Capitulo X
Bad Betty realmente merecia o nome que possuía. Ela não apenas se metia em encrencas como procurava por elas. Nada parecia agradá-la mais do que morder os cavalariços de surpresa. A não ser dar coices nos jóqueis. Perseguia os potros menores quando estava solta no pasto, e, ainda por cima, criava a maior confusão na hora de voltar para sua baia no estábulo, à noite.
Por todos esses motivos, e muitos mais, Harry a adorava.
O alívio dos cavalariços foi unânime quando ele optou por treiná-la pessoalmente. Betty vivia testando-o, e embora Harry raramente baixasse a guarda quando estava em sua companhia, ainda restaram muitos arranhões causados por ela.
Havia funcionários que a chamavam de devoradora de homens, mas Harry sabia qual era a verdade. Ela era uma rebelde. E uma vencedora. Só era preciso ensiná-la a competir sem que perdesse .aquele espírito selvagem.
Quando a levava para os exercícios no paddock maior, ela fingia ignorá-lo. Mesmo assim, ao ouvir Harry falar, Bad Betty erguia as orelhas e o olhava de relance. De qualquer forma, os dias de trabalho árduo foram recompensados quando, finalmente, conseguiu
fazê-la cavalgar com regularidade.
- Ah, assim mesmo. Que beleza você é. – Harry gostaria de ter consigo uma máquina fotográfica para eternizar aquele momento, a maravilhosa égua já com postura de campeã, cavalgando com perfeição tendo ao fundo as colinas verdes emolduradas por um céu muito azul.
Sem dúvida seria um belo retrato, e pareceria um milagre para as pessoas que não acreditavam que ele podia recuperar aquela selvagem. Mas outros, como Arthur e Gina, saberiam apreciar o momento. Teriam certeza de que estavam diante de uma futura campeã.
Harry elogiou Betty mais uma vez ao aproximar-se para recompensá-la com um afago, e conseguiu enxergar algo nos olhos faiscantes da égua.
Ele viu o próprio destino.
- Seremos nós dois, você e eu - disse em voz baixa. - Nascemos para ficar juntos. As pessoas que não nos entendem nos chamam apenas de rebeldes. Mas vamos vencer muitas corridas, não vamos?
Observar era irresistível. Tinha muito trabalho para fazer, pilhas de relatórios para concluir. Mas podia se dar ao luxo de passar alguns momentos de um dia brilhante e glorioso de setembro como aquele para presenciar um pouco de magia, não é?
Gina encostou-se na cerca do paddock, apreciando a visão de Harry e Betty treinando. Seu pai acertara ao contratá-lo. Havia uma conexão entre homem e animal que era forte, ainda mais tangível que a corda que os ligava. Ela podia sentir aquilo. Divertimento, afeição, desafio.
Era algo que não podia ser ensinado. Simplesmente existia.
Sabia que Harry arranjava tempo para acompanhar cada animal da fazenda, quando não estava fora da cidade numa corrida. Isso não era nada fácil num lugar tão grande quanto o Royal Meadows. Mas era o tipo de toque pessoal que fazia a diferença. Um treinador de cavalos esperto sabia que quanto mais um animal era tocado, incentivado durante a juventude, melhor responderia ao treinamento mais tarde.
- Ela parece boa, não acha? - Harry perguntou ao soltar acorda para que a égua realizasse seu último galope com mais liberdade.
- Muito. Você fez um progresso considerável com ela.
- Nós dois fizemos progresso juntos, temos uma química especial. Betty já está pronta para sentir um cavaleiro sobre ela.
Conhecendo a reputação de Betty, Gina revirou os olhos e suspirou.
- E em quem você está pensando para tentar essa façanha?
Gradualmente, Harry diminuiu acorda, e Betty passou a trotar.
- Quer o trabalho?
- Já tenho muito trabalho, obrigada. - Mas era tentador.
Ele sabia que uma semente plantada precisava ser deixada sozinha para germinar.
- Bem, Betty vai sentir o peso de alguém montado nela amanhã pela manhã. -Diminuiu a corda mais uma vez, trazendo a égua para junto de si, e então os dois foram até Gina.
Harry acariciou o pescoço do animal, que se inclinou para cheirar a bolsa que ele levava na cintura, e depois virou a cabeça para o outro lado.
- Ela quer que eu saiba que não se importa com as maçãs que eu tenho aqui. Não, ela não dá a mínima... - Harry enrrolou a corda num dos mourões da cerca, retirou uma maçã da bolsa e um canivete do bolso da calça. Cortou a fruta no meio. -Talvez eu deva oferecer esta delícia para esta moça bonita aqui.
Quando o viu oferecendo a maçã para Gina, Betty deu-lhe uma cabeçada que o arremessou contra acerca.
- Agora ela quer a minha atenção. Gostaria de uma destas, querida?
Ele estendeu o braço. Betty comeu na palma de sua mão, mas manteve um ar altivo e cheio de dignidade.
- Ela me ama.
- Ela ama as suas maçãs - Gina comentou.
- Oh, não é apenas isso. Veja só... - Antes que Gina pudesse reagir, Harry a segurou pela parte de trás do pescoço e puxou-a para mais perto, roçando os lábios nos dela de maneira provocante.
Betty bufou, agitada, e o cabeceou outra vez.
- Você viu? - Harry sorriu maliciosamente antes de soltar Gina. - Ciumenta. Ela não admite que eu tenha qualquer afeição por outra mulher.
- Da próxima vez beije-a, ou pode se machucar.
- Eu teria merecido, e não me importaria, juro.
- Cavalos são mais facilmente seduzidos que mulheres, Potter. - Gina pegou uma maçã na bolsa que ele carregava. - Eu só gosto das suas maçãs - informou, afastando-se a passos largos na direção da academia.
- Essa é bem parecida com você. - Ele confidenciou para Betty, ainda observando Gina se afastar. – O que será que me atrai tanto em mulheres difíceis?
Gina não planejou descer até o estábulo dos potros. Mas naquela manhã acordara cedo e já terminara suas tarefas matinais. Além disso, estava curiosa. Quando entrou pela porta dos fundos do estábulo, piscando para se acostumar com a penumbra, a primeira coisa que ouviu foi a voz de Harry.
Aquilo a fez sorrir. Na verdade, foi o tom exasperado da voz que provocou o sorriso.
- Vamos lá, Jim, você perdeu o sorteio. Não pode dar para trás.
- Não é isso. Estou apenas me preparando.
O jovem cavalariço estava com os dentes cerrados, flexionando o pescoço, quando Gina entrou na baia.
- Bom dia. Ouvi dizer que você pegou o menor palito, Jim.
- Sim, eu e o meu azar. - Ele lançou um olhar ressentido para Betty. - Aquela lá quer me comer.
- Eu diria que ela vai preferir derrubá-lo e depois lhe dar um coice - Harry murmurou, desgostoso. - Vamos lá, rapaz, você só está deixando Betty saber que é capaz de intimidá-lo. Vai entrar para a história hoje... Será o primeiro a montar a próxima ganhadora da Tríplice Coroa.
Como se reagisse àquela predição, Betty bufou, agitando-se toda enquanto Harry tentava mantê-la presa pelas rédeas. Os olhos de Jim estavam arregalados como duas enormes bolas brancas, e seu rosto empalideceu ainda mais.
- Eu farei isso. - Gina não sabia ao certo se estava fazendo aquilo pelo desafio ou simplesmente por compaixão pelo aterrorizado rapaz. - Se vai ser um momento histórico, um Grant deve montar a futura campeã. - Ela sorriu para Jim ao dizer isso. – Agora me passe a jaqueta e o chapéu.
- Tem certeza? - Com mais esperança que vergonha, Jim olhou de Gina para Harry.
- Ela é a chefe. De certa forma - Harry replicou.
- Mas isso causará um enorme abalo a sua reputação, Jim.
- Prefiro engolir a minha reputação e salvar a minha pele. - Apressado, o rapaz virou as costas e começou a caminhar para a porta. Como se sentisse sua chance, Betty bufou, agitou-se e apoiou-se nas patas da frente para dar o coice. Harry praguejou, atirando-se sobre Jim a fim de protegê-lo, e acabou recebendo o impacto das patas diretamente nas costelas.
Houve silêncio por uma fração de segundo, o que só acrescentou mais impacto ao ocorrido. Gina não pensou duas vezes para entrar na baia e segurar as rédeas e controlar a égua. Em seguida, olhou para o chão, onde Harry continuava deitado.
- Ela machucou você?
- Não tanto como queria. - "Mas o bastante para me fazer perder a respiração e ver estrelas", ele concluiu, irritado.
Em seguida Harry tirou os cabelos dos olhos, secou o suor do rosto e massageou o próprio pescoço.
- Nossa, cara... Harry, eu sinto muito - Jim murmurou.
- Devia ter mais bom senso antes de dar as costas para uma encrenqueira como essa -ele replicou. - Da próxima vez vou deixá-la acertar sua cabeça. Agora caia fora daqui. Ela sabe que já dominou você. Para trás - ordenou para Gina no mesmo tom frio de comando, e então tomou as rédeas e puxou-as com força até forçar Betty a ficar de cabeça baixa.
- Então é assim que vai ser? Prefere a sua própria teimosia à glória? E eu perdi todo esse tempo com você? Talvez não queira correr. Podemos apenas esperar até a próxima temporada e trazer um garanhão para montá-la, e depois soltá-la no pasto. Mas desse jeito nunca vai saber, nunca mesmo, o que é vencer.
A apenas alguns passos de distância, Gina vestiu a jaqueta e o boné. E esperou. Havia uma marca de ferradura na camisa de Harry, e seus cabelos estavam revoltos e desarrumados. Havia muito suor no peito e nos braços musculosos, e ele usava botas bastante surradas.
Harry tinha a aparência de um verdadeiro encantador de cavalos. Poderoso. Confiante. E arrogante o bastante para acreditar que podia vencer um animal com mais de cinco vezes o seu peso.
Harry continuou falando, mas agora em gaélico. Expressava-se lentamente, com um ritmo compassado e cheio de ternura. Quase uma melodia, Gina pensou. Uma melodia que pairava no ar com um poder hipnótico.
A égua estava quieta agora, seus olhos castanho-escuros focalizados nos verdes de Harry.
Seduzida, Gina concluiu. Estava assistindo a um tipo de sedução. Betty faria qualquer coisa por ele. Aliás, quem seria capaz de resistir àquele toque carinhoso, ao poder incrível daquela voz?
-Entre aqui - Harry disse para Gina. - Deixe-a cheirá-la. Depois toque-a, para que ela possa sentir você.
- Eu sei como isso funciona - Gina murmurou. Mas nunca vira acontecer daquele jeito, tinha de admitir.
Ela entrou na baia, passou as mãos gentilmente sobre o pescoço e o flanco de Betty. Sentiu os músculos pulsando sob seus dedos, e notou que a égua não tirava os olhos de Harry.
- Já vi inúmeras pessoas, trabalhando de inúmeras maneiras com inúmeros cavalos
- Gina falou em voz baixa enquanto acariciava Betty. E, como a égua, não tirava os olhos de Harry. - Mas nunca ninguém como você. Você tem um dom.
Os olhos dele estreitaram-se, encontrando-se com os dela por um segundo.
- É Betty quem tem um dom. Fale com ela.
- Betty. Minha garota. Você assustou o pobre Jim, não é mesmo? Mas não me assusta. Acho você linda.
- Ela viu as orelhas do animal se abaixarem e os músculos poderosos retesarem-se sob seus dedos, mas continuou falando. - Quer correr, não é? Bem, não pode fazer isso sozinha. Garanto que não vai doer nada, nem precisa se preocupar. Sei que você é orgulho puro.
Mais uma vez, Gina olhou para Harry.
Continua [...]
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!