Capitulo XXII



Gina concluiu que era difícil fazer alguns homens enxergarem que não tinham saída. Mas não podia se queixar da situação que enfrentava com Harry, já que estava vivendo momentos maravilhosos. Tornara-se um hábito passar pela pista de treinamento uma vez por semana, um prazer que ela afastara da própria vida enquanto organizava a academia.
Ainda havia uma série de detalhes que exigiam sua atenção pessoal... as reuniões com os pais, os relatórios e avaliações individuais de cada criança. Ela queria planejar uma atividade aberta durante os feriados, em que todos os pais, avós e famílias adotivas pudessem se encontrar na academia. Encontrar-se, socializar e, o mais importante, verificar pessoalmente os progressos que suas crianças vinham apresentando.
Mas agora que a escola começava a caminhar bem, e ela expandira as atividades para os sete dias da semana, Gina ficava mais do que feliz por poder delegar aulas para a mãe por pelo menos um dia.
Estava entusiasmada por acompanhar o progresso de Betty, ver por si mesma que os instintos de Harry estavam certos em relação à potranca. Betty vinha, dia após dia e semana após semana, provando a si mesma e a todos que era uma competidora de ponta e uma campeã em potencial.
Mas ainda mais maravilhoso era ver Finnegan retornando à vida sob a mão segura e paciente de Harry.
Encolhendo-se de frio numa manhã gelada, Gina estava encostada na cerca da pista oval, esperando, enquanto Harry dava ao jóquei que montaria Finnegan as últimas instruções antes da corrida de tomada de tempo. Esse jóquei era Larry, o mesmo que havia se revoltado com o tratamento que Tarmack dispensava ao animal.
- Ele fica nervoso na cancela, mas arremete muito bem. Você vai ter que controlá-lo no início, pois ele ainda está entusiasmado demais por voltar a correr. Não o deixe se esforçar além dos próprios limites. Esse cavalo prefere correr no meio dos outros, não gosta de ficar na frente. Mantenha-o lá até depois da segunda volta, depois pode pedir mais, com firmeza, e ele vai lhe dar o máximo, pode apostar.
- Vou mantê-lo de olho na linha, Sr. Potter. Estou muito agradecido por me dar essa chance de trabalhar com o senhor.
- É a srta. Weasley quem está lhe dando essa chance. Mas se eu sentir cheiro de uísque em você antes do fim do expediente de trabalho, não terá uma segunda.
- Nenhuma gota. Vou correr para o senhor, nem que seja apenas para mostrar para aquele bastardo de Tarmack como se deve tratar um puro-sangue.
- Boas falas. Agora vamos ver como nosso garotão se sai. - Harry caminhou de volta à cerca, onde Gina tomava café segurando uma pequena garrafa térmica na mão. - Não sei se você fez a melhor opção quanto ao jóquei, mas esse sujeito está louco para provar algo a si mesmo, por isso acho que é uma boa aposta.
- Não estamos disputando um prêmio hoje, Harry.
Ele pegou a garrafa térmica e serviu-se de um pouco do café. A bebida quente caiu muito bem.
- Sempre se está disputando algo.
- Você fez um excelente trabalho com ele.
- Não vamos saber até a corrida de amanhã, em Pimlico.
- Pare com isso - ela ordenou quando ele passou pela portinhola da cerca. - Aceite um elogio quando é merecido. Esse cavalo reencontrou o amor-próprio. E foi você quem deu isso a ele.
- Pelo amor de Deus, Gina, o cavalo é seu! Foi você quem o cobriu de carinho e lhe curou os ferimentos. Eu só o ajudei a se lembrar de que era um puro-sangue.
"Você está errado", ela pensou. "Devolveu o orgulho a Finnegan, e ele sempre vai ser grato a você, não a mim."
Mas Harry já estava com toda a atenção concentrada no cavalo. Ele segurou nervosamente o cronômetro na mão.
- Vamos ver quanto ele se lembra de uma corrida de verdade.
Uma névoa pesada concentrava-se junto ao solo. Cristais de gelo na grama testemunhavam a geada da noite anterior, e só derreteriam quando os raios do sol conseguissem vazar a espessa camada de nuvens cinzentas que dominava o céu.
O sino de partida soou e as portinholas da cancela abriram-se num estrondo. E os cavalos dispararam.
- É isso - Harry murmurou. - Mantenha-o no centro. Assim mesmo.
- Eles são lindos. Todos eles...
- Segure-o agora. - Harry observou os animais completarem a primeira volta enquanto o relógio em sua cabeça lhe informava o tempo com precisão. - Veja, ele está seguindo o ritmo do líder. É como um jogo. Vai enganar os competidores com estratégia, é nisso que está pensando agora.
Gina riu, inclinando-se para a frente e sentindo o coração disparar.
- Como pode saber no que ele está pensando?
- Ele me disse. Fique pronto agora. Pronto. Sim, é isso aí! Ele é forte. Nunca vai ser uma beleza, mas é forte. Veja, está se aproximando. - Num impulso, Harry colocou a mão no ombro de Gina. Parecia entusiasmado. - Esse cavalo tem mais coração do que cérebro, e é seu coração que o faz correr.
Ele clicou o cronômetro quando Finnegan cruzou a linha final, meio corpo atrás do líder.
- Muito bom. Sim, muito bom mesmo. Eu diria que nosso rapaz não vai decepcioná-la amanhã, srta. Weasley.
- Isso não importa.
Mais chocado do que ofendido, Harry virou-se para encará-la.
- Como pode dizer uma coisa dessas? E que tipo de sorte acha que vai nos trazer falando assim? Eu realmente gostaria de saber.
- É o bastante vê-lo correr. E melhor, ver você assistindo-o correr, Harry. - Tocada, ela levou a mão ao peito dele. - Você acabou se apaixonando por Finnegan.
- Eu amo todos os cavalos que treino.
- Sim, já notei isso, e compreendo por que também sou assim. Mas sei que esse cavalo é especial para você.
Embaraçado porque aquilo era verdade, Harry saltou a cerca. - É apenas seu lado sentimental falando, mulher.
Gina sorriu enquanto Harry caminhava até o centro da pista para continuar seu trabalho.
- É uma coisa bonita de ver minha filha e meu treinador recuperando um competidor.
Gina olhou por sobre o ombro, estendendo a mão para o pai, que se aproximava.
- Você o viu correr?
- Só os últimos segundos. Vocês fizeram um bem enorme a esse animal em pouco tempo. - Arthur beijou-a afetuosamente na testa. - Estou orgulhoso.
Ela fechou os olhos. Como era fácil para ele dizer aquelas palavras, e como era adorável ouvi-las. Aquilo só serviu para deixá-la ainda mais triste com o fato de Harry não ter a sorte de ouvir o mesmo do próprio pai.
- Você me ensinou tudo o que sei, você e mamãe. Quando vi aquele cavalo, lembrei-me de tudo o que já tinha visto você fazer. - Ela ergueu a cabeça e beijou o rosto do pai. - Me ensinou a me importar, por isso lhe agradeço.
Quando Arthur a abraçou, Gina sentiu-se protegida e confortável.
- Harry estava certo. O cavalo precisa correr. É o que ele é. Eu quis salvá-lo. Mas Harry sabia que isso não seria o bastante. Ele conhece a natureza dos animais como se realmente falasse com eles.
- Os dois, você e Harry, fizeram isso juntos.
- Você está certo. - Ela riu satisfeita ao concluir que aquela era uma verdade cristalina, e se perguntou como não tinha percebido antes. - Absolutamente certo.

Gina cancelou as aulas naquele dia. Disse a si mesma que era um tipo de feriado. Uma celebração à compaixão, à compreensão e ao trabalho duro. Não se tratava apenas da volta de Finnegan às pistas, mas também seria a primeira corrida importante de Betty. Seus pais estariam lá, e Rony também.
Se havia um dia para fechar as portas do negócio, aquele era o dia.
Foi até o hipódromo pela manhã, a fim de acompanhar o trabalho de aquecimento dos animais, sentir a expectativa de todos os envolvidos.
- Você realmente está entusiasmada - Rony murmurou quando a acompanhou de volta ao estábulo principal. - Não parou de falar um segundo.
- Nunca tive um cavalo de corrida antes. E tenho certeza de que esse vai ser o meu primeiro e último. Claro que estou adorando cada segundo disso tudo, mas... Não é minha paixão. Não é o mesmo que você sente, ou o pai e a mãe.
- Você canalizou toda a sua paixão para a academia. Nunca pensei que fosse parar de competir, Gin.
- Nem eu. E também não achava que iria encontrar algo que me satisfizesse ou me desafiasse tanto.
Os dois pararam, observando os cavalos sendo trazidos de volta às suas baias.
Havia um movimento frenético de cavalariços e tratadores, alguém tocava uma melodia alegre numa gaita, com as batidas do ferreiro na bigorna marcando o compasso.
- Este aqui é seu território - Gina disse, gesticulando, quando Betty passou, orgulhosa como sempre. - Já eu fico feliz por apenas observar.
- É mesmo? Então por que apareceu por aqui tão cedo?
- Apenas para manter uma boa e velha tradição familiar. Vou trabalhar como cavalariça na baia do Finnegan.

Um pouco mais tarde, ao ouvir a novidade, Harry não ficou exatamente satisfeito.
- Proprietários não fazem isso. Eles ficam sentados nos melhores lugares das arquibancadas, ou então na área vip do hipódromo. Ficam fora do caminho, por assim dizer...
Gina continuou a escovar Finnegan com habilidade.
- Há quanto tempo está trabalhando em Royal Meadows?
As sobrancelhas dele ficaram arqueadas.
- Desde a metade de agosto.
- Bem, isso deve ser tempo bastante para que tenha percebido que os Weasley nunca ficam "fora do caminho", por assim dizer...
- Isso não quer dizer que eu tenha de aprovar. - Harry observou a forma como ela trabalhava e não conseguiu achar falhas. Mas não se tratava disso. - Preparar um cavalo para exercícios básicos de equitação, ou mesmo para exibições, é algo muito diferente do que acontece antes de uma corrida.
Gina deixou escapar um longo suspiro.
- Não lhe parece que sei exatamente o que estou fazendo?
- Precisa enfaixar as pernas dele.
Sem dizer nada, ela retirou do bolso do casaco de couro uma embalagem contendo faixas e outra com alfinetes de pressão.
Sem estar ainda convencido, ele examinou a disposição de todos os acessórios, inclusive sela e arreios. A manta, os cobertores...
- As partes de metal não foram polidas.
Gina olhou para a sela.
- Sei como fazer isso.
Harry lutou para se conter. Ainda precisava ver Betty, que correria no segundo páreo.
- É preciso que falem com ele.
- Isso é engraçado, mas acontece que eu sei falar, caso não tenha percebido.
Um palavrão quase escapou dos lábios de Harry.
- Ele prefere uma canção.
- Como é que é?
- Eu já disse, o garotão gosta que cantem para ele.
- Oh! - Gina mordeu a língua para não rir. - Alguma canção em especial? Espere, deixe-me adivinhar... Já sei! Finnegan's Wake, certo? - Apesar do olhar indignado de Harry, ela riu até não agüentar mais, a ponto de ter que se encostar no cavalo para manter o equilíbrio. Finnegan respondeu balançando a cabeça e tentando fuçar nos bolsos dela à procura de maçãs.
- É uma ótima música - Harry replicou friamente. - Além disso, ele gosta de ouvir o próprio nome.
- Sei o refrão. - Ela lutou muito para não voltar a rir. - Mas não sei a letra toda. Tem muitos versos, pelo que me lembro.


Continua...

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