Dica nº 3



CAPÍTULO III


 


Dica nº 3


Uma mudança no visual é sempre bem-vinda... Mesmo que cause alguns contratempos.


 


Ao abrir a porta de casa, na manhã de segunda-feira, Hermione desejou ter algo nas mãos para jogar em Harry. Ele ficou longos minutos parado na soleira, os olhos arregalados, sem acreditar no que via. O pior era a expressão enigmática. Tanto podia ser de aprovação quanto de choque.


Decidindo pela primeira hipótese, Hermione tratou de erguer a cabeça com todo o cuidado, para não estragar o penteado, e procurou fingir uma segurança que não sentia.


— Pronto? — perguntou com falso desdém, cuidando para não cair do alto de seus sapatos novos.


O olhar de Harry aterrissou no decote que Beth havia feito no antes recatado uniforme.


— Sim — murmurou baixinho.


— Está bem. Então aguarde só um pouco, enquanto vou pegar minha bolsa.


Sorrindo bravamente, virou-se e caminhou para a sala de estar.


Harry sentiu-se aliviado por estar só e poder colocar o raciocínio em ordem. Umedeceu os lábios secos. Não conseguia definir o que era pior: a nova ou a velha Hermione. Ela parecia tão afetada em seus novos e esfuziantes trajes...


Desajeitada, até. Como uma criança que entrou no closet da mamãe para brincar com suas roupas.


Sentiu uma vontade imensa de entrar na casa, pedir-lhe que lavasse o rosto e que se vestisse como antes. Mas sabia que isso a magoaria demais. E ela vinha se empenhando tanto! Tinha de lhe dar crédito por isso. O que estava fazendo exigia um bocado de coragem.


Ficou pensando em como algumas mulheres tinham um dom especial para cuidar da aparência. Ann, por exemplo. Os brilhantes olhos azuis e os cabelos louros lhe caíam com perfeita naturalidade, apesar de artificiais. Em Hermione, entretanto, a mudança ficara tão esquisita!


Sim, preferia-a com as botinas horrorosas e os imensos óculos. Apoiando-se contra o batente, pôs-se a pensar na vizinha com mais cuidado.


Mas... que diabos estava fazendo? Obviamente, ouvindo demais as ladainhas do filho.


Tinha de admitir, porém, a feliz surpresa causada pelas curvas até então obscurecidas pelo tenebroso uniforme. Os seios eram maiores do que ele havia imaginado. Não exatamente voluptuosos, mas bonitos. Bem-feitos. Atraentes.


Se ela conseguisse diminuir a altura do penteado e retirar a centopéia dos olhos, provavelmente ficaria apresentável. E alguma reforma mais modesta no uniforme também seria bem-vinda. Não que Harry deixasse de apreciar os contornos escondidos há anos, mas as profundezas do decote eram no mínimo inadequadas à manhã de uma pálida segunda-feira.


Passou os dedos nos cabelos, desconsolado. Droga, uma roupa como aquela era mais apropriada ao quarto de dormir, nunca ao correio de New Hope. Balançou a cabeça, para tentar afastar aquela imagem de Hermione, e procurou encontrar uma forma de lhe dizer sua opinião.


Não! Devia ficar calado! Isso não lhe dizia respeito. Era aconselhável manter-se alheio a esse assunto, aliás. Ela era esperta e descobriria sozinha a melhor maneira de agir.


Caminhando em sua direção com passos incertos, Hermione vagarosamente alcançou a porta, levando a tiracolo uma nova e gigantesca bolsa.


— Tudo pronto — disse e, sem mais uma palavra, trancou a casa e desceu os degraus para o jardim.


Harry a seguiu, rápido o suficiente para ampará-la logo adiante. Quantas vezes a garota tropeçaria até as seis horas da tarde? Devia ser difícil equilibrar-se no alto dos arranha-céus que chamava de sapatos. Para completar, a enorme bolsa escorregou-lhe dos ombros e esparramou no chão incontáveis apetrechos femininos.


— Oh... — Hermione lamentou, apoiando-se em Harry. — Vai demorar algum tempo até que me acostume com estes sapatos. — Os joelhos destreinados novamente falharam, e ela se agarrou ao vizinho para não desabar na calçada. — Sinto muito — murmurou, empinando tanto o nariz que quase tornou a perder o equilíbrio.


— Sem problemas. Acha que ficará à vontade com esses sapatos? — ele indagou, colocando um braço ao redor da cintura delgada e erguendo-lhe o corpo desajeitado.


Onde estava se metendo? Não conseguiria realizar o trabalho no correio se tivesse de andar o dia todo com Hermione pendurada em seus braços. Na verdade, a idéia até o aprazia, pensou, avaliando as curvas sinuosas da garota que, naquele momento, tentava soltar os saltos presos entre dois paralelepípedos.


Que pernas esplendorosas! Ela era tão... sensual, e ao mesmo tempo extremamente delicada... Uma combinação que lhe despertava os mais solícitos instintos machistas. Sim, devia protegê-la.


— Droga! Parece os saltos se prenderam nos... — Hermione o fitou com expressão de profunda dor — paralelepípedos.


— Oh, venha aqui — ele falou, conseguindo liberar os sapatos e pegando-a no colo.


— Ei, você não tem de...


— Ouça — interrompeu-a Harry, andando com cuidado. — Não posso ficar o todo o dia parado enquanto você aprende a andar de salto alto. Preciso levar Dustin para a escola.


— Oh, claro.


Já na calçada em frente à própria casa, Harry lembrou-se de que a bolsa de Hermione havia ficado no chão. Suspirando, voltou e conseguiu içá-la, depois de alguns malabarismos, com o pé.


O esforço de manter o olhar distante do decote ousado o fazia suar frio. Seria capaz de prosseguir até a caminhonete?


Sabia que um dia ia se congratular por ter comprado um modelo com cabine tão ampla, precisavam de espaço extra para os imensos cabelos de Hermione. E para a bolsa. Nunca a vira com algo assim. Isso o fazia se lembrar da maleta que Ann levava para todo canto, repleta de maquiagem e cremes que a cada segundo ela passava nas mãos e no rosto.


Mulheres!, Harry grunhiu em silêncio ao colocar Hermione em pé ao lado da porta de passageiros. Dustin já estava no banco de trás, a lancheira sobre os joelhos.


Com a assistência de Harry, finalmente conseguiram colocá-la dentro do carro, com cabelos imensos e tudo. Após contar até três, Hermione foi erguida pela cintura e apoiou os quadris na beirada do banco. Em seguida, o vizinho amparou-lhe as coxas, para que ela graciosamente deslizasse a cabeça para a cabine e conseguisse aos poucos ficar em posição confortável.


Meio a contragosto, ele teve de admitir que a manobra não exigia que segurasse as pernas fenomenais. Mas simplesmente não conseguiu resistir. Tinha uma estranha urgência em saber se as coxas eram tão firmes como aparentavam.


— Olá, Hermione — Dustin a cumprimentou. — É isso que vai usar para a festa do Dia das Bruxas, daqui a seis dias?


— Já chega, filho! — o pai o admoestou ao sentar-se atrás do volante e dar a partida.


Colocando os óculos escuros, rezou para que conseguissem esconder o riso de seu olhar.


Hermione lembrou-se de quê havia comprado um par na ótica e resolveu usá-lo. Mas, desabituada a bolsas grandes, pegou-a pelo lado errado e derrubou seu novo arsenal de maquiagem no chão do carro.


Ambos suspiraram. Seria um longo dia!


  


— O que há de errado com seus olhos? — Harry perguntou enquanto rodavam rumo ao centro da cidade.


Haviam deixado Dusty na escola Tex Baker e estavam a caminho do correio.


— Não sei — Hermione respondeu, franzindo a testa e piscando repetidas vezes. — Parece que há um cisco no olho esquerdo.


— Uma dúzia deles, talvez.


— Como? — Hermione perguntou enquanto se fitava no espelho do estojo de pintura.


Sentia-se meio insegura. Ainda não sabia a opinião de Harry a respeito da mudança em seu visual. Por que ele nada comentara a respeito de seus cabelos e do uniforme?


Homens!, pensou, intrigada, ao tentar descobrir o que havia de errado com suas lentes de contato. Qual a vantagem de ter acordado às quatro da manhã para se arrumar toda quando podia ter dormido mais três horas e causado a mesma reação?


Pingou um pouco de colírio no olho irritado. Se estivesse usando as botinas, os saltos não teriam ficado presos entre as pedras e Harry jamais a teria carregado.


Era meio desconcertante, mas a experiência se mostrara... maravilhosa. Nunca havia sido tratada de maneira especial por um homem tão viril. O perfume dele era inebriante. Uma ansiedade incrível tomou conta de seu corpo. Mas era preciso ir com calma, agir com cautela. Melhor se concentrar no problema com o olho, por ora.


— Pronto, já passou. Foi uma ótima idéia você dirigir, senão eu até poderia ser multada. O guarda ia dizer: como consegue conduzir o veículo e usar esse monte de bugigangas ao mesmo tempo?


— Então — ele falou, dando uma olhadela pelo espelho lateral antes de pegar a pista da direita —, está querendo uma lista de todos os maridos em potencial, não é?


— Exatamente — respondeu ela, remexendo o interior da bolsa em busca de lápis e papel. — Conheço pouquíssimos solteirões. Caso se lembre de alguém, vou acrescentá-los à minha lista.


— Quem você já considerou?


— O primeiro nome é Cecil Yates.


Harry torceu o nariz.


— Cecil Yates? Um idiota. Por favor, pense em alguém mais decente. Há um motivo para esse fulano permanecer solteiro: tem sérios problemas de relacionamento e sua saúde está debilitada pelo excesso de cigarro.


— Isso não é verdade. Deixe-me informá-lo de que se trata de um dos mais saudáveis homens da cidade. E é muito respeitado no ramo de computadores.


— Risque-o da lista. Ele definitivamente não serve para você.


— Não vou fazer isso! De fato, pretendo começar com Cecil. Sempre que vai ao correio, fica me olhando de maneira especial. Tenho apenas de me imbuir de coragem e marcar um encontro.


— Quem mais?


— Conway Brubaker.


— Pode esquecer esse aí também — Harry ordenou com voz ríspida.


— Por quê?


— Porque ele está, digamos, tentando depredar a imagem do homem texano.


O riso de Hermione foi irônico.


— Essa é muito boa! Ouça, acho Conway Brubaker um dos rapazes mais gentis e simpáticos da região. Vem de uma maravilhosa, extensa e adorável família. O que poderia ser melhor?


— Não se importa com os boatos, então — instigou ele, aborrecido.


— O que está tentando dizer? — Hermione argüiu, encarando o perfil emburrado.


— Nada.


— Ótimo. Porque eu me ofenderia se estivesse sugerindo que estou atrás de fortuna. — Estendeu um dedo próximo ao nariz de Harry. — Os ricos também precisam de amor. Além disso, não me importo em me casar com um pobretão, desde que tenha potencial para se tornar um bom marido. E, já que é tão esperto, sr. Potter, por que não faz uma sugestão?


Harry sorriu ante a atitude ofendida dela. Ficava muito engraçadinha quando irada.


— Vou pensar um pouco. Depois a porei a par de minhas idéias.


— Ótimo — Hermione rosnou e, respirando profundamente, tentou afugentar o medo que ameaçava tolher sua coragem.


Precisava das forças intatas para enfrentar a reação das pessoas à sua nova aparência. De certa forma, sentia-se satisfeita por Harry estar a seu lado. Apoio moral era sempre bem-vindo.


  


Harry interrompeu seu trabalho para observar a comoção causada na agência de correios. O grande debate sobre o selo em homenagem ao cantor Elvis Presley morreu abruptamente quando Agnes, Minny e Ethel estudaram mais devagar a atendente.


As três senhoras eram membros da Associação dos Colecionadores Sêniores de Selos de New Hope, conhecida por A.C.S.S.N.H. Também eram as maiores fofoqueiras da cidade.


— Meu bom Deus! — Agnes criticou, levando a mão aos lábios em sinal de horror. — Quem é aquela pervertida?


O tom agudo atingiu Harry, que estava atrás de um biombo. Tinha quase certeza de que Hermione havia escutado.


Agnes era a presidente da A.C.S.S.N.H. e responsável por divulgar as novidades do dia para o pessoal da agência. Harry devia ter previsto a confusão, ele mesmo já tinha sido alvo da língua ferina da encrenqueira, e por diversas vezes. Não se importava com o que falavam a seu respeito, mas temia que comentários maldosos sobre Hermione destruíssem o pouco amor-próprio que a garota possuía.


O mais irônico era que as senhoras chamavam a todos de "querido" ou "querida", independentemente do teor da fofoca.


— Não sei — Minny respondeu, entretida com as correspondências. — Se não a conhecesse bem, diria que se trata de nossa querida Hermione.


— Oh, não! — Agnes murmurou. — Primeiro nossa querida Gina forma uma família sem se casar, e agora nossa querida Hermione se veste dessa maneira... imoral!


— Para onde o mundo está indo? — Ethel filosofou, aguçando o olhar míope.


Harry teve de se conter para não afugentar esses pássaros de mau agouro. Quem achavam que eram, para julgar Hermione? Verdade que ela havia exagerado na maquiagem, mas era sua primeira tentativa de se libertar dos modos restritos em que se enclausurara há anos. Bastava um pouco de tempo e ela rapidamente aprenderia a lidar melhor com a recém-decretada liberdade.


Harry odiava ver alguém tentando deter o vento, para o veleiro da doce vizinha parar. Sentia uma profunda afeição pela mulher que havia conquistado o coração de Dusty, E, se quisesse ser honesto consigo mesmo, a garota também estava lhe fazendo um bem danado.


Gostava genuinamente de Hermione, e era raro sentir-se assim em relação a uma mulher. Sabia que podia confiar nela, conversar de peito aberto. Após a decepção com Elly Mae, passara a tratar as mulheres como um brinquedo. Era isso que desejavam, não? A maioria das que conhecia era assim, menos Hermione. Por isso, não suportaria ver ninguém a magoar.


Felizmente, as colecionadoras de selos resolveram cuidar de seus afazeres e Harry ficou imerso no trabalho até que outro burburinho atraísse-lhe a atenção.


Mas o que estava acontecendo?, pensou, e esticou o pescoço para espiar. O saguão estava apinhado de homens de todas as idades, alturas e larguras, sorrindo e papeando a respeito do novo visual da atendente dos correios. Obviamente, Agnes trabalhara bastante. E com eficiente rapidez.


Ealph Emmett, de dezoito anos, estava debruçado sobre o balcão, sorrindo para Hermione.


— Dê-me um selo de um centavo, doçura.


Ela, aparentemente já conseguindo dominar os sapatos de salto alto, caminhou com elegância rumo à gaveta onde ficava esse tipo de selo. Abaixou-se, retirou um e voltou para perto de Ralph.


— Obrigado, querida. Sinto muito, mas acabei de me lembrar que preciso de mais um.


A platéia masculina se inclinou para a frente quando ela repetiu a seqüência de movimentos.


Harry ficou preocupado. Será que Hermione não percebia que estava fazendo papel de boba? Bem, talvez nem se importasse. Na verdade, a vizinha já era crescida, e sabia tomar conta de si. Mas, se metade da população masculina de New Hope continuasse ali, ele seria obrigado a dar uns tiros para o alto, a fim de espantar os gaviões atarantados.


— Adorei seu novo uniforme — Ralph elogiou. — Especialmente na frente.


— Ah, pare com isso — Hermione pediu, enrubescendo. Harry pôs todos os sentidos em alerta. Será que ela encorajava o rapaz?


— Você está muito mais bonita — Harold lhe garantiu, e um coro masculino lhe deu respaldo. Inclinando-se para talar ao ouvido da garota, o moço continuou: — É verdade o que andam dizendo?


As sobrancelhas de Hermione se arquearam, em sinal de curiosidade.


— O que estão falando?


"Não a magoe, seu idiota, ou estourarei seus miolos!", Harry ameaçou silenciosamente.


— Que louras se divertem mais. É verdade?


Hermione deu uma olhadela ao redor, notando a pequena multidão de rapazes com a atenção centrada nela. Deu de ombros.


— Eu não sei.


Respirando fundo, Harry retornou ao trabalho.


Hermione foi à sala dos fundos, em direção à pequena geladeira, onde estava seu almoço. Depois de ter retirado uma sacola marrom e um refrigerante, aproximou-se de Harry, sentado à mesa.


Os rapazes haviam, finalmente ido embora. Seu corpo doía, pelo esforço de vestir roupas e sapatos aos quais não estava habituada. Nunca vendera tantos selos de um centavo. Estava exausta.


Saudosa de suas confortáveis botinas pretas, tirou os sapatos e massageou os pés inchados. Passou a nutrir um profundo respeito por Ann. Equilibrar-se naquelas plataformas exigia muito talento e força de vontade.


Harry levantou o olhar do caderno de esportes para ver se a comida em banho-maria estava aquecida. Mas então, parecendo aborrecido com algo, voltou à leitura.


Hermione ficou preocupada com o motivo do mau humor, imaginando se poderia fazer alguma coisa para ajudá-lo. Mas, pensou, dando uma olhadela na bagunça da sala, nada entendia de reformas. O que o perturbava certamente fugia de sua alçada.


Em vez de procurar descobrir o que o atormentava, ela tratou de fazer uma pergunta que a intrigava há três anos:


— Harry? — disse, pegando o sanduíche de atum embrulhado em papel-alumínio.


— Sim? — Ele despregou os olhos do jornal e Hermione sentiu-se intimidada pela expressão pouco amistosa.


Mas decidiu arriscar:


— O que aconteceu com a mãe de Dusty? — Imediatamente percebeu que o vizinho não gostava de falar sobre Elly Mae. — Quero dizer, lembro-me de quando ela partiu, mas nunca soube o motivo que levou a isso. — Era certo que Agnes, Minny e Ethel haviam especulado dúzias de razões para tal atitude, mas Hermione gostaria de saber a verdade. — Tenho estado muito curiosa a este respeito ultimamente.


— Por quê? — Harry procurou se ocupar, servindo-se de café da garrafa térmica.


— Fiquei apenas pensando qual seria o tipo de mulher com a qual se casou. Estou realizando uma pesquisa, lembra-se? Procurando decifrar o que faz um homem tomar coragem para o matrimônio.


Encarando-o com ar suplicante, Hermione pegou o lanche e prendeu a respiração, quase antecipando uma resposta malcriada.


Harry permaneceu calado, a expressão pensativa ao bebericar o café.


— Além disso — pressionou — a informação poderia me ajudar a entender melhor Dusty.


Colocando os cotovelos sobre a mesa, ele segurou a xícara com ambas as mãos e a fitou atentamente.


— Bem... por onde quer que eu comece?


— Pelo início.


— Ficaremos aqui até a noite.


— Tenho tempo — encorajou-o.


Não podia perder essa oportunidade valiosa de satisfazer sua curiosidade. A medida que Harry fitava o vazio e sua mente retrocedia alguns anos, Wendy podia ouvir Ralph Emmett de novo no balcão, perguntando a que horas ela estaria de volta do almoço. Homens eram criaturas curiosas, pensou. Uma pena que o garoto não fosse uns quinze anos mais velho.


Ralph parecia cativado por sua nova aparência, mas Hermione não se sentia tão desesperada a ponto de aceitar uma criança crescida. Apoiando o rosto nas mãos, sorriu docemente para seu charmoso vizinho. O papai de Dusty fazia mais seu tipo.


— Elly Mae e eu éramos namoradinhos desde o colégao. Elly Mae Barston. A garota mais linda de New Hope.


— Mesmo?


Hermione sabia disso, havia conhecido a moça. Harry sorriu ao se lembrar de algo.


— Ela foi eleita a menina mais bonita, popular e, se não estou enganado, formávamos o casal mais perfeito da escola. Como você sabe, eu sempre tive uma queda por, digamos, garotas bonitas.


Os olhos marotos foram atraídos pelo decote de Hermione e ela, constrangida, dedicou-se ao sanduíche para tentar aliviar o desconforto.


— Continue.


— De qualquer maneira, formávamos um casal e tanto. Eu em meu uniforme do time de futebol, o Jackrabbit...


— Jackrabbit? Quer dizer que o time de futebol da escola chamava-se Jackrabbit? Eu não sabia... — Apoiando-se no encosto da cadeira e colocando os pés sobre uma banqueta, ela desatou a rir. — Agora posso imaginar por que Elly Mae não resistiu a você...


Olhando com divertimento para o chão, Harry protestou:


— Ei, nós éramos ágeis.


— Posso apostar que sim. Entre outras coisas.


Harry observou-lhe os sapatos, descansando mais adiante. Depois, começou a rastrear os pés e os calcanhares, subindo pelas coxas bem-torneadas.


— Admito que a achava... inocente.


— Volte à história, Potter — ordenou ela, procurando o saquinho com tiras de cenoura na sacola.


Harry desviou os olhos das pernas bem-feitas.


— Está bem. Deixe-me ver... Após terminar o colegial, Elly Mae passou por maus bocados, tentando arrumar emprego. Acho que nesse momento compreendi que ela era o tipo de pessoa que considera o segundo grau o ápice da vida. — Respirou fundo antes de prosseguir: — Em outras palavras, ninguém queria lhe dar um emprego só porque era bonitinha. Assim, ela ficava em casa, vendo novelas na televisão. Talvez tenha encontrado uma escapatória ali, porque tornou-se maníaca por isso, chegando a tentar reger sua vida pelo que via na tela. Não sei entrar em outros detalhes porque estava muito ocupado, trabalhando em projetos durante o dia e freqüentando cursos técnicos à noite.


Hermione aquiesceu, pensativa.


— Entendo...


Inclinando-se, Harry roubou um naco de cenoura e o saboreou antes de continuar:


— Sua novela favorita chamava-se O hospital turbulento, e a personagem predileta era Daisy Knights. Acho que Mae ansiava pela vida excitante e glamourosa que Daisy levava. Bem no gênero dos saudosos tempos de colegial.


— Faz sentido — Hermione observou, surpresa com tanta objetividade.


Acima de tudo, era surpreendente como ele analisava e aceitava as necessidades de Elly Mae.


— Então ela começou a adaptar sua vida à da personagem. Quando Daisy se casou, Elly Mae se casou. Na época em que a outra ganhou nenê, fez o mesmo. E, quando Daisy teve uma crise nervosa, mudando seu nome para Day e fugindo com outro homem... — Harry pousou os olhos acinzentados nela e então baixou as pálpebras. — Bem, você pode imaginar.


Hermione fez um gesto com a cabeça, assentindo.


— Sinto muito — sussurrou.


E sentia mesmo. Lamentava por ele e pela mulher, que havia perdido o prazer de envelhecer com aquele homem maravilhoso. Mas, acima de tudo, sofria pelo pequenino, ainda um bebê, que fora privado do amor da mãe.


— Não sinta — Harry pediu, pegando algumas batatas fritas do saquinho sobre a mesa. — Já superei. — O sorriso era de resignação. — Elly Mae mudou seu nome para Elle e transferiu-se, com seu novo e rico marido, para Nova York. Felizmente cedeu-me a custódia de Dustin. Ser mãe não era o seu forte.


Hermione arregalou os olhos, consternada. Algumas vezes a vida era tão cruel! O drama relatado lhe deu um novo panorama da personalidade de Harry e da maneira como agia com as mulheres.


Compreendeu a observação que ele fizera, sobre o fato de os homens de sua lista de pretendentes serem ricos. Esse aspecto o magoava. Demais.


De qualquer modo, parecia haver quase um laço de parentesco entre eles. Sim, o rapagão à sua frente escondia-se atrás de uma máscara que havia inventado para se proteger, assim como ela. Lá no fundo, não eram tão diferentes assim.


O sino da igreja deu duas badaladas. Hermione sabia que estava na hora de retornar ao balcão, para atender Ralph e outros curiosos que tivessem ido checar as informações de Agnes.


Suspirando, tirou os pés da banqueta e tentou acomodá-los, com bolhas e tudo, dentro dos maravilhosos sapatos novos. Seria um longo dia.





Obs: Oiiii pessoal!!!Eu peço mil e uma desculpas pela demora mais que demorada para atualizar minhas fics....vou tentar voltar a postar com mais frequencia....bjux a todos!!!!!

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