Capitulo IX





- Não sugeri que tivesse feito isso.
Os lábios de Gina ainda estavam amortecidos pela pressão recebida, e sentia o estômago retorcido como um saca-rolhas. Rumores diziam que era frígida, pensou. Ela mesma acreditara nisso. Entretanto, descobrir que a verdade era diferente não era motivo para celebrar. Para ser absolutamente franca, estava à beira do pânico.
- Eu não quero isso. - Aquela vulnerabilidade, aquela ânsia.
- Nem eu. - Harry soltou-a e enfiou as mãos nos bolsos num gesto nervoso. - O que só torna a situação mais complicada.
- Mas só chegará a ser um problema se nós permitirmos... - Gina levou a mão ao peito, como se quisesse abafar o coração disparado. Era incrível que Harry não pudesse ouvi-lo. -Somos ambos adultos, capazes de responder por nossos próprios atos. Aquilo foi um lapso momentâneo de ambas as partes. Não vai acontecer de novo.
- E se acontecer?
- Não irá, porque tanto eu quanto você temos outras prioridades e... bem, uma coisa assim poderia atrapalhar tudo. Vamos esquecer. Boa noite.
Gina caminhou para casa. Não correu, embora desejasse fazê-lo. Mas havia outra parte dela, uma da qual não se orgulhava, que desejava que Harry a detivesse.

Harry tinha esperança de que o tempo que passaria trabalhando duro na Flórida o ajudaria a conseguir fazer o que Gina dissera. Esquecer.
Mas não foi o que aconteceu, e com o passar dos dias ele começou a achar tal pretensão ridícula. E como estava sofrendo, não via por que deixá-la escapar incólume daquela situação, pelo menos não tão facilmente.
Sabia como lidar com mulheres, lembrou a si mesmo. Princesa ou não, Gina era uma mulher ardente por trás daquela máscara fria. E estava prestes a descobrir que não podia colocar Harry Potter de lado como se fosse um brinquedo usado.
Saiu do estábulo principal carregando a mochila no ombro. Ainda não havia sequer passado no próprio alojamento, e dormira muito pouco durante a viagem de volta desde Hialeah. Podia ter retornado por via aérea, mas escolhera voltar no caminhão acompanhando os animais.
Seus cavalos tinham ido muito bem, fazendo tudo o que Harry esperava deles. Isso o deixara orgulhoso e, evidentemente, um pouco mais rico. Certificar-se de que voltassem em segurança para a fazenda era o mínimo que podia fazer.
Naquele momento, porém, tudo o que queria era um bom banho, fazer a barba e tomar uma caneca de chá decente.
Mas não podia negar que trocaria todo esse prazer por mais um beijo de Gina.
Decidiu que a procuraria assim que estivesse limpo e refrescado. Sim, eles precisavam ter uma breve conversa. Bastante breve, se conseguisse colocar as mãos nela outra vez. E, se fizesse isso, ele iria...
A imagem erótica desapareceu de sua mente quando contornou o prédio da garagem e viu a mãe de Gina ajoelhada cuidando do canteiro de flores.
Não era a coisa mais confortável do mundo encontrar a mãe quando se estava imaginando a filha nua, afinal de contas. E então Adélia ergueu a cabeça e ele pôde ver as lágrimas que corriam pelo rosto da mulher. Aquilo realmente o aturdiu.
- Oh... sra. Weasley, o que aconteceu?
- Harry. - Soluçando, ela limpou o rosto com a costa da mão. - E... eu estava aqui, sozinha, cuidando do jardim. Não imaginava que alguém pudesse aparecer... desculpe-me por constrangê-lo - emendou num fio de voz.
- Hã... - "Diga alguma coisa, idiota", ele pensou, em pânico. Sempre se sentia um completo inútil quando via uma mulher chorando.
- Estou sentindo falta de tio Charlie. Ele partiu ontem. - A mulher nem se esforçou para conter um suspiro. - Achei que se viesse até aqui, trabalhar no jardim da antiga casa dele, eu me sentiria melhor... mas saber que não o verei mais nos estábulos... Sei que ele tinha que ir. Mas...
- Ah. - "Diabos, Potter, faça alguma coisa". Freneticamente, Harry puxou o lenço do bolso traseiro da calça. - Talvez a senhora devesse...
- Obrigada. - Ela apanhou o lenço e logo em seguida Harry ajoelhou-se a seu lado.
- Você deve saber como é, eu acho, por estar longe da sua família.
- Bem, a minha não é tão unida, se é que me entende.
-Família é sempre família. – Molly Weasley secou os olhos e se recompôs.
Parecia tão jovem, Harry pensou. Nunca a imaginaria como a imagem de uma mãe de cinco filhos, com aquele boné na cabeça e a calça jeans surrada. E ele agiu com espontaneidade, tomando-a pela mão.
Por um momento, ela recostou a cabeça no ombro másculo e voltou a suspirar.
- Charlie mudou minha vida quando me trouxe para cá. No começo me senti muito deslocada, claro. Uma nova casa, pessoas novas... um novo país, afinal. E fazia muitos anos que eu só via Charlie em fotografias. Na verdade, não o via desde que eu era um bebê. Mas quando, finalmente, nos encontramos, tudo mudou para melhor. Não sei o que teria sido feito de minha vida sem ele.
Aparentemente, Molly precisava conversar com alguém. Harry preferiu não se impor, deixando-a falar e sendo apenas um bom ouvinte.
- Ainda bem que não chorei na frente de Arthur ou das crianças. Eles também sentem a falta de Charlie. Consegui manter o controle até chegar aqui. Foi nesta casa que eu vivi quando vim para Royal Meadows. O quarto com paredes verdes e cortinas brancas na casa da garagem. Eu era tão jovem...
- Fala como se fosse uma velha decrépita agora - Harry protestou, sentindo-se aliviado por conseguir fazê-la rir.
- Bem, talvez não esteja decrépita... mas naquela época eu era bem inexperiente. Nunca tinha visto um lugar como este em toda a minha vida, e iria viver bem no meio dele graças a Charlie. Se não fosse por ele, creio que Arthur jamais se interessaria em olhar uma segunda vez para uma simples cavalariça.
- Cavalariça. - Harry arregalou os olhos. – Achei que isso... bem, achei que isso não passasse de uma lorota.
- Claro que não - Molly replicou com indisfarçável orgulho. - Trabalhei duro quando cheguei aqui, não tenha dúvida. E era uma excelente cavalariça. Eu mesma treinei o pai de Prince, Majesty.
Harry sentou-se no chão e abraçou os próprios joelhos.
- A senhora treinou Majesty?
- Pode apostar que sim, e o levei pessoalmente ao seu primeiro Derby. Oh, eu adorava aquele cavalo. Você sabe como é...
- Sim, eu sei.
- Nós o perdemos no ano passado. Teve uma vida longa e próspera, o nosso velho Majesty. Acho que foi a morte dele que levou Charlie a decidir-se por uma aposentaria definitiva. De qualquer forma, creio que os ares da Irlanda farão tão bem a ele quanto o convívio com os animais daqui, e isso é um conforto. Como você foi para mim agora, Harry. Muito obrigada.
- Eu não fiz nada. Só não agüento ver ninguém chorando.
- Você me ouviu. - Ela devolveu o lenço a ele.
- É que lágrimas me deixam sem fala. Oh, a senhora está com um pouco de sujeira no rosto, deixe-me limpar.
Gina apareceu no jardim a tempo de ver Harry limpando gentilmente o rosto de Molly com seu lenço azul. E a primeira coisa que notou, obviamente, foram os olhos avermelhados da mãe.
- O que é isso? O que você fez? - Fuzilando Harry com o olhar, ela envolveu os ombros da mãe num abraço.
- Nada. Eu só nocauteei sua mãe e a chutei algumas vezes enquanto ela estava no chão.
- Gina! - Com um riso surpreso, Molly segurou as mãos da filha. - Harry nada fez, a não ser me oferecer seu ombro amigo enquanto eu chorava por causa do tio Charlie.
- Oh, mamãe. – Gina pressionou carinhosamente o rosto contra o de Molly. - Não fique triste.
- Eu tinha que ficar... um pouco. Mas agora estou melhor. - Ela inclinou-se para a frente, surpreendendo Harry com um beijo no rosto. - Você é um ótimo rapaz, e muito paciente também.
Ele colocou-se em pé para ajudá-la a levantar-se.
- Não é a reputação que eu tenho, sra. Weasley.
- Isso porque as pessoas não se aproximam o bastante para notar. Deve me chamar de Molly, agora que chorei no seu ombro. Bem... acho que vou até o estábulo dar uma olhada em nossos campeões. Com licença.
- Ela nunca chora - Gina murmurou assim que a mãe se afastou. - A não ser quando está muito feliz ou muito triste. Sinto muito por tê-lo acusado daquele jeito, mas quando a vi chorando, eu perdi a cabeça.
- Lágrimas também me afetam, então deixe estar.
Ela assentiu, depois olhou ao redor como se procurasse algo para dizer.
- Ouvi dizer que você foi muito bem em Hialeah.
- Fomos bem. Herói corre particularmente bem em pistas de grama.
- Sim, eu o vi nascer. Vive para correr. - Gina notou a mochila no chão. - E veja você. Nem bem chegou e já teve uma mulher chorando em seu ombro e outra o acusando. Realmente sinto muito.
- Sente o bastante para me preparar um bule de chá enquanto eu tomo banho?
- E... eu... tudo bem, mas tenho menos de uma hora.
- Vai demorar muito menos para preparar aquele chá. - Satisfeito, ele começou a subir a escada ao lado da garagem. - Você vai dar aula hoje à tarde?
- Sim. - Encurralada, Gina encolheu os ombros e o seguiu. Harry fora gentil com sua mãe, por isso devia retribuir a ele. - Às três e meia. Mas ainda tenho algumas coisas para fazer antes que os alunos cheguem.
- Bem, não vou detê-la por muito tempo. Creio que sabe onde fica a cozinha.
Sem esperar a resposta, ele entrou na suíte principal e fechou a porta atrás de si. Nem chegou a ver a expressão aturdida de Gina.
Estar nos domínios de Harry preparando-lhe chá não era a forma como planejara lidar com a situação delicada que os envolvia. Para ser franca, nos últimos dias chegara à conclusão de que era melhor manter uma prudente, porém amistosa, distância em relação a ele. O que havia acontecido noites antes não passara de uma tolice. Nada sério.
Incrível.
Gina meneou a cabeça e procurou pelo pote de chá que Charlie sempre guardava no armário. Não, não havia nada com que se preocupar. Na verdade, devia até ser grata a Harry de certa forma. Ele lhe mostrara que não era indiferente aos homens, como já chegara a acreditar. Sempre ficava incomodada por nunca ter sentido aquele desejo ardente que as amigas viviam mencionando em conversas.
Bem, com certeza tinha sido isso o que sentira nos braços de Harry Potter. E era uma coisa boa, saudável. Alguém, finalmente, a apanhara na hora certa, no lugar certo e da maneira correta. E se tinha acontecido uma vez, aconteceria de novo.
Com outra pessoa, claro. E só quando ela decidisse.
Terminou de fazer o chá e colocou-o sobre a mesa para esfriar, e então foi procurar uma caneca no armário alto que ficava sobre a geladeira.
- Eu pego isso. - Surgindo do nada, Harry pegou-a de surpresa, praticamente comprimindo o corpo dela entre a geladeira e o próprio corpo.
Quando ele esticou o braço para apanhar a caneca no alto, Gina pôde sentir o cheiro da colônia pós-barba que Harry usava. No mesmo instante sentiu a boca ficar seca.
- Decidi que não quero esquecer.
Ela estava concentrada em manter o ritmo da própria respiração.
- O quê?
- E também decidi que tampouco não vou deixá-la esquecer.
Gina tentou engolir, mas sua garganta não cooperava.
- Nós concordamos...
- Não, não é verdade. - Harry colocou a caneca no balcão ao lado. - Só concordamos que não queríamos isso. - O rabo-de-cavalo que ela usava deixava a adorável curva do pescoço nua. Ele encostou os lábios ali. - E eu diria que também concordamos quanto a existir uma atração mútua entre nós.
A tempestade estava de volta, uma onda de calor que descia pelo pescoço de Gina e parecia queimar-lhe a espinha por dentro.
- Nós nem nos conhecemos...
- Conheço o seu gosto - ele murmurou, voltando a beijá-la na nuca. - E seu cheiro. Vejo seu rosto em minha mente o tempo todo, mesmo quando não quero. -Virando-a, encarou-a fixamente. - Por que você deveria ter escolha, quando eu não tenho?
Os lábios de Harry cobriram os de Gina num beijo ansioso. Com as mãos fortes, ele pressionava o corpo dela contra o seu.
E dessa vez Gina sentiu mais raiva que paixão naquele abraço. Aturdida, percebeu que achava tal contato inexplicavelmente excitante.
- Não estou pronta para isso - ela lutou para se livrar dos braços dele. - Não estou pronta. Consegue entender?
- Não. - Mas Harry compreendeu o que o olhar de Gina dizia. Ele a assustara, e não tinha o direito de fazer isso. - Talvez porque eu não queira entender. - Ao dizer isso, afastou-se, deixando-a livre. – Sua mãe disse que eu era paciente. Pode ser, em determinadas circunstâncias. Vou esperar, porque você virá a mim. Existe algo entre nós, uma coisa estranha e vibrante... por isso sei que virá até mim quando estiver pronta.
- É uma linha muito fina a que separa a autoconfiança da arrogância, Harry. Tome cuidado – Gina sugeriu enquanto se afastava em direção à porta.
- Senti saudade de você.
A mão dela deteve-se sobre a maçaneta da porta sem abri-la.
- Sabe mesmo dizer a coisa certa - murmurou.
- Pode ser. Mas realmente senti a sua falta. Obrigado pelo chá.
Gina suspirou.
- Seja bem-vindo - murmurou, deixando-o sozinho um segundo depois.

Continua [...]

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