Capitulo VIII



Era tudo culpa de Harry Potter. Se ele não tivesse sido tão insuportável, Gina não teria aceitado o convite de Chad para jantar fora. E, em conseqüência, não teria passado quase quatro horas entediada até os ossos quando podia estar fazendo algo mais útil.
Como observar um formigueiro, por exemplo.
Não havia nada de errado com Chad. Para uma pessoa que tivesse, digamos, apenas meio cérebro e nenhum outro interesse além do corte ideal para um terno, ou disposição para um debate infindável a respeito da maneira correta de servir um martíni seco, ele seria a companhia ideal.
Infelizmente, Gina não se enquadrava em nenhuma dessas categorias.
Naquele momento ele estava discorrendo sobre a pintura que acabara de adquirir em uma feira de arte. Não, não sobre a pintura, Gina corrigiu-se, desanimada. Uma discussão acerca de pintura, de arte, seria um milagre que a salvaria de um iminente estado de coma. Mas não, Chad estava discursando, e não havia uma palavra melhor para isso, sobre seu "investimento".
Ele mantinha os vidros fechados e o ar-condicionado no máximo enquanto dirigia. Lá fora fazia uma noite perfeita, ela pensou, mas abrir as janelas significaria desarrumar o penteado de Chad. O que era impensável.
Pelo menos Gina não precisava se esforçar para manter uma conversação. Chad, afinal de contas, preferia os monólogos.
- O marchand me assegurou que dentro de três anos a peça vai valer cinco vezes o que paguei nela. Normalmente eu teria hesitado por se tratar de um artista jovem e desconhecido, mas a mostra foi um sucesso absoluto. Notei que T. D. Giles estava muito interessado em duas obras. E você sabe como o velho T. D. é astuto em relação a essas coisas. Eu lhe contei que encontrei com a esposa dele, Sissy, alguns dias atrás? Ela estava esplêndida. A cirurgia plástica fez maravilhas pelo rosto da mulher, um resultado espantoso. Você precisava ver como ficou natural... .
"Oh, Deus, por favor, tire-me daqui ou me mate!", era tudo em que Gina conseguia pensar .
Quando o carro fez a última curva na estrada e apareceram os imponentes pilares de pedra de Royal Meadows, ela teve que se conter para não gritar de alegria.
- Estou tão feliz por nossas agendas finalmente baterem. A vida é mesmo muito estafante e complicada, não acha? Nada mais relaxante do que um jantarzinho íntimo, a dois.
"Agora é que vou começar a relaxar, querido", Gina pensou, aliviada.
- Foi muita gentileza me convidar, Chad. - Ela se perguntava se seria rude demais saltar do carro ainda em movimento, correr para a porta e executar uma dança comemorativa na varanda.
Definitivamente rude, decidiu. Certo, iria cortar a dança.
- Drake e Pâmela... você conhece os Larken, é claro, estão organizando uma pequena soirée no próximo sábado à noite. Por que eu não passo aqui para pegá-la... digamos, às oito horas?
Era inacreditável pensar que havia saído com um sujeito que usava a palavra soirée numa frase.
- Eu realmente não posso, Chad. Terei um dia cheio no sábado... muitas aulas, você sabe. Quando terminar, com certeza não estarei muito disposta para um encontro social. Mas obrigada mesmo assim. - Ela segurou na maçaneta da porta, antecipando a fuga.
- Gina, não pode deixar essa escolinha tomar tanto tempo da sua vida.
Os pêlos da nuca de Gina eriçaram-se, contudo ela se forçou a estudar o perfil impecável daquele playboy. Um dia alguém iria se referir à academia como a "escolinha de Gina" e ela seria muito, muito rude. Talvez até cortasse alguns pescoços.
- Não posso?
- Tenho certeza, claro, que isso a diverte. Hobbies podem ser bastante gratificantes.
- Hobbies... - Ela cerrou os dentes.
- Todo mundo precisa de uma distração, eu creio. - Chad freou o carro diante da casa e retirou do volante as mãos que nunca tinham visto um dia de trabalho duro em toda a vida.
- Mas você precisa reservar tempo para si mesma. Outro dia Renny mencionou que não a vê há séculos. Afinal de contas, quando os anos de entusiasmo se forem, você vai acabar se perguntando o que fez com sua vida.
- Minha escola, não é um hobby, uma distração ou um divertimento. E um negócio muito sério, se quer saber.
- Sim, claro. - Ele bateu levemente no joelho de Gina, num gesto condescendente.
- Mas você deve admitir que essa atividade consome quase todo o seu tempo. Demorou quase seis meses até que conseguíssemos jantar juntos.
- Tudo isso?
Chad interpretou mal o silêncio dela e inclinou-se para a frente, encarando-a com um olhar malicioso.
Gina o deteve, pondo a palma da mão sobre seu peito...
- Nem pense nisso. Vou lhe dizer uma coisa, colega. Realizo mais em um dia em minha escola do que você em uma semana naquele escritório que herdou de seu avô... aliás, quase posso vê-lo empilhando papéis entre uma sessão de manicura e um gole de amaretto no final do expediente. Homens como você não me interessam absolutamente, e por isso demoramos quase seis meses para ter esse encontro tedioso. Se eu tivesse certeza de que seria assim, preferia ter ficado em casa vendo televisão. Por isso, pegue sua gravata francesa e seus mocassins italianos e os engula!
O choque deixou Chad sem fala por um instante. Ele precisou respirar fundo para se recuperar.
- Obviamente, passar tanto tempo em estábulos, cercada de animais, deve tê-la feito esquecer as boas maneiras.
- Isso mesmo, Chad. - Ela inclinou-se para a porta, encarando-o com sarcasmo. -Você descobriu meu segredo! Agora deixe-me apenas subir para meu quarto e ensopar meu travesseiro com lágrimas amargas.
- Correm rumores sobre você ser frígida, sabia? - ele murmurou numa voz sibilina e fria.
- Mas eu tinha que constatar por mim mesmo.
Aquilo doeu, porém Gina era forte o bastante para suportar o golpe.
- Também correm rumores sobre você ser um débil mental. Acho que agora nós dois confirmamos as fofocas locais.
Chad voltou a acionar o motor, e Gina podia quase jurar que suas mãos tremiam ao volante.
- É uma gravata inglesa, para sua informação.
Ela bateu a porta do carro com força ao descer, e observou, incrédula, enquanto o automóvel se afastava.
- Uma gravata inglesa... - Um riso incontrolável a acometeu. - Essa foi boa!
- Recuperando o controle depois de um longo suspiro, Gina ergueu os olhos para o alto e ficou alguns instantes observando o magnífico céu estrelado. - Debilóide - murmurou. – E acho que isso vale para os dois.
Gina ouviu um ruído metálico e virou-se, deparando com Harry, que acabara de acender um cigarro.
- Briga de namorados?
- Acho que sim. - A fúria provocada por Chad ainda não estava adormecida. - Ele quer me levar para Antígua e eu simplesmente caí de amores por Moçambique. Antígua deve estar às moscas nesta época do ano, não concorda?
Harry deu uma longa tragada no cigarro com expressão compenetrada. Gina estava estonteante sob a luz do luar, usando aquele ousado vestido preto. Seus cabelos caíam-lhe sobre os ombros como uma cascata de fogo sobre seda. Ouvi-Ia rir de maneira relaxada, momentos antes, fora um verdadeiro bálsamo para seus ouvidos. Mas agora os olhos da princesa tinham voltado a faiscar com fúria, e o alvo era Harry.
- O que era quase bom.
Ele tragou o cigarro mais uma vez, depois encarou-a por entre uma nuvem de fumaça.
- Está me dando corda, Gina...
- Gostaria de lhe dar corda o bastante para que se enforcasse. Depois disso, eu o picaria em pedaços bem pequenos e o mandaria de volta para a Irlanda!
- Imaginei que diria isso. - Harry livrou-se do cigarro e caminhou até ela. Ao contrário de Chad, não interpretou errado o brilho furioso do olhar de Gina.
- Você deve estar querendo socar alguém... - Ao dizer isso, tomou-a pela mão e a fez cerrar os dedos, em seguida virou-se, indicando o próprio queixo. - Vá em frente.
- Por mais tentadora que me pareça essa proposta, não costumo resolver minhas diferenças assim. - Quando ela começou a se afastar, Harry a deteve, segurando-a pelo braço. - Mas - Gina emendou devagar - posso fazer uma exceção.
- Não gosto de me desculpar, e não farei isso... de novo... se me deixar ir direto ao assunto.
Ela arqueou uma sobrancelha. Tentar se livrar da garra daquele irlandês certamente causaria uma cena pouco digna.
- Por acaso está se referindo à minha "escolinha"?
- Está fazendo uma coisa muito boa. Admirável, na verdade, e não há nada pequeno quanto a isso. Gostaria de ajudá-la.
- O quê?
- Gostaria de lhe dar uma ajuda sempre que puder.
No meu tempo livre, quero dizer.
Desconcertada, ela meneou a cabeça.
- Não preciso de nenhuma ajuda.
- Imagino que não precise mesmo. Mas isso não machucaria ninguém, certo?
Gina estudou-o com uma expressão que era um misto de suspeita e interesse.
- Por quê?
- Por que não? Deve admitir que eu entendo de cavalos. Tenho braços fortes também. E acredito no que você está fazendo.
Foi a última frase que rompeu as defesas dela. Ninguém fora da família entendera o que ela queria fazer até aquele momento. Livrando-se do aperto da mão de Harry, deu um passo para trás.
- Está se oferecendo porque se sente culpado?
- Estou me oferecendo porque fiquei interessado. Culpa faria à penas que eu me desculpasse.
- Ainda não se desculpou, sabia? - Mas a pergunta foi acompanhada de um sorriso franco. - Deixe para lá. Acho que posso usar um par de braços fortes de vez em quando.
- Gina abaixou o olhar, sentindo-se, por um motivo qualquer, incapaz de encará-lo. Talvez fosse por causa da sensação que a visão daquele homem másculo lhe causava, constatou com certa surpresa.
Forte, saudável, com mãos sensíveis e um conhecimento inato sobre como lidar com cavalos. Podia ser pior, ela pensou.
- Você cavalga?
- Ora, claro que sim. Como um bom irlandês. - Dessa vez um sorriso iluminou os lábios de Harry. - Quer dizer que me aceita?
- Isso foi fácil. Mas há um detalhe... - Gina virou-se e começou a caminhar devagar pelo corredor do jardim que era cercado por árvores floridas de damas-da-noite. - Não posso pagá-lo.
- Já tenho um bom emprego, obrigado.
- As crianças cuidam de várias tarefas - ela informou. - Faz parte do pacote. Não se trata de ensiná-las a buscar apenas a liderança numa corrida, o galope sobre um cavalo. Trata-se de confiança... nelas mesmas, em seus animais, em mim. De fazê-las se conectarem com suas montarias. Limpar um monte de estrume, por exemplo, pode ajudá-las a compreender isso.
Ele sorriu.
- Não vou discutir com você.
- Mesmo assim, são crianças, portanto diversão é uma parte importante da programação. E ainda estão aprendendo, por isso nem sempre conseguem fazer um bom trabalho como cavalariços. Além disso, sempre acaba faltando tempo para cuidarem apropriadamente dos animais, tratando os pequenos ferimentos deles e controlando pragas como infestação por percevejos.
- Comecei minha ilustre carreira com um escovão numa das mãos e uma barra de sabão na outra, limpando selins.
Impulsivamente, Harry apanhou uma flor branca em uma das árvores e a colocou no cabelo de Gina. O gesto, por seu charme ingênuo, a desconcertou, fazendo-a lembrar que estavam caminhando juntos ao luar, cercados por flores.
"Não é uma boa idéia", lembrou a si mesma.
- Tudo bem então. Se e quando você tiver um tempo livre, sempre poderei lhe arranjar um forcado extra.
Quando Gina fez menção de voltar para a casa, Harry segurou-a outra vez pela mão.
- Não entre agora. A noite está realmente linda, e seria um pecado desperdiçá-la dormindo.
A voz dele era adorável, num tom muito confortador. Mas Gina ainda não conseguia encontrar uma explicação para o fato de aquela voz fazê-la tremer.
- Nós dois temos que acordar muito cedo amanhã.
- Verdade, mas felizmente somos jovens, não é? Eu vi a sua medalha.
Distraída, ela esqueceu de soltar sua mão da de Harry.
- Minha medalha?
- Sua medalha olímpica. Fui procurá-la mais cedo no escritório da academia.
- A medalha serve como isca para os pais que podem pagar pelo treinamento dos filhos.
- É uma coisa da qual deve se orgulhar.
- E me orgulho. - Com a mão livre, Gina ajeitou os cabelos desarranjados pela forte brisa noturna. A ponta de seus dedos tocou de leve nas pétalas da flor que Harry havia colocado ali. - Mas isso não me define.
- E o que a definiria... como é mesmo? Uma gravata inglesa?
A risada escapou facilmente dos lábios dela, amenizando a estranha tensão que aquele encontro furtivo causara.
- É surpreendente, sabia? Mas acho que, com o tempo, se me esforçar um pouco, posso acabar gostando de você.
- Tenho todo o tempo do mundo. - Harry soltou a mão de Gina e começou a brincar com as pontas dos cachos do cabelo dela. - Você é do tipo brincalhão - murmurou.
- Não, não particularmente. - Na maior parte do tempo, pelo menos, ela pensou.
- Desculpe-me, mas eu gosto de tocar - ele confessou, acariciando os cabelos de Gina mais uma vez. - Ajuda a fazer... uma conexão. Pode-se aprender muito por meio de um toque.
-Eu não... - Ela emudeceu quando aqueles dedos fortes tocaram-na com firmeza na parte posterior do pescoço.
- Aprendi que as pessoas costumam carregar toda a tensão bem aqui, na base da nuca. Todas as preocupações que nem chegam a demonstrar em seus rostos. Ainda mais você, Ginay, que parece ter um talento natural para atriz. Isso pode enganar um homem.
A tensão estava se dissolvendo sob o toque dos dedos de Harry, e mudando toda para outra parte do corpo. Uma espécie de sufocamento, misturado a um estranho calor que a dominou por dentro. A pressão que lhe oprimia o peito foi tão súbita que por um instante teve dificuldade para respirar. Os músculos de seu estômago começaram a se retorcer. A doer.
- Meu rosto não tem nada a ver com a pessoa que realmente sou.
- Talvez não, mas mesmo assim não consigo deixar de ter prazer ao admirá-lo.
Se Ginanão ficasse trêmula, ele poderia ter resistido. Era um erro. Porém Harry já cometera erros antes, e com toda certeza voltaria a cometê-los. Havia aquele luar e no ar o perfume das últimas flores desabrochadas. Além disso, que tipo de homem se afastaria de uma linda mulher que tremia sob seu toque?
"Não este aqui", ele pensou.
- Uma noite linda demais para ser desperdiçada - murmurou de novo, inclinando-se na direção dela. Gina retrocedeu alguns milímetros, quando os lábios de Harry se aproximaram dos seus, mas os dedos fortes continuavam acariciando-a na nuca, mantendo-a próxima. O olhar dele baixou para os lábios carnudos, depois voltou a se fixar nos olhos dela.
E ele sorriu.
- Cushla machree - sussurrou como se recitasse um encanto, e Gina, de fato, ficou enfeitiçada.
Os lábios dos dois roçaram-se. Tudo dentro de seu corpo a incitava a entregar-se languidamente. Harry puxou-a para mais perto de si, ajustando aquele delicado corpo feminino ao seu, encaixando ângulos e curvas. A? mesmo tempo, suas mãos deslizavam para cima e para baixo pela espinha dorsal dela.
Um suspiro escapou dos lábios de Gina, e um segundo depois eles já estavam entreabertos, esperando pelos de Harry. E então ele a beijou.
Harry sempre se comportara com gentileza diante da fragilidade. Mas a súbita e inesperada rendição de Gina a ele, a ela mesma, o apanhara de surpresa. Sem dúvida esperava alguma resistência. Teria compreendido tudo... desdém, frieza e até mesmo uma reação furiosa. Mas aquilo... Oh, não, a reação de Gina o abalou profundamente.
-Mais - ele murmurou contra os lábios dela. - Só mais um pouco. - E voltou a beijá-la com furor.
Um som abafado saiu da garganta de Gina, um ronronar que pareceu música aos ouvidos de Harry. Por um instante o coração dele parou, e então disparou como um cavalo selvagem numa pradaria.
O choque fez com que interrompesse o beijo e a encarasse, com a estranha sensação de alguém que subitamente tivesse percebido estar segurando um tigre nos braços em vez de um simples gatinho.
Como podia ter esquecido que aquilo era um erro? Nada mais que um grande erro. Agora estava completamente nas mãos dela.
- Droga.
Gina piscou, confusa, tentando compreender o motivo da abrupta mudança de comportamento de Harry. O rosto dele agora era duro, e o toque de seus dedos, que continuavam pousados em sua nuca, já não era tão suave. Sentindo os próprios joelhos falsearem, ela respirou fundo e manteve o controle. Não estava disposta a dar mais um espetáculo de fraqueza.
- Deixe-me ir.
- Eu não a forcei.

Continua [...]

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