Capitulo XXI



Gina trouxera uma muda de roupas. O que deu a Harry a chance de vê-la se vestindo. Os cabelos ainda estavam molhados por causa do banho que haviam tomado juntos, e sua pele parecia fresca e rosada. E, ele notou, um tanto arranhada em alguns lugares porque não tinha se barbeado.
Mas o amor selvagem que fizeram sob o jato quente da ducha, por mais estranho que pudesse parecer, não era algo tão íntimo e pessoal quanto ver o suéter abandonado aos pés da cama. Ela se abaixou para pegá-lo, e notou que estava sendo observada.
- O que foi?
Harry meneou a cabeça. Não era possível explicar a sensação de pânico misturada com prazer que o dominara enquanto a observara vestindo-se.
- Sua pele está arranhada. - Aproximando-se, ele acariciou-a no pescoço com a ponta dos dedos. - Eu devia ter me barbeado. Você é tão suave - murmurou, deixando os dedos repousarem no ombro dela. - Não sei como pude me esquecer disso.
Quando Gina estremeceu, Harry encarou-a fixamente. Por um momento, pensou ver ressurgir naquele olhar o brilho do desejo, como se ele se equilibrasse no fio de uma navalha.
- Agora está frio. Coloque o suéter. Vou passar uma pomada nos arranhões.
A onda de desejo se foi tão rápido quanto aparecera. Era frustrante, ela pensou observando-o mexer no armário do closet, que os únicos momentos em que realmente conseguia vê-lo perdendo o controle fossem aqueles em que faziam amor.
Ele pegou um tubo e aproximou-se, espremeu um pouco da pomada na palma da mão e lhe massageou a pele avermelhada dos ombros e do pescoço. Gina, que não tinha colocado o suéter, reconheceu o cheiro imediatamente.
- Isso é para cavalos.
- E daí?
Ela riu e deixou-o continuar.
- Quer dizer que isso faz de mim sua égua?
- Não, você é jovem demais para isso. Ainda é apenas uma potranca.
- Você pretende me treinar, Potter?
- Oh, você está longe de minhas possibilidades, srta. Weasley. - Erguendo a cabeça, Harry arqueou as sobrancelhas ao notar que Gina sorria. - O que a diverte assim?
- Você não consegue evitar, não é? Precisa ficar sempre na defensiva.
- Eu provoquei estes arranhões - ele murmurou, mudando deliberadamente de assunto e terminando de espalhar a pomada. - Estou apenas assumindo a responsabilidade pelos meus próprios atos.
Gina ergueu o braço e tocou-o nos cabelos.
- Gosto de estar com um homem de cabeça dura e coração mole.
Aquele coração mole podia ficar muito dolorido, ele lembrou a si mesmo. Mas, quando voltou a falar, sua voz era suave.
- Não é um trabalho duro passar meus dedos na sua pele. Sobretudo quando você não demonstra nenhuma inibição, ficando parada aí, meio nua, e me deixando fazer isso...
- Será que eu deveria ficar embaraçada e corar?
- Não é o tipo de mulher que fica embaraçada. Gosto disso em você. - Satisfeito, Harry fechou o tubo, e então colocou ele mesmo o suéter nela. - Mas não quero que uma criação tão perfeita de Deus pegue um resfriado. Pronto - disse ao tirar os cabelos ruivos para fora do colarinho.
- Você não tem um secador de cabelos?
- Um brutamontes como eu não é chegado a esse tipo de comodidade, madame.
Rindo, Gina chacoalhou a cabeça e ajeitou os cachos ruivos com os dedos.
- Então acho que vou ter de esperar que eles sequem sozinhos, não é, brutamontes? Vamos, que tal abrir aquele vinho enquanto eu termino de preparar o jantar?
Harry não conhecia muita coisa sobre vinhos, mas ao sorver o primeiro gole desconfiou de que aquela era uma bebida sofisticada demais para acompanhar uma refeição tão humilde quanto o chili.
Gina parecia mais à vontade naquela cozinha do que o próprio morador, encontrando coisas em armários que ele jamais abrira. Quando ela começou a temperar a salada, Harry colocou a taça de vinho de lado.
- Volto num minuto.
- Um minuto é tudo o que você tem. Já estou colocando o pão no forno para esquentar.
Como a resposta dele foi o bater da porta, ela encolheu os ombros e acendeu as velas que havia colocado na pequena mesa da cozinha. Aconchegante, pensou, satisfeita com a decoração. E romântico o suficiente para duas pessoas práticas como eles.
Aquele era o tipo de refeição perfeita para duas pessoas desfrutarem juntas no fim de um dia de trabalho. Gina pretendia que fosse a primeira de muitas, só faltava fazer o homem entender que não tinha escapatória.
Feliz, ergueu a própria taça de vinho e brindou sozinha.
- Ao começo de uma longa história - murmurou antes de beber.
Ao ouvir a porta se abrir, retirou o pão do forno.
- Está na mesa, e juro que me sinto faminta.
Ao virar-se para colocar o cesto de pão na mesa, Gina notou que Harry estava segurando um buquê improvisado de rosas na mão.
- Me pareceu que estava faltando isto - comentou ele.
Ela olhou para as flores, depois encarou Harry.
- Você as colheu para mim!
O tom admirado na voz dela fez com que ele encolhesse os ombros.
- Bem, você me preparou um jantar com vinho, velas e tudo o mais. De qualquer forma, as flores são suas mesmo.
- Não são, não. - Com uma expressão apaixonada no rosto, Gina abaixou a cesta e esperou. - Até que você me dê.
- Nunca entendi por que as mulheres são tão sentimentais quando se trata de flores
- Harry disse, entregando-as.
- Muito obrigada. - Gina fechou os olhos, mergulhando o rosto no buquê. Queria lembrar a fragrância exata, a textura. Então abaixou as flores e ergueu a cabeça para beijá-lo.
Os braços dele enlaçaram-na tão de repente e com tanta força que ela estranhou.
- Harry? Que é isso?
- Não é nada... É que gosto de senti-la colada no meu corpo quando a abraço.
- Me abrace mais forte e vai me quebrar em duas.
- Sinto muito - ele beijou-a na testa e ficou na mesma posição por um momento para se recompor. - Acho que, quando estou faminto, acabo esquecendo da minha própria força.
- Então sente-se e comece a se servir. Vou colocar as rosas na água.
- Eu... - Harry precisava dizer alguma coisa e procurou na mente por um assunto neutro que não causasse nenhum embaraço. - Eu andei olhando os registros de Finnegan.
"Muito bem", ele pensou enquanto se sentava e começava a servir a salada para ambos. Um assunto seguro.
- Claro que ele está registrado como Flight.
- Sim, eu sabia disso. - Gina colocou as flores num vaso, ajeitando-as no centro da mesa antes de juntar-se a Harry. - Mas acho que Finnegan é um nome mais apropriado.
- Ele é seu agora, pode chamá-lo como quiser. O registro do primeiro ano de corridas dele é impressionante. E tem um pedigree muito decente, mas nunca chegou a desenvolver todo o seu potencial, e os proprietários o venderam há poucas semanas, quando tinha acabado de completar três anos.
- Eu ia dar uma olhada nesses dados. Obrigada por me poupar o trabalho. - Ela partiu um pedaço de pão com as mãos e o ofereceu a Harry. - Então ele é um puro-sangue... Bem, devo dizer que se comportou como um. Mesmo depois dos abusos pelo qual passou, não se transformou num cavalo comum.
- O fato é que ele estava indo consideravelmente melhor no começo deste ano. Alguns de seus tempos são impressionantes, e na minha opinião ele foi mal utilizado. Eu teria feito as coisas diferentes, se estivesse encarregado de treiná-lo.
- Você faz as coisas diferentes o tempo todo, Harry.
- Pode ser. De qualquer maneira, ele acabou entrando naquele leilão judicial, e foi assim que Tarmack o comprou.
- Aquele bastardo - Gina disse gelidamente. Harry coçou a cabeça.
- Concordo. Eu estive pensando... Você vai desperdiçar o talento dele na sua escola. Aquele cavalo nasceu para correr, não deve ficar afastado do circuito.
Surpresa, Gina arqueou as sobrancelhas.
- Você acha que Finnegan pode correr?
- Acho que você deveria considerar a idéia seriamente. Ele é um puro-sangue, Gina, criado para competir. A necessidade de disputa está no sangue dele. Apenas foi maltratado e subutilizado. Embora eu ache sua escola ótima, não creio que seja o lugar certo para Finnegan.
- Mas e aquele inchaço nos joelhos...
- Já vi a mesma coisa várias vezes antes. Não é algo hereditário. Foi um ferimento causado por um homem irresponsável. Pode pedir para seu pai dar uma olhada nele, se não acredita no que estou dizendo.
Gina meditou por um momento sorvendo um gole de vinho.
- Evidente que confio em seu julgamento, Harry. Não se trata disso. Você e eu sabemos que um cavalo pode ficar seriamente comprometido quando é maltratado. No corpo e no espírito. Eu só não quero forçá-lo.
- Claro, isso é uma prerrogativa sua.
- Você trabalharia com ele?
- Eu poderia. - Harry começou a servir o chili. - Mas você também pode. Sabe o que fazer, o que procurar, para ajudá-lo a recuperar-se completamente.
Gina meneou a cabeça, suspirando.
- Não para competir. Conheço minha área, mas nada sobre corridas. Se eu considerar a idéia de deixá-lo voltar às pistas, quero que tenha o melhor treinador.
- E esse sou eu - ele disse com tamanha arrogância a ponto de fazê-la sorrir.
- Isso é um sim?
- Se seu pai concordar que eu o treine junto com os outros, ficarei feliz em fazê-lo. Podemos começar devagar e ver como ele se sai. - Harry ia deixar assim, mas como sabia que ela iria compreender o que tinha a dizer, finalizou: - Notei nos olhos dele, hoje de manhã, quando você o levou até a pista. Estava lá. O desejo de voar.
- Eu não notei. - Gina estendeu o braço e o tocou na mão. - Fico feliz que você tenha enxergado.
- É meu trabalho enxergar esse tipo de coisa.
- É um dom - ela corrigiu. - Sua família devia se orgulhar de você. - A frase foi casual, e Gina já estava começando a comer outra vez, quando Harry riu. - O que é tão engraçado?
- Orgulho não é exatamente o que eles sentiriam por mim, eu acho.
- Por quê?
- As pessoas não podem se orgulhar daquilo que não conhecem. Gina, nem todas as famílias são tão unidas como a sua... por amor e objetivos comuns, quero dizer.
- Sinto muito - ela disse com sinceridade. De certa forma, achava que havia se intrometido demais ao falar sobre a família dele.
- Nenhum problema. Vamos deixar isso de lado.
Gina queria realmente deixar aquilo passar, mudar de assunto, mas as palavras simplesmente escaparam de seus lábios.
- Se eles não têm orgulho de você, então são estúpidos. - Quando Harry parou, segurando o garfo com chili perto da boca, ela encolheu os ombros. - Sinto muito, mas é o que penso.
Observando-a, Harry começou a comer de novo. Os olhos dela dardejavam, suas bochechas estavam coradas e a mandíbula, tensa. Por que Gina estava tão furiosa?
- Querida, foi muita gentileza sua dizer isso...
- Não foi gentil. Foi rude, mas eu falei sério. - Ela pegou a garrafa de vinho e encheu as taças de ambos. - Você tem um talento real e construiu uma reputação sólida... caso contrário, não estaria aqui em Royal Meadows. Por que não se orgulhar? - Gina indagou, num tom ainda mais indignado. - Seu pai, entre todas as pessoas, devia entender.
- Por quê?
- Foi ele que o fez conhecer os cavalos.
- Me levou às pistas, certamente. Mas meu pai não estava interessado em cavalos — Harry se sentia tão fascinado pela reação de Gina que não lhe ocorreu de estar conversando abertamente sobre a própria família. Aquilo era algo que jamais fazia. — Eles eram um tipo de desculpa. Claro que os admirava, mas era o vício pelo jogo que o atraía. Como ainda atrai. Isso e a chance de colocar algum dinheiro no bolso sem precisar enfrentar a desaprovação de minha mãe. Eu lhe contei, Gina, ele é um caixa de banco.
- E que diferença isso faz?
Toda a diferença do mundo, foi o que Harry pensou, mas procurou encontrar uma explicação mais tangível para ela.
- Meu pai parou de olhar além das barras de sua pequena gaiola anos atrás. Ele e minha mãe se casaram jovens, e minha irmã mais velha nasceu cerca de nove meses depois, você sabe como é...
- Isso pode ser difícil, mesmo assim...
- Não, meus pais ficaram contentes. Acho que se amam, do jeito deles. - Harry não costumava pensar muito sobre amor e relacionamentos, mas como estava envolvido em um agora, tentou se explicar melhor. — Eles formaram um lar, criaram seus filhos. Meu pai sempre foi um assalariado. E embora ele jogasse, nós nunca passamos fome... e as contas acabavam sendo pagas, mais cedo ou mais tarde. Minha mãe sempre conseguia pôr uma mesa decente, e nossas roupas eram limpas. Mas para mim sempre pareceu que os dois estavam cansados daquela vida no final de cada dia.
Gina lembrou-se de uma frase que a própria mãe costumava dizer: Uma criança pode estar faminta mesmo diante de um prato cheio. E agora ela compreendia que sem amor, afeição e alegria, o espírito podia ficar faminto.
- Mesmo assim, não deviam deixar de ficar felizes por você ter escolhido seu próprio caminho e se realizado nele.
- Meu irmão e minhas irmãs têm empregos estáveis e levam vidas comuns. Eu sou um quebra-cabeça, e cedo ou tarde, quando, não se consegue resolver um quebra-cabeça, as pessoas tendem a pensar que existe algo errado com ele. Acho que é o que pensam a meu respeito.
- Você fugiu daquilo - ela murmurou.
Harry não sabia ao certo se tinha gostado da frase, mas assentiu.
- De certa forma, acho, e o mais rápido que pude. Qual o sentido em se olhar para trás?
Mas ele estava olhando para trás, Gina pensou. Olhando por sobre o ombro, e ainda fugindo como um louco do próprio passado.


Continua...

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.