Capitulo XIV




Molly esperou até que os homens saíssem, então virou-se para a filha.
- Gina, nunca pensei que pudesse ser assim. Você está atormentando o pobre rapaz!
- Esse rapaz não tem nada de pobre. – Satisfeita consigo mesma, Gina serviu-se de um pedaço crocante de pão. - Além disso, atormentá-lo é tão excitante...
- Bem, nenhuma mulher de bom senso discordaria disso. Mas não o magoe, querida.
- Magoá-lo? - Chocada, ela levantou-se para ajudar a mãe com os pratos. - Claro que não. Eu não seria capaz.
- Nunca se sabe ao certo o que nossos atos podem causar. – Molly segurou a filha pelo rosto, como se tratasse com uma menininha. - Ainda tem muito a aprender. Mas por mais que se julgue esperta, jamais vai saber com certeza o que se passa na mente de um homem.
- Faço uma boa idéia do que se passa na cabeça desse homem.
Por um instante, Molly pensou em protestar, mas acabou desistindo. Algumas coisas, e-la sabia, não podiam ser explicadas. Tinham de ser vividas.



Harry passou a conhecer as estradas que iam de Maryland para a Virgínia Ocidental tão bem quanto os caminhos do condado de Kerry. As auto-estradas por onde os carros passavam voando como pequenos foguetes e as estradas vicinais cheias de curvas agora faziam parte de sua vida, e às vezes chegava a se sentir em casa quando transitava naquelas cercanias.
Em certas ocasiões, o verde das colinas e a paisagem luxuriante faziam com que se lembrasse da Irlanda. A melancolia que o acometia nesses momentos o surpreendia, pois nunca se considerara um homem sentimental. Em outros momentos, dirigia por estradas que passavam ao largo de ravinas rochosas, e todo o cenário parecia-lhe muito diferente, quase exótico.
Gostava de estar em movimento. Viajar de um lugar para outro. E felizmente sua posição em Royal Meadows lhe proporcionava isso com freqüência. Imaginava que dentro de alguns anos já teria conhecido muito da América, mesmo que passasse a maior parte do tempo nas pistas de corrida de cavalos.
Dizia a si mesmo que não pensava na Irlanda nem em Maryland como um lar. Lar, para ele, era sinônimo de estábulos, baias e pistas, não importava onde se localizassem.
Mesmo assim, era tomado por uma sensação de bem-estar cada vez que passava sob os pilares de pedra de Royal Meadows ao regressar de uma dessas viagens. E era prazeroso ver Gina no paddock da academia instruindo uma de suas turmas de alunos.
Ele parou para observar quando ela comandou o grupo, fazendo-os passar de um trote ritmado para a velocidade de marcha. Era uma bela visão, e o comportamento desajeitado e cauteloso de alguns alunos não comprometia o momento, pelo contrário. Não havia competitividade ou arroubos de audácia, apenas os primeiros passos de uma nova aventura. Diversão, Gina tinha dito, Harry lembrou. As crianças aprenderiam, assumiriam responsabilidades, mas ela não os deixaria esquecer que eram crianças ainda.
- E algumas delas tinham sido magoadas.
Vê-las com Gina, observá-la construindo algo com as próprias mãos em vez de passar os dias como uma garota rica comum, fazia Harry respeitá-la ainda mais. Embora toda a admiração não lhe servisse exatamente como conforto.
Ele podia ouvir os gritos e, no meio deles, a voz calma e firme de Gina ...uma bela visão e um belo som. Desceu então do caminhão e aproximou-se da cerca para observar mais de perto.
Entre as crianças havia uma profusão de sorrisos, piadas e comentários animados. Pelo que Harry podia ver, o humor de alguns mudava, em segundos, de gritos nervosos para uma alegria esfuziante. No meio de todo o burburinho, Gina comandava serenamente o grupo, instruindo, encorajando e chamando cada criança pelo nome.
Os longos cabelos ruivos dela estavam mais uma vez amarrados num rabo-de-cavalo. A calça jeans que usava era desbotada, assim como o colete cheio de bolsos que vestia sobre uma blusa verde. Ela gostava de roupas coloridas. Com certeza, também devia estar usando um perfume maravilhoso. Era como se soubesse todos os truques que uma mulher pode utilizar para levar um homem à loucura.
Devia ficar longe dela. Deus sabia que ele precisava manter distância daquela tentação. Mas, no íntimo, Harry admitia que a chance disso acontecer era tão grande quanto a de um dos alunos dela ganhar o derby nacional montando um pangaré.
Gina sabia que ele estava lá. Mesmo antes de vê-lo, seu sexto sentido comunicara a presença do homem. Porém não podia se dar ao luxo de ficar distraída, pois tinha a responsabilidade de zelar por seis crianças. De qualquer forma, não foi capaz de conter o ritmo disparado do coração quando finalmente o viu.
Começava a entender por que as mulheres, com tanta freqüência, faziam papel de tolas por causa de homens.
Quando ordenou à classe para que todos retornassem ao trote, houve alguns grunhidos desapontados. Ela comandou o grupo para que os alunos entrassem em formação, depois sincronizou a diminuição de velocidade até que todos parassem ao mesmo tempo. Harry esperou que a.manobra tivesse sido totalmente executada, e então aplaudiu.
- Muito bem executado - ele disse. - Se alguém estiver precisando de um emprego na fazenda, pode me procurar.
- Teremos uma apresentação hoje. Esse é o sr. Potter. Ele é o treinador chefe de Royal Meadows. Cuida pessoalmente dos cavalos de corrida.
- Isso é verdade, e sempre estou com os olhos abertos para ver se descubro um novo jóquei.
- Ele fala bonito - uma das meninas sussurrou para a amiguinha, mas os ouvidos de Harry estavam atentos. Ele sorriu para a menina, que corou até ficar vermelha como um pimentão.
- Você acha mesmo?
- O sr. Potter veio da Irlanda - Keeley explicou.- "Incrível", ela pensou. O homem era capaz de fazer até meninas de dez anos suspirarem.
- A mãe da srta. Gina é irlandesa. Ela também fala bonito.
Harry encarou o menino de quem lembrava chamar-se Willy, estudando-o.
- Ninguém fala tão bonito quanto os irlandeses, rapaz. Isso porque todos nós fomos beijados pelas fadas.
- Dizem que a gente ganha dinheiro da fada do dente quando perde um, mas eu nunca ganhei.
- Porque ela é só a sua mãe. - A menina atrás de Willy revirou os olhos. - Todos sabem que não existem fadas de verdade.
- Talvez elas não morem na América, mas temos um monte de onde eu vim. Vou fazer um desejo por você, Willy, da próxima vez que perder um dente.
O menino não conseguiu esconder sua surpresa.
- Como sabe meu nome?
- Uma fada deve ter me contado.
Gina esforçou-se para não rir da expressão estupefata do garoto.
- Atenção, classe: desmontar. E, em seguida, dêem de beber às suas montarias.
Houve muito falatório e movimento. Enquanto desmontava, Willy continuou olhando fixamente para Harry. Era cauteloso demais para uma criança, este pensou. E aquilo apertou-lhe o coração.
O menino pareceu prender a respiração ao aproximar-se devagar.
- E... eu tenho um que está caindo... Um dente.
- É mesmo? - Incapaz de resistir, Harry inclinou-se sobre acerca. - Deixe-me dar uma olhada.
Prestativo, Willy empurrou com a língua um canino bambo.
- É mesmo. Acho que você vai cuspi-lo fora em um ou dois dias.
- Não se deve cuspir. - Willy lançou um olhar de relance para Harry, quando este começou a caminhar a seu lado.
- Quem disse?
- Mulheres. - Bobby se aproximou, encolhendo os ombros. - Elas também não gostam que a gente arrote.
- Mulheres podem ser um tanto complicadas quando se trata de certas coisas. Suponho que realmente seja melhor evitar cuspir ou arrotar na frente delas.
- Também não devemos correr como um animal selvagem. - Olhando ao redor para ter certeza de que Gina não estava por perto, Willy levantou a manga da camisa. - Isso foi o que consegui correndo na quadra da escola. Vai ficar marcado para sempre, e sangrou muito quando caí.
Compreendendo a própria posição, Harry retorceu os lábios e simulou uma expressão preocupada.
- Impressionante esse machucado...
- Eu tenho um pior no meu joelho. Você tem algum?
- Tenho um realmente feio. - Para brincar direito, Harry olhou ao redor primeiro, depois ergueu a camisa a fim de mostrar o hematoma já amarelado na linha das costelas.
- Uau! Isso deve ter doído muito. Você chorou?
- Eu não podia. A srta. Gina estava vendo. Aí vem ela - ele emendou num sussurro conspirador, colocando a camisa novamente para dentro da calça e começando a assoviar uma melodia.
- Willy, você precisa tratar de Teddy.
- Sim, senhora. Sonhei com Teddy na noite passada.
- Vai me contar o sonho todo quando o estivermos escovando, tudo bem?
- Certo. Tchau, senhor.
- É um excelente garoto - Harry murmurou observando Willy se afastar levando Teddy para o estábulo.
- Sim, ele é. Sobre o que conversavam?
- Assunto de homem. - Harry apressou-se em enfiar as mãos nos bolsos. - Posso ir ver uma nova cria lá embaixo ou ajudá-la a escovar os animais.
- Obrigada, mas não vai ser necessário.
- Basta ligar para o estábulo veterinário, se mudar de idéia. - Ele precisava ir, ambos tinham muito trabalho a fazer. Mas era tão bom ficar parado ali, sentindo o perfume dela... Hoje o aroma era discreto e agradável. - Eles melhoraram muito no galope.
- Ficarão ainda melhores em poucas semanas. - Era hora de colocar os cavalos para dentro e iniciar a escovação deles. Mas ficar mais um minuto ali não ia doer, ia? - Ouvi dizer que você ganhou no pôquer ontem à noite.
- Fiquei cerca de cinqüenta dólares mais rico. Seu primo Burke também ganhou, ele parece bem esperto com as cartas.
- E meu pai?
Um sorriso curvou os lábios de Harry.
- Na verdade, foi dele que ganhei o dinheiro. Eu disse a Arthur que é melhor que continue a cuidar dos cavalos.
Gina arqueou as sobrancelhas.
- E o que ele respondeu?
- Algo que não posso repetir na presença de uma dama.
Ela riu.
- Foi o que pensei. Preciso colocar os cavalos dentro das baias. Os pais das crianças vão chegar logo.
- Eles não vêm assistir?
- Às vezes. Na verdade, pedi que nos dessem algumas semanas para que as crianças não ficassem distraídas ou tentadas a se mostrar. Você foi uma boa platéia teste.
- Gina. - Harry tocou-a no braço quando ela se virou para ir embora. - O menino, Willy, vai perder um dente em dois dias. Seria ótimo se alguém se lembrasse de colocar uma moeda embaixo do travesseiro dele.
O coração de Gina, que havia disparado com o toque de Harry, aquietou-se. Derreteu-se.
- Ele está com uma ótima família adotiva agora. Pessoas muito boas e carinhosas. Eles jamais vão esquecer.
- Então está tudo bem.
- Harry. - Dessa vez foi a mão dela que o segurou pelo braço. A despeito dos olhares curiosos das crianças, Gina ergueu a cabeça e beijou-o no rosto.
- Tenho um fraco por homens que acreditam em fadas - murmurou, e em seguida foi ajudar os alunos com os cavalos.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.