Capitulo VI
- Calcanhares para baixo, Lynn. Ótimo. Mãos, Shelly. Willy, preste atenção. – Gina acompanhava atentamente cada um de seus alunos na aula da tarde. Eles estavam evoluindo.
Seis cavalos montados por crianças trotavam em círculo no paddock. Dois meses antes, três daqueles pequenos nunca tinham sequer visto um cavalo, quanto mais montado um. A Academia de Equitação Royal Meadows havia mudado aquilo. E estava fazendo a diferença.
- Tudo bem, trote. Costas eretas - ela ordenou, observando, com as mãos na cintura, o sucesso dos alunos. - Calcanhares para baixo, Joelhos, Joey. Assim é que se faz. Você e o cavalo formam um time, lembre-se. Parece bom. Muito melhor.
Ela se aproximou, batendo de leve com o chicote no calcanhar de um dos garotos. O menino sorriu e corrigiu a postura. "Oh, sim, muito melhor", ela pensou. Um mês antes, Willy parecia uma marionete em cima da sela.
Tudo se baseava na confiança.
Ordenou que realizassem uma manobra conjunta, e as crianças acabaram se confundindo. Todos riram muito e tentaram outra vez, até obterem sucesso.
Tudo também precisava ser divertido.
Harry a observava a distância. Não a vira por dois dias. Quase todo o tempo estava ocupado nos estábulos ou em uma das pistas onde os cavalos de Arthur corriam. Aparentemente, Gina não passava muito tempo nesses locais.
Sentira falta dela.
E tinha concluído que a princesa Arthur gastava seu tempo almoçando em restaurantes sofisticados ou fazendo compras. Cuidando do cabelo ou pintando as unhas. O tipo de coisa que garotas ricas fazem para passar o tempo.
Mas lá estava ela, trabalhando duro no paddock com aquelas crianças. Talvez fosse um hobby. Talvez Gina apenas estivesse ensinando crianças privilegiadas, filhas de pais ricos do Country Club, como cavalgar no melhor estilo inglês.
Hobby ou não, ela parecia boa fazendo aquilo. Vestia-se de maneira informal, apenas calça jeans e camiseta. Seus cabelos estavam amarrados em um prático rabo-de-cavalo. E as botas que usava não eram novas, pelo contrário, bastante surradas.
Parecia estar se divertindo. Se não a estivesse vendo, Harry jamais imaginaria que ela sabia sorrir daquele jeito. Incapaz de resistir., ele se aproximou quando Gina interrompeu o treino e começou a conversar com uma das alunas, aproximando-se de sua montaria. Aparentemente, a sela precisava de algum ajuste.
O sorriso de Gina desapareceu assim que notou a aproximação de Harry. Mas havia algo naquele olhar suspeito e frio que ela lhe lançava que o atraía ainda mais. Por isso retribuiu toda a frieza da princesa limitando-se a arquear as sobrancelhas.
Gina não se importava de ter platéia. Com freqüência, seus pais, irmãos ou os funcionários da fazenda paravam para observar suas aulas. Isso sem contar as visitas dos pais dos alunos, claro. E como não se importava realmente com aquele observador em particular, decidiu ignorá-lo.
Um por um, os alunos realizaram a última rotina de exercícios de solo. Ela corrigiu a postura, encorajou-os e pressionou para empregarem maior esforço ou concentração. Quando mandou que desmontassem, cada um deles reclamou.
- Mais cinco minutos, srta. Gina. Não podemos cavalgar só por mais cinco minutos?
- Já os deixei cavalgar por mais cinco minutos. - Ela ajudou Shelly a desmontar. - Na semana que vem vamos tentar um meio galope.
- Vou ganhar um cavalo no Natal - Lynn anunciou. - E mamãe disse que na primavera vou poder me inscrever nos concursos.
- Então vai ter que trabalhar muito duro. Agora escovem as suas montarias.
- É um ótimo grupo o que tem aqui, Gina.
As boas maneiras impediram-na de deixar Harry Potter falando sozinho. Afinal de contas, precisava cuidar das crianças.
- Gosto de pensar que sim.
- Aquele menino ali... – Harry apontou Willy, um garoto magro e moreno. - Ele parece adorar o cavalo. Aposto que sonha com o animal à noite. Sonha que está galopando numa floresta, metido em grandes venturas.
Isso a fez sorrir outra vez.
- Teddy também o adora. Teddy Bear, o cavalo - ela explicou. - Ele tem um grande coração, por isso lhe dei esse nome.
- Essas crianças têm muita sorte por fazer aulas com uma boa instrutora, e ainda contar com excelentes montarias. A senhorita guarda esses cavalos naquele estábulo? Nunca os vi antes em minha área.
- São meus. Eu os guardo em meu estábulo particular. - Os cavalos dela, sua escola, sua responsabilidade. - Desculpe-me, mas a lição não termina até que todos os animais sejam escovados.
"Por que tanta pressa?", Harry perguntou-se ao vê-Ia afastar-se. Também tinha coisas para fazer, mas nada que o impedisse de passar por ali mais tarde. Talvez, com alguma sorte, as crianças já teriam ido embora...
Ele a incomodava. E não havia uma explicação real para aquilo. Apenas era assim. Não gostava do jeito como a olhava. Parecia ser a única a notar os olhares ávidos que lhe lançava.
Também não gostava do jeito como ele falava. E mais uma vez, parecia ser a única capaz de captar as segundas intenções na voz daquele irlandês atrevido.
Todos consideravam Harry Potter um sujeito extremamente simpático. Seus pais o achavam a pessoa perfeita para substituir tio Charlie... e tio Charlie só se referia a ele com elogios.
Luna o achava sexy e Freddie, um "cara legal"; Rony dizia que ele era inteligente.
- Exageros - Gina murmurou, erguendo a pata do garanhão para checar a ferradura.
Talvez fosse algum tipo de química. Algo que a fazia reagir quando o sujeito estava por perto. Afinal de contas, Potter parecia realmente muito competente em seu trabalho. Mais do que isso, a julgar pelos rumores que ouvira. E como ambos estavam sempre ocupados, raramente se encontravam. Não devia dar tanta importância àquilo.
Mas não gostava do fato de haver começado a evitar os estábulos e as pistas de treino. De estar deliberadamente negando a si mesma uma coisa que sempre lhe dera muito prazer.
E o que mais a incomodava era desconfiar que ele sabia disso, o que dava ao homem uma importância indevida.
O cavalo relinchou, agitado, fazendo-a voltar à realidade.
- Você tem um bom olho para escolher animais - Harry disse.
Gina nem ficou surpresa por não tê-lo ouvido chegar. O que a surpreendia era o fato de sentir a presença de Potter mesmo sem ouvi-lo aproximar-se. Era como se a atmosfera mudasse quando ele estava por perto.
- Acho que é um dom natural.
- Que bom. Teddy, meu velho - Harry murmurou, aproximando-se do garanhão. Seus olhos estavam fixos nos do cavalo que, a exemplo de todos naquela fazenda, parecia gostar do estranho irlandês. - Você é paciente e tem um grande coração, não é? - Ele acariciou o flanco do animal com a palma da mão. - E gosta muito de carregar garotinhos sonhadores. Há quanto tempo está com ele?
Ela piscou, quase corando. Havia algo de hipnótico em relação à voz, à presença daquele homem.
- Cerca de dois anos.
Harry continuou passando as mãos no flanco de Teddy Bear. Parou. Seus olhos estreitaram-se para observar pequenas cicatrizes que encontrou no lombo.
- O que é isso? - Perguntou, apesar de já conhecer a resposta. - Este cavalo foi chicoteado, chicoteado até sangrar.
- O dono anterior dele - Gina murmurou, encolhendo-se como se estivesse se defendendo – tinha uma mão pesada com o chicote. Queria que Teddy fosse um saltador, mas não gostou quando notou que ele refugava os obstáculos. Essa era a forma que encontrou para mostrar ao animal quem era o chefe.
- Bastardo. - E embora seus olhos ainda brilhassem furiosos, Harry voltou a falar num tom suave. - Mas você está num lugar melhor agora, garotão. Em uma ótima casa e com uma dona muito boa. Você o salvou, não é? - indagou, voltando a se dirigir a Gina.
- Eu não iria tão longe. Existem métodos diferentes de adestrar um cavalo. Não acho que...
-Eu não adestro cavalos. - Harry acariciou a barriga de Teddy e então encarou-a. - Eu os conquisto. Qualquer idiota pode usar uma espora ou um chicote e amedrontar um animal. É necessário ter muita habilidade e paciência para fazer um campeão, ou mesmo um amigo.
Ela esperou por um instante, surpresa ao notar que os próprios joelhos tremiam.
- Por que tenho a impressão de que deseja que eu discorde de você? - Gina pensou em voz alta. Então saiu da baia e passou para a seguinte.
A velha égua saudou Gina com alegria, erguendo e baixando a cabeça, animada.
- Não suporto ver nada, ou ninguém, ser maltratando. - Harry disse em voz baixa logo atrás dela. Gina não se virou nem respondeu. Em vez disso, preferiu dar algum tempo para que a raiva inicial de Harry passasse. - Sobretudo uma criatura que não pode se defender. Isso me deixa enojado e furioso.
- Vou dizer mais uma vez: espera que eu discorde de você?
- Fui rude com você, me desculpe. - Ele tocou-a no ombro, deixando a mão ali... como se estivesse lidando com um cavalo nervoso. - Quando se olha dentro dos olhos de um animal como esse aí atrás, você consegue ver quanto ele é doce e generoso. E então eu vi as cicatrizes causadas por alguém que bateu nele por pura incompetência e maldade. Isso me abalou profundamente, desculpe.
Com esforço, Gina relaxou os ombros.
- Levei três meses para conquistar a confiança de Teddy. Quando isso aconteceu e ele veio comer cenouras na minha mão, chorei como uma criança. Não me fale sobre maus-tratos e cicatrizes.
Harry não ficava envergonhado com freqüência, por isso a vergonha era um sentimento fácil de reconhecer. Ele respirou fundo e tentou começar de novo.
- E qual é a história dessa égua?
- Por que acha que existe uma história? É apenas uma égua.
- Gina. - Ele passou os dedos entre os cabelos. Eu sinto muito.
Ela desviou o olhar, avançando até o animal, que abraçou com carinho.
- O crime dela é sua própria idade. Está com quase vinte anos. Foi abandonada num estábulo e negligenciada. Estava coberta de feridas e piolhos. Acho que os antigos donos simplesmente se cansaram dela.
Brian nem pensou, acariciando-a nos cabelos impulsivamente.
- Quantos animais você possui?
- Oito, contando Sam, mas ele ainda é muito arisco para as crianças.
- E você salvou todos eles?
- Sam foi meu presente de vigésimo primeiro aniversário. Os outros... bem, quando se cresce numa fazenda de criação como esta, acabamos ouvindo histórias, sabe como é... Além disso, precisava deles para a escola.
- Outras pessoas teriam preferido comprar puros-sangues jovens.
- Sim. - Ela baixou o olhar. - Outras pessoas. Desculpe-me, mas agora tenho que alimentar os cavalos e depois vou colocar alguns documentos em ordem.
- Vou lhe dar uma mão com a ração.
- Não é necessário.
- Farei isso mesmo assim.
Gina saiu da baia, mas continuou segurando a portinhola. Decidiu que era melhor lidar com aquele assunto de forma clara e objetiva.
- Harry, você está trabalhando para a minha família numa função essencial, por isso acho que devo ser bem direta.
- Tudo bem. - O tom sério da voz dele não combinava com o brilho estranho em seu olhar.
- Você me incomoda - ela confessou. - De várias maneiras. Talvez seja porque não goste de homens cheios de si insinuando-se como pavões para mim. Mas não é esse o ponto central.
- Sim, é exatamente esse o ponto. De que tipo de homem você gosta?
- Está vendo? É exatamente sobre esse tipo de coisa que estou falando.
Continua [...]
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