Capitulo XXIII
- Faça o melhor que puder - ele murmurou, saindo da baia em seguida. Um sorriso curvou-lhe teimosamente os lábios quando ouviu Gina começar a cantar a velha canção sobre o dublinense que gostava muito de um bom uísque.
Quando chegou à baia de Betty, meneou a cabeça desconsolado.
- Eu já devia saber. Se nós desviamos de um Weasley, aparece outro, até que acabamos tropeçando neles.
Arthur estava acariciando o pescoço da potranca.
- Quem está cantando? É Gina?
- Ela está sendo sarcástica, mas tudo bem para mim, desde que o trabalho seja bem-feito. Sua filha colocou na cabeça que precisa trabalhar como cavalariça para Finnegan.
- Ah, isso é natural nela. A cabeça dura e a habilidade para lidar com cavalos são traços de todos os membros da família.
- Nunca tinha visto antes ricaços que gostassem tanto do cheiro de cocô de cavalo! Nós não precisamos deles, não é, querida? — Harry colocou as mãos no rosto de Betty, e ela balançou a cabeça, depois brincou com o cabelo dele.
- Droga, essa potranca parece mesmo ter uma queda por você! - Arthur observou.
- Ela pode ser sua dama, senhor, mas é meu verdadeiro amor. Você não é mesmo linda, coração? - Ele passou a sussurrar em gaélico bem perto da orelha de Betty, e aquilo a fez ficar subitamente atenta, com o corpo estranhamente tenso.
- Ela gosta de ficar excitada antes de correr - Harry murmurou. Como vocês dizem... entrar no clima, que nem os jogadores do seu futebol americano. É realmente um esporte muito esquisito, esse de vocês.
- Ouvi dizer que você ganhou o bolão do jogo no último domingo - Arthur comentou.
- Apostar é a única coisa que entendo sobre esse seu futebol. – Harry pegou as rédeas da potranca. - Vou levá-la para passear em volta da pista antes da competição. Ela gosta de se exibir. Você e esta beleza vão aparecer no círculo dos vencedores, pode apostar.
Arthur sorriu.
- Estarei observando tudo ao lado da pista.
- Vamos mostrar a ele. - Harry disse, conduzindo Betty para fora da baia.
Gina terminou de polir os metais da sela, massageou os ombros cansados e decidiu que era hora de tomar um energético antes de ter uma última conversa musical com Finnegan.
Saiu para fora do estábulo e piscou por causa da súbita exposição à luz solar. Quando conseguiu focalizar os olhos, viu Harry perto da porta do estábulo, sentado em um balde virado.
Ficou alarmada imediatamente. Ele segurava a cabeça entre as mãos e estava imóvel como uma pedra.
- O que é? O que foi? - perguntou; indo até lá e agachando-se para ficar a seu lado. - E Betty? - Sua respiração estava entrecortada. - Pensei que Betty estava correndo.
- Estava. Já acabou. Ela venceu.
- Céus, Harry, pensei que tivesse acontecido algo errado!
Erguendo a cabeça, ele a encarou com os olhos umedecidos pela emoção.
- Dois corpos e meio - disse. - Venceu por dois corpos e meio, e juro que ela nem mesmo se esforçou. Nada pode tocá-la, você entende? Nada. Nunca em toda a minha vida tive um cavalo assim nas mãos. Ela é um milagre.
Gina repousou as mãos nos joelhos dele, sentando-se nos próprios calcanhares. Estava olhando para um homem totalmente apaixonado por seu trabalho.
- Você a fez. - Antes que ele pudesse falar, meneou a cabeça. - É o que me disse uma vez. Você não treina cavalos, você os faz. Não pode se esquecer disso agora. Betty sempre foi forte. Agora vai precisar ensinar a ela um pouco de humildade, para que possa encarar a pressão constante das competições.
Ainda emocionado, Harry passou os dedos entre os cabelos e riu.
- Bem, sinto decepcionar você, mas ela nunca vai aprender o significado da palavra humildade.
- Por que não está com ela?
- Isso é para seus pais. A potranca é deles.
- Você também tem muito o que aprender. - Gina se levantou, batendo nos joelhos para limpar a calça jeans. - Bem, Finnegan vai ter que descer para a pista daqui a pouco. Por que não vai comigo e dá uma checada nele?
Harry respirou fundo, deixou o ar sair lentamente e então se levantou.
- Achei que queria cuidar de tudo sozinha - ele disse ao acompanhá-la para dentro do estábulo. - E não seria uma má idéia apostar nele. Jogue até a quinta colocação, tenho certeza de que ele chegará entre os primeiros.
- Pretendo fazer isso. - Enquanto Harry checava o enfaixamento das patas de Finnegan, Gina retirou alguns papéis do bolso da jaqueta que estava pendurada na parede da baia.
- As faixas foram bem colocadas. - Ele passou o dedo indicador nos arreios. - E você poliu os metais muito bem.
- Fico feliz por aprovar meu trabalho. Da próxima vez pode fazer isso sozinho. - Ela estendeu os papéis, entregando-os a ele.
- O que é isso.
- Documentos transferindo para você metade dos direitos de propriedade sobre Flight of Fancy, também conhecido como Finnegan.
- Do que diabo está falando?
- Ele é metade seu, Harry. Isso só torna tudo legal.
As palmas das mãos dele ficaram suadas.
- Não seja ridícula. Eu não posso aceitar.
Gina já esperava que ele recusasse inicialmente, mas não esperava vê-lo pálido daquele jeito.
- Por quê? Você é responsável pelo retorno dele. Foi você quem o recuperou e treinou.
- Algumas semanas de trabalho, usando meu tempo livre. Agora guarde isso e pare de ser tola.
Negando-se a aceitar os papéis de volta, Gina simplesmente deu dois passos para trás.
- Primeiro, ele não estaria correndo hoje se não fosse por você. E segundo, está tão afeiçoado a ele quanto eu estou. Provavelmente mais. Se o problema é dinheiro...
- Não é isso. - Mas parte de Harry sabia que era exatamente esse o problema. Porque o dinheiro era de Gina.
- Então o que é?
- Eu não possuo cavalos. Não quero ser um proprietário.
- Isso é uma pena, porque você já é um. Meio proprietário, pelo menos.
- Eu já disse que não vou aceitar isso.
- Discutiremos o assunto mais tarde.
- Não há nada para discutir.
Gina saiu da baia com um sorriso enigmático nos lábios.
- Quer saber, Harry? Não é porque consegue controlar um cavalo de quinhentos quilos que vai conseguir me intimidar nem me fazer recuar um centímetro sequer. Agora eu estou indo apostar em nosso cavalo. E vou apostar tudo na ponta.
- Ele não é nosso... - Harry se calou irritado, vendo-a afastar-se com passos decididos.
- E você não deve fazer essa aposta, droga! - murmurou. - Não é nada pessoal, amigão - disse, dirigindo-se a Finnegan, que o observava com seus grandes olhos tristes. - É que eu nunca fui dono de nada. Isso, porém, não significa que não tenha grande afeição e respeito por você, porque eu tenho. Mas o que acontecerá se eu decidir ir embora dentro de um ou dois anos? E mesmo que não faça isso... bem, acontece que me incomoda ganhar um cavalo de uma mulher. Sobretudo dessa mulher. Mesmo que seja apenas meio cavalo. Bem, não se preocupe. Nós vamos esclarecer tudo isso mais tarde.
Ele não devia estar nervoso. Era patético. Tratava-se apenas de outro cavalo, de outra corrida. E não era como Betty, um talento brilhante. Aquele era um comedor de maçãs de bom coração que, apesar de ser um puro-sangue, tinha experimentado o sabor da decadência em sua curta carreira.
Harry se afeiçoara a ele, claro, e queria vê-lo conquistar seu lugar ao sol. Mas não alimentava nenhuma ilusão quanto a transformá-lo de novo num campeão.
Simplesmente tinha ajudado o cavalo a voltar a fazer aquilo para o que nascera. O que já era um verdadeiro milagre.
Apesar de toda a lógica, o estômago de Harry se retorcia por causa da tensão.
- A pista está seca e rápida - ele disse a Larry, pouco antes do sinal para que os jóqueis posicionassem os animais dentro da cancela. - Isso é bom para ele. Foi posicionado na raia central, e ele também gosta disso. Blue Devil, o cavalo número seis, o favorito nas apostas, uma barbada. Existe motivo para isso.
- Eu conheço Blue Devil. - Larry assentiu, sem parar de mastigar a goma de mascar...
- O bicho é esperto como uma serpente. Gosta de sair na frente, imprimindo um ritmo forte. Em geral lidera de ponta a ponta.
- Espero que ele aja exatamente assim hoje. Quero que você faça Finnegan prestar atenção nele. Não o force, deixe-o livre depois da primeira volta. Deixe que ele teste as próprias patas.
- Vou cuidar bem dele, Sr. Potter. Aí vem a srta. Weasley... Ele parece ótimo, a senhorita foi muito boa com nosso amigo aqui.
- Sim. - Quase sem fôlego por voltar correndo do guichê de apostas, Gina abraçou o pescoço de Finnegan com carinho. - Nós fomos.
Quando soou o sinal para que os competidores tomassem posição, ela deu um passo para trás.
- Boa sorte.
- Fale com ele. — Foi o último lembrete que Harry deu a Larry. - Não se esqueça de falar com ele por todo o percurso. Não deixe que ele se esqueça por que está aqui.
- Eles parecem bem - Gina declarou. - Pegue...
- O que é isso agora?
- Suas pules. Coloquei cinqüenta dólares para você.
- Você... droga!
- Vai poder me pagar de volta com a parte do lucro - ela murmurou num tom angelical.
- Melhor nos apressarmos. Não quero perder a largada. Você viu minha família?
- Não. Eles estão por aí. Os Weasleys estão espalhados por todo este lugar. - Temendo que Gina esbarrasse em alguém, ele a conduziu pela mão entre a multidão de cavalariços, treinadores e curiosos que se amontoavam na parte lateral da pista. - Não sei por que não subiu até o bar, onde podia assistir a tudo num ambiente mais civilizado.
- Esnobe.
- Não é uma questão de... - Harry desistiu. - Quero que você rasgue aqueles papéis.
- Não. Veja! Já estão se posicionando nas cancelas...
- Não vou aceitar metade de seu cavalo.
- Nosso cavalo. Quem é o número três? Eu perdi meu programa.
- Prime Target, oito por cinco, gosta de vir de trás... Gina, foi um bonito gesto, mas...
- Foi um gesto sensato. Certo, lá vamos nós. - Ela encarou Harry com um sorriso brilhante. - Nossa primeira corrida.
O sino soou.
Eles saíram dos boxes, dez corpos musculosos levando homens pequeninos nas costas. Em segundos se transformaram numa massa veloz na qual mal se conseguia distinguir onde começava um animal e terminava o outro. Até mesmo as cores vistosas das jaquetas de seda dos jóqueis pareceram se fundir no momento da partida, formando um mosaico multicolorido. O ruído das patas em tropel era impressionante.
Fechando os olhos, Gina segurou a mão de Harry com força.
A excitação a impedia de respirar e até mesmo de pensar com clareza.
Nuvens de poeira levantaram-se da pista seca, os jóqueis projetando os corpos para a frente como bonecos. Os cavalos separaram-se em dois grupos no começo da segunda volta.
- Ele está mantendo o quarto lugar - Gina gritou. - Está agüentando firme!
O cavalo líder distanciou-se. Uma cabeça, um corpo, um corpo e meio. Finnegan afastou-se um pouco da cerca e correu pela raia mais próxima, passando para terceiro.
Gina ouvia a multidão ao redor, o rumor abafado das vozes, mas, acima de tudo, ouvia o próprio coração bater no mesmo ritmo dos cascos dos cavalos.
Aquelas patas esticadas, lançando-se, avançando.
- Ele está ganhando! - gritou, começando a rir, ainda agarrada na mão de Harry. A julgar por sua alegria, era como se ela mesma estivesse na sela do cavalo. - Está ganhando. Passando para segundo. Olhe só para ele!
Harry estava olhando e seu sorriso ia de orelha a orelha.
- Não dei bastante crédito a ele, santo Deus... Nem cheguei perto. Ele vai passar por fora. Se a mágica ainda estiver nele, vai conseguir.
E Finnegan correu por fora, um cavalo grande, feio, com pules de vinte por um e um jóquei decadente na sela. Movia-se como uma bala, levantando poeira, ameaçando o líder, correndo cabeça a cabeça com o favorito enquanto a multidão gritava enlouquecida.
Segundos antes da linha final, ele colocou o focinho à frente.
- Ele venceu! - Gina virou-se para encarar Harry. Imaginou se a própria expressão era tão chocada quanto a dele. - Meu Deus, Harry, ele venceu!
- Dois milagres num só dia. - Ele deixou escapar um riso curto, abafado, e então outro, mais longo e sonoro. Dominado pela excitação, tomou Gina nos braços e girou-a no ar como se os dois fossem crianças.
- Nunca esperei isso. - Ela enlaçou Harry num abraço e beijou-o. - Nunca esperei que ele vencesse.
- Você apostou nele.
— Aquilo foi por amor, não pela realidade. Nunca imaginei que pudesse vencer.
- Ele conseguiu. - Harry girou-a uma última vez antes de colocá-la no chão. - É isso que conta.
Enquanto a vitória de Betty o comovera até a alma, por deixá-lo sentir o prazer de presenciar o nascimento de uma campeã, a de Finnegan causou-lhe uma alegria delirante, indescritível. Ele tomou Gina nos braços outra vez, mas agora ensaiou alguns passos de dança no meio da multidão.
- Vou lhe comprar uma garrafa de champanhe.
- Duas - ela o corrigiu. - Uma para cada um de nós. Temos que ir até o círculo dos vencedores.
— Você vai. Nunca estive naquele pódio.
Ele podia agir como uma mula, Gina meditou, mas era um homem. E ela sabia que botões apertar.
- Não precisa ir por minha causa nem por você mesmo. Mas deve isso a ele. - E, ao dizer isso, apontou para a pista, onde Finnegan agora trotava.
Harry quis protestar, mas percebeu que seria perda de tempo. - Eu vou, como treinador dele. O cavalo é seu. Eu não quero ter nenhuma parte dele.
- Metade dele - ela o corrigiu, puxando Harry pela mão na direção do estábulo. - Mas podemos discutir qual metade vai querer.
Continua...
Adoooro esse cap. ;DD
Ana Eulina: kkkkkkkkkkkkkkk pois é o Harry não cantou mas a Gina sim!
Obrigado pelos comentarios x)
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