Capitulo XX
No que dizia respeito a Gina, era perfeito. Havia se apaixonado por um homem que combinava com ela. Os dois tinham muitos interesses comuns, gostavam da companhia um do outro e respeitavam as opiniões um do outro.
Claro que Harry possuía alguns defeitos. Tendia a ser caprichoso e sua autoconfiança muitas vezes cruzava os limites da arrogância. Mas as qualidades compensavam tudo isso.
O problema, no ponto de vista dela, era fazê-lo evoluir de um caso para um compromisso, e de um compromisso para o casamento. Havia sido criada acreditando em permanência, família, na promessa que duas pessoas faziam de se amar para sempre.
Realmente não tinha outra escolha, a não ser casar com Harry e construir uma vida com ele. E pretendia fazê-lo ver que ele também não tinha escolha.
Era mais ou menos como treinar um cavalo, supunha. Havia uma série de repetições, recompensas, paciência e afeição. E uma mão firme acima de tudo.
Planejou que seria mais prático ficarem noivos no Natal e casar no verão seguinte. Certamente seria mais conveniente para ambos começar a vida perto de Royal Meadows, já que trabalhavam lá. Nada podia ser mais simples.
Tudo o que Gina tinha que fazer era levar Harry às mesmas conclusões.
Sendo o tipo de homem que era, Gina imaginava que ele iria querer tomar a iniciativa. Era um pouco irritante, mas o amava o bastante para esperar até que Harry se declarasse. Não seria com flores e corações de chocolate, ela meditou enquanto caminhava com Finnegan ao redor do paddock. Conhecendo Harry, imaginava que devia haver paixão e a perspectiva de desafio para incitá-lo.
E já estava planejando como fazer isso.
Parou para checar a pata do cavalo à procura de inchaços ou calor. Ergueu a pata gentilmente para verificar o joelho. Como Finnegan não demonstrou nenhum sinal de desconforto, acariciou-o no pescoço com alegria.
- Sim - disse quando o animal bufou amistosamente. - Está se sentindo bem melhor agora, não é mesmo? Acho que já está pronto para fazer um pouco de exercício.
As feridas nos flancos já estavam cicatrizadas, ela notou ao encilhá-lo. Tendo, cuidado e atenção tinham virado o jogo a favor de Finnegan. Talvez ele nunca fosse uma beleza, e com certeza não era um campeão, mas tinha uma natureza doce e muita disposição.
Aquilo era o mais importante.
Quando Gina sentou na sela, o animal meneou a cabeça e então, ao sinal dela, começou a sair do paddock caminhando com dignidade.
Ela foi cautelosa no começo, totalmente sintonizada com o cavalo, a qualquer sinal de ele estar mancando por causa de dor. Ficou satisfeita ao notar que Finnegan mantinha um ritmo tranqüilo e sem sobressaltos, e então conseguiu relaxar.
O outono já começara a pintar as árvores em tons fortes de dourado, vermelho e laranja. Tais cores pareciam flamejar sob a luz oblíqua do sol e a moldura azul do céu.
Os campos ainda mantinham o verde profundo do verão. Potros corriam pelos pastos, as pernas longas e firmes ajudando-os a perseguir a própria sombra. Éguas prenhes, com suas barrigas arredondadas pelas crias que carregavam, vagavam preguiçosamente.
No circuito oval, as novas promessas do haras corriam num tropel estrepitoso como um trovão.
Aquele cenário, Gina pensou, tinha sido o plano de fundo de toda sua vida. As imagens que retornavam, estação após estação. A beleza e a força daquilo, e a certeza íntima de que tudo iria se repetir no ano seguinte.
Aquilo ela podia, e iria, passar para seus filhos quando a hora chegasse. A solidez daquele mundo, as responsabilidades, as alegrias e o suor...
Quando viu Harry encostado na cerca, com a atenção concentrada na performance dos cavalos de corrida, ela sentiu um aperto enorme no coração. Sua pele ficou arrepiada. Não havia palavras para descrever o que sentiu naquele momento. Nenhum verbete do dicionário poderia dar o sentido completo daquela sensação.
O amor provocava um ultrajante choque em um indivíduo, Gina pensou. Era fantástico saber que as pessoas sobreviviam a isso.
Ela era uma Weasley, lembrou a si mesma, ajeitando-se na sela. Sabia se recompor, focalizar a mente e toda a energia para alcançar um objetivo. Iria sobreviver àquela ânsia insana. Apostava tudo nisso. E quando tivesse terminado com Harry Potter, ele nem saberia o que o havia atingido.
Harry virou-se ao ouvi-la aproximar-se. Sorriu ao ver que ela montava Finnegan. Estava realmente interessado no estado do cavalo, e depois de passar algumas instruções ao assistente e entregar-lhe a prancheta, caminhou em direção a eles.
- Vejam só! Agora você parece novo em folha, não é, garotão? - Automaticamente, agachou-se para examinar o joelho ferido. - Nada de calor. Isso é bom. Há quanto tempo o está exercitando?
- Há cerca de quinze minutos, sem forçar.
- Ele, provavelmente, já pode até galopar. Parece em ótimo estado, sem sinais de inchaço. - Harry estreitou os olhos, protegendo-os com as mãos a fim de olhar para Gina contra o sol. - E você? Está tudo bem? Parece um pouco pálida.
- É mesmo? - Era uma maravilha poder ocultar segredos íntimos dele. - Não me sinto nada mal. Mas você... - Ainda experimentando uma onda de audácia, ela inclinou-se sobre a sela. - Você parece maravilhoso. Durão, gostoso e sexy.
Um tanto perplexo, Harry deu um passo para trás, sentindo-se pouco à vontade quando Gina o acariciou no rosto. Havia pelo menos duas dúzias de empregados da fazenda por perto. E cada um deles tinha olhos.
- Me chamaram para ir ao estábulo muito cedo hoje, nem tive tempo de me barbear.
Ela decidiu encarar a evasiva dele mais como um desafio que como um insulto.
- Gostei. Fica com um ar perigoso. Se tiver tempo mais tarde, gostaria que me ajudasse.
- A fazer o quê?
- Cavalgar ao meu lado.
- Eu posso fazer isso.
- Ótimo. Que tal às cinco? - Gina inclinou-se para a frente outra vez, e agora foi rápida o bastante para segurá-lo pelo colarinho, puxando-o para si. - E, Harry... - sussurrou. - Não se barbeie. Também me sinto perigosa hoje...
Gina o tirava do sério, e ele nem se importava. Depois daqueles olhares incendiários e insinuações mais do que explícitas, Harry ficou excitado, com uma enorme comichão, pelo resto do dia.
E o pior era o fato de que o homem que o pagava para trabalhar duro, e não para ficar distraído por causa dos hormônios, era o próprio pai dela.
"Que situação!", Harry pensou, sem esquecer que grande parte da culpa era dele próprio. Mesmo assim, como poderia saber no começo que iria ficar tão envolvido com ela e em tantos níveis? Apaixonar-se tinha sido um duro golpe, mas Harry já havia sofrido golpes duros antes. O máximo que podia acontecer eram alguns arranhões, depois bastava se levantar e seguir em frente. Tudo bem sentir um pouco de atração, e um pequeno flerte era suficientemente inofensivo. Além disso, na verdade, ele gostava de correr riscos. Até determinado ponto.
Mas já passara em muito esse ponto. Agora a situação entre ele e Gina tinha se complicado, ao mesmo tempo em que se apegava à família dela. Arthur não era apenas um patrão justo e decente, mas de certa forma vinha se tornando um amigo.
E lá estava Harry, tentando encontrar tantas formas de fazer amor com a filha do amigo quantas fossem possíveis.
Pior do que isso, ele admitiu enquanto caminhava na direção dos estábulos da academia, com uma freqüência cada vez maior pegava a si mesmo sonhando. Aquelas pequenas fantasias que lhe surgiam na mente quando estava ocupado fazendo outra coisa. Pegava-se imaginando como seria entre Gina e ele se as coisas fossem diferentes, se estivessem no mesmo nível, por assim dizer. E pensava... bem, isso se ele fosse do tipo que gostasse de compromisso... que ela seria a mulher ideal para algo mais sério. Se estivesse interessado em criar raízes num lugar, com uma pessoa, claro. O que, obviamente, não fazia parte de seus planos. E, mesmo que fizesse, não funcionaria naquele caso. Porque ela pertencia à aristocracia, e ele, aos estábulos. Simples assim.
Gina estava apenas experimentando novas sensações. Harry compreendia, e não podia culpá-la por isso. Apesar de privilegiada, fora criada dentro de uma redoma, e agora desejava conhecer um pouco da vida real. Ele mesmo tinha se rebelado na juventude, escolhendo trabalhar com cavalos, ao contrário do desejo da família. Nada o detivera, discussões, ameaças e até mesmo punições.
Deixara a casa da família o mais cedo possível, mudando-se de fazenda para fazenda, trabalhando em um estábulo depois de outro. A liberdade sempre fora sua meta principal. E nunca tinha olhado para trás, nem por um segundo. Seus irmãos e irmãs casaram, tiveram filhos, plantaram jardins e trabalhavam em empregos estáveis. Eles possuíam coisas, enquanto Harry só possuía o que podia ser facilmente colocado dentro de uma mochila quando decidisse pegar a estrada outra vez.
Se possuímos coisas, devemos cuidar delas. E antes que se perceba, você acaba acumulando mais e mais. E logo o peso dessas coisas acaba mantendo-o preso, plantado no lugar.
Ele olhou a bela fachada de pedra da casa em que morava, admirando como a silhueta se destacava contra a moldura do céu no crepúsculo. Flores com cores que variavam do escarlate ao violeta, com as folhas já douradas pelo começo do outono, margeavam as fundações do prédio em jardins bem cuidados. E a caminhonete que havia comprado de Charlie estava estacionada ali, como se pertencesse ao lugar.
Harry parou e, como Gina fizera naquela manhã, virou-se para contemplar a paisagem. Era um lugar, concluiu, que podia seduzir um homem se ele não tivesse cuidado. A amplidão do cenário podia confundir, fazendo-o acreditar que não estava confinado, e então tudo aquilo podia tentá-lo a criar raízes... até possuí-lo de corpo e alma.
Era melhor se lembrar de que aquelas terras não eram suas, assim como os cavalos que treinava. Ou Gina...
Mas quando caminhava até o paddock da academia, aquela fantasia voltou a dominar-lhe os pensamentos. Nas sombras douradas do fim de tarde, Gina estava encinando uma égua de nome Honey. Seus cabelos haviam sido presos num rabo-de-cavalo nada elaborado, e a confusão dos cachos deixava-a ainda mais sexy. Vestia jeans e um suéter verde, da mesma cor da bandeira da Irlanda.
Ela parecia... convidativa, Harry percebeu. Como o tipo de mulher que um homem esperava encontrar em casa depois de um longo dia de trabalho. Haveria muito para conversar com essa mulher depois do jantar, na privacidade da cama. Contar as novidades, as piadas...
Um homem podia acordar pela manhã ao lado de uma mulher assim e não se sentir trapaceado, nem ter medo de que ela sentisse o mesmo.
Harry meneou a cabeça com força para afastar tais fantasias. Era tolice pensar naquilo.
- Ora, veja só. - Ele caminhou até a cerca e se apoiou nela. - Já fez todo o trabalho sozinha.
- Você me pegou num bom dia. - Gina terminou de checar as correias, depois afastou-se da égua e aproximou-se da cerca. - Não sei por quanto tempo vou poder contar com a ajuda de mamãe na academia, então achei melhor aproveitar o tempo livre que isso está me proporcionando.
- E o que mais pretende fazer nas horas vagas?
- Viver a vida. - Quando Harry abriu a porta da cerca, ela tirou os dois animais do paddock. - Tenho me concentrado tanto no trabalho, nos últimos dois anos, que nem tive tempo para apreciar os resultados. - Gina entregou as rédeas para ele. - E gostei dos resultados, devo admitir.
- Então, talvez possa usar um pouco desse tempo livre para aparecer na pista de corridas. - Harry esperou que Gina montasse antes de fazer o mesmo. - Estou tentando melhorar meus resultados também, inscrevi Betty numa corrida de novatos amanhã.
- Ela vai debutar? Não posso perder isso.
- Em Charles Town. Duas da tarde.
- Vou pedir para minha mãe cuidar da classe de amanhã. Estarei lá.
Saíram para uma cavalgada, contornando o paddock, e foram na direção da floresta de pinheiros além do pasto, admirando o tom dourado das copas das árvores no caminho. Sobre a cabeça deles, uma revoada de gansos vindos do Canadá passou produzindo um ruído estrepitoso.
- Passam em bandos duas vezes por dia - Harry disse, observando os pássaros. - É uma jornada bem longa até o sul, mas eles a fazem todos os anos.
- Sempre gostei do som que produzem. É uma coisa que me faz sentir realmente em casa nesta época do ano. - Gina manteve os olhos no céu até que o ganso desaparecesse na distância. - Tio Charlie ligou hoje.
- E como ele vai indo?
- Mais do que bem. Acabou comprando um casal de reprodutores. Ele decidiu tentar começar a própria criação.
- Esse é o Charlie Dornelly que eu conheço - Harry disse. - Nunca achei que conseguisse ficar longe do jogo.
- Você sentiria falta dos cavalos, não é? O cheiro e o barulho deles. Nunca pensou em ter seu próprio lugar, iniciar sua própria linhagem de campeões?
- Não, isso não é para mim. Fico feliz por cuidar dos cavalos de outra pessoa. A partir do momento que a gente se torna dono de animais, tudo vira uma questão de negócios, não é? Uma empresa. Não fui talhado para ser um homem de negócios.
- Alguns proprietários fazem isso por amor - Gina observou. - E mesmo os negócios não podem obscurecer tal sentimento.
- São casos raros. - Harry olhou para trás, admirando as construções da fazenda por um instante. Sim, aquele lugar era um desses casos. - Seu pai é um deles, e eu conheci outra fazenda assim em Cork. Mas para ser um homem de negócios desse tipo, é preciso ter isso no sangue, caso contrário acaba perdendo o toque. Antes que se perceba, tudo vira uma questão de números, resultados e sede de lucro. Soa como um tipo de prisão para mim.
Interessante.
- Construir algo estável é uma prisão para você?
- A necessidade de ter mais, e depois mais ainda. É uma armadilha. Meu próprio pai foi uma vítima desse sistema.
- Verdade? - Ele raramente mencionava a própria família. - O que ele faz?
- É caixa num grande banco. Dia após dia fica engaiolado, literalmente, atrás de uma grade com barras num lugar minúsculo contando o dinheiro de outras pessoas. Que vida...
- Bem, com certeza não é o tipo de vida para você.
- Graças a Deus, não é. Esses garotões estão querendo galopar um pouco - ele murmurou, disparando com Honey um segundo depois.
Gina suspirou, frustrada, mas acelerou a própria montaria para alcançá-lo. Voltariam àquele assunto, prometeu a si mesma. Ainda sabia muito pouco sobre o homem com quem pretendia se casar.
Passearam por uma hora antes de voltar para guardar e escovar os cavalos, além de entregar a eles a ração noturna. Harry tinha esperança de que Gina o convidasse para jantar em sua casa, porém ela o parou quando saíam do estábulo, arqueando as sobrancelhas.
- Por que não me convida para um drinque?
- Um drinque? Não tenho uma grande variedade de bebidas em casa, mas você será bem-vinda.
- É bom ser convidada ocasionalmente. - Antes que Harry pudesse colocar as mãos nos bolsos, ela as segurou, entrelaçando os dedos nos dele. - Você costuma ter tempo livre. Fiquei imaginando se já ouviu falar de conceitos como encontros, jantar fora, ir ao cinema...
- Já tive algumas experiências assim. - Ele olhou para a picape enquanto se aproximavam da casa da garagem. - Se quiser sair, tudo bem para mim, pode subir na caminhonete, mas vou ter que empurrá-la para pegar.
Gina deixou escapar um suspiro.
- Isso, Potter, não foi um convite dos mais românticos.
- Carros de segunda mão não são particularmente românticos, e esqueci onde foi que estacionei minha carruagem de cristal.
- Se isso é outra brincadeira sobre princesas e... - Ela se calou, mordiscando a língua. Paciência, lembrou a si mesma. Não iria estragar as coisas com uma discussão. - Deixe para lá. Vamos esquecer esse passeio. - Gina abriu a porta da casa dele. - E ir direto para o jantar.
Harry percebeu o cheiro logo que entrou na sala. O aroma de comida bem temperada o fez lembrar-se de que estava com o estômago quase vazio.
- O que é isso?
- O quê? - Ela sorriu, simulando perceber o cheiro só naquele momento. - Oh, isso? É chili, uma das minhas especialidades. Coloquei para cozinhar em fogo baixo pouco antes de sairmos para cavalgar.
- Você mesma fez o jantar?
- Fiz. - Divertida, e muito satisfeita com a reação chocada de Harry, foi até a cozinha.
- Achei que você não ia se importar, e sabia que nós dois estaríamos famintos a esta altura.
- Ela ergueu a tampa da panela de barro e sentiu a fragrância deliciosa. - É o tipo de prato que precisa ser feito com muita paciência e carinho, por isso mesmo gosto dele. Oh, e eu também trouxe uma garrafa de merlot, muito embora o chili também combine muito bem com uma cerveja gelada.
- Estou tentando me lembrar da última vez que alguém cozinhou para mim... excluindo minha mãe e minhas tias, claro.
Ainda mais satisfeita, Gina fechou a panela e foi abraçá-lo.
- Nenhuma das várias mulheres que conheceu no passado cozinhou para você?
- Uma ou duas vezes talvez, mas isso não aconteceu recentemente. - Como estavam a sós, Harry sentiu-se confortável para pegá-la pela cintura e trazê-la para mais junto de si. - E com certeza nunca pareceu tão apetitosa.
- O quê? A mulher ou o comida?
- Ambas. - Ele abaixou a cabeça e a beijou sem pressa. - Isso me fez lembrar que estou realmente faminto.
- O que você quer primeiro? - Gina mordiscou o lábio inferior. - Eu ou a comida?
- Eu quero você em primeiro lugar. E em último também...
- Isso é bom, porque também quero você primeiro. - Ela se afastou. - Por que não nos refrescamos? Eu gostaria muito de um banho. - Rindo e segurando-o pelas mãos, ela o puxou para fora da cozinha.
Continua (...)
Obg a todos pelos comentarios xD
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