Capitulo V



Segundos depois se encontrava diante da porta de Charlie, batendo.
- Entre e seja bem-vindo. Estou aqui dentro - Charlie gritou.
O homem estava sentado a uma escrivaninha. O ambiente fora organizado como um escritório. Havia armários de arquivos numa parede e fotografias de cavalos campeões na parede oposta. As janelas estavam abertas, e num dos cantos da sala encontrava-se um computador. A julgar pelo pó acumulado sobre o monitor, aquele aparelho raramente era usado.
Os óculos de Charlie equilibravam-se na ponta do nariz delgado. Ele fez um gesto indicando uma cadeira.
- Você e Arthur já acertaram todos os detalhes?
- Acertamos. Ele é um homem justo.
- Esperava algo diferente?
- Eu me acostumei a nunca esperar nada, assim não tenho surpresas.
Rindo, Charlie ajeitou os óculos e coçou o nariz.
- Essa foi boa.
- Gostaria de agradecer por ter indicado meu nome para o sr. Weasley.
- Mantive meus olhos e ouvidos em alerta desde que me aposentei. Bem, para dizer a verdade, essa é a segunda vez que vou me aposentar. Arthur e Dee não ficaram satisfeitos com os treinadores que apareceram... sabe como é. Mas dessa vez pretendo me retirar mesmo. Quero que você acerte em cheio, rapaz.
Quando os óculos dele escorregaram outra vez, Charlie retirou-os com certa irritação.
- Ficaremos juntos aqui, se não fizer objeção, pela próxima semana. Depois disso, eu caio fora e o lugar será todo seu.
- Para onde pretende ir?
- Para casa. De volta à Irlanda.
- Depois de todos esses anos?
- Eu nasci lá. E é lá que quero morrer... embora acredite que ainda vá viver por um bom tempo. De qualquer maneira, pretendo passar meus últimos anos na velha Irlanda.
- O que vai fazer lá?
- Oh, ir ao pub contar mentiras - Charlie respondeu com um sorriso. - Beber uma caneca de uma excelente Guinness. Sinto falta disso, vou lhe dizer. A cerveja dos ianques, você sabe, é ruim de amargar!
Harry teve de rir.
- É um longo caminho para percorrer por uma caneca, mesmo sendo de Guinness.
- Bem, e também há aquela pequena fazenda ao sul de Cork, não muito longe de Skibbereen. Conhece Skibbereen?
- Sim. É uma linda cidade.
- Ruas curvas e casas pintadas de branco – Charlie disse com ar sonhador. - Bem, a fazenda não fica longe daquela bela cidade. Minha Molly foi criada lá por minha irmã, depois que seus pais morreram. Quando minha irmã ficou doente, a fazenda passou por maus bocados e Molly tentou administrá-la ao mesmo tempo que cuidava de sua tia Lettie. No fim, Lettie morreu e a fazenda foi à falência, e Molly finalmente voltou para mim. Alguns anos atrás, a fazenda foi colocada à venda, e embora Molly nada dissesse, Arthur comprou a propriedade para ela. O homem conhece o coração da mulher.
- Então é para lá que você vai? - Harry perguntou, sem imaginar por que Charlie estava lhe contando tudo aquilo. - Vai se tornar um fazendeiro?
- É para lá que vou, porém não acredito que vou dar um bom fazendeiro. Mas pelo menos terei alguns cavalos para me fazer companhia...
O homem ajeitou-se na cadeira e contemplou a paisagem pela janela por alguns instantes antes de voltar a falar.
- Vou sentir falta da minha Molly, de Arthur e das crianças. Os amigos que fiz por aqui. Mas eu preciso ir. É como uma comichão, se é que me entende...
- Eu entendo. - Sim. O "pequeno Harry” entendia muito bem o que era aquele tipo de comichão.
- Imagino que voltarei para visitá-los com freqüência... e que eles também me visitarão. Eu vi Molly se casar com um homem que respeito e amo como meu próprio filho. Vi as crianças crescerem e se transformarem em jovens maravilhosos. É uma coisa rara. E ainda tive tempo para treinar dúzias de campeões. Creio que isso me torna um homem afortunado.
- Não fez nenhum plano para sua fazenda... como criar seus próprios campeões?
- Pensei um pouco no assunto, mas no fim decidi que não. Isso não é para mim. - O homenzinho encarou Harry fixamente. - É o que pretende fazer no futuro?
- Não. Ter seu próprio lugar significa criar raízes, não é? De qualquer forma, a maioria dos proprietários deixa o trabalho duro e as decisões para o treinador, e então só se ocupam de administrar.
- Arthur Weasley sabe trabalhar. - Charlie inclinou a cabeça. - Conhece seus cavalos e os ama. Se você merecer sua confiança, ele confiará em você, porém, mesmo assim, vai ficar de olho em cada movimento seu. O homem não se contenta apenas com os louros da vitória, mas tem orgulho de trabalhar duro nos estábulos. E Molly é exatamente igual. Goste você ou não.
- A mulher dele?
Charlie ajeitou-se na cadeira de novo, encarando Harry com certo espanto.
- Você a conheceu ontem, quando ela estava toda arrumada para a festa. Gosto de vê-Ia assim, como uma dama. Mas você vai gostar mais de vê-Ia em ação nos estábulos, lancetando um abscesso ou ajudando no parto de uma égua. Ela não é uma flor delicada. Minha Molly é forte como uma rocha. E uma pessoa muito justa também. Nunca permitiu que os filhos fossem mimados por ninguém. Quando aprender como as coisas realmente funcionam, vai ficar surpreso ao notar que aqui a distância entre o curral e a casa principal não é tão grande quanto em outras fazendas.
- Normalmente, eu até prefiro que não me incomodem durante o trabalho - Harry murmurou, provocando um riso inesperado em Charlie.
- Você está certo, garoto, na maioria dos casos é assim. Mas vai perceber que tudo em Royal Meadows é diferente... dê tempo ao tempo. Bem, acho que agora você vai querer ver o livro de registros dos animais.
Quando Harry deixou Charlie, estava se sentindo no sétimo céu. Tinha adorado aquele lugar e não via a hora de começar a trabalhar com os animais no estábulo.
Tudo o que sempre desejara estava ao alcance de seus dedos. E ele não pretendia desperdiçar aquela chance.
Ao descer as escadas da casa, contornou o prédio caminhando na direção da garagem. Charlie lhe dissera que desse uma olhada na caminhonete vermelha da qual estava se desfazendo antes de viajar para a Irlanda, O carro pareceu bom para Harry. Não precisava de nenhum luxo, apenas um bom meio de locomoção.
Quando voltava para o estábulo principal, ao contornar a garagem ele praticamente colidiu com Gina Weasley.
Ela parecia tão composta e perfeita quanto de manhã. Não havia um fio de cabelo fora do lugar, nenhuma poeira em suas botas. Harry perguntou-se como diabos ela conseguia isso.
- Olá, srta. Weasley. Eu a vi pela manhã no paddock. Montava um belo animal.
Gina estava com calor, irritada e bem perto de explodir desde que o fotógrafo tentara se insinuar durante a sessão de fotos. Aquilo era necessário. Ela precisava de exposição e publicidade, mas não suportava aquele tipo deselegante de assédio.
- Sim, ele é. - Ela fez um movimento brusco para se afastar, porém Harry lhe bloqueou discretamente a passagem.
- Com licença, princesa. Por acaso eu disse ou fiz algo para irritá-la tanto?
O olhar flamejante com que Gina o encarou falava mais do que mil palavras. Aquela mulher estava em ponto de fusão.
- Estou realmente irritada, com uma dor de cabeça terrível. Não é necessário muita coisa para que eu fique furiosa. - Mas Gina respirou fundo. Era melhor se acalmar. Agora Harry Potter fazia parte da equipe do Royal Meadows, e ela não tinha o costume de destratar nenhum funcionário. - Sam é um garanhão árabe de nove anos -murmurou, depois de deixar escapar um suspiro. - Grande trotador. Eu o ganhei quando ele ainda era um potro. - Ergueu a lata de refrigerante que carregava e sorveu um longo gole.
- Isso é tudo que a senhorita coloca dentro do seu corpo? – Harry indicou a lata. - Bolhas e química?
- O senhor fala como minha mãe.
- Talvez seja essa a causa da sua dor de cabeça.
Gina abaixou a mão com a qual pressionara a própria têmpora e percebeu que o olhar daquele irlandês era muito, muito esperto.
- Estou ótima.
- Vire-se.
- O quê?
Lentamente, Harry contornou-a, colocando-se atrás, e levou as mãos até a nuca de Gina, que contraiu os ombros num protesto.
- Relaxe. Não estou tentando assediá-la... Acontece que não consigo ver ninguém sofrendo.
Enquanto falava, ele a massageava com habilidade, desfazendo verdadeiros nós de tensão nos músculos do pescoço fino e longo.
- Respire fundo - ordenou ao notar que ela continuava rígida como uma pedra. - Vamos lá, senhorita, não seja tão durona. Inspire fundo e expire devagar só para me fazer feliz.
Curiosa, Gina obedeceu, tentando não pensar em como era maravilhoso o toque dos dedos daquele homem.
- Outra vez, por favor.
A voz dele era musical, produzindo um efeito quase hipnótico nela. Enquanto era massageada, Gina manteve os olhos fechados. Os músculos foram se soltando, a sensação de mal-estar sumindo. Estava quase em transe.
Ela inclinou-se para trás, gemendo levemente de prazer. Harry manteve as mãos firmes, agindo como um massagista profissional mesmo quando seus olhos baixaram para a pele alva e macia da nuca daquela mulher. Queria beijá-la ali, exatamente onde seus dedos trabalhavam. Sentir o gosto daquela pele aristocrática.
Mas aquilo certamente estragaria tudo antes mesmo de começar. Desejar uma mulher era natural. Arriscar tudo por um instante d;e prazer, porém, era estupidez.
Por isso, ele limitou-se a terminar a massagem e deu dois passos para trás, deixando os braços penderem ao lado do corpo, embora ainda lutasse contra a vontade de envolver Gina Weasley com eles. Quando ela se virou para encará-lo, parecia aliviada, sorrindo como uma menina.
- Nossa, obrigada. O senhor é muito bom nisso.
- Já me disseram. - Ele sorriu desajeitadamente. - Tenho a impressão de que a senhorita precisaria relaxar com mais freqüência. - Lançou um olhar para a lata de refrigerante. - Jogue isso fora, tome água fresca... e troque de roupa. Está muito calor para que fique usando esse uniforme.
Inclinando a cabeça, Gina examinou com mais atenção o rosto másculo daquele irlandês. Os cabelos castanhos eram brilhantes, e os lábios carnudos deliciosamente esculpidos.
- Alguma outra ordem?
- Não, só uma observação.
- Sou toda ouvidos.
- Não, a senhorita está irritada de novo, mas vou lhe dizer de qualquer maneira. Sua boca fica melhor assim, ao natural, em vez de pintada como estava pela manhã.
- Quer dizer que não aprova o uso de batom?
- Não é bem isso. Algumas mulheres precisam usar. A senhorita, não.
Ela meneou a cabeça. A expressão de seu rosto era um misto de espanto e incredulidade.
- Obrigada pelo conselho. - Começou a caminhar para a casa, a fim de tomar uma ducha e trocar de roupa.
- Gina.
Ela se deteve e limitou-se a olhar por sobre o ombro para onde Harry se encontrava, ainda parado no mesmo lugar, com as mãos nos bolsos da velha calça jeans.
- Sim?
- Não foi nada. Só queria experimentar seu nome nos meus lábios. E gostei.
- Eu também gosto. Não é curioso?
Dessa vez, enquanto avia afastar-se, Harry deixou escapar um suspiro. "Está brincando com fogo, Potter", disse a si mesmo. Era melhor afastar-se daquela mulher antes que fosse tarde demais para resistir.

Continua [...]
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Proximo cap. amanhã!
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