escapar. O garoto recebeu uma lata de algum produto químico malcheiroso, um paninho ralo, e a tarefa de começar a limpeza pelos próprios arquivos.
Seriam sete longas seções de duas horas cada. Mas ele não reclamou, e com toda a gratidão por uma tarefa cansativa que minasse sua distração, molhou o pano com o tal produto e começou a esfregar vigorosamente o primeiro dos trinta e dois arquivos.
A detenção acabou mais cedo que ele esperava. Os alunos vindos de famílias totalmente vampiras não eram muito acostumados com trabalhos não mágicos, mas Harry passara dez anos de sua vida trabalhando como um camelo. Trabalho manual era moleza.
Sendo assim, quando o Guardião do Dia o liberou, ele já tinha tirado a ferrugem de todos os arquivos usando o mágico produto. É claro que ele estava fedendo à produto de limpeza, e suas mãos doíam ligeiramente, além de ele ter ganho uma pequena coleção de cortes, pois os arquivos pesados necessitavam ser girados para todas as direções para serem limpos. A força sobre-humana de um Vampiro ajudava muito nessa, mas Harry não tinha toda ela. A força, assim como a magia, a resistência e outros tantos atributos vampiros cresciam junto de seu corpo. Para os padrões vampiros, ele era forte para um garoto de sua idade, mas mesmo assim bem mais fraco que muitos ali.
– Até amanhã, Potter – Resmungou ele, e saiu rapidamente dali.
Harry não estava com a mínima vontade de ficar na cheia e barulhenta Sala Comunal, então aproveitou que o toque de recolher ainda estava longe, e desceu até o Saguão de Entrada. Pensou em visitar Hagrid, mas sabia que estava tarde para ficar vagueando pelos terrenos. Não por ele, mas pelas regras da escola.
– Perdido, Sr. Potter? – Riu uma voz atrás de si. Seus olhos se depararam com a Profa. MacKinnon, que descia calmamente a escadaria de mármore.
– Não, professora – Respondeu ele educadamente. Aquela mulher, de suas roupas ligeiramente apertadas, farto busto, sorriso encantador e olhos com uma leve e eterna malícia o mirou por um segundo. Era a adoração máxima, a deusa dos rapaz da escola, mas em Harry ela exercia outra atração. Ela fora amiga de sua mãe, conhecera seus pais na época da escola. Talvez fosse bobagem dele, mas acreditava que ela era mais que apenas uma pessoa que conhecera intimamente seus pais. Ela riu de novo.
– Que tal tomar um chá comigo, na minha sala? Gostaria de tratar uns assuntos com você, e talvez possamos conversar um pouco.
Ele assentiu, e percebeu que, afinal, ela o estivera procurando.
Será que ninguém nessa escola se encontra por acaso? Pensou, divertido.
O escritório da professora continuava o mesmo: lareira, armários, porta para seus aposentos pessoais, escrivaninha, cadeiras e algumas plantas que se remexiam levemente.
Harry se aproximou de uma grande flor negra, que estava fechada num botão delicado. Parecia uma rosa feita do tecido da noite, tão bela que ele nem percebera os longos e afiados espinhos que revestiam seu caule de um verde escuro e discreto.
– NÃO TOQUE NISSO!
O berro da professora foi tarde demais. Ele já tocara na “rosa” escura. Com o leve roçar das pontas de seus dedos, todos os espinhos amoleceram, e encolheram até sumirem. As pétalas estremeceram levemente, e então se abriram, com uma delicadeza tão suave que até o silêncio se reverenciou para receber o suave perfume que a flor docemente emanou.
Era um cheiro de noite. Harry sentia o orvalho fresco, a brisa suave e fria que fazia o sangue correr mais rápido. Sentiu o cheiro de escuridão, de gelo e segurança. Sentiu todas as nuances de cheiros e sentiu o cheiro da própria noite. Cheirava como uma mistura doce de perfumes delicados, que só ele podia compreender.
A profa. MacKinnon deixou seu queixo cair uns bons dois metros.
– Você tem a mínima noção do quê acabou de fazer? – Perguntou ela. E sem esperar resposta, já emendou: – Esta flor tem veneno o suficiente para matar qualquer Vampiro na hora. Ela precisa ficar dentro de uma campânula de vidro o tempo todo, pois o mais leve toque mata... E você a fez florescer.
– Ela é linda – Sussurrou ele, sem prestar a mínima atenção ao medo da professora. Com um último olhar, ele se afastou da flor. Imediatamente ela se fechou, rápida e suavemente, e seus espinhos se esticaram novamente, prontos para matar. O moreno pegou a grande campânula de vidro que estava do lado do vaso e o pôs delicadamente sobre a flor, então o girou para o lado, prendendo-o na base onde a planta repousava. Só então virou para a professora.
– O quê queria comigo, professora? – Perguntou, educadamente.
A mulher balançou a cabeça duas vezes, murmurou algo como “Tiago”, e então sentou atrás de sua escrivaninha. À um convite seu, Harry ocupou a cadeira defronte à mesa. A bela professora MacKinnon deu uma pancadinha no topo de um belo bule de chá, que imediatamente começou a arrotar uma leve fumaça pelo bico. Ela o apanhou pela asa e despejou chá em duas xícaras.
– Então... Bem. – E tomou um gole. Harry tomou o seu também, e sentiu o gosto delicioso descer por sua garganta. – Eu, como professora de Elementos, preciso verificar a extensão de seus poderes.
Ele assentiu.
– Então, eu gostaria que você se encontrasse comigo amanhã, à meia-noite, aqui nesta sala. Eu o acompanharei até o campo de Quadribol, onde farei diversos testes com você. De acordo?
– Sim, professora MacKinnon.
– Ótimo! – Ela sorriu. Então estreitou levemente os olhos negros, e deu um sorriso levemente malicioso. – E a Srta. Granger, já o perdoou por sua pequena aventura?
Harry imediatamente fechou a cara.
– Ora vamos – Riu a mulher. – Deixo de ser, por alguns minutos, sua professora e me torno apenas Marlenne, a melhor amiga de sua mãe. Vamos, lá, Harry!
O garoto girou distraidamente a xícara de chá. O líquido levemente dourado se tornou um redemoinho, e então subitamente parou.
– Ela fugiu de mim o dia todo. Não acho que ela vá me perdoar...
Marlenne riu, e segurou suas mãos, ao redor da xícara quente, para que ele olhasse nos olhos dela.
– As mulheres possuem basicamente três funções, Harry. A primeira é botar no mundo homens idiotas que fazem coisas idiotas. A segunda é se preocupar com homens idiotas que fazem coisas idiotas. E a terceira é fazer que homens idiotas não façam coisas tão idiotas.
Ela riu.
– Sua mãe adorava dizer isso. Nunca vi alguém com maior pendor para a filosofia que aquela ruiva maluca. Mas essa é uma verdade, Harry. Hermione está fazendo a segunda coisa, está se preocupando com você. Ela tentou, com todas as forças, que você não se metesse em encrencas, e você conseguiu escapar e arranjar um problema... Ela está com medo.
– Medo? – Estranhou ele completamente. – Como ela pode ter medo de algo que já aconteceu? Eu estou a salvo e...
– Harry, Harry – Ela sorria tristemente. – Mulheres e homens são feitos de materiais diferentes. Vocês servem para mudar o mundo com força e gestos. Nós... Nós servimos para mudar o mundo com pequenas coisas...
– Minha mãe dizia isso também?
– Não – Ela riu alto, um riso cristalino e muito doce. – Estou compondo agora mesmo, de improviso! Está ficando bom?
Ele assentiu. Então ela o fez olhar para sua xícara, que ainda permanecia entre as mãos deles. O líquido começou a girar rapidamente, sem que nenhum movimento fosse feito. E então surgiu uma minúscula figura de Hermione, abraçada às próprias pernas, numa Sala Comunal escura.
– Como...?
Marlenne piscou, e então voltou a assumir seu tom e porte de profa. MacKinnon.
– Está muito tarde Potter, é melhor eu te acompanhar até sua Casa. Vamos.
Harry tomou o restinho de seu chá, que já não mostrava mais a menina, e seguiu a professora até o sétimo andar. Pararam defronte ao quadro da Mulher Gorda, onde Harry deu a senha (“Leões Dourados”, pois Mcgonnagal não estava muito original naqueles dias), e então ele a agradeceu.
O quadro girou, e realmente Hermione estava lá, descalça, usando calças leves e uma camiseta de mangas curtas, que era seu pijama. Estava sentada, meio encolhida, abraçada às próprias pernas e com o queixo apoiado em seus joelhos, olhando distraidamente para o fogo crepitante. Seus cabelos cheios estavam revoltos, e totalmente embaraçados. Harry jamais a vira tão bonita.
Ele se aproximou num silêncio que mais parecia vindo de um felino, e sentou ao seu lado. A garota assustou-se com a companhia repentina, mas então virou o rosto para o outro lado, fazendo menção de ir embora.
O moreno a segurou delicadamente pelo pulso.
– Não vá, por favor.
Ela fechou a cara, mas ficou, ainda olhando o fogo como se ele não estivesse ali. Milhares de pensamentos, bons e maus, correram pela mente de Harry, mas ele não deu ouvidos à nenhum. Uma parte dele queria forçá-la a parar de ser cabeça dura. Outra parte queria simplesmente se apoiar nela e dormir. Ele as ignorou.
– Desculpa.
E baixou a cabeça, deixando seus cabelos revoltos e negros cobrirem seu rosto. Com apenas aquela palavra ele sentiu-se imensamente cansado, e suas pálpebras pareciam chumbo de tão pesadas. Ele não sentiu movimento algum da parte dela, mas estava com tanto sono...
– Pelo quê?
Era apenas um murmúrio.
– Por ser um idiota que só faz idiotice.
E sentiu-se ainda mais cansado. Resistiu ao impulso de enfiar a cabeça entre as mãos, e dormir por anos e anos.
– Eu tive muito medo.
– Eu sei. Não queria...
Silêncio.
– Você é a pior coisa que já me aconteceu desde que... eu nem sei.
– Desculpa.
– E é a melhor coisa que me aconteceu desde antes disso...
Ele levantou a cabeça. Os olhos castanhos, da cor do mel fresco, o miraram meio divertidos, meio ressentidos. Um sorriso pequeno brotou em seus lábios macios e bem feitos, e ele sentiu todo o cansaço sumir.
– Como eu poderia não te perdoar? – Suspirou ela. Então fechou a mão e deu um soco no braço dele. Não doeu, mas ele fez uma careta. – Nunca mais faça isso de novo.
Ele ergueu o braço, e pousou a mão no próprio coração, como se fizesse o mais sério dos julgamentos.
– Juro solenemente que da próxima vez que eu roubar um carro pra ir para a escola, eu te levarei junto.
Hermione estreitou os olhos, e então pulou nos braços dele. Harry foi sufocado por uma juba de cabelos cheios e perfumados. Envolveu o corpo pequeno e macio de Hermione com seus braços pálidos, e sentiu como ela era gelada, mesmo com o tecido do pijama entre eles.
– Você é fria. – Resmungou, sem nem perceber que falava.
– E você é quentinho – Rebateu ela, se aproximando mais, como se quisesse dormir em seu colo. – Bobo.
– Você precisa aprender a socar – Debochou ele. – O quê foi aquilo? Estava tentando tirar o pó do meu braço?
Ela resmungou alguma coisa, se afastou, e puxou sua orelha.
– Tem razão. Socar não é comigo. – E puxou ainda mais.
– Ai aaaai – Gemeu ele, e tentou tirá-la de sua orelha. – Me solta, sua doida!
– Shhh – Sussurrou ela, ainda puxando a orelha dele. – Tem noção de quão tarde é?
– Me solta, Mione!
Ela o soltou, e ele esfregou a orelha dolorida com força, resmungando.
– Você tem sorte de ser uma garota, senão eu já teria...
Ela lhe mostrou a língua!
– Boa noite, Harry.
– Boa noite, rainha do gelo!
E correu, antes que sua orelha ficasse ao seu alcance novamente. Ela riu, e subiu para o dormitório. Ele tinha razão, ela era bem gelada. E ela tinha razão, ele era quentinho. Harry se enfiou debaixo das cobertas, agradeceu à Marlenne em pensamento, e fechou os olhos, dormindo com um sorriso no rosto.
Tudo estava em paz.
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Sei que prometi uma grande preleção de agradecimentos, dedicatórias, respostas e alguma coisa especial.
Sim, mas infelizmente estou num PC lentíssimo, tirando este capítulo do meu pendrive, já que meu lindo e lustroso computador está no "médico", "operando" o cooler.
Triste, mas verdade. Desculpem pela demora do capítulo e da postagem, mas aqui está.
Meu PC volta em uns dois dias. Postarei o próximo, espero, no fim de semana. Até lá.
Obrigado pelos comentários, obrigado pelas críticas, e no próximo capítulo, vocês receberão um especial de Natal.
Até o próximo, pessoal. E pros que já estão puxando o carro para as festas, FELIZ NATAL!
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