Capitulo XXV



- Ele atacou Gina. Não viu em que estado está a blusa dela? - Ele continuava a falar lentamente, com um sotaque irlandês bastante carregado. - Tire-a daqui.
- Eu vou fazer isso, vou fazer, prometo. Mas solte esse sujeito patético agora. Ele não vale a pena, querido, por favor.
Talvez fosse a voz, a maneira melódica de falar que lembrava a terra natal de Harry, mas algo amenizou a onda de fúria que o dominava completamente. Ele soltou o pescoço do homem, que desabou no chão, lutando para respirar.
- Ele a encurralou na baia. Encurralou, você entende? E ousou colocar as mãos nela.
Molly assentiu. Seu olhar desviou-se para o marido. Muito tempo atrás, Arthur a salvara de um bêbado em uma situação parecida. Ela era capaz de compreender a reação violenta e fulminante de Harry. Ainda mais por ele ser um irlandês de sangue quente.
- Ela está bem agora. Você a salvou.
- Ainda não terminei. - Harry disse isso tão calmamente que Molly nem teve tempo de piscar ao vê-lo acertar um direto no queixo do homem gordo, que ainda estava de joelhos, arremessando-o contra a parede como um saco de batatas.
- Pare! - Não enxergando outra forma de deter aquilo, Gina se colocou entre os dois homens e empurrou os ombros de Harry para trás com as duas mãos. Apesar de usar toda a sua força, não conseguiu movê-lo um centímetro, mas o gesto deu resultado. - Basta! É apenas uma blusa rasgada, e ele é um bêbado estúpido. Chega disso, Harry, por favor...
- Está errada. Nunca vai ser o bastante, Ele bateu em você, Gina, e vai ter que pagar por isso.
Tarmack estava de quatro no chão, resfolegando. Num gesto impessoal e firme, Arthur agarrou-o pelo colarinho, colocando-o de pé.
- Sugiro que peça desculpas à minha filha e suma daqui, ou eu posso deixar o garoto cuidar de você.
O estômago de Tarmack doía, e ele sentia o gosto do próprio sangue na boca. Ao notar os olhares de censura da multidão que se amontoava na entrada da baia, sentiu uma humilhação profunda.
- Você pode ir para o inferno. Você e todo o resto dos Weasley. Eu vou fazer uma queixa.
- Vá em frente. - Os lábios de Arthur curvaram-se num sorriso frio. - É um bêbado estúpido, como minha filha disse. E, para piorar tudo, você a agrediu.
- Ele estava gritando com ela, Sr. Weasley. - Larry conseguiu encontrar um meio de passar no meio dos curiosos. - Eu o ouvi ameaçá-la quando estava voltando para ver o cavalo. E ainda acertou um soco na cabeça da senhorita.
Arthur bloqueou o avanço imediato de Harry, sentindo o corpo do jovem tremer sob seu braço.
- Espere - ele comandou em voz baixa, e voltou a atenção novamente para Tarmack.
- Fique longe do que é meu, Tarmack. Se encostar um dedo em minha filha outra vez, o que Harry fez com você vai parecer uma brincadeira perto do que farei.
Encorajado por achar que Harry já não era uma ameaça, Tarmack limpou o sangue do rosto com a costa da mão.
- E daí que eu a toquei? Foi só para chamar sua atenção, nada mais. E a moça não parece se importar de ter mãos nela. Não parecia nem um pouco incomodada enquanto esse gorila idiota a apalpava.
Harry lançou-se à frente, mas Arthur estava mais próximo e foi mais rápido. Seu punho cerrado atingiu o queixo de Tarmack com a força de uma marreta. O homem revirou os olhos ao desabar outra vez no chão.
- Molly, pode levar Gina para casa, por favor? - Arthur passou os olhos pela multidão. Uma de suas sobrancelhas estava arqueada, como se estivesse pronto para responder a qualquer comentário. - Será que alguém podia chamar a segurança?

- Não devíamos ter saído de lá. - Gina andava em círculos pela cozinha. Olhava para fora cada vez que passava pela janela. Por que ainda não tinham voltado?
- Querida, você está tremendo. Acalme-se, sente-se e tome seu chá.
- Não posso. O que há de errado com os homens? Quase fizeram picadinho daquele idiota. Posso entender a reação de Harry, mas nunca esperava ver papai agindo assim.
Genuinamente surpresa, Molly encarou a filha.
- Por quê?
Consumida pela preocupação, Gina passou os dedos entre os cabelos.

- Ele sempre foi tão contido... Não é como você, que tem pavio curto... - Ela suspirou.
- Não quis ofender - murmurou, e então viu que a mãe estava sorrindo.
- Tudo bem. Meu temperamento pode ser, digamos, um pouco mais espontâneo do que o de seu pai. Mas ele tende a agir fria e deliberadamente quando é preciso. E foi. O canalha feriu e aterrorizou a garotinha dele.
- Esta garotinha estava a ponto de enfiar um cravo de ferradura na cabeça daquele gordo. - Gina deixou o ar escapar. - Nunca tinha visto papai bater em ninguém, e ele não parecia querer parar.
- Seu pai não usa muito os punhos porque não precisa. Mas ficou furioso com o que aconteceu, Gina.
Molly hesitou, então indicou uma cadeira.
- Sente-se por um minuto, filha. Anos atrás, - ela começou - logo que vim trabalhar aqui, uma noite fiquei até mais tarde no estábulo. Um dos cavalariços tinha bebido. Ele me encurralou, e eu não pude reagir.
- Oh, mamãe!
- O homem estava começando a rasgar minhas roupas quando seu pai apareceu. Eu pensei que ele ia bater no sujeito até matá-lo. Não disse uma palavra, o rosto não tinha expressão alguma, somente golpeava o homem como uma máquina fria e mortal. Foi o que vi em Harry hoje. - Gentilmente, ela tocou no hematoma roxo na têmpora de Gina. - E não posso culpá-lo por isso.
- Eu não o culpo. - Ela segurou as mãos da mãe. - Mas hoje não foi a mesma coisa. Tarmack estava maluco por causa do cavalo, não queria nada comigo especificamente.
- Ameaças são ameaças. Se eu tivesse chegado lá primeiro, provavelmente teria agido como os dois agiram. Não julgue Harry por causa disso.
Gina sorveu um gole de chá.
- Mãe, o que Tarmack disse sobre Harry... sobre ele estar me apalpando... não foi bem assim. Não é assim entre nós.
- Eu sei. Você está apaixonada por ele.
- Sim. - Era ótimo poder dizer isso. - E ele me ama. Só que ainda não conseguiu tomar coragem para dizê-lo. Mas estou preocupada com papai... Todos ficaram de cabeça quente. E se ele entender errado o que aquele bastardo disse? - Ela levantou-se outra vez. - Por que diabos eles não chegam?
Nos dez minutos seguintes Gina continuou andando de um lado para outro, e então finalmente decidiu tomar uma aspirina para amenizar a dor de cabeça que sentia.
No momento em que estava fazendo isso, ouviu o ruído de motores se aproximando. Correu até a porta dos fundos a tempo de ver a picape de Harry passar, e a do pai estacionar ao lado da casa.
- Perdi todo o show. — Embora falasse num tom casual, Rony parecia tão preocupado quanto o pai. - Você está bem?
- Estou bem. - Mesmo abraçando o irmão, Gina permaneceu com o olhar fixo no pai. Não podia dizer nada a julgar pela expressão fechada dele. - Estou absolutamente bem
- repetiu, andando até ele, ao vê-lo descer da caminhonete.
- Gostaria que você entrasse.
Contido. Era impressionante, até assustador, ver que Arthur conseguira se controlar novamente depois daquele rompante de fúria.
- Eu vou. Mas preciso ver Harry antes. - O olhar dela implorava compreensão. - Tenho que falar com ele. Volto logo, prometo.
Depois de tocar levemente no ombro do pai, Gina se afastou, caminhando na direção da casa da garagem.
- Deixe-a ir, Arthur - Molly murmurou, parada na porta da cozinha. - Ela precisa fazer isso sozinha.
Com o sobrecenho franzido, ele observou a filha correr para outro homem.
- Ela tem cinco minutos.
Gina alcançou Harry antes que ele subisse os degraus da escada ao lado da garagem. Ela gritou, acelerando o passo.
- Espere! Eu estava tão preocupada. - Ela teria se jogado nos braços dele, mas Harry deu um passo para trás. Sua expressão era gélida. - O que aconteceu?
- Nada. Seu pai cuidou de tudo. O homem não vai incomodá-la mais.
- Não fiquei preocupada com isso - ela disse rápido. - Está tudo bem com você? Achei que podia se complicar. Eu devia ter ficado para dar um depoimento. Tudo foi tão confuso...
- Não houve nenhum problema, nada com que deva se preocupar.
- Ótimo. Harry, eu queria dizer que eu... Oh, céus! Suas mãos! - Gina segurou as mãos dele, sentindo vontade de chorar ao ver que os nós dos dedos estavam machucados. - Oh, eu sinto muito! Pobrezinho... Vamos subir. Eu cuidarei delas.
- Posso cuidar de mim mesmo.
- Precisam ser limpas e...
- Não quero você rondando por aqui. - Harry livrou as mãos e soltou um palavrão quando notou que o rosto de Gina tinha ficado pálido e as primeiras lágrimas começavam a rolar.
- Droga, pare com isso. Não estou com humor o bastante para lidar com uma mulher chorosa.
- Por que está me tratando assim?
- Tenho muito o que fazer. - Ele se virou, começando a subir as escadas. Sentia-se furioso e miserável. - Você não quer que eu a defenda. - Voltou a se virar, encarando-a com olhos dardejantes.
- Sobre o que está falando?
- Sou bom o bastante para um pouco de diversão embaixo dos lençóis ou para ajudá-la com os cavalos. Mas não para defendê-la.
- Isso é absurdo! - As lágrimas contidas nas últimas horas corriam descontroladamente.
- Acha que eu devia ter ficado parada, assistindo a você matar aquele sujeito?
- Sim - ele disparou, segurando-a pelos ombros. - Tirou isso de mim, como sempre, e acabou entregando a responsabilidade para seu pai. Eu devia fazer aquilo, mesmo sendo apenas um gorila irlandês.
- O que está acontecendo aqui? - Pela segunda vez no dia, Arthur interrompeu uma discussão, e Molly agora estava a seu lado. Logo notou as lágrimas da filha e lançou um olhar fulminante para Harry. - Que diabos está acontecendo aqui?
- Não tenho certeza - Gina enxugou os olhos quando Harry a soltou. - Este idiota aqui acha que eu penso como Tarmack, só porque não o deixei fazer aquele canalha em pedacinhos. Aparentemente, acha que eu desprezei sua ajuda. - Ela olhou para a mãe. - Estou cansada...
- Vá para casa — Arthur ordenou. - Quero falar com Harry.
- Recuso-me a ser tratada como uma criança outra vez. Esse é um assunto meu. Meu, e...
- Não fale nesse tom com seu pai. - A ordem ríspida de Harry provocou reações variadas. Gina engoliu em seco, Arthur arqueou as sobrancelhas e Molly lutou para conter um sorriso.
- Desculpe, mas estou cansada de ser interrompida e ouvir ordens como se fosse uma menina de oito anos de idade.
- Então pare de agir como uma - Harry sugeriu. - Minha família podia não ser a melhor do mundo, mas pelo menos eles me ensinaram sobre respeito.
-Eu não vejo o que isso...
- Fique quieta!
O comando deixou-a aturdida e sem fala.
- Peço desculpa por causar outra cena - Harry disse para Arthur. - Ainda estou meio nervoso. E não lhe agradeci por ter cuidado de tudo para que eu não tivesse problemas com a segurança.
- Havia várias testemunhas que viram o que aconteceu. Você não vai ter nenhum problema, pode ficar tranqüilo.
- Um minuto atrás você estava zangado porque meu pai cuidou de tudo.
Harry olhou-a de relance.
- Estou zangado com tudo.
- Oh, mas que ótimo! - Já que todos pareciam estar violentos, Gina resolveu não se reprimir e espetou o dedo indicador no ombro dele. - Então você está zangado. - Virou-se para os pais. - Ele teve a idéia ridícula de que não o achei bom o bastante para me defender daquele gorducho bêbado. Bem, tenho novidades para você, seu irlandês cabeça-dura... - Ela bateu no peito, inflamada. - Eu estava me defendendo muito bem sozinha!
- Você também é meio irlandesa, sua cabeça-de-vento, e o homem tinha o dobro de seu tamanho e força.
- Estava cuidando dele, mas gostei de sua ajuda.
- Gostou nada! Agiu como sempre faz. Tem que cuidar de tudo sozinha. Ninguém é tão esperto, ágil ou capaz como você. Oh... mas é bom assobiar para me chamar como um cão quando quer se divertir, não é?
- É isso que você pensa? - Gina estava lívida, sua voz mal passava de um sussurro.
- Que eu fiz amor com você para me divertir? Seu bastardo vil, cretino e insensível!
Ela ergueu os punhos, e os teria usado, mas Arthur adiantou-se e pegou Harry pelo colarinho. Sua voz era baixa, grave.
- Eu deveria quebrar sua cara.


Continua...

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.